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Processo n.º 94/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 06 de Junho de 2024

ASSUNTOS:
- Incompatibilidade de reconhecimento dum direito real titulado por dois sujeitos diferentes sobre o mesmo imóvel

SUMÁRIO:

    Dos factos provados resulta que a Ré tem estado na posse da fracção autónoma identificada nos autos a partir da sua constituição formal em 25 de Maio de 1991, momento em que os outros sócios devolveram esse imóvel à associação/Ré, passando esta a exercer o poder de facto sobre o imóvel, como se fosse a sua proprietária legítima e na convicção de a ser, actuando de boa fé (art. 1184º n.º 2 do CC). A posse é pacífica e pública (art. 1183º, 1185º e 1186º do CC), estando verificados os pressupostos para o reconhecimento da aquisição da propriedade da fracção autónoma por via de usucapião, o que impede que os Recorrentes pretendam ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade sobre o mesmo imóvel.
O Relator,
Fong Man Chong

Processo nº 94/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 06 de Junho de 2024

Recorrentes : Recurso Final
- (B) (Herdeira do falecido (A))
- (C) (Herdeira do falecido (A))
- (D) (Herdeiro do falecido (A))
- (E) (Herdeiro do falecido (A))

Recorrida : - Associação (X)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    (B), (C), (D) e (E), Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 05/05/2023, vieram, em 25/05/2023, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 432 a 478, tendo formulado as seguintes conclusões:
     I. Vem o presente recurso da sentença proferida nos presentes autos em 5 de Maio de 2023, a fls. 351 e ss., na parte julgou improcedente a acção e absolveu a R., ora Recorrida, do pedido contra ela formulado de reconhecimento do direito de propriedade do A. primitivo sobre a Fracção e, em consequência, do pedido da sua restituição efectiva ao A. primitivo, devoluta de pessoas e bens (adiante a "Sentença Recorrida"), ora se impugnando, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 2 do artigo 599.° e do artigo 629.°, ambos do CPC, quer a decisão de facto em que se baseia, quer a decisão (que fez a aplicação) de direito nela contida.
     II. O facto consubstanciador do alegado animus da R. sobre a Fracção que foi dado por provado na decisão de facto dada ao quesito 14.º, e que serviu de substrato à demais matéria de facto provada no sentido da verificação do animus de proprietária da R., e que esteve na base da decisão de direito que julgou procedente a excepção peremptória de usucapião, não corresponde ao facto (i) que foi efectivamente alegado pela R., (ii) que foi carreado para a base instrutória, e (iii) que foi objecto de prova, razão pela qual o mesmo deve ser eliminado da decisão da matéria de facto, designadamente da resposta dada ao quesito 14.º da base instrutória, impondo-se uma decisão diversa no sentido de o quesito original ser julgado como não provado (cfr. artigos 15.º e 22.º da contestação, base instrutória, a fls. 206 e ss., acórdão de 10 de Março de 2023 e alínea (xx) supra).
     iii. A R., para estruturar a sua defesa por excepção com fundamento na usucapião, incluindo o seu animus, alegou o seguinte: "Tendo por isso parte dos membros desse grupo de devotos, entre os quais (F), (G), (H), (I), (A) e (J), decido adquirir a fracção "A1" desse prédio para, posteriormente, doar esse imóvel à associação a constituir para nela instalar a sua sede" (cfr. artigo 15.º da contestação) e "Imediatamente após a sua constituição, os comproprietários da fracção "A1", (F) e sua mulher, (K), (G) e sua mulher, (L), e (H) doaram esse imóvel à associação aqui Ré, que a aceitou, não tendo porém as partes feito as respectivas formalidades." (cfr. artigo 22.º da contestação).
     iv. O A. primitivo rebateu a pretensão da R. impugnando toda a factualidade alegada relativamente à excepção peremptória de aquisição da Fracção por usucapião, nomeadamente negando que a Fracção houvesse sido transmitida à R. por qualquer via, incluindo por doação, sem em momento algum referir, alegar, ou tão pouco sugerir, qualquer outro facto susceptível de demonstrar um (suposto) animus possidendi da R. (vide réplica do A. primitivo).
     v. Do confronto dos autos resulta que a factualidade trazida para a acção pelas partes para aferir (e rebater) do elemento subjectivo da (suposta) posse da R. e que foi carreada para a base instrutória através da matéria vertida no quesito 14.°, fincou-se na alegada transferência da Fracção pelos seus com proprietários por via de uma doação informal aquando da sua constituição.
     vi. O Tribunal a quo, desconsiderando que a R. construiu a sua defesa, em particular o seu animus, com fundamento na referida doação - e, assim, a matéria que foi por esta efectivamente alegada e trazida para os autos -, e alterando substancialmente a redação original do quesito 14.°, deu por provado que a Fracção foi entregue à R. aquando da sua constituição, por via de devolução, nos termos constantes da resposta dada ao referido quesito 14.° que ora se dá por reproduzida.
     vii. Em face dos factos articulados pelas partes e que transitaram para a base instrutória, não podem os Recorrentes aceitar que o Tribunal a quo, a coberto daquilo que apelidou de mera "eliminação de algumas expressões jurídicas conclusivas", dê por provado um facto tão distinto do que foi alegado pela R., para provar a génese da sua convicção de ocupar a Fracção como proprietária, elemento subjectivo da posse que, como é da sua natureza, tem de partir da parte que o invoca.
     viii. Com efeito, o Tribunal a quo não se limitou a eliminar meras questões de direito, mas sim a atribuir à R. um facto essencial e pessoal que a própria não alegou, para fundamentar a sua decisão de julgar procedente a excepção de usucapião.
     ix. Configurando o (suposto) acto de doação informal da Fracção aquando da sua constituição, o gesto que alegadamente motivou na R. a convicção de ocupar o referido imóvel como sua proprietária, nunca o mesmo poderia ser qualificado como uma questão de direito, mas sim de facto, e essencial à apreciação da causa.
     x. In casu, são factos essenciais para aferir da excepção de aquisição da Fracção por usucapião, aqueles que são demonstrativos e constitutivos da situação jurídica alegada pela R., designadamente os relativos ao corpus e ao animus da posse.
     xi. O princípio do dispositivo, consagrado no artigo 5.° do CPC, traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exactos limites do seu objecto e sobre o termo do processo, ao mesmo tempo que estabelece os limites de decisão do juiz, limitando a sua decisão aos factos que foram alegados pelas partes e ao que efectivamente lhe foi pedido para decidir.
     xii. Quanto à relação entre a actividade das partes e do juiz, dispõe o artigo 567.º do CPC, nomeadamente que, em regra, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°.
     xiii. Nos termos do artigo 335.°, cabe ao autor alegar e provar os factos constitutivos do direito a que se arroga, e ao réu alegar e fazer prova dos factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor, assim, cada uma das partes sofre as consequências do eventual incumprimento dos ónus de alegação e prova que sobre si impedem.
     xiv. Os factos que constituem a causa de pedir ou situações impeditivas, extintivas ou modificativas do direito invocado têm de ser alegados pelas partes (artigo 335.° do CC e 5.° do CPC), ficando o Julgador blindado da possibilidade de lançar mão de factos não trazidos para os autos pelas partes, para fundamentar a sua decisão de direito e, assim, dirimir a causa.
     xv. Este é também o único entendimento que se retira da leitura do n.º 3 do artigo 5.° do CPC, porquanto para que o Tribunal a quo pudesse considerar a devolução da Fracção à R. como um facto essencial à apreciação da usucapião, este teria que ser complemento ou concretização de outros factos que a R. tivesse oportunamente alegado.
     xvi. O CPC estabelece um momento próprio para que as partes aleguem os factos da causa (artigo 389.°, n.º 1, alínea c) e artigo 410.°), e estabelece como limite ao seu aperfeiçoamento a fase dos articulados iniciais (cfr. artigo 427.°, n.º 5, artigo 217.°, 409.° e 410.°).
     xvii. Há, assim, uma correlatividade entre o momento da alegação dos factos essenciais à causa ou à defesa do direito invocado, e a consequência da preclusão do direito de os alegar, que não pode ser ultrapassada pela actividade inquisitória do Julgador, que está limitada ao apuramento de factos meramente instrumentais (vide artigo 5.°, n.º 2, última parte, e 567.°, primeira parte, ambos do CPC).
     xviii. Uma vez que a R. fundou a sua convicção na suposta doação informal do imóvel, nada permite concluir que o acto de devolução (antes) dado por provado na decisão da matéria de facto, seja complemento ou concretização do alegado por aquela.
     xix. O acto de doação pressupõe que alguém disponha gratuitamente a favor de outrem de uma coisa sua ou de um direito seu sobre um bem, em detrimento do seu património, ao passo que uma devolução pressupõe um acto de transferência ao proprietário daquilo que nunca foi seu, pelo que configurando acções diametralmente opostas, jamais tais factos (de doação e devolução) poderão ser complemento ou concretização um do outro, sendo certo que também não se observaram os requisitos contidos no n.º 3 do artigo 5.º do CPC para que o Tribunal a quo pudesse considerar tal facto na decisão em apreço.
     xx. Assim, o que não foi alegado não pode ser provado, gerando a exclusão da decisão dos factos que não constam dos articulados ou da base instrutória, pelo que o Tribunal a quo ao dar como provado um facto não alegado pelas partes para, assim, fundamentar a sua decisão de direito, extrapolou os limites impostos pelo princípio do dispositivo, violando os termos dos artigos 5.° e 567.° do CPC e do n.º 2 do artigo 335.° do CC.
     xxi. Nos termos do disposto no artigo 599.°, conjugado com as alíneas a) e b) do n.º 1 e com o n.º 2 do artigo 629.° do CPC, deve o quesito 14.° da base instrutória ser considerado incorrectamente julgado, eliminando-se do mesmo a factualidade que não foi alegada pela R. e, em consequência, impõe-se proferir uma decisão diversa da recorrida, no sentido de o quesito original ser julgado como não provado.
     xxii. Como não resulta dos factos provados que a Fracção tenha sido doada, formal ou informalmente, à R. aquando da sua constituição pelos proprietários, não se encontra verificado o animus possessório por banda da R., pelo que não existem fundamentos legais para se julgar procedente a excepção de usucapião por aquela invocada.
     xxiii. A R. aceitou e confirmou na sua contestação que posteriormente à suposta doação a Fracção foi objecto de transmissões em 1993, 1994 e 2002, factos esses que foram logo dados por assentes através das alíneas C) a F) da selecção da matéria de facto.
     xxiv. Ditam as regras da experiência comum que se os comproprietários originais - que são também os associados fundadores relevantes da R. - transmitiram as suas quotas partes da referida Fracção a outros dos seus associados fundadores já após a constituição da R. (e da alegada doação), foi porque em momento algum a doaram à R. e, pelo contrário, se consideravam como proprietários da dita Fracção da qual dispuseram.
     xxv. Se os comproprietários originais da Fracção, que eram também associados fundadores nucleares da associação R., continuaram a dispor das suas quotas partes da mesma como proprietários que eram, não podiam, simultaneamente, enquanto associados fundadores da R. e, assim, enquanto substrato pessoal daquela, ter convicção distinta quanto à titularidade desse direito de propriedade.
     xxvi. Assim, a própria R não podia deixar de confirmar, e confirmou, que posteriormente a essa alegada doação a Fracção foi efectivamente transmitida por várias vezes, o que necessariamente implica a conclusão lógica de que não houve qualquer doação à R. susceptível de lhe criar uma convicção de proprietária, e que esta sempre o soube.
     xxvii. Ainda que alguma vez tivesse havido alguma intenção por parte dos comproprietários originais de doar a Fracção à R, a verdade é que tal não teria passado disso mesmo, ou seja, de uma intenção que nunca foi concretizada ou formalizada, ficando a mesma irremediavelmente prejudicada pelas subsequentes legítimas e legais transmissões efectuadas, que a R. confessou terem sido do seu conhecimento, o que é natural, já que à data, os transmitentes e adquirentes constituíam o núcleo duro da associação R..
     xxviii. Não resulta dos factos provados razão pela qual se entenda que, não obstante a R. ter tido conhecimento das sucessivas transmissões efectuadas pelos então legítimos comproprietários, o seu alegado animus possidendi sobre a Fracção, derivado da alegada doação informal que aqueles lhe haviam feito, se manteve, nem qualquer outro momento a partir do qual tal animus possa ter surgido ou renascido.
     xxix. A R. não conseguiu fixar um momento a partir do qual a sua alegada posse com animus terá iniciado, não podendo, obviamente, ter-se iniciado com a alegada doação informal em 1991 já que, conforme se referiu, os alegados doadores informais continuaram a exercer o seu direito de propriedade sobre a Fracção, máxime, transmitindo-a legalmente, pouco tempo depois da suposta doação, sempre com o conhecimento e sem oposição da R., que como, não podia deixar de ser, a própria admitiu (cfr. alíneas C) a F) dos factos dados como assentes na selecção da matéria de facto constante do despacho saneador).
     xxx. A R. é uma associação e, por isso, uma pessoa colectiva cuja vontade corresponde à soma da vontade dos associados que a compõem a cada momento.
     xxxi. Decorre da leitura conjunta das alíneas A) a F) da selecção da matéria de facto, com a resposta dada ao quesito 1.º da base instrutória, e o Doc. 6 junto aos autos com a petição inicial, para além de (F) e (H), também o A. primitivo, (G) e (J) - que foram todos proprietários da Fracção -, participaram na fundação da R. e estiveram durante muito tempo ligados às actividades da mesma como seus membros fundadores.
     xxxii. Por outro lado, não resulta dos factos alegados e provados qualquer circunstância que tivesse impedido os referidos (F), (G) e (H) de transmitirem a Fracção à R. após a sua constituição, se fosse efectivamente essa a sua intenção, nem, por outro lado, qualquer acção por parte da R. no sentido de exigir que a doação fosse formalizada, o que certamente teria sucedido se esta se considerasse efectivamente proprietária da Fracção.
     xxxiii. Assim, se foram os próprios membros fundadores da R. a decidir não transmitir a propriedade da Fracção à R., antes fazendo-o entre si, não se alcança como pôde o Tribunal a quo dar por provado que a Fracção foi doada à R. por (F), (G) e (H)(através da resposta dada ao quesito 14.° da base instrutória), ou tão-pouco dar como provados factos relativos ao animus da posse da R. sobre a Fracção, nomeadamente através das respostas dadas aos quesitos 15.°, 16.° a 20.° e 22.° a 24.° da base instrutória.
     xxxiv. Independentemente do que a sua actual direcção vem agora dizer, a R. ocupou a Fracção ao longo dos anos por mera tolerância dos seus sucessivos com proprietários, razão pela qual apenas se pode concluir que todos os actos praticados pela R. sobre a Fracção dados como provados na resposta dada ao quesito 15.°, se coadunam com os actos normais de um mero detentor.
     xxxv. Nos termos do disposto no artigo 599.°, conjugado com as alíneas a) e b) do n.º 1 e com o n.º 2 do artigo 629.° do CPC, devem as respostas dadas aos quesitos 10.°, 14.°, 15.°, 16.° a 20.° e 22.° a 24.° da base instrutória ser revogadas, ditando-se uma resposta diversa da decisão recorrida, no sentido de os mesmos serem julgados como não provados e, por conseguinte, devem as respostas dadas aos quesitos 2.° a 4.° da base instrutória ser igualmente revogadas, impondo-se uma resposta diversa da decisão recorrida, no sentido de os mesmos serem julgados provados, por serem a procedência lógica do supra exposto.
     xxxvi. Sem prejuízo de tudo quanto se expôs, os factos dados como assentes nas alíneas A), B) e I) da selecção da matéria de facto, estão em contradição com os factos provados através da resposta dada ao quesito 14.° da base instrutória, situação que deve ser resolvida à luz da segunda parte do n.º 4 do artigo 549.° do CPC, dando-se como não escrita a resposta dada ao conteúdo do quesito 14.°.
     xxxvii. Resultando dos factos assentes e dos demais meios prova juntos aos autos (cfr. Docs. 1, 4 e 5 juntos aos autos com a petição inicial) que (F), (G) e (H) adquiriam a Fracção reivindicada em 15 de Agosto de 1990, de quem, nos termos do respectivo registo, dela podia dispor, jamais o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que os referidos comproprietários devolveram o referido imóvel à R.
     xxxviii. O acto de devolução pressupõe a entrega de algo ao seu proprietário original, de quem antes se recebeu, assim, se o Tribunal a quo reconhece - como de resto não podia deixar de o fazer à luz da força probatória do Doc. 1 da petição inicial - que a propriedade da Fracção, à data da constituição da R., pertencia a (F), (G) e (H), que a adquiriram de terceiros, jamais poderia dar como provado que estes devolveram à R. aquilo que nunca lhe pertenceu.
     xxxix. Jamais o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que a Fracção foi devolvida à R. imediatamente após a sua constituição, uma vez que, até aquele momento, a R. não tinha existência jurídica e, portanto, não era titular de quaisquer direitos, mormente de propriedade.
     xl. Assim, resultando dos factos provados nas alíneas A), B) e I) da selecção da matéria de facto e da resposta dada ao quesito 14.º da base instrutória, afirmações inconciliáveis entre si, é indubitável que a decisão da matéria de facto padece de contradição, pelo que deve a resposta dada ao quesito 14.º da base instrutória pelo Tribunal colectivo ser dada como não escrita, impondo-se uma decisão diversa da recorrida, no sentido de o referido quesito ser julgado como não provado.
     xli. Do artigo 1235.° do CC resulta que numa acção como a presente, a causa de pedir seja integrada pela demonstração do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado.
     xlii. Assim, se nesta acção cabia ao A. primitivo demonstrar o seu direito de propriedade sobre Fracção reivindicada e a violação do mesmo pela R., a esta última, para se defender, competia provar que tem uma razão legitimadora para se recusar a entregar a Fracção, o que, julga-se, esta não fez, ao passo que o direito do A. primitivo se encontra amplamente demonstrado.
     xliii. Das alíneas A) a F) da decisão da matéria de facto resulta claramente que (i) o A. primitivo é comproprietário da Fracção reivindicada, beneficiando, bem como os seus antecessores, de uma presunção do direito de propriedade sobre a mesma que o dispensa dessa prova, (ii) que a Fracção se encontra definitivamente registada na Conservatória do Registo Predial em seu nome, na proporção de 2/3, e de (H), na proporção de 1/3, respectivamente sob as inscrições n.º 57496 do Livro G e n.º 1789, a fls. 105 do Livro GK5, e (iii) o R. ocupa efectivamente a Fracção, discutindo-se apenas nestes autos a que título.
     xliv. Mais resulta da leitura conjugada das referidas alíneas A) a F) dos factos dados como assentes na selecção da matéria de facto constante do despacho saneador com a certidão predial junta aos autos como Doc. 1 da petição inicial, que tanto o A. primitivo e os seus antecessores, como (H), adquiriram as respectivas quotas partes da Fracção reivindicada, de quem, nos termos do respectivo registo, dela podia dispor.
     xlv. Assim, o A. primitivo e o referido (H) beneficiam, como beneficiaram os seu antecessores, da presunção do direito de propriedade sobre a Fracção reivindicada estatuída no artigo 7.° do Código de Registo Predial e, assim, de que o seu direito de propriedade sobre a Fracção reivindicada existe e lhes pertence, nos precisos termos em que o registo o define.
     xlvi. Resulta da resposta dada aos quesitos 8.° e 9.° da base instrutória que a R., interpelada pelo A. primitivo para proceder à entrega da Fracção, se recusou a fazê-lo, provando-se assim que a ocupação da Fracção pela R. se mantém.
     xlvii. Em suma, o A. primitivo cumpriu integralmente o ónus da prova que sobre si impendia no âmbito dos presentes autos, pelo que outra solução não podia ter sido dada na Sentença Recorrida que não a de procedência da presente acção de reivindicação.
     xlviii. Só assim não seria se a R. tivesse alegado e provado factos constitutivos de um qualquer direito seu oponível, ao direito de propriedade do A. primitivo, o que consabidamente, em face de tudo quanto se expôs supra, não logrou fazer.
     xlix. Com efeito, a R. limitou-se a alegar factos que não logrou provar, na expectativa de legitimar a sua ocupação da Fracção por forma a impedir a restituição do imóvel ao A. primitivo, e a pretender fazer extinguir o direito de propriedade do A. primitivo e de (H)sobre a Fracção, sem que, porém, tivesse deduzido o necessário pedido reconvencional, neutralizando qualquer efeito útil que das respostas dadas aos quesitos 14.° a 24.°, pudessem advir em seu favor - que é nenhum em face da modificação da decisão da matéria de facto, que se espera nos termos supra enunciados -, porquanto jamais seriam aptas a destruir o direito de propriedade do A. primitivo e de (H) ou, tão-pouco, a conferir à R. um título legítimo para a ocupação da Fracção.
     I. A usucapião não funciona ipso iure, sendo necessário que a mesma seja invocada, isto é, seja manifestada a vontade de usucapir o direito a que se refere a posse por quem tiver legitimidade para tal (artigos 296.º e 1217.° do CC).
     li. O direito de propriedade, enquanto direito real máximo, tem efeitos absolutos, conferindo ao seu titular um poder exclusivo sobre a coisa que afasta a concorrência de outro direito igual, não podendo, simultaneamente, subsistir dois dominus sobre o mesmo bem com direitos conflituantes que colidem directamente entre si.
     lii. Pretendendo a R. com a matéria alegada conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o A. primitivo se propôs a obter, não bastava à R. nestes autos provar factos constitutivos da aquisição da propriedade por via da usucapião, cabia-lhe, ainda, o ónus de reconvir, peticionando o reconhecimento desse mesmo direito, em detrimento do direito do A. primitivo.
     liii. Assim. uma vez que o direito de propriedade do A. e de (H) sobre a Fracção reivindicada se encontra consubstanciado nos factos constitutivos constantes das alíneas A) a F) dos factos dados como assentes constante do despacho saneador e do Doc. 1 junto aos auto com a petição inicial, não tem a R. título legítimo para ocupar a Fracção ou recusar a sua restituição ao A..
     liv. Em face de todo o exposto, se conclui que a Sentença Recorrida ao ter julgado procedente a excepção peremptória de usucapião, incorreu em erro de julgamento e violou o disposto no artigo 1235.° do CC., devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a presente acção.
     Termos em que, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a decisão da matéria de facto nos termos supra referidos e revogada a decisão contida na Sentença Recorrida, julgando-se procedente a presente acção, com a condenação da R. a reconhecer o direito de propriedade do A. primitivo sobre a referida Fracção, e a restituí-la, devoluta de pessoas e bens, aos ora Recorrentes, em substituição do A. primitivo.
*
    A Recorrida, Associação (X), veio, 19/01/2024, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 486 a 530, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Os Recorrentes apresentaram as alegações de recurso com referência à douta sentença proferida nestes autos, requerendo, a final, a alteração da matéria de facto e a revogação da decisão judicial, pretendendo assim que a presente acção seja julgada procedente e que a Ré, ora Recorrida, seja condenada a reconhecer o direito de propriedade do Autor primitivo sobre a fracção autónoma designada por "A1" do prédio melhor identificado nos autos e a restituir esse imóvel, devoluto de pessoas e bens, aos ora Recorrentes, em substituição daquele primitivo demandante que entretanto faleceu.
     2. Recorde-se que o Tribunal recorrido entendeu, e bem, ao abrigo da referida sentença, dar como provado que a Ré tem exercido a posse daquela fracção autónoma a partir da sua constituição formal em 25 de Maio de 1991 até aos dias de hoje, de forma pacífica, pública e boa fé, ou seja, há mais de 30 anos a esta parte, considerando assim verificados todos os requisitos para o reconhecimento da aquisição originária da propriedade da mesma fracção autónoma, por usucapião, por parte da Ré.
     3. Decidindo assim, de forma absolutamente acertada, considerar improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor, nos termos do disposto no artigo 1235º, n.º 2 do Código Civil (CC).
     4. Ora, os Recorrentes vêm alegar, em primeiro lugar, que o quesito 14º da Base Instrutória foi incorrectamente julgado, devendo ser eliminada, na sua perspectiva, a factualidade que não foi alegada pela Ré e, em consequência, ser proferida uma decisão diversa da recorrida no sentido daquele quesito ser julgado como não provado.
     5. Refira-se que o Tribunal a quo limitou-se a substituir a palavra "doaram" pela palavra "devolveram" em resultado daquela decisão sobre a matéria de facto em causa, explicitando em sede de fundamentação que as expressões jurídicas conclusivas (como "doaram" teriam de ser eliminadas e que, ao fim ao cabo, o imóvel foi devolvido à Autora na medida em que, já em 1989, altura em que se tencionava fundar a associação em causa, os associados/membros que se propunham constituir a mesma já tinham decidido que a fracção autónoma em questão passaria a pertencer ao domínio da própria associação logo que foi constituída, sendo que o preço dessa aquisição resultou das contribuições dos vários membros (cfr. fls. 318 verso e 319).
     6. Importa referir, antes de mais, que todos os factos essenciais alegados pela Ré foram dados como provados conducentes à aquisição de um direito usucapível através de uma posse correspondente a tal direito, tendo ficado provado que Ré exerceu os poderes de facto sobre aquele imóvel, de forma pública, pacífica e contínua, com a convicção e intenção de agir como titular do respectivo direito de propriedade, desde a sua constituição formal ocorrida em 25 de Maio de 2011 até aos dias de hoje (vide, entre outras, respostas aos quesitos 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º da Base Instrutória).
     7. E provado ainda ficou que, antes de Abril de 2021, o Autor nunca manifestou qualquer oposição ao exercício de facto do poder de facto da Ré sobre esse imóvel porquanto todos sabiam, e sabem, que essa fracção foi devolvida à Ré para instalação da sua sede logo que esta foi constituída formalmente em 25 de Maio de 1991 (cfr. resposta ao quesito 24º).
     8. Ora, os Recorrentes nas suas alegações de recurso olvidam por completo a matéria dada por assente pelo Tribunal recorrido no que concerne aos factos essenciais que suportam a excepção peremptória deduzida pela Ré de que, em resultado daquela posse, adquiriram por ususcapião a propriedade do imóvel (v. artigo 1241º do CC), apresentando uma retórica que chega a transbordar os limites da boa fé ao ponto de afirmarem que a factualidade para aferir o elemento subjectivo (animus) da posse da Ré assentou em factos que não foram alegados por esta mas que foram dados como assentes pelo Tribunal recorrido.
     9. Acrescentando de forma falaciosa que não se encontra verificado o animus possessório por parte da Ré pelo que não existem fundamentos legais para se julgar procedente a excepção de usucapião invocada pela Ré.
     10. Premissas essas totalmente falsas como resulta claramente, entre outras, do teor positivo das respostas aos quesitos 17 e 18º da Base Instrutória que foi perfilhada pelo Tribunal recorrido.
     11. Exercício de má-fé por parte dos Recorrentes que lhes permite dizer ainda que “a R. Ocupou a Fracção ao longo dos anos por mera tolerância dos seus sucessivos comproprietários, razão pela qual apenas se pode concluir que todos os actos praticados pela R. Sobre a Fracção dados como provados na resposta ao quesito 15º, se coadunam com os actos normais de um mero detentor", quando, na verdade, não ficou provado que a ocupação da Ré tivesse resultado da permissão (ou, segundo as palavras dos Recorrentes, da tolerância) dos sucessivos comproprietários daquele imóvel, como resulta das respostas (NÃO PROVADO) aos quesitos 2º, 3º e 4º da Base Instrutória.
     12. Em suma, as alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes fazem tábua rasa da matéria que foi dada como assente pelo Tribunal recorrido, bem sabendo aqueles que, como se viu, os elementos constitutivos do corpus e do animus da posse da Ré sobre o imóvel em causa foram dados por plenamente provados, bastando a prova dessa factualidade para que a pretensão da Ré tivesse vencido, como venceu, determinando assim o decaimento total da presente acção judicial.
     13. Haverá que dizer ainda que a pequena alteração da redacção da resposta do quesito 14º justifica-se basicamente por duas razões: uma de natureza essencialmente processual (no sentido de que só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, só estes podem considerar-se provados) e outra de natureza essencialmente material (no sentido de reflectir a realidade sempre enquadrada na matéria que foi alegada pela Ré).
     14. Em primeiro lugar, o Tribunal recorrido optou, e bem, por substituir a expressão "doaram" pela palavra "devolveram", na medida em que a primeira expressão encerra um conceito de natureza jurídica, pelo que, como expressão jurídica conclusiva que é, deveria ser eliminada, como vem mencionado pelo mesmo Tribunal em sede de fundamentação (vide fls. 319 dos autos).
     15. Como se sabe, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, só estes podem considerar-se provados (v. artigo 430º, n.º 1 do CPC), sendo que um facto com uma componente jurídica conclusiva, como era o caso, mas com substrato para o acervo dos factos, tinha que ser alterada de forma adequada no âmbito naturalmente do que foi alegado pela Ré, como sucedeu no caso judice.
     16. A segunda razão que justificou aquela pequena alteração de redacção no tocante à resposta ao quesito 14º prende-se, ainda segundo a própria fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido, com a necessidade de reflectir a realidade dentro do quadro fáctico que foi alegado pela Ré, explicitando aquilo que resultou efectivamente provado na sequência da prova produzida em sede documental (vide particularmente documentos de fls. 257 e 306 dos autos) e em sede testemunhal (vide particularmente depoimento da testemunha Mak xx e de outras testemunhas oferecidas pela Ré), como esclarece o tribunal recorrido em sede de fundamentação daquela decisão sobre a matéria de facto (vide, fls. 318 verso a 319 dos autos).
     17. Tal como foi alegado pela Ré (v. artigos 15º e 16º da contestação), aqueles com proprietários adquiriram a fracção com o intento de transmitirem esse imóvel à Ré logo que a mesma fosse constituída, por decisão daqueles comproprietários e de outros membros do grupo de devotos à divindade "O UTEI", tendo sido acordado que a escritura pública de compra e venda seria formalizada para esse efeito por (F), (G) e (H) considerando que, à data, eram estes, entre outros, os principais dinamizadores desse grupo de devotos (vide respostas aos quesitos 10º e 11º).
     18. Tendo inclusivamente, tal como também alegado pela Ré (v. artigo 18º da contestação), o preço de aquisição da identificada fracção sido pago com dinheiro contribuído para esse efeito por alguns membros desse grupo de devotos e ainda por conta de parte do dinheiro proveniente das contribuições dos membros que havia sido arrecadado no âmbito da realização de actividades nas principais datas da celebração do culto (vide resposta ao quesito 12º).
     19. Sendo que a partir da data da aquisição da fracção pelos comproprietários primitivos registados, esse grupo de devotos, incluindo esses comproprietários e o próprio Autor, começaram logo a organizar as actividades de veneração a "Tou Tei" e a exercer o seu culto nessa fracção (v. artigo 19º da contestação - vide resposta ao quesito 13º).
     20. Pelo que entendeu o Tribunal recorrido dar como provado o quesito 14º no sentido de que, logo que foi constituída formalmente a Ré, aqueles comproprietários primitivos registados devolveram o imóvel em causa a favor da Ré, tal como tinha sido decidido por aqueles comproprietários e por membros do grupo de devotos.
     21. Na verdade, aqueles com proprietários primitivos registados adquiriram o imóvel em causa, não em nome próprio e exclusivo, mas sim em nome da Ré que se iria constituir formalmente em data posterior, pelo que, em bom rigor, o mesmo bem nunca pertenceu aos referidos comproprietários registados, mesmo durante o período que mediou a outorga da escritura (em 15 de Agosto de 1990) e a constituição formal da Ré (em 25 de Maio de 1991).
     22. A devolução do imóvel por parte daqueles com proprietários a favor da favor da Ré significa, ao fim ao cabo, que o acto de entrega do imóvel em causa concretizou-se logo que a Ré foi formalmente constituída, embora a mesma já existisse, de forma informal, antes mesmo da escritura de compra e venda do imóvel lavrada em 15 de Agosto de 1990, corporizada naquele grupo de devotos à divindade "Tou Tei".
     23. A matéria de facto dada como assente resultante das respostas aos quesitos 10º, 11º, 12º 13º e 14º da Base Instrutória resulta claramente, como se infere da fundamentação da decisão de facto perfilhada pelo Tribunal a quo, dos documentos de fls. 257 e 306 dos presentes autos e ainda do depoimento das testemunhas oferecidas pela Ré prestado em tribunal, particularmente o depoimento da testemunha Mak xx que participou activamente nos trabalhos preparatórios que tiveram lugar antes da constituição da Ré (em 25 de Maio de 1991) e da própria aquisição da fracção autónoma em causa (em 15 de Agosto de 1990), tendo este também contribuído com o seu dinheiro para o pagamento da aquisição da fracção - vide passagens da gravação abaixo assinaladas.
     24. Depoimentos que corroboraram as respostas, entre outros, dos quesitos 10º a 14º da base instrutória
     25. De modo que o Tribunal recorrido acabou por dar como provado o quesito 14º nos termos acima explicitados, socorrendo-se desse facto instrumental de que o imóvel foi devolvido à Ré pelos proprietários primitivos registados que, como se disse, adquiriram o imóvel com vista a entregaram o mesmo à Ré.
     26. Cumpre dizer que os poderes do inquisitório que cabem ao Tribunal conferem ao juiz o poder de se socorrer a factos instrumentais, ainda que não essenciais, no âmbito da decisão sobre a matéria de facto, não violando o princípio dispositivo as respostas explicativas aos quesitos que se socorrem de factos instrumentais não alegados.
     27. Quanto aos factos instrumentais - ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes, - o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova sem necessidade de formulação de quesitos adicionais.
     28. Acresce ainda que resulta da lei (arts. 5º, n. 2 (2ª parte), e 567º do CPC) e é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que, na decisão sobre a matéria de facto controvertida que integra a base instrutória, o julgador pode dar respostas de conteúdo explicativo, como o sucedeu no caso sub judice, dentro do quadro geral de natureza fáctica alegada pela parte.
     28. As repostas aos quesitos não têm de ser meramente afirmativas ou negativas mas podem ser explicativas, desde que se contenham dentro da matéria articulada e quesitada, isto é, desde que não, sejam excessivas,
     29. Pois bem, foi o que fez o Tribunal recorrido explicitando o que efectivamente ocorreu, sem que dessa alteração tenha sido desvirtuado qualquer facto essencial invocado pela Ré no tocante à posse exercida pela Ré há mais de 30 anos, de forma permanente e continuada, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, como se de um verdadeiro proprietário se tratasse, com a convicção de exercer direito próprio e de não lesar qualquer direito alheio.
     30. De modo que a alteração em causa no que se refere à redacção da resposta do quesito 14º em nada influiu a decisão final dos presentes autos porquanto ficou provada cabalmente a posse exercida pela Ré durante aquele período superior a 30 anos a esta parte, posse essa pública, pacífica e de boa fé, com base nas respostas aos quesitos 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 24º, todos da Base Instrutória.
     31. Pelo que a excepção invocada pela Ré seria, sempre e em qualquer caso, considerada procedente, independentemente da redacção da resposta do quesito 14º que viesse a ser adoptada pelo Tribunal recorrido no sentido de que os comproprietários primitivos registados devolveram (como ficou, e bem, assente), ou doaram, ou transmitiram, ou entregaram, a fracção em causa à Ré.
     32. Termos em que a pretensão dos Recorrentes de ver dado como não provado o quesito 14º com base naquela pequena alteração, tal como o Tribunal recorrido a caracteriza, é totalmente irrazoável e destituída de qualquer fundamento legal, devendo assim essa matéria constante nesse quesito ser mantida em face da prova produzida nos autos, decaindo assim o recurso nessa parte.
     33. Em segundo lugar, vêm os Recorrentes arguir que as respostas aos quesitos 10º, 14º, 15º, 16º a 20 e 24ª da Base Instrutória devem ser revogadas, impondo-se uma resposta diversa da decisão recorrida no sentido de os mesmos serem julgados como não provados.
     34. E defendendo, concomitantemente, que as respostas aos quesitos 2º a 4ª devem ser revogadas em sentido contrário no sentido de os mesmos serem julgados como provados.
     35. Ora, os Recorrentes assentam essa pretensão em factos que não foram provados e em factos que foram provados mas que os Recorrentes fazem de conta que não foram provados, num exercício reiterado de má fé processual.
     36. Dizem os Recorrentes que não se encontra verificado o animus possessório da Ré e que esta nunca teve a convicção que era proprietária do imóvel em causa quando essa premissa é absolutamente falsa, como resulta das respostas positivas, entre outras, dos quesitos 17º 18º.
     37. Dizem os Recorrentes que os comproprietários originais ou primitivos continuaram a dispor das suas quotas quando essa premissa é absolutamente falsa, como resulta das respostas negativas (NÃO PROVADO) dos quesitos 2º, 3º e 4º e das respostas positivas, entre outras, dos quesitos 15º, 16º, 21º, 22º, 23º e 24º.
     38. Dizem os Recorrentes que os comproprietários originais ou primitivos continuaram a exercer o seu direito de propriedade e que a Ré ocupou a fracção ao longo anos por mera tolerância dos seus sucessivos comproprietários quando essas premissas são absolutamente falsas como resulta das respostas negativas (NÃO PROVADO) dos quesitos 2º, 3º e 4º e das respostas positivas, entre outras, dos quesitos 15º, 16º, 21º, 22º, 23º e 24º.
     39. Termos em que a pretensão dos Recorrentes de ver dados como não provados os quesitos 10º, 14º a 20º e 22º a 24º da Base Instrutória (e de ver provados os quesitos 2º a 4º) é totalmente irrazoável e destituída de qualquer sentido porquanto assenta em juízos conclusivos que não têm a mínima correspondência com a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido.
     40. Vêm ainda os Recorrentes invocar, mais uma vez sem qualquer razão, uma alegada contradição entre a matéria constante das alíneas A), B) e I), por um lado, e a matéria que resultou provada da resposta ao quesito 14º da base Instrutória.
     41. Ora, é claro que a tese dos Recorrentes não colhe, não existindo qualquer contradição como os Autores pretendem fazer crer.
     42. Não há efectivamente qualquer colisão de raciocínio entre o que se dá como assente nas alíneas em causa e a resposta do quesito 14º da Base Instrutória: Uma coisa é a situação registral do imóvel no sentido de que o imóvel foi formalmente adquirido em nome dos comproprietários primitivos registados; outra coisa foi a decisão prévia tomada entre os membros do grupo de devotos de que aquele imóvel seria transmitido a favor da Ré logo que esta fosse constituída formalmente, tendo assim aqueles comproprietários primitivos registados devolvido o imóvel que, em bom rigor, nunca chegou a ser seu.
     43. Tratam-se por conseguinte de duas realidades distintas que não se confrontam e que não colidem uma com a outra, Pelo que também nesta parte decai o recurso a que ora se responde.
     44. A última questão que os Recorrentes suscitam no seu recurso prende-se com a peregrina tese de que a invocação da aquisição do imóvel por usucapião por parte da Ré teria que ser feita obrigatoriamente pela via reconvencional (vide conclusões xli a liv das alegações de recurso a que ora se responde).
     45. Ora, a fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido a este respeito mostra-se clara, precisa e irrefutável, baseando-se na lei aplicável e tomando como referência jurisprudência comparada sobre a temática em causa, como foi o caso do douto acórdão acima citado do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.
     46. Em primeiro lugar, não existe qualquer normativo legal, como salienta de forma plenamente acertada a decisão recorrida, que imponha que a questão da aquisição do imóvel por usucapião tenha necessariamente que ser feita pela via reconvencional, podendo assim a excepção ser invocada sob a forma de excepção peremptória.
     47. O próprio artigo 8º do Código de Registo Predial não impede que a defesa da Ré naquele preciso sentido seja deduzida por via de excepção.
     48. Como diz o Tribunal recorrido, a defesa da Ré não consiste na impugnação de um facto registado e comprovado pelo registo mas antes na invocação de que aquela é, sim, a verdadeira proprietária do imóvel por causa da posse exercida.
     49. A aquisição por usucapião, também chamada prescrição aquisitiva ou prescrição positiva, constitui assim um efeito da posse reiterada de um direito real, in casu, do direito de propriedade, e opera a aquisição originária desse direito correspondente à posse exercida.
     50. Tratando-se de uma prescrição aquisitiva, a invocação da prescrição é algo que pode assim ser invocada, conforme estipula o artigo 296º do CC, não existindo, pois, qualquer impedimento que obstrua a que a usucapião seja invocada em sede de excepção peremptória como se verificou no caso sub judice.
     51. Como alude a mesma sentença, a usucapião trata-se de uma forma de aquisição originária que não depende da existência ou validade de um direito ou de um registo anterior, sendo certo que, invocada a usucapião, os seu efeitos retroagem-se à data do início da posse.
     52. A invocação da usucapião não se destina assim a impugnar os factos constantes de registos vigentes; o que se visa é o reconhecimento de um novo direito que se adquire originariamente bem como a consequente inscrição do mesmo direito no registo, com o consequente cancelamento dos registos vigentes.
     53. Temos, pois, que perante a presente acção de reivindicação em que foi demonstrada a propriedade registrai por parte do Autor primitivo no tocante a 2/3 do fracção objecto dos autos, a entrega desse imóvel poderia ser obstada com base na "relação real" suscitada pela Ré tendo por base a aquisição originária por esta desse imóvel, a qual, como se viu, legitima a recusa de restituição daquela fracção.
     54. Conclui-se assim que tal situação poderia ser invocada (como foi) por via de excepção - através da invocação de factos novos comprovativos da aquisição por usucapião daquele imóvel pela Ré e que impedem e extinguem o direito invocado do Autor primitivo - como também poderia ser exercida (como foi) por impugnação motivada com a formulação de factos, sem formulação do pedido cruzado, com vista a ilidir também a presunção do artigo 8º do Código do Registo Predial.
     55. Termos em que esteve bem o Tribunal recorrido em considerar adequada e legítima a invocação da aquisição por usucapião da fracção em causa pelos fundamentos acima aludidos, devendo o recurso a que ora se responde improceder também nessa parte.
     56. Por fim, cumpre dizer que esteve bem o Tribunal recorrido em considerar procedente a excepção peremptória invocada pela Ré em face da matéria dada como assente (vide, respostas aos quesitos 10º a 24º), considerando assim improcedentes todos os pedidos formulados pelo Autor primitivo.
     57. Nos termos do disposto no artº 1241º do CC, “a propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei".
     58. Esta forma de aquisição do direito de propriedade (e de outros direitos reais de gozo) por usucapião vem regulada nos arts. 1212º e segs. do CC: Trata-se da aquisição de um direito usucapível através de uma posse correspondente a tal direito, desde que essa posse se revista de determinadas características e se mantenha por um período de tempo legalmente determinado.
     59. A posse é assim o exercício de poderes de facto sobre uma coisa com intenção de agir como titular do direito real a que aquele exercício de poder de facto se refere (cfr. arts. 1175º e 1177º, al. a) do CC.
     60. A posse, tem, assim, dois elementos: o "corpus" e o "animus". O "corpus" ou elemento material da posse consiste nos concretos actos materiais exercidos sobre a coisa; o "animus" ou elemento psicológico reside na intenção e convicção daquele que exerce poderes de facto sobre a coisa de se comportar como titular do direito real de gozo correspondente aos actos praticados sobre a coisa, independentemente do facto de ser legítima tal intenção.
     61. Como se viu, o Autor primitivo pediu, a título principal, na presente acção de reivindicação (artigo 1235º do Código Civil) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre 2/3 do imóvel em causa com base na presunção registai derivada do disposto no artigo 8º do Código do Registo Predial.
     62. O direito de propriedade, como sucede com outros direitos reais, pode adquirir-se por efeito de negócio jurídico, designadamente, por contrato de compra e venda (artigos 1241º e 869º al a) do Código Civil).
     63. Sucede que a compra e venda não é constitutiva do direito de propriedade, apenas transmite o direito que existia na esfera jurídica do alienante (nemo plus juris ad alium transfere potest, quam ipse habet), e uma vez submetida ao registo predial confere ao adquirente do direito de propriedade a possibilidade de o ver reconhecido desde que a presunção legal (registal) daí resultante não seja ilidida (artigo 342º do Código Civil).
     64. Tratando-se de uma modalidade de aquisição derivada, não resiste se lhe for oposta a aquisição originária do mesmo direito real, isto é, se aquele contra quem é invocado o direito na acção lograr demonstrar os factos de que emerge a aquisição originária do seu direito de propriedade, designadamente, a usucapião (artigo 1241º do Código Civil).
     65. A usucapião determina, como se viu, a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida durante certo lapso de tempo (artigo 1212º do Código Civil), traduzindo-se aquela, tal como se acha definida no artigo 1175º do Código Civil, no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, poder que se traduz na prática de actos que o exteriorizam, no exercício de poderes de facto (corpus) reveladores da aparência do direito e que exprimem ou fazem presumir a vontade de quem os pratica, na relação material que mantém com coisa, de agir como titular do direito real correspondente (animus possidendi).
     66. Revestindo a posse determinadas características - ser pública e pacífica – e sendo exercida por certo lapso de tempo é susceptível de conduzir à usucapião desde que aquela se prolongue por quinze anos, se for de boa fé, ou pelo prazo de vinte anos, se for de má fé (artigo 1221º do Código Civil).
     67. Ora, da aplicação dos factos provados ao Direito, resultou plenamente demonstrado nos presentes autos o carácter público e pacífico da posse da Ré sobre a identificada fracção, posse que vem sendo exercida há cerca de 30 anos de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
     68. É consabido que no âmbito da acção de reivindicação, como é o caso dos presentes Autos, a sua procedência pressupõe a alegação e prova do direito de propriedade e dos factos que integram a alegada ocupação indevida por outrem, nos termos do disposto no artigo 1235º, nº 1 do Código Civil.
     69. No entanto, para impedir a procedência do pedido formulado pelo aqui Autor primitivo, a Ré sustentou a sua defesa com base numa situação real que legitima a recusa da restituição (cfr. nº 2 do mesmo artigo e Código).
     70. No caso, a Ré alegou e provou que, desde 25 de Maio de 1991, que vem a usar e a fruir a totalidade desse imóvel como coisa sua, de forma exclusiva e contínua, à vista de toda a gente, incluindo o Autor e os demais proprietários registados, sem qualquer violência ou oposição de quem quer que seja durante 30 anos, factos que foram todos dados por provados nos presentes Autos.
     71. Invocou assim a Ré a posse sobre a totalidade da fracção "A1", invocando a usucapião, ao abrigo do disposto nos artigos 1212º, 1213º e 1217º, todos do Código Civil, tendente a impedir que fosse reconhecida a propriedade do Autor primitivo sobre 2/3 desse imóvel e a consequente entrega.
     72. Os factos que foram alegados pela Ré, e que resultaram provados nos presentes Autos, integram os requisitos legais que a lei prevê para a legítima invocação da usucapião, ou seja, a posse pública e pacífica e o decurso de determinado prazo (cfr. artigos 1212º a 1217º do Código Civil).
     73. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram considerados provados todos os factos relevantes alegados pela Ré no que respeita aos poderes de facto da posse por si exercida desde 25 de Maio de 1991 até aos dias de hoje sobre o imóvel em causa com animus dominandi perante todos, sem oposição, sem interrupção e na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo (cfr. respostas, entre outros, aos quesitos 8º, 14º a 18º e 21º a 24º).
     74. Posse essa que, como resulta provado, assumiu carácter público, pacífico e de boa-fé desde 25 de Maio de 1991 até aos dias de hoje.
     75. Tendo por isso já decorrido, há muito, os prazos previstos na lei necessários para a verificação da aquisição por usucapião (cfr. artigo 1221º do Código Civil).
     76. Pelo que a decisão recorrida não merece qualquer censura quando considerou procedente a excepção peremptória deduzida pela Ré, julgando assim totalmente improcedente a presente acção com a absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor primitivo.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     - Da Matéria de Facto Assente:
     1. Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 15 de Agosto de 1990, a fls. 79v do Livro 547-B do 1.º Cartório Notarial, (F), (G) e (H) adquiriram, na proporção de 1/3 cada, a fracção autónoma designada por “A1”, do 1.º andar “A”, para habitação (doravante a “Fracção”), do prédio com os n.ºs X da Rua de Henrique de Macedo e XX da Rua de Tomas da Rosa, Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau (doravante abreviadamente designada por “CRP”) sob o n.º 3478, a fls. 235 verso do Livro B17, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 70712, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 24329, a fls. 115 verso do Livro F28 (ver fls. 11 a 22 dos autos). (alínea A) dos factos assentes)
     2. A aquisição da Fracção pelos (F), (G) e (H) ficou registada a título definitivo a favor destes na CRP sob o n.º 1789, a fls. 105 do Livro GK5 (ver idem). (alínea B) dos factos assentes)
     3. Por sentença proferida nos autos de Inventário n.º 519/92 que correram termos pelo 2.º Juízo do antigo Tribunal Judicial de Macau, a que se procedeu por óbito de (F), (M) e (N) adquiram por sucessão hereditária e partilha 1/3 da Fracção - na proporção de 3/12 avos e 1/12 avos, respectivamente -, aquisição esta que ficou definitivamente registada na CRP sob o n.º 10240, a fls. 17 do Livro G31K (ver idem). (alínea C) dos factos assentes)
     4. Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 1 de Agosto de 1994, a fls. 32 do Livro 117-D do 2.º Cartório Notarial, (J) adquiriu de (M), (N) e de (G), 2/3 (3/12 + 1/12 +1/3) da Fracção, aquisição esta que ficou definitivamente registada na CRP sob o n.º 14075, a fls. 81 do Livro G47K (ver idem). (alínea D) dos factos assentes)
     5. Por sua vez, o Autor adquiriu, por escritura pública de compra e venda lavrada em 8 de Novembro de 2002, a fls. 91 do Livro 115 do Cartório do Notário Privado Dr. XX, a propriedade dos 2/3 da Fracção que pertenciam a (J) (ver idem). (alínea E) dos factos assentes)
     6. A aquisição dos referidos 2/3 da Fracção encontra-se definitivamente registada na CRP em nome do Autor, sob a inscrição n.º 57496 do Livro G (ver idem). (alínea F) dos factos assentes)
     7. O comproprietári (H) faleceu em Macau, no dia 15 de Abril de 1993, no estado de viúvo (ver fls. 24 e verso dos autos). (alínea G) dos factos assentes)
     8. A Ré é uma pessoa colectiva constituída com o fim e propósito de prestar culto à divindade “Tou Tei” e de praticar actos de beneficência social (ver fls. 25 a 27 dos autos). (alínea H) dos factos assentes)
     9. A Ré foi formalmente constituída por escritura pública lavrada em 25 de Maio de 1991, a fls. 98 e ss. do Livro 62-C do Cartório Notarial das Ilhas, outorgada pelos referidos (F) e (H), juntamente com (I) (ver fls. 28 a 31 dos autos). (alínea I) dos factos assentes)
     10. E encontra-se registada na DSI sob o n.º 583 (ver fls. 25 a 27 dos autos). (alínea J) dos factos assentes)
     11. A Ré foi citada no dia 5 de Agosto de 2021. (alínea K) dos factos assentes)
     - Da Base Instrutória: (no que à sua motivação concerne, vejam-se as fls. 314 a 319v)
     12. Para além dos outorgantes da escritura de constituição da Ré, o Autor, (G) e (J) também participaram na sua fundação e estiveram, durante muito tempo, ligados às suas actividades. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
     13. Há cerca de uma década que o Autor não tem qualquer ligação à Ré, não participando em nenhuma das actividades promovidas pela Ré, nem se deslocando à Fracção com o objectivo de conviver com qualquer um dos seus associados. (resposta ao quesito 5º, 6º e 7º da base instrutória)
     14. Desde Abril de 2021, o Autor vem instando a Ré para que proceda à devolução da Fracção. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
     15. A Ré recusou-se a entregar a Fracção ao Autor. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
     16. Os membros do grupo de devotos, que pretenderam a constituição da Ré, entre os quais (F), (G), (H), (I), (A), ora Autor e (J), decidiram adquirir a Fracção “A1” identificada na alínea A) dos Factos Assentes para, posteriormente, transferir esse imóvel à associação a constituir para nela instalar a sua sede. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
     17. Ficando ainda acordado que a escritura pública de compra e venda seria formalizada para esse efeito por (F), (G) e (H) considerando que, à data, eram, entre outros, os principais dinamizadores desse grupo de devotos. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
     18. O preço da aquisição da fracção “A1” foi pago com dinheiro contribuido para esse efeito por alguns membros desse grupo de devotos e por conta de parte do dinheiro proveniente das contribuições dos membros que havia sido arrecadado no âmbito da realização de actividades nas principais datas da celebração do culto. (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
     19. A partir de 15/08/1990, os membros do referido grupo de devotos, incluindo (F), (G), (H) e o próprio Autor, passaram a organizar as actividades de veneração a “Tou Tei” e a exercer o seu culto na fracção “A1”. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
     20. Imediatamente após a sua constituição, (F) e sua mulher, (M), (G) e sua mulher, (L), e (H) devolveram esse imóvel à associação aqui Ré, que a aceitou, não tendo porém as partes feito as respectivas formalidades. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
     21. Apesar das sucessivas transmissões referidas nas alíneas C), D) e E) dos Factos Assentes que tiveram por objecto a Fracção “A1”, desde a sua constituição em 25 de Maio de 1991 a Ré passou a ocupar a Fracção “A1” em nome próprio, de forma pública, pacífica e contínua, sendo a sua ocupação conhecida por todos os vizinhos e, particularmente, por todos os membros da Ré, inclusivamente pelo Autor. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
     22. Desde a sua constituição formal em 25 de Maio de 1991 até aos dias de hoje, a Ré vem a usar e fruir a totalidade da fracção “A1” como coisa sua, de forma exclusiva e contínua, à vista de toda a gente, incluindo o Autor e a sua mulher ((A) e (B), (F) e seus herdeiros ((M) e (N)), (G) e sua mulher ((L)), (J) e sua mulher ((O)) e herdeiros de (H), sem qualquer violência ou oposição de quem quer que seja, a não ser a oposição manifestada posteriormente pelo Autor desde Abril de 2021. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
     23. Usando continuadamente a referida fracção “A1” na convicção de que é a única proprietária desse imóvel, comportando-se como se o mesmo lhe pertencesse em exclusivo. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
     24. Sendo reconhecida por todas as pessoas vizinhas e por todos aqueles membros como a única proprietária daquele imóvel administrando aquele imóvel que considera parte do seu património. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
     25. Provado o que consta da resposta dada ao quesito 16º. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
     26. Provado o que consta da resposta dada ao quesito 16º. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
     27. Aí desenvolvendo actividades de veneração da divindade “Tou Tei”, exercendo o seu culto, cultivando a razão e a virtude e praticando actos de beneficência há mais de 30 anos a esta parte, suportando os encargos de fornecimento de água, electricidade e telefone e realizando, a suas expensas, várias obras de conservação, decoração e reparação naquela fracção autónoma. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
     28. Decidindo de forma exclusiva, através dos seus órgãos sociais, toda e qualquer questão relativa à mesma fracção “A1”. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
     29. Dela dispondo da forma como melhor entende como sua dona exclusiva, à vista de toda a gente. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
     30. Antes de Abril de 2021, o Autor nunca manifestou qualquer oposição ao exercício do poder de facto sobre esse imóvel por parte da Ré, porque todos sabiam, e sabem, que essa fracção foi devolvida à Ré para instalação da sua sede logo que esta foi constituída formalmente, em 25 de Maio de 1991. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    
    Recurso da decisão final:
    Os Recorrentes vieram a impugnar a matéria de facto, atacando as respostas dadas pelo Colectivo aos seguintes quesitos 2º a 4º, 10º, 14º a 20º, 22º a 24º, defendendo que as respostas devam ser NEGATIVAS (em vez de positivas tal como o Colectivo decidiu).
    A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
     1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
     a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
     b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
     2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
     3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
     4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º

    Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
    É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
    No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
    É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
    Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
    Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
*
    Importa recapitular como foi formada a convicção do julgador ao julgar a matéria de facto em causa:
    “(…)
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas na audiência.
No caso vertente, os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, designadamente MAK XX (que não só testemunhou como também participou nos trabalhos preparatórios que tiveram lugar antes da constituição formal da Ré), em conjugação com os documentos a fls. 257 e 306 e o facto da ocupação e fruição da fracção autónoma, de forma exclusiva e sem interrupção mesmo depois dos negócios referidos nas alínea C), D) e E) dos Factos Assentes, por parte da Ré ao longo das últimas décadas sem necessidade de pagar qualquer contrapartida a quem quer que seja, são elucidativos acerca da razão porque é que o imóvel foi adquirido e da proveniência do dinheiro utilizado para a sua aquisição. Ora, as provas acima referidas são capazes de convencer o Tribunal de que, tal como o que afirmaram MAK XX e outras testemunhas, já em 1989, altura em que se tencionava fundar uma associação, os associados/membros da associação a constituir já decidiram adquirir a fracção autónoma em questão, tendo o fundo necessário para esse objectivo sido contribuído pelos mesmos. Por conseguinte, o que fica demonstrado nos presentes autos é que os membros (dentro dos quais, destacam-se MAK XX que contribuiu $20,000.00 a mais, e (F), (G) e (H) que suportaram também uma grande proporção do preço da aquisição) contribuíram dinheiro para que a fracção autónoma pudesse ser adquirido, a qual passaria a pertencer ao domínio da própria associação, logo a mesma fosse constituída.
Pelas razões acima referidas o Tribunal considerou basicamente provadas as matérias constantes dos quesitos 1º, 9º, 10º a 24º, embora com pequenas alterações da sua redacção para reflectir a realidade e com a eliminação de algumas expressões jurídicas conclusivas, o que impõe, necessariamente, que se considere não provados os quesitos 2º a 4º uma vez que a Ré não foi “permitida” pelos proprietários de registo para usar a fracção autónoma, sendo antes a sua verdadeira dona que tem estado a ocupar e a utilizá-la desde a sua constituição formal e a devolução do imóvel a seu favor por (F), (G) e (H).
Quanto aos quesitos 5º a 7º, os mesmos foram apreciados tendo em conta a prova testemunhal, que se mostra uniforme.
Sobre o quesito 9º-A, por falta de prova segura, v.g., relatório pericial ou avaliações feitas por pessoas competentes, foi o quesito considerado não provado.
Em fim, sobre os quesitos 8º, face à discrepância entre as testemunhas do Autor e da Ré sem existir nos autos demais elementos probatórios que possam esclarecer a situação para além da carta a fls. 35 e 36, o Tribunal respondeu ao quesito nos moldes acima consignados.”
    Nestes termos, importa destacar o seguinte:
    1) – Não encontramos elementos probatórios constantes dos autos que permitam tirar uma decisão contrária à proferida pelo Tribunal recorrido, aliás, nem os Recorrentes chegaram indicar concretamente com que base probatória é que defende as respostas NEGATIVAS dos quesitos acima referidos;
    2) – Ou seja, os Recorrentes não cumpriram o ónus especial fixado pelo artigo 599º do CPC;
    3) – Igualmente não encontramos elementos disponíveis dos autos que apontem para o erro na apreciação de provas ou as respostas dadas violam alguns critérios legalmente fixados para julgar a matéria em causa;
    4) – Conforme os argumentos invocados pelos Recorrentes, não resta dúvida que eles estão a atacar a convicção do julgador e pretendem “impôr” uma versão factual que lhe seja favorável, o que não é fundamento legalmente admissível para impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
*
    Depois, os Recorrentes argumentaram ainda da seguinte forma:
    “(…)
     xxxiii. Assim, se foram os próprios membros fundadores da R. a decidir não transmitir a propriedade da Fracção à R., antes fazendo-o entre si, não se alcança como pôde o Tribunal a quo dar por provado que a Fracção foi doada à R. por (F), (G) e (H) (através da resposta dada ao quesito 14.° da base instrutória), ou tão-pouco dar como provados factos relativos ao animus da posse da R. sobre a Fracção, nomeadamente através das respostas dadas aos quesitos 15.°, 16.° a 20.° e 22.° a 24.° da base instrutória.
     xxxiv. Independentemente do que a sua actual direcção vem agora dizer, a R. ocupou a Fracção ao longo dos anos por mera tolerância dos seus sucessivos com proprietários, razão pela qual apenas se pode concluir que todos os actos praticados pela R. sobre a Fracção dados como provados na resposta dada ao quesito 15.°, se coadunam com os actos normais de um mero detentor.
     xxxv. Nos termos do disposto no artigo 599.°, conjugado com as alíneas a) e b) do n.º 1 e com o n.º 2 do artigo 629.° do CPC, devem as respostas dadas aos quesitos 10.°, 14.°, 15.°, 16.° a 20.° e 22.° a 24.° da base instrutória ser revogadas, ditando-se uma resposta diversa da decisão recorrida, no sentido de os mesmos serem julgados como não provados e, por conseguinte, devem as respostas dadas aos quesitos 2.° a 4.° da base instrutória ser igualmente revogadas, impondo-se uma resposta diversa da decisão recorrida, no sentido de os mesmos serem julgados provados, por serem a procedência lógica do supra exposto.
     xxxvi. Sem prejuízo de tudo quanto se expôs, os factos dados como assentes nas alíneas A), B) e I) da selecção da matéria de facto, estão em contradição com os factos provados através da resposta dada ao quesito 14.° da base instrutória, situação que deve ser resolvida à luz da segunda parte do n.º 4 do artigo 549.° do CPC, dando-se como não escrita a resposta dada ao conteúdo do quesito 14.°.
    (…)”.
    Ora, analisados todos os elementos constantes dos autos, é da nossa concluir:
    1) – Não há nenhuma contradição entre os factos Assentes indicados sob A, B e C com o contéudo do artigo 14º, contendo tais factos o seguinte conteúdo:

- Da Matéria de Facto Assente:
1. Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 15 de Agosto de 1990, a fls. 79v do Livro 547-B do 1.º Cartório Notarial, (F), (G) e (H) adquiriram, na proporção de 1/3 cada, a fracção autónoma designada por “A1”, do 1.º andar “A”, para habitação (doravante a “Fracção”), do prédio com os n.ºs X da Rua de Henrique de Macedo e X da Rua de Tomas da Rosa, Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau (doravante abreviadamente designada por “CRP”) sob o n.º 3478, a fls. 235 verso do Livro B17, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 70712, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 24329, a fls. 115 verso do Livro F28 (ver fls. 11 a 22 dos autos). (alínea A) dos factos assentes)
2. A aquisição da Fracção pelos (F), (G) e (H) ficou registada a título definitivo a favor destes na CRP sob o n.º 1789, a fls. 105 do Livro GK5 (ver idem). (alínea B) dos factos assentes)
    (…)
9. A Ré foi formalmente constituída por escritura pública lavrada em 25 de Maio de 1991, a fls. 98 e ss. do Livro 62-C do Cartório Notarial das Ilhas, outorgada pelos referidos (F) e (H), juntamente com (I) (ver fls. 28 a 31 dos autos). (alínea I) dos factos assentes)
*

     Imediatamente após a sua constituição, (F) e sua mulher, (M), (G) e sua mulher, (L), e (H) devolveram esse imóvel à associação aqui Ré, que a aceitou, não tendo porém as partes feito as respectivas formalidades. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)

    Pelo contrário, o conteúdo da resposta do quesito 14º é a evolução natural das coisas, ou seja, depois de constituída a Autora, as pessoas passaram a “entregar” (doar) tal imóvel para ela, não se vê onde existe contradição, nem os Recorrentes chegaram explicitar com clareza o seu raciocínio neste ponto.
    Improcede assim também esta parte de impugnação.
    Pelo expendido, é de julgar improcedente esta parte do recurso, mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto fixada pelo Colectivo recorrido.
*
    Prosseguindo,
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:

     1. RELATÓRIO:
     (A), Autor dos presentes autos, titular do BIR n.º 5XXXX, com domicílio em Macau, na Rua da Doca Seca, Edifício XX, Bloco X, Xº andar X, vem intentar a presente Acção Ordinária contra
     ASSOCIAÇÃO (X), doravante se designa por “Ré”, com sede em Macau, na Rua de Henrique de Macedo, n.o X, X.o andar “X”, registada na Direcção dos Serviços de Identificação sob o n.o 583(SO).
     Para tanto alegou o Autor, em síntese, o seguinte:
     - Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 15 de Agosto de 1990, (F), (G) e (H) adquiriram, na proporção de 1/3 cada, a fracção autónoma discutida nos presentes autos;
     - Na sequência do inventário aberto por óbito de (F), (M) e (N) adquiram por sucessão hereditária e partilha 1/3 da Fracção - na proporção de 3/12 avos e 1/12 avos, respectivamente;
     - Por escritura pública de compra e venda, lavrada em 1 de Agosto de 1994, (J) adquiriu de (M), (N) e de (G), 2/3 (3/12 + 1/12 +1/3) da fracção, aquisição esta que ficou definitivamente registada na CRP;
     - Por sua vez, o Autor adquiriu, por escritura pública de compra e venda lavrada em 8 de Novembro de 2002, a propriedade dos 2/3 da fracção que pertenciam a (J);
     - A propriedade da fracção autónoma encontra-se registada na CRP em nome do Autor, na proporção de 2/3, e em nome de (H), na proporção de 1/3;
     - O comproprietário (H) faleceu em Macau, no dia 15 de Abril de 1993, no estado de viúvo;
     - A Ré é uma pessoa colectiva constituída com o fim e propósito de prestar culto à divindade “Tou Tei” e de praticar actos de beneficência social;
     - Quando a Ré foi constituída, (F), (G) e (H) permitiram que a Ré passasse a usar a fracção, de forma gratuita, como sua sede;
     - Também (J), quando em 1994 adquiriu 2/3 da Fracção - permitiu que a Ré continuasse a usar a Fracção, fruto da ligação que tinha com a Ré;
     - O mesmo acontecendo com o Autor, pelas mesmas razões, quando em 2002 adquiriu 2/3 da Fracção de (J);
     - Há já algum tempo que o Autor vem instando a Ré para que procure uma nova sede e proceda à devolução da Fracção, mas a Ré tem recusado a fazer.
     Pelos fundamentos de facto e de direito constantes da douta petição inicial concluiu o Autor pedindo que seja a presente acção julgada procedente por provada, e por via dela:
     1. Declarar-se ser o Autor legítimo proprietário de 2/3 da fracção autónoma designada por “A1”, do 1.º andar “A”, para habitação, do prédio com os n.ºs X da Rua de Henrique de Macedo e X da Rua de Tomas da Rosa, Macau, descrito na CRP sob o n.º 3478, a fls. 235 verso do Livro B17, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 70712, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 24329, a fls. 115 verso do Livro F28;
     2. Ser a Ré condenada a reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre a referida fracção, e, em consequência, na sua restituição efectiva ao Autor, devoluta de pessoas e bens;
     3. Ser a Ré condenada a pagar uma indemnização ao Autor por danos sofridos, em montante nunca inferior a HKD$5.500,00, equivalente a MOP$5.665,00, vencidos a cada mês que se complete após 2 de Maio de 2021 – e que até à presente data se contabilizam em HKD$13.017,00, equivalente a MOP$13.408,00 –, até à efectiva entrega da Fracção, acrescida dos respectivos juros de mora calculados à taxa legal, vencidos desde 3 de Maio de 2021 – os quais se cifram até à presente data em HK$171.95, equivalente a MOP$178,00 – e vincendos, desde o momento em que se tornou exigível o pagamento de cada uma das prestações, até ao seu efectivo e integral pagamento.
     *
     Citada, veio a Ré contestar a acção com os fundamentos constantes de fls. 77 a 98 dos autos.
     Alegou a Ré, em síntese, o seguinte:
     - A Ré foi formalmente constituída em 25 de Maio de 1991;
     - Os objectivos que levaram à sua constituição já eram prosseguidos pelos seus fundadores, (F), (H) e (I), e por outros devotos do mesmo culto, nos quais se incluía o Autor;
     - Por isso, os membros referidos decidiram, em 1989, constituir uma associação para prosseguir o culto à divindade “Tou Tei” e praticar actos de beneficência;
     - Parte dos membros desse grupo de devotos, entre os quais (F), (G), (H), (I), o Autor e (J), decidiram adquirir a fracção “A1” em discussão para, posteriormente, doar esse imóvel à associação a constituir para nela instalar a sua sede, ficando ainda acordado que a escritura pública de compra e venda seria formalizada para esse efeito por (F), (G) e (H) considerando que, à data, eram, entre outros, os principais dinamizadores desse grupo de devotos;
     - O preço da aquisição da fracção “A1” foi pago com dinheiro doado para esse efeito por alguns membros desse grupo de devotos e por conta de parte do dinheiro proveniente das contribuições dos membros que havia sido arrecadado no âmbito da realização de actividades nas principais datas da celebração do culto;
     - Após a sua constituição da Ré, os comproprietários da fracção “A1”, (F) e sua mulher, (M), (G) e sua mulher, (L), e (H), doaram, em finais de Maio de 1991, esse imóvel à associação aqui Ré, que a aceitou, não tendo porém as partes formalizado por escrito esse acordo;
     - Apesar das sucessivas transmissões que tiveram por objecto a fracção “A1”, exercendo a Ré sobre a fracção “A1”, desde 1991, uma posse em nome próprio, pública, pacífica, continua e de boa-fé, conhecida por todos os vizinhos e, particularmente, por todos os membros da Ré, inclusivamente pelo Autor;
     - A Ré, desde finais de Maio de 1991 até aos dias de hoje, vem a usar e fruir a totalidade da fracção “A1” como coisa sua, de forma exclusiva e contínua, à vista de toda a gente, sem qualquer violência ou oposição de quem quer que seja, até Agosto de 2021;
     - Além disso, a presente acção está em causa o pedido de reivindicação formulado pelo Autor com referência ao imóvel em causa, e na acção interposta pela Ré contra o Autor, a sua mulher e os herdeiros de (H), está a posse por aquela exercida por mais de 30 anos sobre o mesmo imóvel que lhe confere o direito de usucapir o mesmo imóvel.
     A Ré concluiu pedindo que sejam consideradas as excepções deduzidas procedentes e provadas, ou caso assim não se entenda, sejam os pedidos formulados pelo Autor julgados não provados e improcedentes com a sua absolvição dos mesmos.
     Mais requereu a Ré a suspensão da presente instância para aguardar o desfecho da outra acção tem como objectivo a aquisição do imóvel por via de usucapião por parte da aqui Ré, intentada por esta contra o Autor e o outro comproprietário.
     *
     O Autor apresentou a réplica a fls. 123 a 135, pugnando pelo indeferimento da suspensão da instância requerida pela Ré e total improcedência, já no despacho saneador, das excepções deduzidas pela Ré.
     *
     Notificada da réplica, a Ré apresentou o articulado a fls. 174 a 177, onde, para além de insistir pela procedência das excepções por si invocadas e pela suspensão da instância, pediu, subsidiariamente, a apensação da acção registada sob o n.º CV3-21-0068-CAO, à presente acção, nos termos do disposto no art. 219º do CPC.
     *
     Em sede de despacho saneador (fls. 202 a 208), foi indeferido o pedido da suspensão da instância, e julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade do Autor deduzida pela Ré.
     *
     Exercido o contraditório por parte do Autor, que manifestou a sua oposição quanto ao requerimento da Ré, foi o requerimento de apensação indeferido por despacho a fls. 228 e 229.
     *
     Seleccionada a matéria de facto com relevância para a justa composição da causa e admitidos os meios de prova requeridos pelas partes, procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo, tendo o Tribunal Colectivo respondeu à matéria dos quesitos constantes da base instrutória nos moldes referidos a fls. 314 a 319v dos autos.
     *
     Passado já o prazo para a apresentação das alegações de direito, cumpre apreciar e decidir.
     *
     2. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
     Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
     As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
     O processo é o próprio.
     Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
     ***
     3. FACTOS:
     Dos autos resulta provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
     (...)

     ***
     4. FUNDAMENTAÇÃO:
     Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
     Nos termos do art. 1235º do Código Civil,
     “1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
     2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.”
     No caso vertente, dúvida não há que o Autor já cumpriu o seu ónus de alegar e de provar os elementos previstos no n.º 1 da norma citada, sendo certo que por força do registo (cfr. art. 7º do Código do Registo Predial e Facto Provado 6º) é o Autor presumido como comproprietário da fracção autónoma discutida nos presentes autos, estando a coisa reivindicada na posse ou detenção da Ré.
     Uma vez que se mostram preenchidos os elementos previstos no n.º 1, de modo a poder negar a restituição da coisa para o Autor, impende sobre a Ré o ónus de alegar e de provar um título ou uma causa que legitimem a manutenção da sua posse ou detenção, por força do que exige o n.º 2 da norma citada.
     No ponto de vista da Ré, tem sido ela a possuidora do imóvel e uma vez que a posse está exercida por ela há mais de 30 anos, tem o direito de usucapir o mesmo imóvel, daí que devem ser os pedidos formulados pelo Autor julgados não provados e improcedentes.
     O Autor tem opinião diferente e sustenta que se a Ré pretendia invocar a aquisição do imóvel por usucapião, a mesma teria, obrigatoriamente, de o ter feito nestes autos, pela via reconvencional. Na óptica do Autor, como a Ré não deduziu qualquer pedido reconvencional contra o autor, o seu direito de invocar a aquisição da fracção autónoma contra este, quer nestes autos quer numa acção autónoma, foi precludido.
     Cumpre, pois, analisar se a usucapião – quando é invocada com vista a impedir o reconhecimento de propriedade bem como a restituição da coisa reivindicada – só pode ser invocada pela via reconvencional ou, ao invés do que sustenta o Autor, também é susceptível de ser invocada sob a forma de excepção peremptória.
     Não temos dúvida que, de acordo com o princípio da concentração da defesa plasmado no art. 409º do CPC toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado, sendo certo que depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
     Mas uma coisa é a oportunidade, outra é a forma de dedução, e são coisas diferentes.
     No caso presente, como foi invocada na contestação, está fora de dúvida que a defesa fundada na usucapião é oportuna. Questão diversa é saber se a usucapião só podia ter sido invocada pela via reconvencional sendo inadmissível a sua dedução por excepção.
     Salvo o devido respeito e melhor opinião, afigura-se não existir qualquer norma que imponha a sua dedução por reconvenção.
     Nos termos do disposto no art. 296º n.º 1 do CC, “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante.”
     Ao abrigo desta norma, a invocação da prescrição é algo que pode ser invocada, mesmo extrajudicialmente, pelo que parece não existir nenhum obstáculo para que a usucapião seja invocada sob a forma de excepção peremptória.
     Nem o artigo 8º do Código do Registo Predial impede a defesa da Ré por via de excepção. Nos termos deste preceito legal, “os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em tribunal sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo.” No caso vertente, a defesa trazida pela Ré aos autos não consiste na impugnação dum facto registado e comprovado pelo registo; o que ela pretende é fazer convencer que ela própria é a verdadeira proprietária do imóvel, por causa da usucapião (art. 1212º e 1213º do CC). Trata-se a usucapião duma forma de aquisição originária que não depende da existência ou validade dum direito ou registo anterior, sendo certo que, invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse. Ou seja, a invocação da usucapião não se destina a impugnar factos constantes de registos vigentes; com o que se visa é o reconhecimento de um novo direito que se adquire originariamente, bem como a consequente inscrição do mesmo direito no registo e o cancelamento dos registos vigentes independentemente de os factos registados serem verdadeiros ou falsos.
     Sobre a questão em apreço, afigura-se também pertinente o arresto do STJ (proc. n.º 06A3284, de 24/10/2006) citado pela Ré nas suas alegações de direito a título de jurisprudência comparada, em que se pronunciou nos termos seguintes:
     “1) A causa de pedir na lide reivindicatória é complexa consistindo no facto jurídico de que deriva o direito de propriedade, que deve consistir na alegação de uma das formas originárias de adquirir, (podendo contudo bastar-se com a existência de uma presunção registral) exigindo-se alegação e prova da ocupação abusiva e da coincidência entre a coisa reivindicada e a detida pelo demandado.
     2) Demonstrada a propriedade e a detenção por outrem a entrega só pode ser obstada com base em qualquer relação obrigacional ou real que legitime a recusa de restituição.
     3) Tal relação pode ser invocada por via de excepção - com aceitação dos fundamentos essenciais, ou abstraindo da sua verdade, alegados pelo demandante, mas invocando factos novos que impedem, modificam ou extinguem o direito invocado.
     4) Mas também pode ser feito por impugnação motivada, alegando factos opostos, para, por exemplo, tentar convencer de aquisição por usucapião, sem formulação do pedido cruzado, mas apenas para ilidir a presunção do artigo 7º do Código do Registo Predial..”
     Alinhamos com a posição tomada neste Acórdão do STJ.
     Pelo que vem analisado, nada obsta a que a usucapião seja invocada nestes autos sob a forma de excepção.
     Analisamos agora a exepção invocada.
     Nos termos do disposto no art. 1212º do CC, “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
     O art. 1175º do CC, por sua vez, preceitua que“Posse é o poder que se manifesta quando alguém actual por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
     Da leitura conjunta dos artigos 1175º e 1177º do CC pode verificar-se que a posse é composta por dois elementos: o “corpus” e o “animus”, consistindo aquele nos actos materiais exercidos sobre uma determinada coisa, e este na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
     Dos factos provados resulta que a Ré tem estado na posse da fracção autónoma em discussão a partir da sua constituição formal em 25 de Maio de 1991 (cfr. Factos 9º e 20º), momento em que (F) e sua mulher, (M), (G) e sua mulher, (L), e (H) devolveram esse imóvel à associação aqui Ré, pois desde então, passou a Ré a exercer o poder de facto sobre o imóvel, como se fosse a sua proprietária legítima e na convicção de a ser.
     A posse da Ré é de boa fé (art. 1184º n.º 2 do CC)
     Seja como for, mesmo que se entenda que a sua posse é de má-fé, o certo é que a posse, contada até a citação da Ré nos presentes autos, durou já mais de 20 anos.
     É pacífica e pública (art. 1183º, 1185º e 1186º do CC).
     Deste modo, estando a Ré na posse com as caraterísticas acima referidas, da fracção autónoma em discussão desde a sua constituição formal, estão verificados todos os requisitos para o reconhecimento da aquisição da propriedade da mesma fracção autónoma por via de usucapião.
     Por causa disto, nos termos do disposto no art. 1235º n.º 2º do CC é de improceder os pedidos formulados pelo Autor.
     *
     5. DECISÃO:
     Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga a acção improcedente, com a absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.
     Custas pelo Autor.
     Registe e notifique e DN.
*
    Quid Juris?
    Ora, como os factos fixados pelo Tribunal recorrido não foram alterados, e, todas as questões suscitadas pelas partes no processo já foram objecto de análise por parte do Tribunal a quo, com os argumentos acima integralmente reproduzidos, que subscrevemos e sufragamos as posições assumidas.
    Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a sentença recorrida.
*
    Síntese conclusiva:
    Dos factos provados resulta que a Ré tem estado na posse da fracção autónoma identificada nos autos a partir da sua constituição formal em 25 de Maio de 1991, momento em que os outros sócios devolveram esse imóvel à associação/Ré, passando esta a exercer o poder de facto sobre o imóvel, como se fosse a sua proprietária legítima e na convicção de a ser, actuando de boa fé (art. 1184º n.º 2 do CC). A posse é pacífica e pública (art. 1183º, 1185º e 1186º do CC), estando verificados os pressupostos para o reconhecimento da aquisição da propriedade da fracção autónoma por via de usucapião, o que impede que os Recorrentes pretendam ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade sobre o mesmo imóvel.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, confirmando-se a sentença recorrida.
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    Custas pelos Recorrentes.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 06 de Junho de 2024.

Fong Man Chong
(Juiz Relator)
Ho Wai Neng
(1º Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2º Juiz-Adjunto)

1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
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