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Processo nº 752/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 30 de Maio de 2024

ASSUNTO:
- Residência


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 752/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 30 de Maio de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 04.09.2023 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
O acto recorrido reconheceu erradamente que o Recorrente não residia habitualmente em Macau
1) O acto recorrido concorda com o alegado nos pontos 8 a 10 do parecer, entende que o Recorrente não residia habitualmente em Macau.
2) Os factos citados basearam-se nos dados de entrada e saída do Recorrente e dos seus membros do agregado familiar durante o período compreendido entre 2017 a abril de 2023, no qual indica que entre 2017 a 2021 surgiu situação de redução significativa do tempo de permanência em Macau; pelo que através da situação de permanência em Macau é difícil de reflectir que o Recorrente tenha estabelecido residência habitual em Macau; pois entende que o Recorrente não indicou a razão ou necessidade de ter que viver em Hong Kong; além disso, de acordo com os documentos apresentados pelo Recorrente, verifica-se que, excepto o exercício de actividades comerciais e investimento de imobiliário, a vida e os assuntos quotidianos do Recorrente não giram em torno de Macau, o que reflecte que ele não tem muita vontade de permanecer em Macau. Assim sendo, considera que não se vê o Recorrente tenha demais ligações com Macau, o que demonstra que o Recorrente não reside habitualmente em Macau.
3) No entanto, é do conhecimento geral que desde início de 2020 a princípio de 2023 foi o período do surto da pandemia novo coronavírus, tanto Hong Kong como Macau, bem como toda a China e até o mundo inteiro tiveram políticas de restrições de entrada e saída de diversos graus, podendo se dizer que as entradas e saídas entre Macau e Hong Kong ficaram em estado de suspensão, tanto Hong Kong como Macau surgiram casos de propagação do surto de diversos graus. A fim de suprimir a propagação da pandemia, ambas as regiões implementaram medidas como "teste de ácido nucleico em massa", "confinamento em zonas atingidas", "suspensão dos serviços públicos”, “suspensão das escolas”, "quarentena das entradas” "isolamento domiciliário " etc..
4) Antes de meados de Dezembro de 2022, as pessoas que vinham de Hong Kong para Macau tinham de previamente reservar hotel de quarentena para poder entrar em Macau. (Documento 2)
5) Porém, também é do conhecimento geral que tais hotéis de quarentena são difíceis de reservar e houve situação de ter conseguido reservar hotel de quarentena, mas não se conseguiu comprar bilhete de autocarro para Macau, que por sua vez impossibilitou a vinda de Hong Kong para Macau.
6) Daí se vê que entre 2020 a 2022, o custo (tanto em tempo como em dinheiro) para se deslocar de Hong Kong para Macau era muito elevado.
7) Assim sendo, o Recorrente não teve outra alternativa senão reduzir o número entradas em Macau.
8) Mas, mesmo assim, o Recorrente sob observação médica (isolamento) veio a Macau para tratar dos assuntos necessários pessoais e da companhia, o que demonstra a profunda ligação entre o Recorrente e Macau.
9) Em suma, o Recorrente apenas para evitar o risco trazido pelo novo coronavírus (incluindo contaminação, propagação, etc.), é que mudou temporariamente o seu trabalho e centro da sua vida para Hong Kong durante o período da pandemia que perdurou três anos, isto não significa que no futuro, o Recorrente jamais irá optar em trabalhar e viver em Macau.
10) De acordo com o art.º 4.º, n.º 4, da Lei n.º 8/1999, o número de ausências em Macau não é o único âmbito de consideração, sendo que a referida lei apenas aponta algumas situações como exemplo, o mais importante é, a autoridade administrativa ao determinar se o Recorrente jamais reside habitualmente em Macau, devia considerar as suas “circunstâncias pessoais”.
11) De acordo com o primeiro pedido de renovação em 2017, bem como nos pontos 1 a 7 do parecer do acto recorrido, indicam a situação juridicamente relevante do Recorrente – sobre investimento e participação na exploração de projectos de investimentos relevantes possui exploração e operação real.
12) Tal como afirma no parecer do acto recorrido, o investimento e a situação financeira do Recorrente ao longo dos anos continuam a preencher os pressupostos e requisitos de investimentos relevantes, mesmo durante a pandemia, ele manteve contribuir para o mercado de trabalho e trazer benefícios económicos para Macau.
13) O Recorrente para além de ter criado a "Companhia de Engenharia B Limitada" como investimento relevante para requerer a autorização de residência, estabeleceu ainda duas outras companhias designadas "B Mobiliario Limitada" e "Companhia de Engenharia C Limitada", o Recorrente é accionista e ocupa mais de 90% das acções das companhias. (Documento 3)
14) As duas companhias acima referidas mantêm exploração e operação real em Macau, entre as quais a "Companhia de Engenharia C Limitada" muitas vezes coopera e distribui tarefas com a "Companhia de Engenharia B Limitada" para concluir diferentes obras de manutenção de instalações civis de grande envergadura.
15) Além do mais, tal como demonstra dos elementos apresentados pelo Recorrente constantes no processo, a "Companhia de Engenharia B Limitada" por si investida, presta essencialmente serviços regulares de reparação à Companhia de Electricidade de Macau Limitada (abreviadamente designada por CEM), no qual inclui manutenção regular do sistema de fornecimento de energia, do núcleo do gerador, do sistema de refrigeração, do sistema de sopro de fuligem, amostragem da água do mar e sistema de refrigeração, do sistema de tratamento de águas residuais e do sistema de combustível de matéria-prima de petróleo pesado da Central Térmica de Coloane sita em Ka Ho, Macau, bem como executou a desmontagem e remoção dos equipamentos da antiga usina de energia CMC da CEM. (Documento 4)
16) Em Macau, companhia que consegue prestar os supracitados serviços avançados de manutenção e proficiente em tecnologia de reparação de geradores de energia, só a companhia gerida pelo Recorrente permite fornecer serviços de reparação correspondentes.

17) Durante anos de prestação de serviços à CEM, sempre a companhia gerida pelo Recorrente obteve boa classificação da CEM, até à presente data, as duas partes continuam a manter relação íntima de cooperação. (Documento 5)
18) Além da cooperação com a CEM, a companhia gerida pelo Recorrente também fornece serviços de reparação e manutenção relacionados com os incineradores da companhia "D - Tratamento de Resíduos, Lda.", que abrange reparação do invólucro metálico da torre de cinzas volantes e defletor de entrada da câmara de bolsa, substituição do permutador térmico, reparação dos postos de tratamento de resíduos especiais e perigosos e fornece serviços de reparação geral diária, etc. a companhia gerida pelo Recorrente também obteve boa classificação da companhia "D - Tratamento de Resíduos, Lda.", entre os quais, a obra de montagem de refratário do forno rotativo desempenhou papel fundamental no funcionamento do incinerador. (Documentos 6 e 7)
19) Mais ainda, a empresa gerida pelo Recorrente também prestou serviços à Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau S.A., tais como obras de reparação das bombas de limpeza de água do reservatório, obras de protecção das instalações mecânicas, obras de lavagem das bombas de água, obras de substituição das tiras de plástico dos deflectores de água, obras de reparação de acessórios, obras de diminuição do ruído e obras de alteração das persianas de ventilação etc.. (Documento 8)
20) E é vulgar executar as obras de reparação concedidas pelo IDM, tais como obras de reparação da iluminação de emergência para instalações desportivas em Macau, obras de reparação da iluminação de emergência para instalações da Taipa, obras de reparação da iluminação de emergência do Pavilhão Polidesportivo Tap Seac e reparações do revestimento das paredes do pavilhão C2 do Macau Dome, obras de aperfeiçoamento do sistema de irrigação do Macau Dome, prestação de serviços de protecção e manutenção dos equipamentos de piscina do IDM sobre sistema de tratamento de água das piscinas, prestação de serviços de manutenção e reparação do sistema de fornecimento de energia das instalações desportivas do IDM, obras de aperfeiçoamento do equipamento de fornecimento de energia do Centro de Medicina Desportiva e reparação de instalações danificadas do Centro Internacional de Tiro, etc. (Documento 9)
21) A empresa gerida pelo Recorrente também fez parte na construção do sistema contra incêndios da pista do Aeroporto de Macau. (Documento 10)
22) Para além da manutenção e reparação dos referidos equipamentos civis relevantes, a companhia gerida pelo Recorrente realizou também obras de renovação na Universidade das Nações Unidas de Macau e prestou serviços de manutenção dos sistemas de refrigeração e de drenagem do campo da Escola Secundária da Paróquia de São José nº 6 (Documento 11)
23) No futuro, o Recorrente continuará a introduzir algumas novas indústrias de alta tecnologia em Macau, tais como sistema de ar condicionado radiante, sistema de prevenção de fumo, sistema de correia transportadora de alta velocidade e alguns novos tipos de materiais de construção.
24) Visto o supracitado, não é difícil de verificar que a companhia investida e operada pelo Recorrente tem grande relação com os serviços de instalações civis de Macau e, como a sua companhia domina a tecnologia avançada e é profissional, portanto não existe em Macau outra companhia que o possa substituir ou que preenche os padrões para fornecer os serviços acima referidos.
25) Na verdade, o Recorrente começou a trabalhar e viver em Macau desde 1997, e só por volta de 2005 é que trouxe de Hong Kong para Macau, talentos profissionais proficientes em reparação para aqui se desenvolver, com o objectivo de elevar o nível de serviço de reparação de infra-estruturas de Macau. (Documento 12)
26) Durante quase mais de duas décadas em Macau, o Recorrente fez o melhor para servir a sociedade e desejaria que a tecnologia acima mencionada localizasse em Macau, muitos dos trabalhadores locais já conseguem executar independentemente trabalhos de reparação, sem a necessidade do apoio da equipa de Hong Kong, tendo assim formado excelente pessoal de engenharia para a região, o papel desempenhado pelo Recorrente não pode ser ignorado, o qual usou metade da sua vida para contribuir para Macau, tal demonstra manifestamente que o Recorrente tem ligação profunda com esta região.
27) Devido à participação do Recorrente, o desenvolvimento dos serviços das instalações de infra-estruturas de Macau teve uma melhoria significativamente.
28) Mais ainda, o Recorrente reside em Macau há mais de 20 anos, adquiriu bens imóveis para uso da companhia. (Documento 13)
29) A fim de se tornar mais conveniente a sua vida e trabalho em Macau, o Recorrente em nome da companhia arrendou um apartamento sito na Rua… e parque de estacionamento nº … do 5º andar, para o Recorrente aí viver e usar permanentemente. (Documento 14)
30) O Recorrente também cumpriu todas as obrigações como cidadão de declarar e pagar impostos, e durante mais de vinte anos nunca teve antecedentes criminais, durante a recessão e depressão económica causadas pela pandemia, nunca demitiu nenhum trabalhador local, sempre ajudou os trabalhadores a pagar contribuição para o fundo de segurança social, e sempre manteve relação amigável entre empregador e empregados. (Documentos 15 e 16)
31) Com base nisto, por volta de 2013, o Recorrente decidiu apresentar pedido de autorização de residência ao IPIM, na esperança de se tornar verdadeiramente residente de Macau e continuar a prestar serviços para as infra-estruturas civis de Macau, bem como desejaria no futuro poder aposentar-se e viver com a sua família em Macau.
32) Pelo exposto, o Recorrente desde 1997 até à presente data, sempre viveu, trabalhou e contribuiu para Macau, tal forte dedicação e contribuição proporcionaram para o desenvolvimento próspero de Macau. Com base nestas circunstâncias pessoais do Recorrente, se determinar que o Recorrente já deixou de ter residência habitual em Macau, evidentemente existe grande divergência com os factos relevantes e é uma violação do disposto no do art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, assim sendo, de acordo com o disposto no art.º 124.º do CPA, tal acto administrativo por padecer de vício é anulável, pois deve ser anulado.
O acto recorrido viola o princípio da adequação previsto no art.º 5.º do CPA
33) De acordo com o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do CPA: 2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
34) De acordo com o grande número de documentos acima citados, verifica-se que, antes de o Recorrente requerer para se tornar residente de Macau com fundamento de investimento relevante, sempre manteve em introduzir tecnologia avançada em engenharia, a formar talentos e a prestar serviços de reparação e manutenção para as diversas instituições públicas e privadas de Macau.
35) E ainda, no futuro continua a haver nova tecnologia que está agora a planear para introduzir em Macau, o que irá trazer ainda mais vantagens para esta região e contributo para o desenvolvimento tecnológico e mão de obra do sector de engenharia de Macau.
36) O disposto no art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, al. 2 do RA n.º 3/2005 pretende através da concessão do estatuto de residente de Macau como um incentivo para atrair investidores excelentes a virem para Macau investir em actividades industriais e comerciais, e essas actividades industriais e comerciais irão trazer benefícios para a RAEM.
37) Através dos factos e documentos apresentados no presente recurso, conclui-se que a companhia criada pelo Recorrente sempre prestou excelentes serviços de manutenção das instalações da CEM, da protecção do ambiente, dos recursos hídricos e das entidades públicas.
38) Todas as actividades acima mencionadas trouxeram enormes benefícios para esta região e continuam a ser executadas, tal contributo sempre foi reconhecido pela autoridade administrativa. (Vide referido parecer)
39) Quanto ao disposto no art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999 e art.º 43.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 16/2021, o interesse público protegido por tais disposições é permitir que os titulares da autorização de residência em Macau tenham ligação adequada com esta região e excluir os que não tenham ligação com Macau obtenham o direito de residência em Macau.
40) O Recorrente requereu a imigração e residência por investimento revelante nos termos do art.º 1.º, n.º 2, do RA n.º 3/2005, sempre trabalhou arduamente para manter a operação e obtenção dos lucros, tem pago impostos, introduzido técnicas, formado talentos, tudo isto permite reflectir a ligação profunda entre o Recorrente e esta região.
41) Até através do respetivo registo comercial permite saber que, embora a companhia existe dois membros do órgão de administração, contudo só o Recorrente pode assinar documentos em nome da companhia.
42) O indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente e da sua família prejudica, antes de mais, os interesses do Recorrente.
43) Na verdade, o sucesso da companhia do Recorrente em Macau deve-se à sua dedicação na exploração e conhecimentos no sector de engenharia, o indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente e da sua família também irá implicar a perda de um importante comerciante nesta região e estaria a eliminar os enormes benefícios que ele trouxe para esta região no passado.
44) Se ignorarmos os negócios explorados pelo Recorrente nesta região e a sua profunda ligação com Macau e por sua vez trouxe benefícios para esta região, apenas focar nos dias de permanência do Recorrente em Macau para determinar que o Recorrente não tem ligação com Macau, e que jamais considera Macau a sua residência habitual (sem referir que durante o período entre 2020 e 2023, o Recorrente reduziu o número de dias de entrada em Macau não por vontade própria), e com este fundamento indeferiu a renovação da autorização de residência do Recorrente e dos seus membros do agregado familiar, pois esta rejeição foi, sem dúvida, desproporcional e inadequado.
45) Posto isto, o acto recorrido viola o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do CPA, de acordo com o disposto no art.º 124.º do CPA, tal acto administrativo por padecer de vício é anulável, pois deve ser anulado.
O acto recorrido viola o princípio da boa-fé previsto no art.º 8.º do CPA
46) De acordo com o disposto no art.º 8.º, n.º 2, al. b) do CPA: 2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.
47) Em primeiro lugar, desde 30 de abril de 2013, data em que o Recorrente foi aprovado pela primeira vez a autorização de residência por investimento relevante, nunca foi informado de que a residência habitual em Macau é condição necessária, bem como quantos dias tinha de permanecer em Macau para considerar residente habitual de Macau.
48) A informação obtida pelo Recorrente era apenas de ter que comunicar o IPIM quando houver qualquer alteração da situação jurídica da companhia investida.
49) O recorrente foi autorizado pela primeira vez a renovação em 24 de fevereiro de 2017. Antes disso, de acordo com os registos de entrada e saída do Recorrente entre 2013 a 2016 emitidos pelo DARP da PSP, constava que ele permaneceu em Macau durante 83 dias, 132 dias, 146 dias e 158 dias respectivamente. (Documento 17)
50) No entanto, nessa altura, a entidade recorrida nunca informou ao Recorrente da situação de permanência insuficiente em Macau, nem foi avisado de que no futuro terá que prestar atenção ao período de permanência em Macau, sendo que o Recorrente manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, tendo assim deferido a renovação da autorização de residência do Recorrente e da sua família.
51) O recorrente apresentou pedido de renovação ao IPIM em 4 de janeiro de 2019, consultado os registos de entradas e saídas do recorrente entre 2017 a 2018 emitidos pelo DARP da PSP, o número de dias de permanência em Macau foi 165 e 147. (Documento 17)
52) Daí se vê que que o número de dias de permanência em Macau não foi muito diferente do período entre 2013 a 2016.
53) De acordo com a interpretação doutrinária sobre o conceito do princípio da boa-fé é: criar um ambiente de confiança e previsibilidade nas autoridades da administração pública. (Curso de Direito Administrativo Volume 2 - escrito por DIOGO FREITAS DO AMARAL, traduzido por Wong Hin Fai, Wong Sok Hei e Wong Keng Hei (Social Science Academic Press) - página 79)
54) Neste caso, o Recorrente solicitou a renovação pela primeira vez em princípio de 2016 e foi aprovado em 24 de fevereiro de 2017, a entidade recorrida nunca falou com o Recorrente sobre a questão do número de dias de permanência em Macau, pelo que o Recorrente confiou nas condições aprovadas desta vez neste procedimento administrativo, que depois da renovação, baseando nas mesmas condições anteriores, continuou a investir e a permanecer em Macau. (Documento 18)
55) Aquando do segundo pedido de renovação em 2019, o Recorrente apresentou o pedido quase nas mesmas condições anteriores, contudo o pedido foi indeferido, bem como decorrido quatro anos é que obteve tal resultado, além disso, o conteúdo examinado não foi apenas a situação apreciada e aprovada no pedido inicial, mas sim foi acrescentada a situação desfavorável dos últimos quatro anos que não foi causada por vontade do próprio Recorrente (dificuldades de entrada em Macau devido à pandemia).
56) O Recorrente depois de apresentar o pedido (14 de março de 2019), a entidade recorrida chegou a realizar audiência escrita, contudo não apontou a questão do número de dias de permanência em Macau, em 31 de março de 2020 solicitou ao Recorrente para apresentar documentos complementares, que também não referiu sobre a questão do número de dias de permanência em Macau, só ao fim de quatro anos (6 de março de 2023), sobre a questão da redução acentuada do número de dias de permanência em Macau durante os últimos três anos devido à pandemia, é que tornou a realizar audiência escrita face ao pedido do Recorrente apresentado em 2019.
57) Citando a experiência que teve o Recorrente da primeira vez que foi autorizado o pedido, e que dois anos depois o Recorrente pela mesma situação apresentou, pela segunda vez, pedido de renovação ao IPIM, tendo sido autorizado o pedido do Recorrente que era da sua expectativa razoável, e essa expectativa razoável foi devido à entidade recorrida ter autorizado pela primeira vez o pedido, sendo assim, a entidade recorrida neste procedimento administrativo viola a boa-fé, a confiança do Recorrente em obter a autorização do pedido relevante deve ser protegida.
58) Pelo exposto, o indeferimento da entidade recorrida viola o princípio da boa-fé previsto no art.º 8.º do CPA, pelo que, de acordo com o disposto no art.º 124.º do CPA, tal acto administrativo por padecer de vício é anulável, pois deve ser anulado.
O acto recorrido viola os princípios da desburocratização, da eficiência previstos no art.º 12.º do CPA e o dever de celeridade previsto no art.º 60.º do CPA.
59) O art.ºs 12.º e 60.º do CPA estipula: A Administração Pública deve providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, quer recusando e evitando factos que causam dilação.
60) O n.º 1 do art.º 15.º do RA n.º 3/2005 estipula que, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau apresenta ao órgão competente uma proposta fundamentada de decisão no prazo de 45 dias úteis contados da apresentação do requerimento.
61) Porém, o procedimento relevante foi suspenso devido a audiências escritas decorridas entre 14 de março de 2019 a 3 de abril de 2019 e entre 31 de março de 2020 a 8 de abril de 2020 por causa do IPIM ter exigido ao Recorrente a apresentação de dados complementares, no entanto, cada vez terminado a suspensão, o IPIM, nunca no prazo de 45 dias úteis, apresentou à entidade recorrida o parecer em causa.
62) Pelo contrário, entre 8 de abril de 2020 e 3 de fevereiro de 2023, o Recorrente tinha questionado o IPIM sobre a situação do andamento do processo, mas o IPIM apenas respondeu ao Recorrente que está processando.
63) O pedido em causa foi apresentado em 4 de janeiro de 2019, e a decisão foi proferida em 4 de setembro de 2023, feito o cálculo de todos os períodos de suspensão que também obviamente excedeu o período de 180 dias.
64) O tempo que decorreu para tomar a decisão foi muitos anos depois do pedido, além disso, durante esse período ocorreu factos por força maior o que dificultou o regresso do Recorrente para Macau, fazendo com que a situação do Recorrente se alterasse à que existia aquando do pedido, pois é evidente que a decisão tomada pela entidade recorrida foi inoportuna e injusta.
65) Ou seja, o acto administrativo em causa viola integralmente o disposto no art.ºs 12.º e 60.º do CPA, pelo que, de acordo com o disposto no art.º 124.º do CPA, tal acto administrativo por padecer de vício é anulável, pois deve ser anulado.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão tomada pela entidade recorrida em 4 de Setembro de 2023 de não deferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar beneficiado não padecia do vício alegado pelo recorrente.
2. Em primeiro lugar, a “Residência habitual” é um conceito incerto e a lei não enumera, a nível jurídico, o critério do juízo em relação à “residência habitual”.
3. Nos termos do no. 2 do artigo 30º do Código Civil: “Considera-se residência habitual o lugar onde o indivíduo tem o centro efectivo e estável da sua vida pessoal.”.
4. Analisar se reunir a residência habitual, além de considerar o local de residência do indivíduo, está também relacionada com o centro de vida do indivíduo e com as diversas relações (jurídicas) aí estabelecidas, e essas relações devem ser efectivas e estáveis.
5. Neste caso, o recorrente e o seu agregado familiar beneficiado não tomam Macau como centro de vida. Permanecem em Macau poucos dias por ano e, em alguns anos, não tem registos de entrada. Vivem fora por longo tempo e a única ligação com Macau é o investimento do recorrente em Macau.
6. O recorrente manteve o seu centro de residência fora de Macau por vontade pessoal, e Macau é apenas um lugar onde este vem quando for necessário para tratar de negócios.
7. Desde o início da epidemia de novo coronavírus, todos os residentes de Macau têm podido entrar e sair livremente de Macau e nunca foram impedidos, pelo que, a epidemia não é uma razão justificável para estes não virem a Macau.
8. Escolher um local de residência adequado é normal, mas é também a mesma coisa que muitos requerentes de fixação de residência por investimento enfrentam - ter de escolher entre mudar-se para Macau ou permanecer no seu local de origem.
9. Em suma, o recorrente veio a Macau apenas para tratar de negócios, além disso, este e a sua família não tinham individualmente qualquer ligação com Macau, nem tinham intenção de se mudarem para Macau após a obtenção da autorização de residência.
10. Sem uma ligação suficientemente forte, é difícil provar que o recorrente e o seu agregado familiar que beneficia cumprem os requisitos para a residência habitual em Macau.
11. Em segundo lugar, a decisão recorrida também não violou os princípios da boa fé, da adequação e da proporcionalidade.
12. Dentro das diversas jurisprudências anteriores, acredita-se que: “Alegar uma violação do princípio da boa fé só faz sentido quando o acto da Administração prejudica a confiança que o particular que deposita no acto em causa durante longo tempo.”
13. Conforme acima referido, a alínea 3) do no. 2 do artigo 43o da Lei nº. 16/2021 estipula claramente que o titular de uma autorização de residência deve residir habitualmente na Região Administrativa Especial de Macau, caso contrário, a sua autorização de residência pode ser revogada ou não renovada.
14. Portanto, o regime da autorização de residência tem certo significado constitucional.
15. Por este motivo, a fim de salvaguardar os interesses gerais da sociedade e o valor central do regime da residência por investimento, se o pressuposto ou condições da autorização de residência forem violados, a autorização de residência deverá ser revogada.
16. Neste caso, o recorrente não reuniu as disposições legais, as autoridades administrativas aplicaram a lei de acordo com as disposições legais e não encontraram erros evidentes ou graves, pelo que o princípio da boa fé não foi violado.
17. O objectivo legislativo do Regulamento Administrativo nº. 3/2005 -《regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados》é atrair investimentos economicamente benéficos para Macau e é um regime de residência para a introdução de técnicas especiais e talentos de alta qualidade para permanecerem em Macau.
18. Nos termos do artigo 23º do Regulamento Administrativo nº. 3/2005 - é subsidiariamente aplicável a alínea 3) do no. 2 e no. 3 do artigo 43º da Lei nº. 16/2021, é muito claro e inequívoco que o recorrente e o seu agregado familiar de que beneficia estão obrigados a cumprir os requisitos de residência habitual.
19. Para ser reconhecido como residente permanente de Macau, o indivíduo e o centro da sua vida devem estar suficientemente ligados a Macau.
20. O recorrente permaneceu em Macau apenas poucos dias nos últimos anos, não era frequente nem regular. A vinda a Macau tem por objectivo tratar de negócios e não há contacto pessoal, nenhum dos seus familiares reside em Macau. A forma de permanência do recorrente em Macau já não podia satisfazer a finalidade legislativa do regime de residência.
21. No recurso contencioso, não é um lugar adequado para avaliar a contribuição do recorrente para Macau, mas fazer contribuições para Macau através da atracção de talentos é de facto a finalidade do regime de residência estipulado no Regulamento Administrativa nº. 3/2005, e espera-se que através do regime de residência, os talentos podem permanecer em Macau para fazer contribuições adequadas, de longo prazo e de forma contínua e tornar-se parte dos residentes de Macau, em vez de apenas transitarem através da fronteira.
22. Por último, ainda que a decisão recorrida não tenha sido proferida no prazo previsto no artigo 61º do Código do Procedimento Administrativo, acreditamos que se fosse proferida no prazo, não traria alterações absolutas, nem resultaria em aprovação à renovação do recorrente, pelo que, não causou situação de injustiça.
23. Mesmo que se considere que viole alguns princípios processuais, não constituirá o motivo para a nulidade do acto administrativo.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio o Recorrente fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) No seguimento do pedido de renovação de autorização de residência em Macau formulado pelo Recorrente foi o mesmo indeferido por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 04.09.2023, nos termos e com os fundamentos constantes do parecer nº 0449/2011/02R elaborado pela IPIM, a qual consta de fls. 17 a 21 e traduzida a fls. 414 a 432 e com o seguinte teor:
«(…)
2. O requerente A foi concedido pela primeira vez autorização de residência temporária em 30 de abril de 2013, com validade até 30 de abril de 2016, posteriormente em 24 de fevereiro de 2017 foi autorizada pela primeira vez a renovação, com validade até 30 de abril de 2019, tendo ao mesmo tempo concedida a autorização de residência temporária ao seu cônjuge E e aos membros do seu agregado familiar F, G e H, com validade até 30 de abril de 2019. Posteriormente, o requerente apresentou o pedido de renovação em 4 de janeiro de 2019.
3. De acordo com os elementos constantes no processo, o requerente ainda mantém relação conjugal com a sua esposa E.
4. De acordo com os registos criminais de Macau do requerente, sua esposa I e membro do agregado familiar F por si apresentado, até agora ainda não foi detectada qualquer situação de violação penal.
5. A fim de confirmar com mais rigor a relação de parentesco entre o requerente e os três descendentes acima mencionados, F, G e H, o requerente aquando requereu a extensão da autorização apresentou os registos de nascimento dos respectivos membros do agregado familiar.
6. Para efeitos de renovação, o requerente apresentou ao nosso instituto documentos comprovativos do investimento relevante, com os dados seguintes (vide documentos nas fls. 34 a 330)
Nome comercial: "Companhia de Engenharia B Limitada" (vide fls. 308)
Capital social: MOP$ 30.000,00 (ver página 312)
Proporção accionária: 90%, ou seja 27.000,00 patacas (vide fls. 313)
Negócio explorado: obras de ar condicionado, obras de ferragem, obras de isolamento térmico, manutenção e instalação de máquinas (vide fls. 308)
Endereço operacional: (1) Avenida…, Macau (fls. 303 a 306, 309 e 316 a 327):
(2) Central Térmica de Coloane sita em Ka Ho, Macau (dado que a "Companhia de Engenharia B Limitada" e a "CEM" assinaram contrato de trabalhos de manutenção da mesma, pelo que necessita de providenciar pessoal para trabalhar permanentemente nesse endereço, por isso esse local de operação não possui contrato de arrendamento) (fls. 34 e 264 a 285).
Número de trabalhadores: Até ao 4º trimestre do ano de 2022, o projecto de investimento relevante contratou um total de 20 trabalhadores locais (vide fls. 263)
Nota: De acordo com o projecto de investimento e certificado de registo comercial apresentados pelo requerente, o endereço original da pessoa colectiva do respectivo projecto de investimento localizava-se na "Avenida…, Loja B, posteriormente, o requerente apresentou declaração comunicando ao nosso Instituto de que a partir de 3 de janeiro de 2020, o endereço da pessoa colectiva mudou para a "Avenida…, Macau" (vide fls. 34, 303 e 309).
7. Assim, foi apreciado os documentos da renovação desta vez, sendo os dados e a análise do projecto de investimento a seguinte:
(1) O requerente detinha originalmente 96,67% do capital da "Companhia de Engenharia B Limitada" que explora negócios de obras de ar condicionado, obras de ferragem, obras de isolamento térmico, manutenção e instalação de máquinas, tendo concedido a renovação da autorização de residência temporária pela primeira vez.
(2) Através da certidão do registo comercial apresentado pelo requerente no pedido de renovação de 4 de janeiro de 2019, demonstra que em 4 de agosto de 2017 houve alteração da proporção accionária da "Companhia de Engenharia B Limitada", o requerente inicialmente detinha a proporção accionária de "96,67%" reduziu para "90%", reflectindo que o requerente não notificou oportunamente ao nosso instituto a alteração da respectiva situação (vide documento nas fls. 313).
(3) Com base na situação acima, o nosso instituto em 14 de março de 2019 através dos ofícios nº 00497/DJFR/2019 e nº (01322/DJFR/2019), realizou audiência escrita com o requerente e seu cônjuge (vide fls. 367 a 372), tendo os interessados, em 27 de março de 2019, apresentado opinião escrita a este instituto (vide fls. 373 a 374), tanto o requerente como o seu cônjuge salientaram nas suas respostas escritas que, uma vez que a alteração da proporção accionária não foi significativa, o requerente continua a ser o maior accionista, pelo que por negligência, esqueceu-se de ter que avisar imediatamente a este instituto.
(4) Após análise da situação do projecto de investimento utilizado pelo requerente para requerer a autorização de residência temporária, considera-se estabelecido o investimento realizado pelo requerente em Macau aquando requereu pela primeira vez o pedido de autorização de residência temporária ( n.º 0449/2011), e o investimento relevante dedica-se principalmente em obras de ar condicionado, obras de ferragem, obras de isolamento térmico, manutenção e instalação de máquinas, pois o projecto em causa continua a implentar hoje em dia em Macau.
(5) Segundo o parecer da aprovação do primeiro pedido de renovação do requerente, o projecto de investimento relevante tem dois locais de operação, nomeadamente na “Avenida…, Macau” e na “Central Térmica de Coloane Macau sita em Ka Ho” (vide fls. 691 a 694), de acordo com a declaração e documentos comprovativos apresentados pelo requerente desta vez, o requerente adquiriu em seu próprio nome o escritório situado na “Avenida…, Macau (vide fls. 303, 309 e 316 a 327)" em substituição à citada “Avenida…, Macau” como local de operação, actualmente o projecto de investimento relevante ainda continua a operar em dois locais, o número de locais de operação não foi alterado.
(6) Por outro lado, de acordo com os comprovativos de contribuição do fundo de segurança social da "Companhia de Engenharia B Limitada" no período compreendido entre o 1º trimestre de 2017 a 4º trimestre de 2022 apresentados pelo requerente, também reflete que a companhia continua a contratar nada menos que 19 trabalhadores locais (vide fls. 255 a 263), bem como continua a pagar contribuições para o fundo de segurança social.
(7) De acordo com o Imposto Complementar de Rendimentos Grupo A da respectiva companhia - Declaração de Rendimentos e Relatório Financeiro elaborado por contabilista de Macau apresentado pelo requerente (vide fls. 68 a 225), a situação de investimento da companhia desde 2016 a 2021 é a seguinte:
Projecto (MOP)
2016
2017
 2018
 2019
2020
2021
Capital fixo
10.723.502,00
11.167.218,66
 11.182.323,66
 11.787.310,97
12.031.075,00
10.307.199,00
Outras despesas de operação
1.014.295,00
1.093.599,00
 989.689,00
 1.067.631,22
846.313,00
719.195,00
Despesas de pessoal
4.268.076,00
5.303.534,00
 4.923.808,00
 5.256.487,06
4.808.221,00
4.480.717,00
valor total do investimento
16.005.873,00
17.564.351,66
 17.095.820,66
 18.111.429,25
17.685.609,00
15.507.111,00
Proporção accionária
96,67%
90%
 90%
 90%
90%
90%
Capital invest. calc. com base na prop. accionária
15.472.877,43
15.807.916,49

 15.386.238.59
 
 16.300.286,33
 
15.917.048,10

13.956.399,90

A situação de investimento reflectida nos respectivos documentos demonstra que tal companhia continua a operar e a investir em Macau, bem como cumpriu as suas obrigações de declarar e pagar os impostos relevantes.
(8) De acordo com o relatório de inspeção in loco de casos de investimento relevante feito pelo nosso instituto, demonstra que tal projecto de investimento relevante do requerente tem exploração e operação real. (vide fls. 331 a 335).
(9) Embora o requerente não comunicou oportunamente a este instituto sobre a respeciva alteração da situação, mas tendo em conta que o direito das acções do requerente não mudou significativamente, o qual continua a ser o maior accionista do projecto de investimento relevante, assim como, tal projecto de investimento relevante continua a operar e a investir em Macau, que durante a pandemia manteve em contribuir para o mercado de trabalho de Macau, pelo que é da opinião não tomar qualquer consideração negativa sobre essa alteração da situação.
8. O nosso instituto em 6 de fevereiro de 2023 e 2 de maio de 2023 através dos ofícios nº OF/00979/DJFR/2023 e nº OF/03692/DJFR/2023 respectivamente, solicitou à PSP o fornecimento dos registos de entrada e saída e informações relevantes do requerente e dos seus membros do agregado familiar, cujos dados são os seguintes (vide fls. 658 a 690):
Período
Número de dias de permanência do requerente A em Macau
1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017
165
1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018
147
1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019
119
1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020
85
1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021
0
1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022
45
 1º de janeiro de 2023 a 30 de abril de 2023
48
   
Período
Número de dias de permanência do requerente E em Macau
1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017
19
1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018
10
1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019
5
1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020
0
1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021
2
1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022
0
1º de janeiro de 2023 a 30 de abril de 2023
8
   
Período
Número de dias de permanência do requerente F em Macau
1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017
11
1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018
4
1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019
1
1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020
0
1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021
0
1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022
0
1º de janeiro de 2023 a 30 de abril de 2023
0
   
Período
Número de dias de permanência do requerente G em Macau
1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017
12
1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018
2
1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019
1
1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020
0
1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021
0
1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022
0
1º de janeiro de 2023 a 30 de abril de 2023
3
   
Período
Número de dias de permanência do requerente H em Macau
1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017
12
1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018
3
1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019
2
1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020
0
1º de janeiro de 2021 a 31 de dezembro de 2021
0
1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022
0
1º de janeiro de 2023 a 30 de abril de 2023
3
De acordo com os registos de entrada e saída dos interessados, não demonstram suficientemente que o requerente e os seus membros do agregado familiar tomam Macau como o centro das suas vidas durante o período da autorização de residência temporária, sendo assim deixaram de reunir as condições para a manutenção da residência temporária.
9. Com base nessa situação, não será favorável ao pedido de renovação da autorização de residência temporária do requerente, pelo que em 6 de março de 2023, este instituto realizou audiência escrita com os interessados (vide fls. 641 a 652). Posteriormente, em 22 de março de 2023, os interessados apresentaram resposta à opinião escrita (ide fls. 653 a 656), nomeadamente com teor seguinte:
(1) O requerente salienta que nos últimos três anos devido à pandemia novo coronavírus, as entradas e saídas das pessoas entre Hong Kong e Macau ficaram quase paralisadas, originando a que ele não pôde entrar e sair normalmente entre os dois locais todas as semanas para tratar dos negócios da companhia e permanecer em Macau como habitualmente, perante tais limitações, para conseguir manter a operação da companhia nos dois locais e cuidar da sua família, o requerente só podia ocasionalmente deixar tudo, mediante observação médica de prevenção da epidemia, entrar em Macau tratar dos assuntos da companhia e dos assuntos pessoais.
(2) O requerente afirmou que investe em Macau há muitos anos e tem contribuído o melhor que pôde para manter o funcionamento da companhia em Macau durante a pandemia, nem sequer por influência da pandemia reduziu os seus empregados.
(3) O requerente afirma que a partir do início deste ano, aquando as passagens fronteiriças entre Hong Kong e Macau voltaram gradualmente à normalidade, ele tem regressado regularmente todas as semanas a Macau para tratar dos assuntos da companhia e da sua residência, portanto pôde verificar que ele não permaneceu antes em Macau foi por causa da pandemia.
(4) O cônjuge do requerente afirma que nos últimos três anos por causa da pandemia novo coronavírus e necessidade de cuidar dos filhos menores que estudam no estrangeiro, fez com que ela não pôde entrar normalmente em Macau para aqui residir;
(5) O descendente do requerente, F, afirma que nos últimos três anos por causa do bloqueio do novo coronavírus e ter que estudar no estrangeiro, não pôde permanecer normalmente em Macau.
10. Face à situação de permanência do requerente em Macau fez-se a seguinte análise:
(1) Nos termos do art.ºs 18.º e 23.º do RA n.º 3/2005 com aplicação subsidiária do art.º 43.º, n.º 2, al. (3) da Lei n.º 16/2021, os interessados devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, os requisitos, pressupostos, situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização e residir habitualmente na RAEM.
(2) De acordo com o art.º 4.º, n.º 4, da Lei n.º 8/1999: 4. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores;
(3) A análise da situação de permanência do requerente em Macau é a seguinte:
(3.1) Através do dados de entrada e saída do requerente A desde 2017 a 30 de abril de 2023 fornecidos pela PSP, o número de dias que o requerente permaneceu em Macau em cada ano foi de 165, 147, 119, 85, 0,45 e 48 respetivamente, no período entre 2017 a 2021 o número de dias de permanência em Macau surgiu situação de redução significativa, além disso, desde que saiu de Macau em 9 de novembro de 2020, só tornou a entrar em Macau em 13 de setembro de 2022, houve um período de 22 meses que não entrou em Macau, o que reflecte que durante o referido período esteve ausente de Macau a maior parte do tempo;
(3.2) Embora o requerente tenha declarado neste pedido de renovação que a sua residência actual situa-se “na Rua…” (vide fls. 1), porém através da situação de permanência em Macau é difícil refletir que ele tem residência habitual em Macau;
(3.3) De acordo com a situação familiar declarada pelo requerente no pedido de autorização de residência temporária, seu cônjuge e três descendentes residem actualmente no “…, San Po Kong, Kowloon, Hong Kong”, através das opiniões escritas relevantes, refletem também que seu cônjuge e descendentes vivem e estudam em Hong Kong (vide fls. 5 a 8), apenas o requerente investe e opera negócios de engenharia em Macau, visto o local de residência dos principais membros do agregado familiar, não reflecte que o requerente toma Macau como o centro da vida familiar;
(3.4) O requerente explicou que devido à pandemia novo coronavírus nos últimos três anos, as entradas e saídas das pessoas entre Hong Kong e Macau ficaram quase paralisadas, originando a que ele não pôde entrar e sair normalmente entre os dois locais todas as semanas para tratar dos negócios da companhia e permanecer em Macau como habitualmente, salienta-se que o surto da pneumonia causadas pela pandemia novo coronavírus só deu-se no início do ano 2020, contudo entre 2017 a 2019, o número de dias que o requerente permaneceu em Macau em cada ano foi de apenas 165 dias , 147 dias e 119 dias, respectivamente, ou seja, o requerente não esteve em Macau a maior parte do tempo antes da pandemia, em termos objectivos, reflecte que a pandemia não é uma razão pela qual originou a que o requerente não pôde residir habitualmente em Macau;
(3.5) Além disso, foi concedida a autorização de residência temporária ao requerente, através da sua resposta escrita reflecte-se que ele tinha conhecimento de que basta cooperar com as medidas de quarentena para poder entrar em Macau, mas o requerente não indicou a razão ou necessidade de ter que permanecer em Hong Kong, pelo que reflecte que tinha sido o próprio requerente em optar a RAEHK como centro da sua vida, ora por vontade sua não optou viver em Macau, então não constitui obstáculo razoável;
(3.6) O requerente afirma que a partir do início deste ano, aquando as passagens fronteiriças entre Hong Kong e Macau voltaram gradualmente à normalidade, ele tem regressado regularmente todas as semanas a Macau para tratar dos assuntos da companhia e da sua residência, embora através dos registos de entrada e saída relevantes demonstrem que o número de dias de permanência do requerente em Macau até 30 de abril de 2023 foi de 48 dias, mas tal situação de permanência em Macau não é suficiente para provar que o requerente transferiu o centro da sua vida para Macau;
(3.7) O requerente obteve autorização de residência temporária desde 30 de abril de 2013, até à presente data já decorreu pelo menos 10 anos, porém, mediante dos documentos apresentados pelo requerente, excepto exercer actividades comerciais e investir em imóveis de Macau, não se verifica que os assuntos diários do requerente giram em torno de Macau e a existência de demais ligações com Macau, o que reflecte que o requerente não tem grandes intenções de permanecer em Macau;
(3.8) Com base na análise acima, não existem fundamentos razoáveis que impeçam o requerente de residir habitualmente em Macau, feito a análise aplicando o disposto no art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, o requerente não estabeleceu residência habitual em Macau, nem considera Macau o centro da sua vida familiar, não se verificando que ele tenha demais ligações com Macau, portanto demonstra que ele não reside habitualmente em Macau.
(4) A análise da situação de permanência do cônjuge e descendentes do requerente em Macau é a seguinte:
(4.1) De acordo com os elementos de entrada e saída relevantes, o número de dias que o cônjuge do requerente E permaneceu cada ano em Macau, desde 2017 a 30 de Abril de 2023, foi de 19, 10, 5, 0,2, 0 e 8 dias, respectivamente; o número de dias que o descendente do requerente F permaneceu cada ano em Macau, durante o período acima referido, foi de 11, 4, 1, 0, 0, 0 e 0 dias, respectivamente: o número de dias que o descendente do requerente G, permaneceu cada ano em Macau, durante o período acima referido, foi de 12, 2, 1, 0, 0, 0 e 3 dias, respectivamente; o número de dias que o descendente do requerente H, permaneceu cada ano em Macau, durante o período acima referido, foi o número de 12, 3, 2, 0, 0, 0 e 3 dias, respectivamente, reflectindo que no período acima referido, eles não permaneceram em Macau por longo tempo:
(4.2) Através da situação familiar declarada pelo requerente no pedido de autorização de residência temporária, seu cônjuge e três descendentes residem actualmente no “…, San Po Kong, Kowloon, Hong Kong” (vide fls. 5 a 8) feito a análise e conjugando com a situação das suas permanências em Macau, demonstra que eles não têm residência habitual em Macau:
(4.3) De acordo com a situação familiar declarada pelo requerente no pedido de autorização de residência temporária demonstra que os três descendentes do requerente sempre estudaram nas escolas de Hong Kong, na resposta escrita do seu cônjuge também afirmou que ela por ter que cuidar dos seus filhos, por isso vive em Hong Kong, portanto reflecte que os seus assuntos quotidianos não giram em torno de Macau e não tomam Macau como o centro das suas vidas:
(4.4) Salienta-se que a residência habitual é um requisito para a manutenção da autorização de residência temporária prevista na lei, os interessados devem respeitar as disposições legais pertinentes a partir do momento da concessão da autorização de residência temporária, o cônjuge e os descendentes do requerente desde da concessão da autorização de residência tinham condições para viver e estudar em Macau, contudo, o requerente e seu cônjuge por vontade pessoal decidiram organizar os seus três descentes viver e estudar em Hong Kong, sendo opção própria não viver em Macau, então não constitui obstáculo razoável;
(4.5) Além disso, através dos documentos do pedido, não se verifica que os membros do agregado familiar do requerente tenham estabelecido outras ligações com Macau, o que reflecte que eles não têm grande vontade de tomar Macau como centro das suas vidas;
(4.6) Após realizado processo de audiência, não foram encontrados fundamentos razoáveis que impeçam os interessados residir em Macau, e depois de considerar globalmente as diversas situações previstas no art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, a situação pessoal dos interessados e as razões para estarem ausentes de Macau, não permite reflectir que o cônjuge do requerente e seus descendentes tomaram Macau como centro das suas vidas, portanto demonstra que eles não residem habitualmente na RAEM.
11. Atendendo ao facto de o interessado residir habitualmente na RAEM é condição para a manutenção da autorização de residência, mas de acordo com os elementos de entrada e saída da PSP, demonstram que o requerente e os seus membros do agregado familiar estão maior parte do tempo ausentes de Macau, após processo de audiência, bem como análise global das diversas situações previstas no art.º 4.º, n.º 4 da Lei n.º 8/1999, demonstram que o requerente e os seus membros do agregado familiar não residem habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária. Pelo que, promove ao Exmº Sr. SEF para no uso da competência subdelegada pelo Exmº Sr. Chefe Executivo da RAEM publicado na ordem executiva nº 3/2020 de 16 de janeiro de 2020, indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária do requerente A, do seu cônjuge E e dos seus membros do agregado familiar F, G e H nos termos do art.º 23.º do RA n.º 3/2005, com aplicação subsidiária do art.º 43.º, n.º 2, al. (3) e nº 3 da Lei n.º 16/2021.
(…)».

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, vieram instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças, pedindo a anulação do acto de indeferimento da renovação da autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  O primeiro fundamento do presente recurso é o da alegada violação de lei por parte da Administração em virtude de ter considerado que o Recorrente não residiu habitualmente em Macau.
  Segundo nos parece, este fundamento não pode proceder. Pelo seguinte.
  (i.1)
  A residência habitual na RAEM é um pressuposto da manutenção e da renovação da autorização temporária de residência. É isso o que resulta da norma da alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, a qual é aplicável à situação em apreço em virtude da norma remissiva constante do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, segundo a qual «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau».
  A residência habitual, como tem sido recorrentemente afirmado pelos nossos Tribunais, coincide com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais mais relevantes. Deste modo, não integra o dito conceito, o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
  Além disso, na densificação do conceito de residência habitual relevante em matéria atinente ao estatuto de residente da RAEM devem igualmente ser chamadas à colação as normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999. Da norma do n.º 3 do artigo 4.º do mencionado diploma legal [com o seguinte teor: «para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau»] resulta que a residência habitual em Macau é compatível com a ausência temporária da Região (veja-se, neste mesmo sentido de que a ausência temporária não implica a quebra da residência habitual, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 13.11.2019, processo n.º 106/2019 e o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 2.7.220, processo n.º 473/2019) e, do n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999 decorre, por sua vez, que, em caso de ausência temporária do residente, na determinação da residência habitual, relevam as circunstâncias pessoais e os motivos da ausência, nomeadamente: 1) o motivo, período e frequência das ausências; 2) se o ausente tem residência habitual em Macau; 3) se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) o paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.
  Finalmente, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, verificou-se um alargamento do conceito de residência habitual para os efeitos aí previstos. Com efeito, através da norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio esclarecer que o conceito de residência habitual relevante enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não exige que Macau constitua o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, o qual nem sequer precisa de aqui ter a sua habitação para pernoitar, porquanto, como resulta expressamente daquela norma, «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial». Assim, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso, residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
  (i.2)
  Feito este enquadramento legal da situação, olhemos agora para o essencial da factualidade que emerge dos presentes autos.
  Ao Recorrente foi concedida pela primeira vez a autorização de residência temporária ao abrigo do regime instituído pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005, no dia 30 de Abril de 2013, com validade até 30 de Abril de 2016.
  Mais tarde, em 24 de Fevereiro de 2017, foi essa autorização renovada até 30 de Abril de 2019.
  Finalmente, no dia 4 de Janeiro de 2019, o Requerente requereu a renovação da autorização de residência temporária, a qual foi indeferida através do acto recorrido em 4 de Setembro de 2023.
  Importa igualmente considerar que, durante os anos de 2017, 2018 e 2019, que foram os anos durante os quais esteve em vigor a primeira renovação da autorização de residência, o Recorrente permaneceu em Macau durante 165, 147 e 119 dias, respectivamente e que, nos anos seguintes, de 2020, 2021, 2022 e 2023 (1 de Janeiro a 30 de Abril), o Recorrente permaneceu em Macau por 85 dias, 0 dias, 45 dias e 48 dias, respectivamente.
  (ii.3)
  A partir destes dados, podemos dizer, sobretudo se ponderarmos os tempos de permanência em Macau do agregado familiar, cônjuge e filhos do Recorrente (como resulta do parecer que serviu de fundamentação ao acto recorrido, o cônjuge do Recorrente permaneceu em Macau 19 dias no ano de 2017, 10 dias, no ano de 2018, 5 dias no ano de 2019, 0 dias no ano de 2020, 2 dias no ano de 2021, 9 dias no ano de 2022 e 8 dias entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2023; o filho F, permaneceu em Macau 11 dias em 2017, 4 dias em 2018 1 dia em 2019 e 0 dias entre 1 de Janeiro de 2020 e 30 de Abril de 2023; o filho G permaneceu em Macau, 12 dias em 2017, 2 dias em 2018, 1 dia em 2019, 0 dias entre 1 de Janeiro de 2020 e 31 de Dezembro de 2022 e 3 dias entre 1 de Janeiro de 2023 e 30 de Abril de 2023, o filho H permaneceu em Macau, 12 dias em 2017, 3 dias em 2018, 2 dias em 2019, 0 dias entre 1 de Janeiro de 2020 e 31 de Dezembro de 2022 e 3 dias entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2023), que este não estabilizou aqui a sua vida, não tendo, pois, chegado a constituir aqui o centro permanente dos seus interesses mais relevantes, nomeadamente, como é nos parece incontroverso, Macau nunca chegou a constituir o centro da sua vida familiar, o qual, como é manifesto, esteve sempre em Hong Kong.
  Além disso, com todo o respeito por outro entendimento, estamos convictos de que não é legalmente viável procurar enquadrar a situação do Recorrente no conceito de ausência temporária previsto nas normas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da lei n.º 8/1999. Só faz sentido falar de ausência temporária de Macau em relação a situações em que, antes dessa ausência, havia presença em Macau, e, portanto, residência habitual, o que, no caso, manifestamente, não ocorre.
  Finalmente, quanto à questão do eventual enquadramento da situação do Recorrente no conceito de residente habitual por força da «extensão» operada pela norma do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, importa notar o seguinte. Nas suas disposições transitórias, mais concretamente, no artigo 97.º, a Lei n.º 16/2021 não determinou, de pleno, a aplicação retroactiva do preceituado no n.º 5 do respectivo artigo 43.º. Possibilitou, no entanto, aos interessados em procedimentos de renovação da autorização de residência iniciados antes da sua entrada em vigor e que ainda não estivessem decididos, a possibilidade de, até 31 de Março de 2022, requererem a reapreciação da sua situação jurídica à sua luz.
  No caso, justamente, por falta do indispensável requerimento do Recorrente, a Administração não apreciou a sua situação à luz do n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, e, por isso, parece-nos que também não será possível, nesta sede contenciosa, sindicar-se o acto administrativo impugnado à luz desse parâmetro de legalidade, o qual, de resto, sempre se diga, não foi sequer invocado pelo Recorrente.
  Deste modo e salvo o devido respeito, cremos plenamente justificada a conclusão da Administração, à luz do regime legal aplicável e concretamente aplicado, no sentido de que faltava um pressuposto indispensável à renovação da autorização de residência do Recorrente, qual seja o da respectiva residência habitual do mesmo em Macau.
  (ii)
  Também nos parece que, contrariamente ao alegado, o acto recorrido não pode ser anulado com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade ou da adequação previsto no n.º 2 do artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
  Como sabemos, a violação dos princípios da actividade administrativa só assume relevância invalidante nas situações em que a mesma seja manifesta, ostensiva, evidente [cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC]. Como explica a melhor doutrina, «no que concerne ao controlo efectuado com base nos princípios jurídicos, apenas a sua violação ostensiva ou intolerável (desvio de poder objectivo) poderá basear a anulação jurisdicional dos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários, variando a intolerabilidade de tal violação na medida da densidade do princípio em causa e dos circunstancialismos concretos em presença» (assim, por todos, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa, Coimbra, 2011, p. 105). É precisamente este, também, o sentido que tem sido, nemine discrepante, seguido pelos nossos Tribunais (por todos, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 30.04.2019, processo n.º 35/2019, de 23.06.2021, processo n.º 55/2021, de 23.07.2021, processo n.º 89/2021, de 24.09.2021, processo n.º 110/2021).
  A verdade é que, no caso, ao invés do que vem alegado pela Recorrente, estamos em crer que o acto recorrido não infringiu de modo intolerável o princípio da proporcionalidade, em qual das suas dimensões ou subprincípios em que tradicionalmente se analisa: adequação ou idoneidade; necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
  Importa salientar, que não cabe ao Tribunal sindicar o mérito da decisão administrativa, o juízo de conveniência que nessa decisão se consubstanciou. É à Administração, e só a ela, que, no exercício de valorações próprias e autónomas, compete avaliar, tendo em vista a concreta prossecução do interesse público, se, na situação em causa, se justifica ou não renovar a autorização de residência.
  (iii)
  O Recorrente também alegou que o acto recorrido sofre do vício resultante da violação do princípio da boa fé ou da protecção da confiança.
  Parece-nos, contudo, e salvo o devido respeito, que labora em manifesto equívoco.
  De acordo com o entendimento que nos parece preferível, a operatividade do princípio da tutela da confiança depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
  Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos, desde logo e decisivamente, por não vir alegada qualquer conduta da Administração que tivesse sido ou sequer pudesse ter sido criadora de expectativas no Recorrente quanto à irrelevância do local da sua residência habitual para a manutenção e para a renovação da autorização de residência.
  A Administração limitou-se, como legalmente lhe competia, tendo em vista a decisão sobre o pedido de renovação da autorização de residência temporária formulado pelo Recorrente, a proceder às diligências instrutórias que se lhe afiguraram necessárias para o apuramento da questão da residência habitual, uma vez que a manutenção da mesma é necessária, em princípio, ao deferimento daquela renovação, nos termos que resultam do disposto no artigo 43.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 16/2021. O facto de a Administração ter deferido o anterior pedido de renovação da autorização de residência não a vinculava a ter de decidir no mesmo sentido quando confrontada com o segundo pedido de renovação. Por isso, não houve, segundo cremos, violação do princípio da boa fé a que alude o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
  (iv.)
  Finalmente, quanto à alegada violação do princípio da desburocratização e da eficiência previsto no artigo 12.º do CPA e do dever de celeridade a que alude o artigo 60.º do CPA, também se nos afigura que falta razão ao Recorrente.
  Independentemente do tempo de duração do procedimento, talvez excessivo, concedemos, a verdade é que daí nada resultou que se pudesse projectar sobre a legalidade do acto impugnado, como parece evidente. Ao contrário do que é alegado pelo Recorrente, o tempo decorrido não implicou que tivesse operado qualquer alteração relevante da sua situação que tenha estado na base do indeferimento que agora impugnou. Mesmo que a Administração tivesse decidido no prazo legalmente fixado, ainda assim a conclusão quanto à falta de residência habitual, pelo que antes vimos, não podia ser diferente.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
  Destarte, concordando com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 30 de Maio de 2024
  Rui Pereira Ribeiro
  (Relator)
  Fong Man Chong
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  Mai Man Ieng
  (Procurador Adjunto do Ministério Público)

752/2023 REC CONT 66