Processo nº 917/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 30 de Maio de 2024
ASSUNTO:
- Impugnação da matéria de facto
- Prova
____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 917/2023
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 30 de Maio de 2024
Recorrentes: A
B
Recorridos: Os Mesmos
C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
B
e
C, também com os demais sinais dos autos,
Pedindo a condenação destes a pagar-lhe uma quantia de HKD5.000.000,00 e uma de HKD8.000.000,00, no total de HKD13.000.000,00, acrescida dos juros à taxa anual de 9,75%, contados desde o dia de citação até o integral pagamento.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e em consequência:
1. Condena o 1º Réu B a pagar ao Autor A uma quantia de MOP5.150.000,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar de 3 de Agosto de 2020, até o integral pagamento;
2. Absolver o 1º Réu B dos outros pedidos do Autor A;
3. Absolver a 2ª Ré C dos outros pedidos do Autor A.
Não se conformando com a decisão proferida veio o Autor interpor recurso da decisão proferida, apresentando as seguintes alegações e pedido:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere às respostas dadas aos quesitos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 12.º, 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º da base instrutória e sobre a douta sentença que somente deu provimento parcial ao pedido formulado pelo autor contra os réus, ora recorridos, no pagamento dos montantes de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.000,00 de forma solidária pelo 1º réu e 2ª ré, acrescido de juros de mora à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento.
2) O móbil da presente acção «são dois contratos de mútuo celebrados entre réus e autor, em 20 de Setembro de 2012 e 14 de Fevereiro de 2014, respectivamente, mediante os quais o autor entregou as quantias de HKD$5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) e HKD$8.000.000,00 (oito milhões de dólares de Hong Kong) aos dois réus, e estes as aceitaram, sem terem devolvido as quantias em questão até à data da instauração desta acção apesar de instados para o fazer.
3) De forma a provar que os quesitos 1.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 12.º, 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º da base instrutória deveriam ter sido alvo de uma resposta diversa da dada por parte do tribunal a quo, o recorrente lança mão dos seguintes meios que, a seu ver, impunham um julgamento diferente daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo, i.e., a prova testemunhal produzida pela testemunha do autor, D e E, e da prova documental, dos documentos n.ºs 5 a 7 constantes dos autos de procedimento cautela de arresto que correram termos sob o n.º CV2-19-0019-CPV, e de certidão junta como documento n.º 1.
3) Os quesitos dois quais se recorre foram quesitados da seguinte forma:
1. “No dia 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu empretado HKD$5.000.000,00 do autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque precisava de fundos para explorar o “XXX”?”
3. “O autor e o 1º réu acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?”
4. “No dia 14 de Fevereiro de 2014, a 2ª ré pediu emprestado o montante de HKD$8.000.000,00 do autor porque necessitava de dinheiro para adquirir bens para continuar a explorar o XXX, que foi convertido em MOP$8.240.000,00?”
5. “Dado que o autor emprestou o dinheiro ao 1º réu em 2012, a supra referida loja manteve-se aberta e o autor acreditava que a filha, 2ª ré, não o enganaria, daí ter aceitado o pedido da 2ª ré?”
6. “O autor e a 2ª ré acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?
Não provado”
8. “Nos últimos anos, o autor viu o negócio do estabelecimento supra mencionado estabilizar, envelheceu e desde 2018 que tem pedido aos dois réus para devolveram o dinheiro que foi emprestado?”
9. “Depois de inúmeras interpelações, os dois réus não tinham ainda pagado o supra mencionado empréstimo ao autor. Até agora, os dois réus não pagaram de volta qualquer montante ao autor, apesar de ter feito várias tentativas em pessoa?”
12. “Até à data da presente acção ter sido apresentada, os dois réus não reembolsaram o supra mencionado empréstimo de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.00,00, perfazendo um total de HKD$13.000.000,00 ao autor?”
19. “Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo um presente?”
20. “O autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante?”
21. “Naquele momento, a 2ª ré também disse ao autor que aceitava que aquele dinheiro lhe fosse dado e que mesmo sem dinheiro, a ré cuidaria da mãe?”
23. “Dada a relação que a ex-mulher do autor tinha na sociedade XXX, a cantina aberta pelo autor tinha muito lucro. Por isso não era incomum que o autor desse aos réus o montante de HKD$8.000.000,00?”
30. “O empréstimo é puramente uma ficção por parte do autor, e o propósito é retaliar contra a filha, 2ª ré, por não apoiar o autor no processo entre o autor e a sua ex-mulher?”
4) Tendo sido dada a seguinte resposta aos quesitos supra melhor referidos:
1. Provado apenas que “Em 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 ao autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque necessitava de fundos.”
3. Não provado.
4. Não provado.
5. Não provado.
6. Não provado.
8. Provado apenas que “desde 2018 o autor pretende que a parte contrária lhe devolva o montante de HKD$5.000.000,00.”
9. Provado apenas que “até ao momento os dois réus não devolveram qualquer montante ao autor.”
12. Provado apenas que “até hoje os dois réus não devolveram o montante de HKD$5.000.000,00 ao autor.”
19. Provado.
20. Provado que “o autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante”
21. Provado.
23. Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21 da base instrutória.
30. Apenas confirmado o mesmo conteúdo dado na resposta aos quesitos 19 a 21 da base instrutória.
5) A convicção do tribunal baseou-se no depoimento de F e G, a fls. 482 a 491 dos autos, por meio de carta rogatória, e as testemunhas ouvidas em audiência D e H, que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, e na prova documental, mormente documentos constantes dos autos FM1-14-0357-CPE, acção de divórcio intentada por G, ex-mulher do autor, entre outros.
6) Na óptica do recorrente, fez-se prova bastante de que os réus eram devedores das quantias de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.000,00 perante o autor, pelo que, salvo melhor douta opinião, não se vislumbra de que forma, ou a partir de que prova, pôde o tribunal a quo decidir como decidiu.
7) O quesito 1.º da base instrutória prende-se com o primeiro empréstimo, de Setembro de 2012, realizado ao 1º réu, não tendo ficado provado que esse empréstimo se deu para fazer face a necessidades de capital. Mal andou a sentença recorrida, senão vejamos,
8) Decorre do depoimento da testemunha D, que efectivamente, foi entregue pelo autor a quantia de HKD$5.000.000,00 ao 1º réu, B, para ajudar com despesas do spa que o 1º réu explorava com a sua mulher, ora 2ª ré, e a forma como tal é explicado é feita de forma clara, sem hesitações. Assim, como não se tratava de qualquer oferta ou presente.
9) Tanto assim é, que nos autos de arresto, que correram termos sob o n.º CV2-19-0019-CPV, no documento n.º 5, relativo a esta quantia está escrito “B暫借”, ou seja B, empréstimo.
10) O conhecimento da testemunha deriva de conversas tidas com o seu pai e por em 2011 também ter tido conhecimento de outro empréstimo realizado aos réus por parte do autor.
11) salvo melhor entendimento, somos da opinião que, face aos elementos aqui realçados que resultam do depoimento da testemunha D, e do documento n.º 5 constante dos autos de arresto sob o n.º CV2-19-0019-CPV, foi produzida prova bastante pelo autor nos autos que comprovam que a quantia de HKD$5.000.000,00 foi emprestada para fazer face a necessidades de capital do negócio que o 1º réu explorava com a 2ª ré.
12) assim sendo, o tribunal a quo deveria ter dado como provado o quesito 1.º da base instrutória da sua íntegra, ou seja, que “No dia 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 do autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque precisava de fundos para explorar o XXX”.
13) Pelo que, ao dar como provado – apenas parcialmente – o quesito 1.º da base instrutória, ou seja, - não tendo sido dado como provado que tal montante se destinava a suprir necessidades do spa que ambos os réus exploravam -, salvo melhor entendimento, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss. do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
14) Já os quesitos 4.º e 5.º da base instrutória cuidam do 2º empréstimo realizado por parte do autor, agora à 2ª ré, desta feita em 14 de Fevereiro de 2014, e para fazer face também a necessidades de capital para o negócio do spa que explorava com o 1º réu.
15) mais uma vez, a testemunha D depõe com clareza sobre os factos, indicando para tanto, que o autor não deu como presente o montante de HKD$8.000.000,00 à 2ª ré, outrossim, emprestou o montante em causa à 2ª ré para ser usado para fins do negócio do spa que explorava, ou seja, o spa “XXX”, e o conhecimento que a testemunha tem deste empréstimo, e do modo como o montante foi entregue, advém do autor.
16) Por seu turno, temos os documentos n.º 6 e 7 constantes dos autos de procedimento cautelar de arresto, que correu termos sob o n.º CV2-19-0019-CPV, em que está escrito no documento que titula a remessa do montante de HKD$8.000.000,00 para C “貨款”, i.e., “compra de mercadorias”.
17) Se acompanhássemos o entendimento do tribunal a quo, e a 2ª ré a ter tomado o lado da mãe, entendemos que, tal não vai de encontro às regras de experiência, pois, ninguém aceitaria qualquer montante de um pai com o qual se está desavindo, fosse como presente, ou como forma de agradecimento para tratar bem da mãe da 2ª ré, ainda mulher do autor àquela altura.
18) para além do supra exposto, é preciso tomar em linha de conta que o depoimento das testemunhas dos réus são partes que têm um interesse directo no desfecho da causa, sendo elas, a irmã e mãe, da 2ª ré, cunhada e sogra do 1º réu, respectivamente, em que ao longo das suas declarações é claro e notório a incompatibilização com o autor.
19) Depoimentos que não foram tomados in loco, e de certo modo colocaram em causa o princípio de igualdade das partes, na medida em que, não se apresentaram perante o tribunal em Macau nem nos Estados Unidos da América, limitando-se a enviar as suas respostas às questões por escrito.
20) Ao invés, a testemunha D, depôs de forma natural e sem demonstrar qualquer animosidade em relação à irmã, ou mesmo à mãe, perante o tribunal a quo.
21) Conjugados todos os elementos supra, prova documental e testemunhal, entendemos que foi produzida prova bastante pelo autor de que foi emprestada a quantia de HK$8.000.000,00 à 2ª ré para fazer face aos negócios do spa “XXX” que explorava com o 1º réu, e da qual ambos beneficiaram, e face aos elementos aqui realçados, que o tribunal a quo deveria ter dado como provados os quesitos 4.º e 5.º da base instrutória.
22) E, consequentemente, por os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º da base instrutória estarem em oposição com os quesitos 4.º e 5.º da base instrutória, os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º da base instrutória deveriam ter sido dados como não provados.
23) Ao não dar como provados os quesitos 4.º e 5.º da base instrutória, e os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 30.º da base instrutória como provados o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss. do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
24) Os quesitos 3.º e 6.º da base instrutória, prendem-se com o facto de ter sido estabelecida uma condição pelo autor quanto à devolução dos montantes de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.000,00 por partes dos réus, quesitos que foram dados como não provados pelo tribunal a quo, não se conformando o autor, ora recorrente, com tal.
25) Senão vejamos, resulta do depoimento de D, que tinha conhecimento que os empréstimos não tinha sido presentes e que os montantes tinham sido concedidos mas com a condição de serem devolvidos, de outra forma, o pai da testemunha, aqui autor, não teria pedido o reembolso várias vezes.
26) Pelo que, entendemos que, foi produzida prova bastante pelo autor, no sentido em que foi estabelecida a condução de devolução dos dois empréstimos, de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.000,00 por parte dos réus, e, assim, o tribunal a quo tinham condições para dar como provados os quesitos 3.º e 6.º da base instrutória.
27) E ao não o fazer, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss. do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
28) Já os quesitos 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória cuidam das tentativas de contacto para que os réus devolvessem os montantes de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.000,00 que lhe haviam sido emprestados pelo autor, ora recorrente.
29) o depoimento da testemunha D e E, são essenciais pois confirmam que foram juntamente com o autor à casa dos réus, bem como ao spa, que não os encontraram, e que deixaram ficar recado tanto em casa como na loja a quem lhes atendeu a porta, e que o autor deixou de poder contactar os réus porque estes mudaram de número de telefone.
30) Ora, perante o exposto, entendemos que foi produzida prova bastante nos autos para que se dê como provadas as tentativas de contacto por parte do autor e para que sejam dados como provados os quesitos 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória.
31) Pelo que, ao não dar como provado os quesitos 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória, o acórdão de matéria de facto e sentença final, incorreram em erro de julgamento, por a decisão ter incorrido no vício de contradição, deficiência, falta de fundamentação tudo nos termos dos artigos 370.º e 386.º e ss. do Código Civil e do n.º 5 do artigo 556.º do Código de Processo Civil.
32) Já no que concerne à matéria de direito, a sentença refere que dos factos provados não decorre que a 2ª ré tenha prestado o seu consentimento, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil. Pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1559.º do Código Civil apenas o 1º réu deverá ser considerado responsável por aquela quantia em dívida.
33) Sucede que, o empréstimo em causa dá-se em 2012, em data anterior ao casamento dos réus, em 2013, tendo o regime escolhido pelos réus sido o de comunhão geral de bens, como, aliás, resulta nos Factos Assentes B).
34) Tendo também sido tido como Facto Assente E) que ambos os réus têm participações sociais de 50% e 30%, respectivamente, numa sociedade comercial que explorava o spa “XXX”.
35) Ora, entendemos, antes de mais, que o regime a ser aplicado em relação a essa dívida terá que ser o previsto no n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil, e não, o da alínea a) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil, como o tribunal a quo decidiu.
36) Conforme aludido em sede das questões levantadas em relação à matéria de facto, salvo o devido respeito, demonstrou-se que, por razões de experiência comum que o empréstimo de HKD$5.000.000,00 realizado ao 1º réu pelo autor, tinha sido realizado em benefício de ambos os réus, e não só ao 1º réu.
37) E a atestar este facto, temos a prova testemunhal a corroborar que a quantia mutada teria sido realizada para fazer face a despesas com o spa que ambos os réus exploravam, numa altura em que os réus não tinham casado, mas que viviam em união de facto, como um qualquer outro casal, desde aproximadamente 1992, 1993.
38) A comunicabilidade das dívidas contraídas antes do casamento no regime de bens o da comunhão geral de bens existe desde que haja proveito comum do casal, tendo em vista um interesse de ambos os cônjuges ou da sociedade familiar.
39) O autor, ora recorrente, ao demonstrar através de prova testemunhal e documental que o empréstimo de HKD$5.000.000,00 se destinou a fazer face a necessidades de capital relativas ao negócio que os réus exploravam, demonstrou, inequivocamente, que a dívida contraída para o proveito comum do casal.
40) Estando em causa provado o proveito comum do casal, como decorre do supra exposto, entendemos que a 2ª ré deveria ser condenada solidariamente ao pagamento do montante em dívida, por ser uma dívida contraída para o proveito comum do casal, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil.
41) Pelo que, a sentença violou o disposto no n.º 2 do artigo 1558.º do Código Civil, ao não fazer a correcta interpretação daquele preceito, do 1558.º n.º 1 a) do mesmo Código, bem como do artigo 1559.º e 335.º n.º 23 e 342.º, todos do Código Civil.
42) À cautela e sem prescindir, o mesmo raciocínio impende sobre o segundo empréstimo de 14 de Fevereiro de 2014, mutatis mutandis.
43) Ora, e caso o presente recurso mereça provimento, e haja lugar a alteração da matéria de facto provada, o consentimento dá-se, pois tal empréstimo é contraído para fazer face, novamente, a necessidades de fundo de maneio para o negócio que era explorado conjuntamente conjuntamente pelos réus, como se do documento n.º 7 dos autos de procedimento cautelar de arresto, já mencionado, em que no recibo da remessa está lá escrito “compra de mercadorias” do spa “XXX”, que era explorado pelos dois réus, ora recorridos.
44) Pelo que, deverão os réus ser também condenados ao pagamento solidário da quantia de HKD$8.000.000,00 nos termos do artigo 1558.º n.º 1 a) do Código Civil.
Face ao exposto, requer, muito respeitosamente, finalmente a V. Ex.ª se digne dar provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que: (i) seja alterada a resposta aos quesitos do seguinte modo: os quesitos 1.º, 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória sejam dados por provados na íntegra; os quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º da base instrutória sejam dados como provados, e consequentemente, os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 40.º da base instrutória sejam dados como não provados; (ii) subsidiariamente, seja anulado o julgamento de matéria de facto nos autos, ordenando-se a repetição do mesmo; e (iii) que seja revogada a sentença recorrida na parte em que a 2ª ré foi absolvida do pedido de condenação ao pagamento solidário do montante de HKD$5.000.000,00, e na parte em que os réus foram absolvidos do pedido de condenação ao pagamento solidário do montante de HKD$8.000.000,00.
Contra-alegando, vieram os 1º e 2ª Réus apresentar as seguinte conclusões e pedido:
1. Nas alegações de recurso, o autor argumenta que, os quesitos 1.º, 8.º, 9.º e 12.º da base instrutória devem ser dados por provados na íntegra; os quesitos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º da base instrutória devem ser dados como provados, e consequentemente, os quesitos 19.º, 20.º, 21.º, 23.º e 40.º da base instrutória devem ser dados como não provados.
2. Salvo o devido respeito, os réus não concordam com as alegações e a conclusão do autor.
3. No tocante à quantia de HKD$8.000.000,00, como os réus indicaram na sua contestação, “Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo uma doação gratuita.”
4. O autor defende que, do depoimento da testemunha D se verifica suficientemente que, o autor não doou à 2ª ré essa quantia de HKD$8.000.000,00, mas sim emprestou-lhe a quantia para a exploração da sua loja de massagens “XXX”.
5. Todavia, segundo o depoimento de I, parceiro comercial dos réus, a loja de massagens não teve qualquer dificuldade financeira relevante (especialmente durante o período de 2011 a 2015), a 2ª ré não teve motivo de pedir empréstimo.
6. Recorded on 15-Mar-2023 at 10.01.46(4%C($75G02720319) 01:38:27
Advogado dos réus: como era a situação de exploração da loja “XXX”? Você sabe?
Testemunha: desde a emissão da licença de exploração, tem sido estável.
Advogado dos réus: o que significa “tem sido estável”? Ganha ou perda? Sabe quanto dinheiro ganha ou perda?
Testemunha: atinge um equilíbrio, não me solicitam investir mais dinheiro.
Advogado dos réus: qual é a quota que você detém?
Testemunha: 20%.
Advogado dos réus: quanto dinheiro investiu?
Testemunha: investi um montante de cerca de $600.000,00 a $700.000,00.
Advogado dos réus: investiu um montante de cerca de $600.000,00 a $700.000,00 e B e C investiram o capital restante?
Testemunha: sim.
Recorded on 15-Mar-2023 at 10.01.46(4%C($75G02720319) 01:40:10
Advogado dos réus: sabe qual é a situação económica de B e C?
Testemunha: a situação económica deles?
Advogado dos réus: isto é, em concreto, durante o período de 2012 a 2014, ou de 2010 a 2014, como era a situação económica deles?
Você sabe?
Testemunha: na verdade, desde que os conheci até hoje, acho que eles são ricos.
Advogado dos réus: quando os conheceu?
Testemunha: acho que à volta de 2007.
Advogado dos réus: sabe o que eles faziam naquela altura?
Testemunha: eles estavam em Lu Hu de Guangzhou, B era gerente-geral, não tenho certeza do seu cargo, mas era um administrador.
Advogado dos réus: isto é, administrava efectivamente todo o estabelecimento?
Testemunha: sim, sim, e C trabalhava no Departamento de Filiação de Membros.
Advogado dos réus: porque acha que são ricos? Onde viu isso?
Testemunha: visitei as casas deles em Guangzhou e Macau. Sei que as duas filhas deles frequentam escola internacional em Guangzhou, o que gastam muito dinheiro, também viajava com C, podia ver a sua capacidade de consumo através das coisas compradas por ela!
Advogado dos réus: além da casa em Guangzhou, sabe onde ainda têm outros prédios?
Testemunha: nos EUA, parece também na Ingraterra.
Advogado dos réus: e Macau?
Testemunha: têm, visitei a casa deles.
Advogado dos réus: ouviu dizer que tinham dificuldade financeira, precisavam de pedir empréstimo ou tinham dívida?
Testemunha: não.
Advogado dos réus: durante tantos anos?
Testemunha: sim.
Advogado dos réus: bem, no presente caso, o pai deles disse que lhes concedeu dois empréstimos, ouviu dizer que o pai lhes emprestou dinheiro?
Testemunha: não.
7. Segundo, conforme as regras de experiência comum, a loja de massagens já foi constituída há muitos anos (já passou o período da maior necessidade de fundos), não teve lugar grande extensão ou alteração das suas actividades, normalmente, não necessitava de tantos fundos.
8. Embora o autor enfatize que escreveu “compra de mercadorias” no documento de transferência bancária, de facto, isso não passa de ser um costume dele para tratar formalidades bancárias (o autor é comerciante, muitos fundos de valor elevado relacionam-se à compra de mercadorias pela sua empresa), se a respectiva quantia fosse empréstimo, porque não escreveu directamente “empréstimo”?
9. Por outro lado, segundo a testemunha D, não sabia o empréstimo de HKD$8.000.000,00 foi só através das conversas com o pai, ora autor, que tomou conhecimento, pelo que, o seu depoimento é indirecto.
10. Legalmente, o depoimento indirecto também constitui depoimento, mas a sua força probatória é naturalmente inferior à do depoimento directo (depoimento do conhecimento directo do facto alvo da provação).
11. Mais importantemente, D depôs que, o seu pai (autor) registou os dois empréstimos em causa e lhe exibiu o registo, entretanto, o autor nunca entregou ao Tribunal o alegado documento do registo para sustentar a sua pretensão.
12. Quanto aos factos que a testemunha D depôs, a testemunha F, filha do autor, e a testemunha G, ex-mulher do autor, disseram uma versão totalmente oposta.
13. A testemunha F indicou na inquirição por carta rogatória que:
i. Nunca ouvi dizer que a irmã mais velha e o cunhado pediram empréstimo ao autor A por causa de problema económico, conforme o meu conhecimento, eles têm possuído fundos bastantes e auferido rendimento estável, quando a família viajava no exterior, como nos EUA, a irmã pagava frequentemente as minhas despesas.
ii. Nunca ouvi dizer que o pai emprestou dinheiro à irmã mais velha e ao cunhado, por isso, não sei o empréstimo de HKD$5.000.000,00, quanto à quantia de HKD$8.000.000,00, conforme o meu conhecimento, no ano 2014, a mãe G soube e colocou em confronto o caso extraconjugal com o pai, a família era sempre importante para a irmã, portanto, na altura, A deu-lhe uma quantia de HKD$8.000.000,00 para tomar cuidado da mãe, no início, o pai não queria o divórcio, esperava que a irmã cuidasse e persuadisse a mãe a abandonar a ideia de divórcio e, em consequência, ele pudesse gozar duma vida com duas mulheres, mas a mãe não podia aguentar a traição e decidiu divorciar-se, nós filhos respeitavam a vontade da mãe. Portanto, de que advieram a demanda de devolução e a recusa?
iii. Conforme o meu conhecimento, o rendimento e o investimento deles têm sido estáveis por décadas, nunca ouvi dizer que tiveram dificuldade financeira, eles investia em compra e venda de bens imóveis e viajavam a miúdo, os seus filhos frequentavam sempre escolas internacionais caras, iam estudar no estrangeiro, se tivessem dificuldade financeira, como foi possível tudo isso? E o cunhado é muito firme e capaz, nunca pediu empréstimo a outrem. Tomo conhecimento de tudo isso pessoalmente ou das conversas quotidianas com a gente.
14. A testemunha G também indicou na inquirição por carta rogatória que:
i. Nunca ouvi dizer que a minha filha mais velha e o genro pediram empréstimo a A, de que advieram a demanda de devolução e a recusa? Só quando a filha mais velha me disse que A intentou acção em Macau contra eles com base na alegada dívida, soube que A enganou com essa mentira.
ii. Sei absolutamente que, em 2012, era uma vez, A disse zangadamente que “a tua filha mais velha e o genro são arrogantes, o meu dinheiro é tão sujo que recusam aceitar?” Respondi que, não aceitavam o seu dinheiro porque eram boas pessoas. Depois de uns dias, a filha mais velha disse-me que já transferiu de volta o dinheiro a A porque o genro é uma pessoa que nunca aceita prémio sem ter contribuído algo. Em Fevereiro de 2014, na altura do conflito do casamento, A transferiu voluntariamente à filha mais velha a quantia de HKD$8.000.000,00 e disse-lhe que “se destinava a tomar cuidado da mãe, que iria depender de ti”, a filha informou-me que recebeu essa quantia de A. Durante tantos anos, nunca ouvi de A e os familiares que a filha e o genro lhe deviam dívida, pelo contrário, ouvia dele frequentemente que o filho lhe pedia dinheiro a miúdo.
15. Deste modo, as respostas delas são totalmente contrárias à da testemunha D, é evidente que o teor do depoimento de alguma parte é irreal com certeza.
16. Primeiro, a credibilidade do depoimento de D é duvidosa, segundo ele, não visita ou toma cuidado da mãe velha (G) por muitos anos, a mãe não quer (até recusa) se encontrar com ele, que é o seu único filho (salvo as duas filhas (sic.)), é obvio que D escolha posicionar-se ao lado do pai, que tem caso extraconjugal (não se sabe se é seduzido por dinheiro ou outros interesses).
17. De facto, a testemunha F declarou que nunca ouviu nem soube que o autor emprestou dinheiro à 2ª ré, mas tendo em conta que ela e as partes são familiares, deve saber bem os assuntos familiares, nomeadamente transacções monetárias entre os familiares, por isso, a declaração de “nunca ouvi” verifica exactamente que não há forte prova do empréstimo.
18. O depoimento da testemunha G até ilide sem reservar o facto de conceder empréstimo por parte do autor à 2ª ré C.
19. Ao contrário, a única prova do autor – depoimento da testemunha D – já se encontra contraprovada e ilidida, e esse depoimento indirecto afigura-se insuficiente para provar o facto do empréstimo.
20. A inquirição das duas testemunhas por carta rogatória nos termos do art.º 524.º do CPC tem a força probatória igual ao depoimento prestado em audiência do tribunal de Macau, e o autor nunca deduziu qualquer impugnação sobre a maneira de carta rogatória.
21. Além disso, o autor, que actua de forma tão prudente, nunca solicitou aos dois réus assinar qualquer recibo ou documento de empréstimo, até não tem qualquer registo de mensagem, isso obviamente viola as regras de experiência comum e não deixa de ser incrível!
22. Outrossim, segundo o processo de inventário, instaurado para a partilha dos bens comuns do autor e a ex-mulher G, a relação de bens do casal, entregue pelo autor na qualidade de cabeça-de-casal, não manifesta a existência do respectivo crédito. Mesmo existindo esse crédito como o autor pretende, foi constituído durante o casamento, é património comum do casal, o autor nunca provou que o crédito é particular de forma qualquer.
23. De facto, toda a sua riqueza do autor resulta dos negócios dos restaurantes de empregados, abertos em vários casinos com a permissão de “J”, obtida pelas relações familiares da ex-mulher (G e a sua irmã K) após o casamento, por isso, mesmo existindo esse crédito, é património comum do casal.
24. Entretanto, infelizmente, o autor aproveitou as relações da ex-mulher e auferiu riqueza enorme, mas ainda abandonou essa mulher que deu à luz vários filhos dele, assim sendo, com a idade alta de 80 anos, a ex-mulher perde a família e tem de depender das duas filhas.
25. Como acima disse, os dois réus entendem que, o autor não cumpre suficientemente o ónus da prova e as suas provas utilizadas são insuficientes para verificar os respectivos factos.
26. Pelo exposto, os motivos e pretensões descritos pelo autor são evidentemente infundamentados, violam as regras de experiência comum, a decisão e a fundamentação do Tribunal a quo não se mostram inadequados.
Pelas razões expostas, pede-se que seja julgado improcedente o recurso de A, mantido o reconhecimento da quantia de HKD$8.000.000,00 como doação e rejeitados todos os pedidos do autor.
De igual modo não se conformando com a decisão proferida pelo 1º Réu foi interposto recurso da mesma apresentando as seguintes conclusões e pedido:
1. Salvo o devido respeito, o recorrente (ou seja, o 1.º réu B) discorda da decisão a quo, interpondo assim o presente recurso ordinário ao TSI.
2. A ver do recorrente, a decisão recorrida enferma dos seguintes vícios: (1) omissão de conhecimento e nulidade da sentença previstas pelo art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC; (2) erro notório na apreciação de provas, ofensa da lei de experiência comum e violação da regra da prova legal; (3) grave ineptidão e contraditoriedade da fundamentação.
3. Além disso, segundo o recorrente, as provas apreciadas no presente processo não são bastantes para dar-se por assente qualquer relação de mútuo entre o recorrido e os dois. Surgiram erros notórios na decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, sobretudo sobre os factos n.ºs 1-2, 8-16 e 31-34. É de então modificar a decisão, rejeitando todos os pedidos processuais apresentados pelo autor e absolvendo o recorrente.
4. Em primeiro lugar (deixando-se para já à parte o erro na apreciação dos factos), no que respeita à nulidade da sentença e à omissão de conhecimento, o tribunal a quo deu por assente os seguintes: (1) Em 06/01/2011 e em 29/08/2011, a 2.ª ré C pediu emprestados ao recorrido HKD$2.730.000,00 e HKD$2.600.000,00, respectivamente; (2) Enquanto o recorrente B pediu emprestado ao recorrido HKD$5.000.000,00 em 20/09/2012.
5. Cabe indicar o seguinte: a prestação e a constituição de todos os empréstimos cá invocados pelo recorrido aconteceram quando o recorrido estava casado com G. Nos termos do art.º 1606.º do CC e dos demais preceitos pertinentes, é de presumir que os créditos eram bens do casal comuns ao recorrente e G.
6. No processo de inventário n.º FM1-14-0357-CPE, o recorrido cumpriu quanto previsto pelo art.º 978.º do CPC, que, na qualidade de cabeça-de-casal, prometeu por sua honra exercer prontamente as suas atribuições no “processo de inventário”, declarou e submeteu a relação de bens.
7. No entanto, resulta dos documentos entregues pelo recorrente a fls. 232 e seguintes dos autos, incluindo a relação de bens no processo de inventário n.º FM1-14-0357-CPE-D que o recorrido nunca incluiu os créditos invocados no presente processo na “relação de bens”.
8. Apesar da resposta do recorrido de que as quantias eram seus bens particulares, não aduziu qualquer prova capaz de derrubar a presunção sobre bens comuns do casal.
9. Vê-se, portanto, que obviamente era intento do recorrido sonegar os bens comuns existentes, pois não mencionou os créditos controvertidos no presente processo nem na “declaração do cabeça-de-casal” nem na “relação de bens”.
10. Prevê a segunda parte do art.º 986.º, n.º 4 do CPC, provada a existência de sonegação de bens, aplica-se a sanção civil que se mostre adequada; além disso, prevê a segunda parte do art.º 1934.º, n.º 1 do CC, o herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas demais sanções que forem aplicáveis.
11. Portanto, mesmo supondo que os créditos existem verdadeiramente, o recorrido sonegador de bens comuns conjugais já perdeu o direito a tais créditos. Salvo o seu ex-cônjuge G, o recorrido não tem direito de exigir por via judicial a liquidação das dívidas por parte do recorrente ou da 2.ª ré.
12. Nos termos do art.º 412.º, n.º 3 e do art.º 415.º do CPC, o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias. Portanto, é de rejeitar os pedidos processuais do recorrido.
13. Além disso, mesmo se se discordar, nos termos do art.º 1547.º, n.º 1 do CC, do art.º 62.º, n.º 1 e do art.º 61.º, n.º 1 do CPC, como os empréstimos que o recorrido invoca no presente processo faziam parte dos bens comuns do casal, teriam sido possíveis só com o consentimento de G. E o exercício dos direitos relativos aos créditos por parte do recorrido exigiria o exercício por ambas as partes. Portanto, teria sido preciso que o autor e G instaurasse em conjunto o presente processo contra os dois réus.
14. Além disso, nos termos do art.º 413.º, alínea e) do CPC, conjugado com o art.º 230.º, n.º 1, alínea d) do mesmo Código, com o recorrido activamente ilegítimo, é caso de excepção dilatória. O tribunal a quo devia então ter abstido de conhecer dos pedidos apresentados pelo recorrido e absolvido ambos os réus da instância.
15. Nos termos do art.º 414.º e do art.º 415.º do CPC, o tribunal deve conhecer oficiosamente de todas as excepções dilatórias, salvo da violação de pacto privativo de jurisdição e da preterição do tribunal arbitral voluntário; O tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
16. O tribunal a quo, no entanto, não se pronunciou oficiosamente sobre a questão acima referida de excepções, nem conheceu oficiosamente dela. Nos termos do art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC, a sentença incorreu na omissão de conhecimento e é nula.
17. Quanto aos erros na apreciação das provas e à modificabilidade da sentença sobre a matéria de facto, para o efeito previsto pelo art.º 599.º, n.º 1, alínea a) do CPC, agora o recorrente contesta expressamente a convicção formada sobre a matéria de facto alíneas 1-2, 8-16 e 31-34. (Para os devidos efeitos, agora anexa-se o registo por escrito da gravação dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos réus durante a audiência, vd. o anexo 1.)
18. Acerca dos quesitos n.ºs 1-2 da base instrutória (ou seja, a convicção de que o recorrente pediu emprestados HKD 5,000.000,00 ao recorrido), se bem na matéria de facto assente está provado que o recorrente depositou o cheque que lhe tinha sido entregue pelo recorrido, isso não significa que se possa presumir a existência da dívida. É ainda preciso examinar as outras provas aduzidas pelo recorrido, em apoio da relação jurídica invocada pelo recorrido – a de mútuo.
19. No caso em apreço, para além das provas documentais, o recorrido arrolou também três testemunhas.
20. Só que a testemunha H, ex-parceiro nos negócios do recorrido, indicou explicitamente durante a audiência de julgamento não ter conhecimento do empréstimo no montante de HKD$ 5.000.000,00 concedido pelo recorrido ao recorrente. (cf. o ficheiro de gravação da audiência de julgamento “Translator 2 Recorded on 15-Mar-2023 at 10.01.46”, a partir do minuto 91:00, cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui, vd. n.º 46)
21. Para além da testemunha H, o recorrido só tem a testemunha D para demonstrar os factos acima referidos. A testemunha D prestou o seguinte depoimento durante a audiência: (cf. o ficheiro de gravação da audiência de julgamento “Translator 2 Recorded on 15-Mar-2023 at 10.01.46”, a partir do minuto 14:30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui, vd. n.º 49)
22. Apesar de quanto afirmado pela testemunha D, de que o seu pai, i.e., o recorrido, lhe tinha dito que existiam os empréstimos, o teor do depoimento provém de ouvir dizer, sem que a testemunha D tivesse intervindo pessoalmente. A sua alegação, portanto, é depoimento indirecto.
23. Porém, no que toca ao teor do depoimento da testemunha D, a testemunha F, filha do recorrido e a testemunha G, ex-mulher do recorrido, depuseram no sentido completamente oposto. Na inquirição por carta rogatória, a testemunha F afirmava: “Nunca ouvi dizer que a irmã mais velha e o seu marido tivessem alguma vez pedido dinheiro emprestado a A por motivos financeiros. Que eu saiba, eles são sempre endinheirados e têm rendimento estável.” A testemunha G também indicava na inquirição por carta rogatória: “Nunca ouvi dizer que a minha filha mais velha ou o seu marido tivesse alguma vez pedido dinheiro emprestado a A. Como assim exigir a liquidação da dívida e adiar com desculpas. Só quando a filha mais velha me disse que A os tinha processado por dívidas contraídas em Macau é que fiquei a saber que A estava a mentir.”
24. As testemunhas F e G são da mesma família que as partes no presente processo. Estão conformes os depoimentos delas, o que é bastante para desmentir as alegações de D, testemunha arrolada pelo recorrido. Ou pelo menos se pode duvidar com toda a razão da veridicidade das suas alegações ou da existência dos empréstimos.
25. Além disso, merece mencionar que no dia imediatamente seguinte ao que o recorrente e a 2.ª ré tinham depositado o cheque de cinco milhões, já devolveram a mesma quantia ao recorrido através de transferência bancária. Então pergunta-se o seguinte: o recorrente e a 2.ª ré, com meios suficientes para disponibilizar a todo o momento cinco milhões de HKD em líquido, será que tinham que pedir dinheiro emprestado ao recorrido? Obviamente não tinham motivos para empréstimo.
26. Mesmo supondo que havia dificuldade de liquidez ou motivos de empréstimo, porque é que o recorrente e a 2.ª ré, tendo pedido o empréstimo de cinco milhões, devolveram ao recorrido ao mesmo tempo os cinco milhões em numerário proveniente da sua conta bancária, a fim de liquidar “a dívida precedente” contraída em 2011? Ofende evidentemente a lei de experiência comum.
27. Sobre a base instrutória, quesitos 31-34, no presente caso, o recorrido pretende provar as suas duas prestações de dinheiro a F através de registos de transacção da conta do BOC, a fim de conceder créditos à 2.ª ré.
28. Resulta dos registos da conta bancária constantes dos autos que em 03/01/2011, H transferiu HKD$ 2.730.000,00 a F; e que no período que vai de 24 a 26 de Agosto de 2011, o recorrente B fizeram várias transacções para F, totalizando HKD$ 2.600.000,00.
29. Quanto às duas quantias acima referidas, segundo alega o recorrido, referem-se ambas à relação de mútuo; ao passo que segundo o recorrente e a 2.ª ré, a primeira foi uma doação enquanto a segunda foi uma ficção do recorrido.
30. De acordo com o registo de conta bancária, fica provado apenas que o recorrido prestou HKD$ 2.730.000,00 a F através de H. Nenhuma das testemunhas do autor participou doutra quantia de HKD$ 2.600.000,00; há muito menos qualquer prova directa capaz de demonstrar quanto alega o recorrido, segundo o qual ele pessoalmente ou o seu procurador prestou o dinheiro em espécie ao recorrido (sic – N. da T.) ou à 2.ª ré.
31. Acerca dos HKD$ 2.600.000,00, o registo de transferências bancárias demonstra apenas que os fundos provinham da conta bancária pessoal do recorrente (em vez do recorrido ou qualquer terceiro seu procurador) e que a cobradora foi F, em vez de C, que segundo o autor, terá sido a devedora.
32. Acerca dos HKD$ 2.730.000,00, por causa da conta bancária de transferência, são relativamente mais importantes os depoimentos das testemunhas H e F. A testemunha H indicou durante a audiência de julgamento que o recorrido tinha entregue em 2011 HKD 2.730.000,00 a C para esta usar. É digno de nota que segundo indicou a testemunha H, a destinatária utente final dos HKD$ 2.730.000,00 que o recorrido queria transferir foi F, em vez de para uso pela 2.ª ré “C”. O depoimento da testemunha H mostra-se conforme com o de F, testemunha arrolada pelos réus. (cf. o ficheiro de gravação da audiência de julgamento “Translator 2 Recorded on 15-Mar-2023 at 10.01.46”, a partir do minuto 92:15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui)
33. Além disso, a lei de experiência comum ensina que se o recorrido tivesse alegado o verdadeiro, então, supondo que as duas quantias tivessem sido emprestadas pelo recorrido à 2.ª ré, porque é que o recorrido não optou por transferi-las directamente para a conta bancária em Macau da 2.ª ré? Não teria sido mais lógico assim fazendo?
34. Portanto, com base no depoimento da testemunha H, podemos ter a certeza de que foi F que recebeu, cobrou e beneficiou efectivamente das quantias, em vez da 2.ª ré.
35. Portanto, tendo em conta o teor dos registos das contas bancárias, sobretudo os cobradores das transferências, as quantias e as datas, as alegações do recorrido não podem ser dadas por provadas. Inventou as finalidades, os motivos e os processos dos empréstimos de nada.
36. Há que saber que as alegações do recorrido estão cheias de contradições. Conflituam até com os registos bancárias, já para não falar das versões diferentes oferecidas pelo recorrido sobre os HKD$ 2.600.000,00 (transferidos para F através do recorrente).
37. Na opinião do recorrente, o recorrido vai modificando as suas versões e factos em função dos registos bancários verificados. O tribunal a quo não devia ter atendido às versões apresentadas pelo recorrente e lhes dado crédito, pois são absurdas, mesmo não admitindo as respostas do recorrente e da 2.ª ré.
38. Portanto, o recorrente pensa que o tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação das provas e violou leis de experiência comum. Assim deu por provados, mas por engano, os quesitos 31-34 da base instrutória.
39. Quanto aos quesitos 8-16 da base instrutória, o âmago da questão consiste no seguinte: se o recorrente e a 2.ª ré devolveram os HKD$5.000.000,00 ao recorrido. O recorrente e a 2.ª ré indicaram na contestação terem já devolvido o dinheiro ao recorrido, aduzindo provas documentos corroborativas, incluindo informações concernentes a compra da livrança e documentos bancários. O recorrido, por sua vez, enunciava na réplica que o dinheiro devolvido pelo recorrente se referia na realidade aos seus dois empréstimos à 2.ª ré, de Janeiro e de Agosto de 2011, de montante de HKD$2.730.000,00 e de HKD$2.600.000,00, ou seja, totalizando HKD$ 5.330.000,00.
40. Vamos então deixar de lado, por enquanto, a questão da existência dos dois empréstimos de 2011 entre o recorrido e a 2.ª ré invocado por aquele e passamos a apreciar alguns factos objectivos referentes à quantia devolvida pelo recorrente e pela 2.ª ré ao recorrido de acordo com os factos provados, servindo-nos para além disso, das várias provas documentais constantes dos autos, sobretudo dos registos bancários para sondarmos a verdade.
41. Segundo o facto provado alínea F), em 20/09/2012, o recorrido emitiu para o recorrente o cheque bancário do Banco Industrial e Comercial da China (Macau) n.º 40403656 de HKD$ 5.000.000,00. Segundo o facto provado alínea G), o cheque bancário foi depositado em 25/09/2012. Segundo o facto provado alínea I), em 24/09/2012, a 2.ª ré comprou uma livrança no BOC (Macau) de HKD$ 3.000.000,00 para ser creditada ao autor A; mais tarde, entregou ao autor a livrança de HKD$ 3.000.000,00. O autor aceitou-a e trocou-a em dinheiro. Segundo o facto provado alínea J), no mesmo dia, a 2.ª ré foi ao Banco Industrial e Comercial da China (Macau) e depositou na conta bancária do autor HKD$ 2.000.000,00 através de transferência bancária.
42. Basta uma comparação simplicíssima para verificar que foram idênticas as duas somas. Ocorreram todos em bancos de Macau; há correspondência directa dos sujeitos e o intervalo temporal foi de uns dias. Por outro lado, as duas dívidas invocadas pelo recorrido que segundo este tinha com a 2.ª ré aconteceram em Janeiro e Agosto de 2011 e estavam em causa HKD$ 5.330.000,00; a destinatária foi antes F (em vez do recorrente ou da 2.ª ré) e a transferência foi para uma conta bancária nos EUA. Nem os montantes, nem as datas, nem os sujeitos nem mesmo os locais foram correspondentes. Obviamente não se pode concluir que as duas quantias façam referência às quantias cá em causa.
43. É verdade que o tribunal a quo pode apreciar com discricionariedade os factos provados acima referidos e as provas documentais respeitantes. A discricionariedade não significa, contudo, estimar o valor probatório de forma arbitrária. Deve-se antes sim valorizar de modo razoável e analisável segundo a lei de experiência comum. Como todos sabem, leis de experiência comum são leis ou conhecimento que a gente deduz sobre o nexo de causalidade ou atribuições dos objectos a partir da experiência de vida. Trata-se de experiências acumuladas ao longo dos anos e regras que se obtêm com base nas coisas e nas condições recorrentes, graças às quais, perante circunstâncias idênticas podemos inferir resultados idênticos.
44. De acordo com as condições económicas do recorrente e da 2.ª ré, caso tivessem devido HKD$ 5.330.000,00 ao recorrido, como é possível que devolveram apenas HKD$ 5.000.000,00 e optaram por restar endividados em relação ao recorrido, por causa dos HKD$ 330.000,00? A versão apresentada pelo recorrido, para além de ofender as leis de experiência comum, é também confusa.
45. É preciso fazer nota o que prevê o art.º 772.º, n.º 1 do CC: se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere. No caso ora em apreço, o recorrente e a 2.ª ré já alegaram, logo na contestação, os usos e as finalidades das duas quantias prestadas ao recorrido, dos HKD$ 3.000.000,00 e dos HKD$ 2.000.000,00; ou seja, eram para devolver a quantia do título já depositado do mesmo valor. Assim, vê-se ainda melhor quão infundada é a versão do recorrido.
46. Logo, segundo o recorrente, o tribunal a quo violou gravemente leis de experiência comum no acórdão recorrido, dando enganosamente por provados os quesitos 8-16 da base instrutória.
47. Sobre a declaração do cabeça-de-casal, as alegações das partes e a regra probatória acerca da confissão, resulta dos documentos entregues pelo recorrente a fls. 232 e seguintes dos autos, o recorrido, na qualidade de cabeça-de-casal, não incluiu os dois créditos que constituem o objecto do litígio no presente caso nas declarações ou na “relação de bens” feitas no âmbito do processo de inventário.
48. Prevê o art.º 370.º, n.º 2 do CC, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
49. Além disso, quanto à força probatória da declaração do recorrido na qualidade de cabeça-de-casal e dos documentos apresentados por ele, pode-se aplicar por analogia o regime de “depoimento de parte”. Nos termos do art.º 487.º, n.º 1 do CPC, dos artigos 345.º, 348.º, 349.º, n.º 1 e 351.º, n.º 1 do CC, segundo as previsões acima citadas no CPC e no CC, as declarações do recorrido na qualidade de cabeça-de-casal e os documentos apresentados por ele, sobretudo a falta de registo dos dois créditos surgidos na constância do casamento, devem ser considerados como confissão judicial, com força probatória plena contra o recorrido.
50. Segundo as regras da prova acima referida, é de dar por assente a inexistência dos dois créditos invocados pelo recorrido no presente processo. No entanto, o tribunal a quo, sem ter negado a confissão nem declarado como inválida a confissão ou procedido à apreciação, deu por provado o empréstimo concedido pelo recorrido ao recorrente no montante de HKD$ 5.000.000,00. É evidente que não se coaduna com a confissão do recorrido (na qualidade de cabeça-de-casal).
51. Portanto, a apreciação da prova por parte do tribunal a quo ofendeu obviamente o art.º 477.º, n.º 1, o art.º 978.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b) do CPC, o art.º 345.º, o art.º 351.º, n.º 1 e o art.º 370.º, n.º 2 do CC. Logo, segundo o recorrente é de anular a sentença recorrida pelo vício da ilegalidade.
52. Sobre a regra probatória acerca do documento autêntico e da prova testemunhal, os documentos apresentados pelo recorrente a fls. 232 e seguintes dos autos incluem várias certidões do tribunal.
53. À luz do art.º 356.º, n.º 2 , do art.º 364.º, n.º 1, do art.º 365.º, n.º 1, do art.º 366.º, n.º 1 do CC e do art.º 471.º, n.º 1 do CPC, no presente processo, as várias certidões do tribunal apresentadas pelo recorrente são documentos autênticos, fazendo prova plena dos factos lá contidos.
54. No caso de documentos autênticos, o que o recorrido pode fazer é apenas questionar a sua autenticidade e a força probatória, ilidíveis mediante prova em contrário ou com base na sua falsidade, respectivamente, no prazo de 10 dias. O prazo está vencido já há muito tempo. O recorrido nunca questionou ou contestou. Ou seja, no presente processo os documentos autênticos têm plena força probatória.
55. Já que resulta claro das certidões do tribunal que os bens do recorrido e de G não incluíam as quantias e os créditos invocados no presente processo, para além do facto de que G instaurou contra o recorrido processos de divórcio, de inventário, de sonegação de bens comuns etc., cá é de dar por provados todos os factos relacionados.
56. Merece mencionar que no presente caso o recorrido tem como provas importantes principalmente as provas testemunhais, incluindo as testemunhas D e H, para demonstrar os factos que alegou. Salvo o devido respeito da divergência, a opinião do recorrente é com ressalvas quanto à demonstrabilidade da existência das várias dívidas em questão mediante as provas testemunhais. Entende, à luz do previsto pelo CC nos artigos 386.º - 388.º do CC, que perante os documentos autênticos com plena força probatória, não é de admitir as provas testemunhais relativamente aos factos.
57. Portanto, a apreciação da prova por parte do tribunal a quo quanto ao teor dos documentos autênticos ofendeu obviamente o art.º 356.º, n.º 2, o art.º 364.º, n.º 1 e n.º 2, o art.º 365.º, n.º 1, o art.º 366.º, n.º 1 do CC e o art.º 471.º, n.º 1 do CPC. Além disso, no que toca à admissibilidade da prova testemunhal, ofendeu obviamente o art.º 386.º e seguintes do CC. Logo, segundo o recorrente é de anular a sentença recorrida pelo vício da ilegalidade.
58. Sobre a modificação da decisão sobre a matéria de facto, conforme o art.º 629.º do CPC, tal como referido atrás, o recorrente já contestou a decisão sobre a matéria de facto nos termos do art.º 599.º do CPC. Além disso, bastam as informações citadas pelo recorrente para proferir uma outra decisão, não ilidível por outras provas.
59. Com base no acima referido, ora suplicar-se-ia que o Mm.º Juiz do TSI anulasse a decisão sobre a matéria de facto na sentença recorrida, modificando-a à luz dos quesitos 1-2, 8-16 e 31-34 da base instrutória.
60. Quanto à insuficiência e à contraditoriedade da fundamentação, na decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo começava por deixar claro o seguinte: “Segundo informam os autos, o autor e a 2.ª ré são pai e filha, enquanto o casamento do autor e da sua ex-mulher G foi dissolvido em 2014. Resulta da análise dos depoimentos das testemunhas D, F, G e I que depois da crise do casamento do autor e de G, a relação entre o autor, a sua ex-mulher e as duas filhas se deteriorou; acerca do divórcio dos pais, as duas filhas se alinharam com a mãe enquanto o filho D apoiava o pai. Assim sendo, pode dar-se que os depoimentos das testemunhas F, G e D sejam todos parciais em favor de uma das partes. Portanto, o juízo procederá de modo prudente e crítico, analisará e apreciará os depoimentos das três testemunhas acima mencionadas e das outras testemunhas arroladas no presente processo atendendo ao mesmo tempo às provas documentais objectivas contantes dos autos.”
61. Na fundamentação original do tribunal a quo, frisava-se que ia apreciar os depoimentos das três testemunhas com prudência. Só que parece que o tribunal não fez assim. Vd. o seguinte: “Se bem que não seja verdade que o 1.º réu e a 2.ª ré não tivesse quaisquer recursos económicos durante o período de tempo ora relevante, levando em conta os motivos acima referidos de modo global, juntamente com o depoimento da testemunha D, o tribunal convencionou-se da maneira acima referida sobre o facto por provar n.º 1. Segundo este tribunal, como a testemunha D indicou que a 2.ª ré, com uma necessidade aguda da quantia, tinha pedido o empréstimo ao autor e que tinha sido a testemunha F que ajudou na recepção e na entrega do dinheiro. É razoável e credível o depoimento nesta parte. Tendo em conta ao mesmo tempo o depoimento da testemunha D, o tribunal crê que foi ao 1.º réu que o autor entregou o dinheiro acima referido e que depois o 1.º réu o entregou à testemunha F através de transferência bancária e que a testemunha F o destinou ao tratamento de assuntos pessoais da 2.ª ré. Com base nos motivos acima referido, mais uma vez este tribunal considera como razoável e credível o depoimento da testemunha D.”
62. É de reiterar que a testemunha D foi arrolada pelo recorrido. Tal como indicava o tribunal a quo, depois do divórcio, D estava mais alinhado com o pai. Fica então duvidosa a credibilidade do seu depoimento.
63. Além disso, por várias vezes a testemunha D indicava durante a audiência que tinha tomado conhecimento dos factos por ouvir dizer, que eram provas indirectas. Acontece que as informações provêm, convenientemente, do próprio recorrido, que participa do presente processo. Verdade seja dita, não difere em nada de uma alegação feita pelo recorrido ao juízo através da testemunha D.
64. É também preciso acrescentar o seguinte: a testemunha D teve expressões faciais mais que dramáticas no juízo enquanto depunha. Alegava-se filial para com a mãe e até desatava às lágrimas mal começava a falar da mãe. No entanto, o mandatário do recorrente contestou, indicando que a testemunha D estava a mentir. Nem conseguindo sequer dizer com a certeza se a mãe estava em Macau, lembrava-se, todavia, mais que muito bem das datas, das horas e das quantias de todas as verbas em causa. Vê-se então que a testemunha D agiu tal como um actor durante a audiência. Verdadeiramente não suscita confiança.
65. Prevê o art.º 543.º do CPC, a parte contra a qual for produzida a testemunha pode contraditá-la, alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento, quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha, quer por diminuir a fé que ela possa merecer. Com base em todas as razões acima referidas, o tribunal não devia ter julgado como credível o depoimento da testemunha D, ou pelo menos devia ter atribuído ao seu depoimento uma credibilidade muito diminuta.
66. O tribunal a quo, no entanto, por várias vezes optou por crer no depoimento da testemunha D que era parcial, tanto acerca do empréstimo de 20/09/2012 ao recorrente dos HKD$ 5.000.000,00, como acerca dos empréstimos de Janeiro e de Agosto de 2011 à 2.ª ré no montante total de HKD$ 5.330.000,00.
67. Como se referia atrás, a inquirição por carta rogatória das duas testemunhas nos termos do art.º 524.º do CPC tem a mesma força probatória que a inquirição destas duas testemunhas efectuada durante a audiência de julgamento no tribunal da RAEM. Então, dado que era intenção do tribunal a quo ouvir as três testemunhas em questão, i.e. D, F e G com prudência, devia ter ou dado credibilidade a todas elas ou optado por não crer em nenhuma delas, recomendando-se completamente às outras testemunhas e às provas documentais.
68. Portanto, segundo o recorrente, há conflitos insanáveis entre a fundamentação do tribunal a quo na parte acima referida, o que enunciava antes, e os factos no presente processo.
69. Além disso, na parte de fundamentação, por várias vezes o tribunal a quo negou os factos alegados pelo recorrente e pela 2.ª ré com suposições e perguntas retóricas:
1) Mesmo supondo, por mera hipótese, que o autor costumava verdadeiramente doar dinheiro aos filhos, teria sido a 2.ª ré quem recebia a doação, em vez do 1.º réu com quem na altura a 2.ª ré ainda não tinha contraído casamento oficial.
2) Se os depoimentos dos dois réus correspondessem à verdade, de que era intenção do autor agradecer os dois réus pela assistência que lhe tinha sido dada nos negócios empresariais, teria sido presumível que a testemunha H não podia desconhecer a quantia.
3) Mas se a intenção original dos dois réus era não aceitar a “doação” do autor, o 1.º réu bem podia ter-se poupado o trabalho de depositar o cheque prestado pelo autor dos HKD$ 5.000.000,00 e podia ter falado logo ou antes com a 2.ª ré, para depois devolver o cheque original e intacto ao autor; ou ainda, mesmo depois de ter depositado o cheque, podia ter falado com a 2.ª ré para tomarem a decisão de mandar o dinheiro de volta para o autor. A forma mais simples e directa teria sido transferir de volta para o autor os HKD$ 5.000.000,00 há poucos dias creditados na conta bancária do 1.º réu, sem necessidade de recorrer ao rodeio das modalidades referidas nos factos provados alíneas I) e J) e por parte da 2.ª ré.
4) Se tivesse sido uma doação da parte dos pais a F, teria sido presumível que o autor não retirasse o dinheiro dos fundos da empresa (de que o autor era sócio) para a compra de furtos do mar. Mas como o autor fez isso, obviamente quem recebeu o dinheiro tinha uma necessidade aguda dele.
5) Se as quantias tivessem sido efectivamente apenas movimentos de dinheiro entre os dois réus e F, então com toda a razão o autor não teria podido indicar com precisão a existência das quantias.
6) Se o depoimento da testemunha F correspondesse à verdade, então ou os HKD$ 2.600.000,00 já tinham sido destinados a alguns investimentos dos dois réus, ou tinham sido já devolvidos aos dois réus. Em ambos os casos, os dois réus teriam podido apresentar documentos capazes de demonstrar onde é que o dinheiro foi parar. Cá, porém, não temos informações a tal respeito.
70. Quanto à isso, o recorrente deve frisar o seguinte: o presente é um processo ordinário civil de declaração. Ao recorrido, como autor, cabe o ónus da prova dos factos em questão. O que o recorrente precisa de fazer é apenas contestar as alegações do recorrido com provas em contrário, sem o ónus da prova para a negação da existência das dívidas.
71. O recorrido não cumpriu plenamente o ónus da prova. O tribunal a quo negou as alegações do recorrente com simples perguntas retóricas, desmentindo a versão alegada pelo recorrente e derrubou os factos por ele contados. Portanto, a ver do recorrente, é deveras inadequada a fundamentação do tribunal a quo; até ofendeu o previsto pelo CC sobre o ónus da prova.
72. Além disso, o tribunal a quo disse o seguinte na parte de fundamentação relativamente à devolução dos HKD$ 5.000.000,00 por parte do recorrente e da 2.ª ré:
1) Já para não mencionar a desrazoabbilidade das versões contadas pelos dois réus. Segundo estes dois, depois de ter instruído o banco para o pagamento do cheque (depósito do cheque), o 1.º réu telefonou de imediato a 2.ª ré. Depois da conversa, os dois compartilhavam a opinião de que a assistência prestada à “XXX” tinha sido uma ajuda grátis a um familiar. Acabaram então por decidir devolver o dinheiro ao autor e reembolsar o autor através das modalidades referidas nos factos provados alíneas I) e J). Mas se a intenção original dos dois réus era não aceitar a “doação” do autor, o 1.º réu bem podia ter-se poupado o trabalho de depositar o cheque prestado pelo autor dos HKD$ 5.000.000,00 e podia ter falado logo ou antes com a 2.ª ré, para depois devolver o cheque original e intacto ao autor; ou ainda, mesmo depois de ter depositado o cheque, podia ter falado com a 2.ª ré para tomarem a decisão de mandar o dinheiro de volta para o autor. A forma mais simples e directa teria sido transferir de volta para o autor os HKD$ 5.000.000,00 há poucos dias creditados na conta bancária do 1.º réu, sem necessidade de recorrer ao rodeio das modalidades referidas nos factos provados alíneas I) e J) e por parte da 2.ª ré.
2) Resta ainda por analisar as finalidades das duas quantias referidas nos factos provados alíneas I) e J), principalmente, se as duas quantias eram para devolver as quantias mencionadas nos factos por provar n.º 32 e n.º 33 ou antes para devolver os HKD$ 5.000.000,00 referidos na resposta ao facto por provar n.º 1. O parecer deste tribunal é que eram para devolver as quantias mencionadas nos factos por provar n.º 32 e n.º 33. Por um lado, foi a 2.ª ré que pediu ao autor os dois empréstimos mencionados nos factos por provar n.º 32 e n.º 33. Então foi também a 2.ª ré (em vez do 1.º réu) que tratou das duas quantias mencionadas nos factos provados alíneas I) e J); em certa media está demonstrado que as duas quantias eram para pagar as duas dívidas acima referidas. Além disso, os dois empréstimos mencionados nos factos por provar n.º 32 e n.º 33 foram anteriores. Teria sido razoável que a 2.ª ré pagasse por primeiro as dívidas mais velhas com as duas quantias mencionadas nos factos provados alíneas I) e J). Portanto, o tribunal julga razoável e credível o depoimento da testemunha D nesta parte.
73. De facto, na sociedade chinesa tradicional, entre os membros da família, há muitas vezes doações de montante gigantesco feitas pelos pais aos filhos; enquanto é todo natural que os filhos recusem com polidez as doações dos progenitores. Acontece muitas vezes.
74. Portanto, como o tribunal a quo desconsiderou as diferenças entre as transacções de dinheiro intrafamiliares e as entre pessoas comuns e analisou de maneira puramente subjectiva a razoabilidade ou não da probabilidade de as quantias terem sido empréstimos, é difícil para o recorrente concordar, salvo o devido respeito.
75. Com base no acima referido, ora suplicar-se-ia que o Mm.º Juiz do TSI anulasse a decisão sobre a matéria de facto na sentença recorrida e proferisse um novo acórdão no sentido de julgar infundada a motivação do recorrido, com a absolvição do recorrente.
Nos termos acima expostos, pedia-se ao Mm.º Juiz do TSI conceder provimento ao recurso, decidindo:
(I) Revogar ou anular a decisão recorrida;
(II) Modificar a decisão a quo sobre a matéria de facto no que toca à base instrutória alíneas 1-2, 8-16 e 31-34 para proferir uma nova decisão.
(III) Negar procedência a toda a motivação e aos pedidos apresentados pelo recorrido contra o recorrente, e absolvê-lo.
Contra-alegando veio o Autor apresentar as seguintes conclusões e pedido:
1. Na génese da presente acção estão dois contratos de mútuo celebrados entre 1.º Réu e 2.ª Ré e Autor, em 20 de Setembro de 2012 e 14 de Fevereiro de 2014, respectivamente, mediante os quais o Autor entregou as quantias de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) e HKD8.000.000,00 (oito milhões de dólares de Hong Kong) aos dois Réus, e estes as aceitaram.
2. O Recorrente não se conformou com a sentença recorrida, alegando que a sentença de que recorre não cuidou de conhecer de questões que devia apreciar, assim como a forma como a prova foi avaliada, nomeadamente que não há elementos suficientes nos autos para que se entenda pela existência do mútuo, como a sentença recorrida fez, encontrando-se este recurso balizado pelo empréstimo de 20 de Setembro de 2012, no valor de HK5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) realizado pelo Autor a favor do 1.º Réu, ora Recorrente.
3. Entende o Recorrente que a sentença recorrida é nula em virtude de o tribunal a quo não ter conhecido oficiosamente da questão de que o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) não consta de declarações de cabeça-de-casal proferidas no processo de divórcio e subsequente inventário que correu termos junto dos tribunais da RAEM pelo Autor, ora Recorrido e da sua ex-mulher, G, testemunha dos Réus nestes autos.
4. Defendendo que esta dívida, a existir, pertenceria sempre ao património comum do casal, atento o regime de bens do casamento, e que ao não ter sido declarada esta dívida naquele processo, que esta situação configura uma excepção peremptória, e que o tribunal a quo deveria conhecido da referida excepção oficiosamente.
5. Salvo o devido respeito, entendemos que o Recorrente carece de razão na medida em que, a questão a que se responde nas presentes contra-alegações é o montante que o Autor, Recorrido, emprestou ao 1.º Réu, Recorrente, para fazer face a despesas do spa que este último explorava com a 2.ª Ré, ou seja, se o Recorrente é devedor perante o Recorrido - e, solidariamente com a 2.ª Ré -, do montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), ainda que não seja esta questão alvo de resposta nestas contra-alegações, do montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), e não, como o Recorrido pretende agora, de saber se esta dívida integrava ou não o património comum do Recorrido e da sua ex-mulher.
6. Quando a lei prevê que o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação não esteja dependente da vontade do interessado, com isto não se quer dizer que o interessado se demita de alegações de factos que levem a que a excepção peremptória seja conhecida, regra decorrente princípio jura novit curia, em que, o tribunal conhece, em regra, oficiosamente do efeito impeditivo, modificativo ou extintivo produzido pelos factos, introduzido pelas partes.
7. A respeito do artigo congénere do artigo 415.º do Código de Processo Civil de Macau, o artigo 469.º do Código de Processo Civil de Portugal, e de acordo com os ensinamentos de melhor doutrina, o conhecimento oficioso da excepção não se confunde com o conhecimento dos fados em que ela se baseia. Este têm, de acordo com os artigos 264.º, n.º 1 e 664.º do Código de Processo Civil de Portugal, de ser alegados pelas partes, ao abrigo do princípio do dispositivo, limitando-se o juiz a extrair deles a consequência jurídica própria da excepção.
8. Dependendo da vontade do interessado a invocação dos direitos potestativos e das excepções de direito material, em que a última consiste no exercício dum contra-direito, ou simples poder, que pressupõe a existência dum direito da parte contrária, que visa eliminar ou paralisar, tomando-o praticamente ineficaz. O contra-direito é ainda um direito potestativo, quando o seu exercício tem como efeito a eliminação ou preclusão do direito a que se opõe.
9. Mutatis mutandis damos o exemplo de excepção de não cumprimento, como uma forma de exercício do contra-direito, excepção de direito material e, consequentemente, excepção peremptória, mas que carece de invocação dos factos e não é de conhecimento oficioso.
10. De acordo com jurisprudência acerca desta matéria no sistema congénere português, a excepção de não cumprimento, é uma excepção de direito material e nessa medida uma excepção peremptória nos termos do art. 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil de Macau, que tem natureza disponível e por isso não é de conhecimento oficioso, devendo a respectiva factualidade integradora ser alegada na contestação, sob pena de preclusão.
11. Sendo também aventado pela jurisprudência que, “o conhecimento oficioso apenas se impõe quando os factos provados integram a excepção ou são insuficientes para a sua procedência, não está o tribunal obrigado a tomar posição expressa sobre tal questão, concluindo pela negativa, ou seja, pela sua não verificação”.
12. Sucede que, em momento algum na sua contestação o 1.º Réu ou a 2.ª Ré vieram a juízo alegar quaisquer factos extintivos da sua obrigação que decorressem de uma excepção peremptória, sequer ao longo destes 3 anos foi tomada alguma providência pela alegada co-titular do direito de crédito, ou seja, a ex-mulher do ora Recorrido, bem como não foi requerida a intervenção principal da ex-mulher do Autor pelos Réus. Sequer esta, no depoimento prestado por carta rogatória nos presentes autos, a fls. 497 e 507, em momento algum aludiu a este facto.
13. A única coisa que sucedeu, foi a fIs. 211 dos autos, a junção aos autos de certidões relativas a uma acção que correu termos contra o Autor, a actual companheira e filho menor, relativamente a três imóveis, bem como ao processo de inventário e processo de divórcio do Autor e sua ex-mulher, sem mais.
14. Cumpre relembrar que o acordo entre o Autor e sua ex-mulher no processo de divórcio foi homologado em 3 de Julho de 2014, ao passo que o processo de inventário correu os seus ulteriores termos até ao ano de 2020, tendo a presente acção sido intentada em 5 de Maio de 2020, e contestada a 6 de Outubro de 2020.
15. A alegada falha na declaração da dívida em outros processos por parte do Autor é uma questão estranha ao Recorrente, e mesmo que se concedesse, que não se concede, o Recorrente não alegou factos que conformassem esta pretensão na contestação ou nos articulados subsequentes, onde também não foi requerida a intervenção principal da ex-mulher do Autor, ora Recorrido.
16. Ainda que as excepções peremptórias sejam de conhecimento oficioso, salvo melhor entendimento, estamos perante uma excepção inominada, de direito material, peremptória, mas que carece de invocação dos factos por quem a quer aproveitar para que o tribunal a conheça, o que não sucedeu in casu.
17. Ora, atentas as razões expostas entendemos que não assiste razão ao Recorrente, e que a sentença recorrida não enferma da nulidade proveniente da omissão de pronúncia ou conhecimento da excepção peremptória, patente no artigo 413.º e), nos termos e para os efeitos do artigo 571.º, n.º 1 d), ambos do Código de Processo Civil.
18. Na segunda parte das suas alegações de Recurso, o Recorrente debruça-se sobre a parte da matéria de facto, entendendo que há erro da apreciação da matéria de facto nos termos do artigo 599.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil. Contudo, o Recorrente não identificou no corpo das alegações, que irá usar da faculdade prevista no artigo 613.º n.º 6, apenas indicando o artigo 613.º n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
19. Ora, salvo o devido respeito para que se possa recorrer da matéria de facto é necessário que tal seja indicado no início das suas alegações, o que decorre do artigo 613.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, i.e., como devem ser oferecidas as alegações de recurso, o que o Recorrente não fez.
20. Na medida em que o Recorrente impugna a matéria de facto sem fazer referência expressa ao preceito legal, salvo o devido respeito, a parte respeitante à impugnação da matéria de facto deverá ser tida por não escrita e não deverá ser alvo de aprecíação por parte do Tribunal superior. Pelo que, salvo melhor entendimento, as alegações de Recurso apresentadas pelo Recorrente na parte respeitante à impugnação de matéria de facto deverão ser tidas por não escrita e não deverão ser apreciadas pelo Tribunal de Segunda Instância.
21. Caso assim não se entenda, apresentam-se as seguintes considerações em face ao que foi alegado pelo Recorrente.
22. Relativamente à matéria de facto, entende o Recorrente que os artigos 1.º a 2.º, 8.º a 16.º e 31.º a 34.º da base instrutória deveriam ter sido alvo de uma resposta diferente pelo tribunal a quo.
23. Relativamente aos quesitos 1.º e 2.º da base instrutória, o Recorrente entende que apesar de constar dos autos um cheque emitido a favor do Recorrente, que o depoimento da testemunha H demonstra que não tinha conhecimento do mútuo de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) por parte do Autor ao agora Recorrente, alegando também que do depoimento da testemunha D decorre que o conhecimento que esta testemunha tinha dos empréstimos era indirecto, e que as testemunhas F e G, apesar de serem familiares, que os seus depoimentos são consistentes e, como tal devem ser tidos como autênticos. Colocando também em causa, o porquê de ter sido devolvida a mesma quantia que foi mutuada, de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), um dia após terem procedido ao levantamento do cheque.
24. Contudo, entendemos que os fundamentos apresentados pelo Recorrente não afastam a convicção do tribunal de que, efectivamente, o Autor, aqui Recorrido, emprestou o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) ao Recorrente.
25. Foi claramente explicado no tribunal pela testemunha D, que antes do empréstimo que ocorreu em Setembro de 2012, que o Autor, ora Recorrido já havia emprestado duas quantia, no montante total de HKD5.330.000,00 (cinco milhões trezentos e trinta mil de dólares de Hong Kong) à 2. ª Ré.
26. Ao contrapor este depoimento com a prova documental produzida pela testemunha D durante a audiência de discussão e julgamento e constante dos autos, verificamos o seguinte que: (i) em 6 de Janeiro de 2011, A a pedido de C depositou o montante de HKD2.730.000,00 (dois milhões setecentos e trinta mil dólares de Hong Kong) na conta bancária do Bank of China de F, quantia essa que foi transferida para a conta bancária da 2.ª Ré nos Estados Unidos da América, tudo conforme ofício a fls. 326 dos autos; (ii) em 29 de Agosto de 2011 A, a pedido de C, através dó 1.º Réu foi depositado o montante total de HKD2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong) na conta bancária do Bank of China, de F, que transferiu o referido montante para a conta bancária da 2.ª Ré nos Estados Unidos da América, inequivocamente demonstrado no ofício em que estão demonstrados movimentos da conta bancária de F, documento constante a fls. 326 dos presentes autos;
27. Relativamente à questão de ter sido devolvido o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) pouco depois de o Autor, ora Recorrido, ter emprestado uma quantia no mesmo valor, cumpre dizer o seguinte, conforme consta dos autos, o Autor emprestou a referida quantia através da entrega de um cheque ao 1.º Réu, ora Recorrente, em 20 de Setembro de 2012, que foi descontado em 25 de Setembro de 2012, conforme doc.º 4 dos autos de arresto que correram termos sob o n.º CV2-19-0019-CPV.
28. É um facto inultrapassável que antes de 2012 tinha ocorrido um outro empréstimo, empréstimo esse feito à 2.ª Ré, para fazer a necessidades de capital nos Estados Unidos da América, no montante global de HKD5.330.000,00 (cinco milhões trezentos e trinta mil dólares de Hong Kong).
29. Não restando margem para dúvidas que os montantes de HKD2.730.000,00 (dois milhões setecentos e trinta mil dólares de Hong Kong) e HKD2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong) foram transferidos para a 2.ª Ré, C, através da sua irmã F, provindos do Autor, A.
30. A questão temporal do porquê ter sido apenas devolvido o montante HKD5.000.00,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), em relação ao montante total de HKD5.330.000,00 (cinco milhões e trezentos e trinta mil de dólares de Hong Kong) e ter sido pedido emprestado o referido montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), entregue pelo Autor ao Recorrente em 20 de Setembro de 2012, tal nunca foi explicado nos presentes autos, apenas tendo sido negado que o montante tivesse sido emprestado e depois aventaram-se meras especulações porque não cabalmente demonstrados através de prova documental ou testemunhal.
31. E não se diga que, na falta de prova, aproveita-se o facto contra quem é alegado, pois nos presentes autos sabemos que existiu um mútuo e o 1.º Réu não foi capaz de afastar a prova que foi produzida contra este facto.
32. Reiteramos, da prova documental e testemunhal salientada supra, resultou provado nos autos que em 2011 foi mutuada a quantia de HKD5.330.000,00 (cinco milhões e trezentos e trinta mil de dólares de Hong Kong) à 2.ª Ré, que posteriormente procedeu à devolução parcial em Setembro de 2012 por meio de uma ordem de pagamento e uma transferência datadas de 24 de Setembro de 2012, e que o Autor emprestou o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) em 20 de Setembro de 2012, que foi levantado pelo 1.º Réu em 25 de Setembro de 2012.
33. De acordo com as regras da experiência comum, se o 1.º Réu, ora Recorrente não quisesse aceitar o montante emprestado pelo Autor, ora Recorrido, simplesmente não tinha procedido ao desconto do cheque, mas não foi isso que o Recorrente fez.
34. Ora, e na medida em que foi provado cabalmente tanto com recurso à prova testemunhal como documental que foi emprestado o montante de HKD5.330.000,00 (cinco milhões e trezentos e trintà mil dólares de Hong Kong) em 2011, pelo Autor à 2.ª Ré, através de transferência realizada pela irmã mais nova da 2.ª Ré, F, quantia devolvida parcialmente em Setembro de 2012 por meio de uma ordem de pagamento e uma transferência da 2.ª Ré a favor do Autor, e que, novamente em 2012, o Autor, ora Recorrido, emprestou o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) 1.º Réu, julgamos que a convicção do tribunal a quo e fundamentação não merecem censura, na parte em que se condenou o 1.ª Réu, ora Recorrente ao pagamento do montante de HKD5.000.000.00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) ao Autor.
35. Razão pela qual, as alegações do Recorrente deverão também improceder nesta parte.
36. O mesmo se diga, em relação aos quesitos 31.º a 34.º da base instrutória, que desde já se aproveita o raciocínio supra melhor expendido.
37. Reitera-se que o depoimento da testemunha D foi sempre consistente, como demonstrado supra, e que da prova documental constante dos autos estão documentadas as transacções no valor de HKD2.730.000,00 (dois milhões e setecentos e trinta e mil dólares de Hong Kong) e HKD2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong), montantes proveniente do Autor, transferidos para F, irmã da 2.ª Ré, que por seu turno transferiu para C, ora 2.ª Ré, nos Estdos Unidos da América, tudo conforme ofício a fls. 326 dos presentes autos.
38. E mais se diga, seria uma grande coincidência o Autor dizer que emprestou as supra referidas quantias e, que como que por magia, o seu parceiro de negócios, H fizesse uma transferência para F no valor de HKD2.730.000,00 (dois milhões e setecentos e trinta e mil dólares de Hong Kong), a pedido de A, que por seu turno transferiu para a sua irmã, C, nos Estados Unidos da América, e que o 1.º Réu entregasse o montante de HKD2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong) ao 1.º Réu, que o transferiu para F, que por seu turno, transferiu novamente para a sua irmã nos Estados Unidos da América.
39. Faria mais sentido que o 1.º Réu transferisse o dinheiro directamente para a sua mulher, contudo, não foi isso que sucedeu.
40. Mais uma vez, decorre amplamente demonstrado que o mútuo de 2011 existiu, em que circunstâncias se deu, estando amplamente suportado por prova documental bem como prova testemunhal nos presentes autos, razão pela qual o alegado e requerido pelo Recorrente relativamente aos quesitos 31.º a 34.º da base instrutória deverá sempre improceder.
41. Passando agora aos quesitos 8.º a 16.º da base instrutória, mantém-se a tónica dos últimos dois capítulos, insistindo o Recorrente na tese de que os pagamentos que foram feitos ao Autor, ora Recorrido, em 2012, diziam respeito ao valor mutuado em 20 de Setembro de 2012, e não de 2011.
42. Face à prova documental, dúvidas não podem restar que uma ordem de pagamento e uma transferência, no valor de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) e de HKD2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong), respectivamente, porque dadas pela 2.ª Ré, para a mesma conta bancária do Autor, titulam o montante entregue pelo Autor à 2.ª Ré em 2011, ainda que tenha sido reembolsado um valor parcial e não o total mutuado.
43. A serem os factos como alegados pelo Recorrente, por que foi o cheque descontado em 25 de Setembro de 2012, um dia depois de a 2.ª Ré ter dado uma ordem de pagamento e realizado uma transferência a favor do Autor, nos valores supra melhor indicados?
44. Como já aflorado, faria muito mais sentido que o cheque que o Autor emitiu a favor do 1.º Réu tivesse-lhe sido devolvido, ou não tivesse sido descontado. Mas não foi o que aconteceu.
45. Na medida em que o argumentário expendido pelo Recorrente soçobra em face da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos e sobre a qual já discorremos amplamente, salvo o devido respeito, o recurso nesta parte deverá sempre improceder.
46. Relativamente às restantes questões levantadas pelo Recorrente, ainda que não seja indicado de uma forma expressa, parece o Recorrente querer dizer, que, caso se entenda pela existência do mútuo de 2011, - depreendemos, já que tal não foi indicado expressamente nas suas alegações de recurso, que de acordo com o artigo 772.º do Código Civil, perante diversas dívidas, se for efetuada uma prestação que não chegue para as extinguir todas, que fica ao seu critério do devedor poder escolher designar as dívidas a que o cumprimento se refere.
47. Importa ter presente o seguinte, por cheque datado de 20 de Setembro de 2012 foi entregue ao 1.º Réu, ora Recorrente, pelo Autor, o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), tendo o cheque sido descontado em 25 de Setembro de 2012. Por outra banda, foi dada uma ordem de pagamento e realizada uma transferência por parte da 2.ª Ré ao Autor, nos montantes de HKD3.000.000,00 (três milhões de dólares de Hong Kong) e HKD2.000.000,00 (dois milhões de dólares de Hong Kong) em 24 de Setembro de 2012.
48. Partindo destes factos e concentrando-nos no mútuo de 2012, o discutido aqui nos autos, cumpre dizer que se trata de um mútuo gratuito, pois, não foi estabelecida qualquer contrapartida ou retribuição pela quantia emprestada ao Recorrente por parte do Autor, nos termos do artigo 1072.º do Código Civil.
49. De acordo com a jurisprudência dominante, a palavra “emprestar” no âmbito da celebração de um contrato de mútuo deverá ser entendida, com o seu sentido corrente, de atribuição de uma coisa para ser usada ou fruída por outrem e depois restituída em espécie ou coisa equivalente, e demonstrado que esteja que existe esse empréstimo de dinheiro ou de coisa fungível, necessário se torna concluir que a entrega da coisa se dá a título de empréstimo ou mútuo, estando concomitantemente esta última obrigada a restituir a coisa mutuada, o que é o caso dos autos.
50. No entendimento da jurisprudência do sistma congénere português, a restituição da coisa mutuada depende unicamente da simples interpelação do mutuante para o efeito, como sucede com o mútuo gratuito, sendo uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, pelo que a inércia do mesmo é passível de ser aferida desde logo, ou seja desde a data da celebração do contrato de mútuo, de que emerge aquela obrigação de restituição.
51. Ora, o cheque emitido com o montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) apenas foi descontado em 25 de Setembro de 2012, e em 24 de Setembro de 2012, data em que é dada uma ordem de pagamento e realizada uma transferência pela 2.ª Ré a favor do Autor, no montante global de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), e não coexistiam as duas dívidas.
52. Na medida em que à data em que a 2.ª Ré decidiu proceder ao reembolso -parcial- do montante devido ao Autor de HKD5.330.000,00 (cinco milhões e trezentos e trinta mil dólares de Hong Kong), tal era não por conta do valor mutuado HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong) em 20 de de Setembro de 2012, em relação ao qual não tinha havido qualquer interpelação, e o cheque, não havia ainda sido descontado, mas sim, em relação ao valor emprestado pelo Autor à 2.ª Ré em 2011, pelo que, o artigo 772.º do Código Civil não tem aqui aplicação no caso em apreço, e, consequentemente, as alegações de recurso deverão, também improceder nesta parte.
53. Já quanto aos documentos juntos pelo Recorrente nos presente autos, e valor probatório das declarações ínsitas nos articulados e certidões emitidas pelos tribunais da RAEM, cumpre dizer o seguinte.
54. A questão do valor probatório de declarações confessórias tem sido amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência, com especial incidência no sistema congénere português, que apresenta a mesma redacção na parte da confissão no Código Civil Português.
55. Tanto assim, que foi produzido um acórdão de revista, bastante recente, que se debruça sobre esta matéria, que mais à frente iremos citar e acompanhar o raciocínio lá produzido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. N.º 787721.0T8PRT.P1.S1, 19 de Janeiro de 2023, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
56. A querela entre o valor de declarações confessórias encontra a sua resolução no seguinte raciocínio, antes de mais é necessário explicar esta situação de acordo com o seu contexto histórico, assim como reflectir sobre as razões que apontaram soluções diversas
57. Para tanto, cumpre relembrar que foi o Código de Processo Civil de 1939 de Portugal que introduziu no seu artigo 526.º regras sobre a possibilidade de valoração de provas produzidas noutro processo. Sob o título valor extraprocessual das provas, dispunha expressamente no n.º 1 que as confissões feitas nos articulados podem ser opostas noutro processo, depois de no corpo do artigo se admitir o valor extraprocessual dos depoimentos (quer os de parte, quero os de testemunhas) e dos arbitramentos. Sendo que o regime da confissão foi introduzido pelo Código Civil de 1966 que, por sua vez, determinou alterações ao artigo 522.º do Código de Processo Civil de Portugal de 1961, cumpridas pelo Decreto- Lei n.º 47.690 d, de 11 de Maio de 1967.
58. Tanto no Código de Processo Civil de 1939, como na versão primitiva de 1961, ambos de Portugal, a solução era de que as confissões expressas nos articulados de uma acção pudessem ser opostos noutro processo, com o mesmo valor probatório.
59. Contudo, com a aprovação do novo Código Civil, levantaram-se dúvidas quanto à extensão da força probatória de uma confissão feita em articulados de uma acção a outras acções, “uma vez que em cada processo o comportamento das partes nos articulados obedece a estratégias que têm em vista os interesses que estão em jogo, apenas neste processo, não se justificando por isso, uma extensão do efeito de uma confissão os articulados a outros processo”
60. O artigo 355.º n.º 3 do Código Civil de Portugal, equivalente ao artigo 348.º do Código Civil de Macau, dispõe que: “A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na acção correspondente.”
61. Ora, quando é referido que a confissão realizada num processo só vale como judicial nesse processo, “limita-se o alcance probatório dessa confissão, sem que se lhe confira um estatuto diferente fora do processo. Por ser proferida num processo, ela é, em qualquer caso, uma confissão judicial, pelo que, não sendo efectuada de um modo diferente desta, sem um previsão específica da lei, não lhe pode ser reconhecida uma eficácia extraprocessual.
62. O Decreto- Lei n.º 47.690, de 11 de Maio de 1967, alterou a readacção do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961 de Portugal, depois de terem sido introduzidas as alterações pelo Decreto-Lei n.º 47.690, que veio compatibilizar o Código de Processo Civil de1961, com o recém aprovado Código Civil, que entrou em vigor a 01 de Junho de 1967.
63. Este Decreto-Lei veio eliminar o conteúdo do n.º 2 do artigo 522.º do Código de Processo Civil de 1961, onde era disposto que “as confissões expressamente nos articulados podem ser opostos noutro processo” e manteve inalterado o n.º 1 que dispunha que os depoimentos e arbitramentos produzidos noutro processo contra a mesma parte aditando a expressão “sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil”, cujo alcance era, que apesar do artigo 355.º, n.º 3 do Código Civil dispor que a confissão feita num processo só vale como confissão judicial nesse processo, isto é, a declaração confessória produzida num depoimento de parte pode ter eficácia extraprocessual, excepcionalmente.
64. Esta opção legislativa manteve-se com a reprodução do disposto no artigo. 522.º do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de Maio de 1967, no artigo 421.º do Código de Processo Civil de 2013, e de acordo com o acórdão no qual nos apoiámos para resolver esta questão, esta solução desejada pelo legislador de 1966/1967 e que se mantém no disposto no artigo 421.º do Código de Proceso Civil de Portugal, é ainda a que melhor se adequa às significativas diferenças que existem entre uma confissão feita nos articulados e uma confissão efectuada em depoimento de parte.
65. Enquanto no depoimento de parte, o legislador procurou reunír o maior número de garantias que as declarações nele prestadas, incluindo as confessórias, traduzissem, efetivamente, a verdade dos factos, já relativamente às confissões constantes dos articulados, o legislador, impossibilitado de impor as mesmas garantias, revelou a consciência da possibilidade de as mesmas poderem não corresponder à realidade.
66. Pelo que, em virtude do princípio do dispostivo, com forte influência no processo civil se justifica que as confissões de factos nos articulados não deixem de ter efeitos probatórios pleníssimos nesse processo, a fragilidade que, nessas situações, apresenta a regra da experiência de que não se mente contra o próprio interesse, não aconselha a que se extrapole tais confissões para outros processos, mesmo atribuindo-lhe menor força probatória, aé porque o espírito do princípio do dispositivo já não tem aqui qualquer aplicação, uma vez que estamos perante a prova a efectuar num outro processo, em que os interesses em jogo são distintos.
67. Concluindo da seguinte forma, que se justifica, pois, uma declaração confessória prestada num depoimento de parte possa ter uma valia extraprocessual, -note-se o possa-, podendo ser valorada num outro outro processo entre as mesmas partes, enquanto que uma declaração confessória constante dos articulados de uma acção tenha um valor probatório restrito a esse processo, não tendo qualquer valor extraprocessual.
68. Ora, o acórdão citado tem perfeita correlação e aplicação ao caso em apreço, na medida em que, nem as declarações proferidas em articulados, nem, por outro lado, os documentos constantes das certidões emitidas pelos tribunais de Macau, que encerram, também declarações proferidas em outros processos, em momento algum pode-lhes ser atribuída o mesmo valor probatório que naqueles processos.
69. É claro para nós, atento o raciocínio exposto no acórdão de revista e aqui apresentado, que as declarações proferidas em outros articulados, bem como, certidões que encerrem declarações ou decisões e despachos proferidas na sequência desses articulados não têm força probatória nos presentes autos.
70. Razão pela qual, a pretensão do Recorrente não merece provimento, pois a sentença não violou os artigos 487.º do Código de Processo Civil, artigos 345.º, 348.º, 349.º, 349.º n.º 1, 351.º do Código Civil, nem os artigos 477.º, n.º 1 978.º, n.º 2 e 3.º do Código de Processo Civil, artigos 345.º, 351.º, 351.º n.º 2 e 370.º do Código Civil, bem como os artigos 356.oº, n.º 2, 364.º, n.º 1, 365.º n.º 1, 366.º, n.º 1 do Código Civil, artigos 471.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
71. Em tudo o demais, mantemos e reiteramos o já escrito e desenvolvido em relação a cada uma das questões levantadas pelo Recorrente, por razões de economia processual. Isto porque, o Recorrente volta a alegar o já alegado no início das alegações de recurso, sendo que a posição do Recorrido mantém-se inalterada sempre se norteando pelo já alegado e os fundamentos expostos nestas contra-alegações.
72. À cautela sem prescindir, sempre se dirá que na parte em que o Recorrente volta a debruçar-se sobre a matéria de facto, cumpre dizer que a contradita nos termos do artigo 543.º do Código de Processo Civil é um mecanismo processual que só tem lugar durante a audiência de discussão e julgamento.
73. Em tudo o resto, remetemo-nos para os capítulos anteriores m que com base naprova documental e testemunhal produzida nos autos, o Recorrido demonstra porque a pretensão do Recorrente não poderá ter provimento.
Por todo o exposto, o Recorrente carece de razão, e nessa medida, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, no tocante à condenação do 1.º Réu, ora Recorrente, ao pagamento do montante de HKD5.000.000,00 (cinco milhões de dólares de Hong Kong), deverá ser mantida na íntegral
Foram colhidos os vistos.
II. QUESTÕES PRÉVIAS
1. Dos documentos juntos:
Com as suas alegações de recurso veio o Autor e ora Recorrente juntar uma certidão da relação de bens apresentada no processo de inventário na sequência do divórcio decretado entre si e sua ex-esposa G – cf. fls. 589 a 604 -, cuja decisão transitou em julgado em 19.11.2018.
A fls. 703 a 709 vieram os Réus juntar às suas contra-alegações dois documentos referentes a transferências bancárias datados de 06.01.2011 e 29.08.2011.
Considerando as datas daqueles documentos os mesmos podiam ter sido juntos até ao encerramento da instrução da causa em 1ª instância, sendo certo que, se alguma utilidade dos mesmos resultasse, já ao tempo era do conhecimento das partes, não resultando de modo algum da decisão em 1ª instância.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 616º do CPC «as partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância».
Assim sendo, não sendo supervenientes nem resultando a sua utilidade da decisão proferida em 1ª Instância não há fundamento legal para admitir os referidos documentos, cujo desentranhamento se impõe ordenar a final, com a inerente condenação em custas pelo incidente.
2. Da alegada ilegitimidade do Autor/Recorrente:
Nas suas alegações de recurso vem o 1º Réu/Recorrente invocar que o Autor/Recorrente não tem legitimidade face ao disposto no artº 1547º nº 1 do C.Civ. e artº 62º nº 1 do CPC.
Consta dos autos que o Autor foi casado com G sem convenção antenupcial entre 16.04.1968 e 31.07.2014 – cf. fls. 59v. -.
Com base nesse facto vem o 1º Réu/Recorrente invocar a ilegitimidade activa do Autor.
O artº 1547º do C.Civ. refere-se à alienação e oneração de móveis.
Estando em causa a invocação por banda do Autor de dois mútuos não se trata nem de alienação nem de oneração.
Diferente seria se se tratasse de doações porque aí temos um acto de disposição, em tudo igual à alienação.
Emprestar dinheiro a título oneroso ou gratuito será um acto de administração, pelo que, estaríamos no âmbito do artº 1546º do C.Civ..
Em momento algum da contestação se invocou a falta de legitimidade do Autor para praticar os mútuos que invocou ou fazer as doações que na contestação se diz ter feito.
G, ex-cônjuge do Autor foi testemunha nestes autos pelo que, admitindo que era necessária e devida a sua intervenção processual para acautelar os seus direitos poderia sempre ter requerido a sua intervenção, o que não fez, sendo que, do seu depoimento resulta que nega que o Autor e ex-cônjuge haja feito os mútuos e que o invocado direito de crédito exista e menos ainda invoca não ter consentido nas doações que diz terem sido feitas.
Destarte, não resultando em momento algum evidente que os alegados mútuos feitos pelo Autor o hajam sido para além dos seus poderes de administração, não tendo sido invocada a ilegitimidade activa do Autor, nada havia que conhecer oficiosamente no que concerne à ilegitimidade deste, não enfermando a decisão recorrida da invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Não cabendo no âmbito da ilegitimidade mas porque foi invocado em conjunto, a alegada sonegação de bens e consequência daí resultante será matéria a ser apreciada em sede de inventário e não nestes autos.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
Dos recursos interpostos pelo Autor e 1º Réu quanto à matéria de facto
Vem o Autor/Recorrente interpor recurso das respostas dadas aos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º, 12º, 19º, 20º, 21º, 23º e 30º da Base Instrutória.
Vem o 1º Réu/Recorrente interpor recurso das respostas dadas aos quesitos 1º, 2º, 8º a 16º e 31º a 34º da Base Instrutória.
É do seguinte teor a matéria constante destes quesitos e as respostas dadas:
1º
No dia 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 do autor (convertido para MOP$5.150.000,00) porque precisava de fundos para explorar o “XXX”?”
Provado apenas que “Em 20 de Setembro de 2012, o 1º réu pediu emprestado HKD$5.000.000,00 ao autor porque necessitava de fundos.”
2º
O autor conhecia o 1.º réu desde há muitos anos e tratava-o como genro com confiança. Anuiu portanto ao pedido do 1.º réu, prestando-lhe o cheque bancário mencionado no facto provado alínea F) em 20/09/2012?
Provado.
3º
O autor e o 1º réu acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?
Não Provado.
4º
No dia 14 de Fevereiro de 2014, a 2ª ré pediu emprestado o montante de HKD$8.000.000,00 do autor porque necessitava de dinheiro para adquirir bens para continuar a explorar o XXX, que foi convertido em MOP$8.240.000,00?
Não Provado
5º
Dado que o autor emprestou o dinheiro ao 1º réu em 2012, a supra referida loja manteve-se aberta e o autor acreditava que a filha, 2ª ré, não o enganaria, daí ter aceitado o pedido da 2ª ré?
Não Provado
6º
O autor e a 2ª ré acordaram que o empréstimo supra referido deveria ser devolvido imediatamente na data em que o autor pedisse a devolução?
Não provado.
8º
Nos últimos anos, o autor viu o negócio do estabelecimento supra mencionado estabilizar, envelheceu e desde 2018 que tem pedido aos dois réus para devolveram o dinheiro que foi emprestado?
Provado apenas que desde 2018 o autor pretende que a parte contrária lhe devolva o montante de HKD$5.000.000,00.
9º
Depois de inúmeras interpelações, os dois réus não tinham ainda pagado o supra mencionado empréstimo ao autor. Até agora, os dois réus não pagaram de volta qualquer montante ao autor, apesar de ter feito várias tentativas em pessoa?
Provado apenas que até ao momento os dois réus não devolveram qualquer montante ao autor.
10º
Os dois réus, por sua vez, várias vezes arranjaram desculpas para adiar o reembolso. Até não atendem mais as chamas telefónicas do autor desde 2019?
Provado apenas: os dois réus não atendem mais as chamas telefónicas do autor desde, o mais tardar, 2019.
11º
Em 21/11/2019 e em 23/11/2019, por intermédio de familiares (incluindo o filho e a mulher do irmão mais novo) e amigos, o autor chegou à casa dos dois réus para ter com eles; nenhum dos réus apareceu; deixou as formas de contacto; os dois réus não responderam ao autor, nem lhe alguma vez devolveram dinheiro?
Provado: em 2019, acompanhado por familiares, o autor foi ter com os dois réus à casa deles e ao “XXX”. Os dois réus não apareceram. O autor deixou as formas de contacto. Os dois réus, porém, não lhe responderam, nem lhe devolveram dinheiro.
12º
Até à data da presente acção ter sido apresentada, os dois réus não reembolsaram o supra mencionado empréstimo de HKD$5.000.000,00 e HKD$8.000.00,00, perfazendo um total de HKD$13.000.000,00 ao autor?”
Provado apenas que até hoje os dois réus não devolveram o montante de HKD$5.000.000,00 ao autor.
13º
Desde 2009 e a pedido do autor, os dois réus estava sempre a ajudar o autor, a título gratuito, na abertura da Companhia XXX, Limitada de que o autor era sócio e no exercício das actividades de cantina dos funcionários no XXX de Macau; além disso, assistiam-no frequentemente nas suas deslocações ao Interior da China na procura de fornecedores e novas oportunidades de investimento?
Não provado.
14º
Em 20/09/2012, o autor entregou à 2.ª ré o cheque bancário indicado na alínea F dos fatos provados, como um gesto de agradecimento a ambos os réus?
Não provado.
15º
No mesmo tempo que entregou o cheque, o autor até disse aos dois réus que o dinheiro era uma oferta (doação) para os réus, como agradecimento pela assistência que lhe tinham prestado nos negócios da empresa?
Não provado.
16º
Em 24/09/2012, tendo instruído o banco para o depósito (sacar o cheque), o 1.º réu telefonou à 2.ª ré para a informar; da negociação resultou que ambos os réus consideravam a assistência como uma ajuda sem compensação para um familiar; então decidiram devolver o dinheiro ao autor; e através das formas indicadas nas alíneas I) e J) dos factos provados, devolveram o dinheiro ao autor?
Provado apenas: em 24/09/2012, o 1.º réu instruiu o banco para o pagamento do cheque (depositar o cheque) referido na alínea F) dos factos provados.
19º
Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo um presente?”
Provado.
20º
O autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante?
Provado que o autor também disse à ré que o dinheiro tinha sido dado à ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante.
21º
Naquele momento, a 2ª ré também disse ao autor que aceitava que aquele dinheiro lhe fosse dado e que mesmo sem dinheiro, a ré cuidaria da mãe?
Provado.
23º
Dada a relação que a ex-mulher do autor tinha na sociedade XXX, a cantina aberta pelo autor tinha muito lucro. Por isso não era incomum que o autor desse aos réus o montante de HKD$8.000.000,00?
Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21 da base instrutória.
30º
O empréstimo é puramente uma ficção por parte do autor, e o propósito é retaliar contra a filha, 2ª ré, por não apoiar o autor no processo entre o autor e a sua ex-mulher?
Apenas confirmado o mesmo conteúdo dado na resposta aos quesitos 19 a 21 da base instrutória.
31º
Em 2011, a 2.ª ré referiu ao autor a sua necessidade urgente de fundos líquidos nos EUA para tratar de dívidas particulares; e pediu dinheiro emprestado ao autor?
Provado: em 2011, a 2.ª ré referiu ao autor a sua necessidade urgente de fundos líquidos nos EUA para tratar de negócios pessoais; e pediu dinheiro emprestado ao autor.
32º
Em 06/01/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor depositou HKD$2.730.000,00 em numerário proveniente das suas actividades operacionais na conta do Banco da China n.º 01-11-10-XXX em HKD pertencente a uma outra filha sua F; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de F?
Provado apenas: em 06/01/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor depositou HKD$2.730.000,00 de uma sociedade de que era sócio na conta do Banco da China n.º 01-11-10-XXX em HKD pertencente a uma outra filha sua F; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de F.
33º
Em 29/08/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor voltou a depositar HKD$2.600.000,00 em numerário proveniente das suas actividades operacionais na conta do Banco da China n.º 01-11-10-XXX em HKD pertencente a uma outra filha sua F; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de F; em seguida, F levantou pessoalmente as duas quantias acima referidas nos EUA e entregou-as à 2.ª ré?
Provado: em 29/08/2011, a pedido da 2.ª ré e segundo as suas instruções, o autor voltou a depositar, com ajuda do 1.º réu, HKD$2.600.000,00 na conta do Banco da China n.º 01-11-10-XXX em HKD pertencente a uma outra filha sua F; uns dias depois, o dinheiro acima referido foi transferido para a conta bancárias nos EUA de F; em seguida, F levantou pessoalmente as duas quantias acima referidas nos EUA e entregou-as à 2.ª ré, para que 2.ª ré tratasse dos negócios pessoais.
34º
A livrança na alínea D) dos factos provados que a 2.ª ré prestou ao autor era apenas para devolver parcialmente o dinheiro emprestado pelo autor em Janeiro e Agosto de 2011?
Provado.
É a seguinte a convicção do Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto com base na análise e comparação atentas da prova documental e dos depoimentos testemunhais.
Constata-se dos autos que o Autor e a 2ª Ré são pai e filha e que o casamento entre o Autor e a sua ex-mulher, G, foi dissolvido em 2014. Da análise dos depoimentos das testemunhas D, F (fls. 482 a 491), G (fls. 497 a 507) e I, resulta que, após o casamento do Autor com G ter corrido mal, houve uma deterioração acentuada da relação entre o Autor e a sua ex-mulher e duas filhas, sendo que as duas filhas se inclinavam para a mãe, enquanto o filho D se inclinava para o pai na questão do divórcio dos pais. Neste contexto, uma vez que os depoimentos das testemunhas F, G e D podem ser tendenciosos a favor de uma das partes, o Tribunal adoptará uma atitude prudente e crítica e terá em conta as provas documentais objectivas dos autos, a fim de analisar e valorizar os depoimentos das três testemunhas supramencionadas, bem como os das outras testemunhas.
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No que diz respeito ao empréstimo de HKD8.000.000,00 alegado pelo Autor, resulta do depoimento prestado em tribunal pela testemunha D, dos depoimentos de F e G, bem como do Processo n.º FM1-14-0357-CPE (que mostra que G emitiu uma procuração ao mandatário judicial em Janeiro de 2014) consultado durante o julgamento, que o caso extraconjugal do Autor já em Janeiro de 2014 tinha sido descoberto. Considerando que a 2ª Ré tinha uma posição tendenciosa favorável à mãe na questão dos problemas conjugais dos seus pais, mesmo que se presuma que os dois Réus (ou qualquer um deles) tinham necessidade de fundos em Fevereiro de 2014, é difícil imaginar porque é que os dois ainda pediram dinheiro emprestado ao seu pai, que tinha acabado de ser apanhado a ter um caso extraconjugal, em vez de recorrerem à sua mãe, que também era financeiramente capaz e com quem tinham melhores relações. Pelas razões acima expostas, complementadas pelos depoimentos das testemunhas F e G, este Tribunal é de opinião que os HKD8.000.000,00 alegados pelo Autor não eram, de facto, um empréstimo, mas antes uma quantia dada pelo Autor à 2ª Ré gratuitamente para cuidar da sua mãe.
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Relativamente à quantia de HKD5.000.000,00, a questão a analisar consiste em saber se se tratava de um empréstimo concedido pelo Autor ao 1º Réu ou, como alegado pelos dois Réus, de uma doação do Autor aos mesmos como forma de agradecimento pela ajuda que lhe tinham prestado na actividade da empresa.
No que concerne a esta questão, não existem nos autos provas sólidas de que o Autor tenha tido o hábito de dar dinheiro aos seus filhos e netos de forma frequente e irregular. Por um lado, a testemunha D negou categoricamente que o Autor tivesse esse hábito e, se o Autor realmente tivesse tal hábito, a testemunha F e a 2ª Ré deveriam ter sido capazes de fornecer facilmente os respectivos registos bancários para provar que o Autor dava dinheiro aos filhos e netos de vez em quando. Por outro lado, mesmo que se presuma que o Autor tinha o hábito de dar dinheiro aos filhos, a pessoa que recebeu o dinheiro teria sido a 2ª Ré, e não o 1º Réu, que não era formalmente casado com a 2ª Ré na altura do sucedido.
Convém também salientar que, de acordo com o depoimento de H (um antigo parceiro de negócios do Autor), ou seja, uma testemunha relativamente objectiva, os dois Réus recebiam remunerações mensais de 10.000 e 5.000 da "XXX", e ele nunca ouviu falar que o Autor daria 5 milhões aos dois Réus, quer a nível da empresa, quer a nível privado. Imaginemos que o Autor estava, como afirmaram os dois Réus, a agradecer-lhes a sua ajuda nos negócios da empresa, seria de prever que a testemunha H tivesse conhecimento da existência da quantia em questão. Além disso, embora a testemunha H não pudesse excluir completamente a possibilidade de os dois Réus terem encontrado fornecedores com preço adequado para a "XXX", negou categoricamente que os dois Réus tivessem encontrado qualquer novo "negócio" para a empresa. Portanto, o depoimento da testemunha H minou ainda mais a credibilidade da versão dos factos trazida pelos dois Réus.
Além disso, há implausibilidades inerentes à versão fáctica apresentada pelos dois Réus. Segundo os mesmos, depois de o 1º Réu ter apresentado o cheque a pagamento, falava com a 2ª Ré por telefone sobre isso, e ambos concordaram que a ajuda que tinham prestado à "XXX" era uma ajuda gratuita a familiares, pelo que decidiram devolver o dinheiro ao Autor, e fizeram-no do modo referido nas alíneas I) e J) dos factos assentes. Se fosse intenção dos Réus não aceitar a "doação" do Autor, o 1º Réu poderia ter devolvido ao Autor, imediatamente ou após consulta com a 2ª Ré, o cheque de HKD5.000.000,00 dado pelo mesmo, em vez de o ter apresentado a pagamento. Alternativamente, mesmo que os Réus tivessem decidido devolver o dinheiro ao Autor depois de o cheque ter sido apresentado a pagamento pelo 1º Réu, a forma mais simples e directa de o fazer teria sido o 1º Réu transferir para o Autor os HKD5.000.000,00 que só acabara de ser depositados na sua conta alguns dias antes, sem necessidade de a 2ª Ré o fazer da forma tortuosa descrita nas alíneas I) e J) dos factos assentes.
Embora seja verdade que os dois Réus não estavam sem qualquer capacidade económica na altura dos factos, atentas as razões acima expostas, conjugadas com o depoimento da testemunha D, este Tribunal formou a supra exposta convicção sobre o ponto 1 dos factos a provar.
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É relevante para a questão acima referida saber se os dois montantes referidos nas alíneas I) e J) dos factos assentes estão relacionados com o aludido empréstimo de HKD5.000.000,00, ou se estão relacionados com as quantias descritas nos pontos 32 a 33 dos factos a provar.
Os dados fornecidos pelo Banco da China de fls. 326 dos autos mostram objectivamente as entradas e saídas de dinheiro da conta bancária da testemunha F em Janeiro e Agosto de 2011. Relativamente ao montante de 2,73 milhões de dólares de Hong Kong em Janeiro de 2011, a referida testemunha afirmou que se tratava de um presente dos seus pais. Quanto às entradas de dinheiro que totalizaram a quantia de HKD2,6 milhões em Agosto de 2011, a mesma testemunha disse que o dinheiro lhe foi transferido pelo seu cunhado (o 1º Réu) com o objectivo de lhe pedir que ajudasse os dois Réus a procurar oportunidades de investimento imobiliário nos Estados Unidos.
Os depoimentos das testemunhas G e L são semelhantes (ver fls. 504 dos autos).
Quanto à testemunha D, referiu que ambas as quantias foram emprestadas pelo Autor à 2ª Ré.
No que diz respeito à primeira quantia, a testemunha H recordou objectivamente que, em 2011, havia um montante de 2,73 milhões destinado à aquisição de marisco e, nessa altura, o Autor perguntou à testemunha se o dinheiro poderia ser entregue primeiro a "XX" para seu uso, uma vez que XX precisava do dinheiro. No nosso entender, se o dinheiro fosse uma prenda dos pais a F, o Autor não teria utilizado fundos da empresa (da qual o Autor era um dos sócios) destinados à compra de produtos do mar. O comportamento do Autor demonstrou claramente a necessidade urgente por parte do destinatário do dinheiro. Como analisado supra, não há provas sólidas de que o Autor tinha o hábito de dar dinheiro aos filhos e netos de forma frequente e irregular. Tendo em conta estas razões, afigura-se-nos ser razoavelmente convincente o depoimento da testemunha D de que o dinheiro era para as necessidades urgentes da 2ª Ré, e que o Autor lhe emprestou o dinheiro e a testemunha F ajudou na entrega do dinheiro.
No que respeita à segunda quantia, a informação disponibilizada pelo Banco da China a fls. 326 dos autos revela que o dinheiro foi transferido pelo 1º Réu para a testemunha F. Em primeiro lugar, se o dinheiro em questão fosse apenas uma transacção monetária entre os dois Réus e a testemunha F, o Autor não teria sido capaz de indicar a existência da respectiva quantia. Por outro lado, se o que a testemunha F disse fosse verdade, então a quantia de HKD2,6 milhões ou tinha sido gasta em certos investimentos pertencentes aos dois Réus, ou tinha sido devolvida aos dois Réus. Em qualquer dos casos, os Réus deveriam poder apresentar documentos comprovativos do paradeiro do dinheiro, o que não existem nos autos. Considerando estas razões, conjugadas com o depoimento da testemunha D, o Tribunal está convencido que o Autor pagou o dinheiro em questão ao 1º Réu, que depois o transferiu para a testemunha F, que por seu lado o utilizou para tratar dos assuntos da 2ª Ré.
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Cumpre ainda analisar a finalidade das duas quantias referidas nas alíneas I) e J) dos factos assentes, devendo apurar, sobretudo, se as quantias em causa se destinavam ao reembolso das importâncias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar, ou ao reembolso do montante de HKD5.000.000,00 referido na resposta ao ponto 1 dos factos a provar. Entendemos que se destinavam ao reembolso das importâncias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar. Por um lado, foi a 2ª Ré que pediu emprestado ao Autor as duas quantias dos pontos 32 e 33 dos factos a provar, e as duas quantias das alíneas I) e J) dos factos assentes foram também tratadas pela 2ª Ré (em vez do 1º Réu), o que significa, em certa medida, que estas últimas visavam reembolsar os referidos dois empréstimos.
Além disso, por as duas quantias referidas nos pontos 32 e 33 dos factos a provar ser dívidas mais antigas, era razoável que a 2ª Ré utilizasse os montantes das alíneas I) e J) dos factos assentes para pagar primeiro as dívidas mais antigas. Pelas razões acima expostas, o Tribunal está convencido de que o depoimento da testemunha D é razoável e credível nesta parte.
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A análise precedente é suficiente para ilustrar a base da convicção do Tribunal acerca de cada facto relevante nos factos a provar.
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A situação dos bens imóveis titulados pelos dois Réus, a que se refere o ponto 24 dos factos a provar, foi dada como provada pelo Tribunal de acordo com os documentos de fls. 124 a 158 dos autos.
Quanto à “interpelação” referida nos pontos 3, 6 e 9 dos factos a provar (das provas dos autos não resulta que o Autor se tenha logrado efectuar qualquer interpelação), e aos factos dos pontos 25 a 28 dos factos a provar, não se provaram por insuficiência de prova.
No que tange ao ponto 30 dos factos a provar, como o Tribunal considerou provada a existência de um empréstimo de HKD5.000.000,00, não houve naturalmente qualquer dívida simulada pelo Autor. Embora o Tribunal, com base nas provas dos autos e depois da análise do ponto de vista da razoabilidade e da lógica, tenha considerado que a quantia de HKD8.000.000,00 não era um empréstimo, somos também da opinião de que não existem provas sólidas de que o Autor intentou a presente acção em retaliação pelo facto de a 2ª Ré, sua filha, não o ter apoiado no litígio dele com a sua ex-mulher.
Dispõe o artº 599º do CPC o seguinte:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Na impugnação da matéria de facto ao tribunal de recurso não cabe fazer um segundo julgamento sobre a matéria de facto.
Como tem vindo a ser jurisprudência uniforme deste Tribunal, ao tribunal de recurso cabe apenas apreciar se há um erro evidente ou desrazoável na apreciação da matéria de facto, ou se foi violada regra quanto aos meios probatórios admissíveis.
Da impugnação da matéria de facto por banda do Autor.
Nas suas alegações e conclusões de recurso vem o Autor invocar que do depoimento de D, seu filho, resulta a prova dos factos que indica porque o “ouviu do pai”. Mais invoca que dos documentos 5, 6 e 7 que identifica resulta a prova dos empréstimos porque no primeiro o Autor escreveu “empréstimo” e nos dois últimos “compra de mercadorias”.
Ora, como resulta das suas próprias alegações e conclusões de recurso o Autor sustenta que o tribunal se havia de ter convencido por aquilo que invoca com base naquilo que o próprio Autor disse ao filho que aqui veio testemunhar e com base naquilo que o próprio Autor escreveu nos documentos que apresentou.
Como é sabido a confissão apenas aproveita relativamente a factos que são desfavoráveis à parte que os invoca.
Seria temerário, aceitar como credível o depoimento de uma testemunha que o que sabe é apenas porque ouviu do Autor seu pai, num quadro familiar como o destes autos, em que a família se dividiu e ocupa posições opostas não só quanto aos afectos como também quanto aos bens e respectiva divisão.
Logo, impossível seria convencer o tribunal do erro de julgamento da matéria de facto com a argumentação usada nas alegações e conclusões de recurso do Autor quanto à impugnação da matéria de facto.
Quanto ao proveito comum do casal nada de concreto se invoca nem se prova. Ao tempo não eram casados. O facto de serem sócios de uma sociedade apenas demonstra o contrário pois a titularidade das quotas de cada um é independente. O empréstimo em momento algum resulta que haja sido feito à sociedade – caso contrário seria essa a estar aqui como Ré e não os Réus -. O alegado proveito comum do casal tem de ser integrado com factos sendo que tudo o que se alega mais não são do que conjeturas sem suporte factual.
Infrutífero é também tudo quanto se alega no que concerne às invocadas interpelações para pagamento. De tudo quanto se alega em momento algum se diz que se chegou ao contacto com os Réus para exigir o pagamento. Procurar as pessoas sem as encontrar, sem nada lhes dizer, nem ter transmitido o que quer que seja, não produz efeito algum ainda que aqueles soubessem ser devedores, pois não são obrigados a adivinhar que a vontade de contacto – caso dela tenham tido conhecimento o que de modo algum se prova – fosse para os interpelar, e ainda que o admitissem, cabia ao credor concretizar a interpelação, sem prejuízo do devedor ter o direito de a ela se esquivar.
Destarte, das passagens das gravações indicadas nada resulta que convença o Tribunal do erro na apreciação da matéria de facto no sentido em que foi impugnada pelo Autor, improcedendo assim o recurso do Autor quanto à impugnação da matéria de facto.
Da impugnação da matéria de facto por banda do 1º Réu.
Quanto aos quesitos 1º e 2º o que está em causa é o empréstimo realizado pelo Autor ao 1º Réu.
Dos depoimentos indicados e transcritos o que resulta é que H, ex-parceiro de negócios do Autor nada sabia.
Mais uma vez temos o filho do Autor a dizer que ouviu do pai que o então namorado/companheiro da irmã mais velha tinha pedido emprestado ao futuro sogro os 5.000.000,00 que o Autor diz que eram para fazer face a despesas do seu SPA.
O Sócio dos Réus no dito SPA cujas declarações também são indicadas, desconhece que tivesse havido necessidades de dinheiro para a companhia.
A ex-mulher do Autor e mãe/sogra dos Réus diz que foi dinheiro que o Autor ofereceu ao 1º Réu e que este recusou.
O cheque foi emitido em 20.09.2012 e apresentado a pagamento a 25.09.2012.
Em 24.09.2012 a 2ª Ré através de uma livrança e transferência bancária entregou ao Autor a quantia de 5.000.000,00.
Vejamos então.
A única pessoa que sabe do empréstimo é de ouvir dizer ao Autor, o que pelas razões já antes explicadas à mingua de outra prova de nada convence.
Tem sentido o comentário de que se o 1º Réu necessitava de 5.000.000,00 porquê pedir ao Autor se a sua namorada/companheira futura mulher tinha essa quantia e naqueles dias a transferiu para o pai. Não faz sentido invocar que primeiro paga dívidas mais antigas, se era para continuar com uma dívida de igual valor e que nenhuma vencia juros.
Fala-se de uma doação que foi devolvida, o que pode ter sido, mas também convence pouco porque se era para devolver não havia que descontar o cheque.
Ou seja, perante posições tão antagónicas não pode este tribunal convencer-se por nenhuma.
Associado a esta matéria está a constante dos quesitos 31º a 34º da Base Instrutória, cujas respostas no sentido de terem sido provados também foram impugnadas.
Dos quesitos 31º a 34º resulta que o Autor terá emprestado em 2011 à 2ª Ré as quantias de HKD2.730.000,00 e HKD2.600.000,00, no total de HKD5.330.000,00 as quais haviam sido transferidas para uma conta de F (filha do Autor e irmã da 2ª Ré) com a obrigação de depois entregar à 2ª Ré.
A prova desta matéria também resulta do depoimento da testemunha filho do Autor de ouvir dizer.
Por sua vez a filha do Autor e irmã da 2ª Ré F recusa que o dinheiro que recebeu na sua conta fosse para transferir para a sua irmã, mas sim uma doação do pai para si.
Não há qualquer prova de que esses valores hajam sido entregues à 2ª Ré.
Contrariamente ao que se diz na fundamentação do Tribunal “a quo” segundo as regras da experiência, segundo a cultura Chinesa e de acordo com as regras de uma sociedade predominantemente patriarcal como é esta e como decorre se organizava esta família antes da ruptura é frequente os pais fazerem doações avultadas aos filhos, especialmente em famílias com a capacidade financeira que a dos autos aparenta.
Do depoimento da mãe da 2ª Ré e ex-mulher do Autor resulta serem frequentes doações às filhas e ao filho o que não só está de acordo com o estatuto financeiro e cultural da família, como também não é de estranhar porque como também tudo indicia até à ruptura colaboravam nos negócios do pai.
Por fim refere esta testemunha que eram frequentes os fluxos financeiros entre os Réus e o Autor, o que de todas as versões apresentadas, considerando que ao tempo os Réus colaboravam com o pai/sogro nos negócios destes é mais verosímil do que a existência dos alegados empréstimos.
Destarte, entendemos que não é razoável a convicção que se formou no tribunal “quo” quanto às respostas dadas aos quesitos 31º a 34º, havendo que concluir por não estarem os mesmos provados.
Aqui chegados de concreto acabamos por ter movimentos financeiros entre os dois Réus e o Autor de valor igual a 5.000.000,00.
As dúvidas suscitadas são muitas, sendo certo que na incerteza o tribunal se tem de abster de tomar posição não se podendo convencer por versão alguma, pelo que, a única versão possível é também não dar como provados os quesitos 1º e 2º, este na parte em que anuiu a entregar o cheque ali indicado.
Vêm também impugnadas as respostas dadas aos quesitos 8º a 16º.
No que concerne aos quesitos 10º, 11º e 16º as respostas dadas em nada conflituam com o que se disse.
A matéria dos quesitos 8º, 9º e 12º decorrem e só fazem sentido se houvesse sido dada como provada a matéria dos itens 1º e 2º o que não acontece, pelo que em face de tudo quanto já se disse devem ser dados como não provados.
Quanto à matéria dos quesitos 13º a 15º nada do que se alega é suficiente para convencer do erro nas respostas dadas improcedendo o recurso nesta parte.
Termos em que, improcedendo o Recurso do Autor e procedendo parcialmente o recurso do 1º Réu quanto à impugnação das respostas dadas à Base Instrutória, impõe-se dar como NÃO PROVADOS os quesitos 1º, 8º, 9º, 12º e 31º a 34º, bem como o quesito 2º na parte em que anuiu a entregar o cheque ali indicado.
Aqui chegados, da matéria de facto antes apurada conjugada com a procedência parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, nestes autos, temos por assente a seguinte factualidade:
1. C, 2ª ré, é filha do autor (vide a fls. 6 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado A)
2. Em 22 de Janeiro de 2013, os dois réus contraíram casamento no regime da comunhão geral de bens perante a Conservatória do Registo Civil (Idem). (Facto Provado B)
3. Em 22 de Fevereiro de 2008, os dois réus e I constituíram em conjunto uma sociedade limitada, denominada em chinês “XX有限公司” (adiante designada por “sociedade referida”), em português “XX, LDA.”, em inglês “XX, LTD.”, matriculada na Conservatória dos Registos Comerciais e de Bens Móveis sob o n.º XXX (vide as fls. 7 a 13 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado C)
4. Os dois réus detinham respectivamente 50% e 30% do capital social, no valor de MOP$12.500,00 e MOP$7.500,00, a 2ª ré era a única administradora da sociedade referida (idem). (Facto Provado D)
5. O estabelecimento da sociedade referida, denominado em chinês “XXX”, em português “XXX”, em inglês “XXX”, exercendo as actividades de saunas e massagens, foi aberto em Julho de 2008 (vide a fls. 14 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado E)
6. Em 20 de Setembro de 2012, o autor passou um cheque n.º 40403656 do Banco Industrial e Comercial (Macau), no valor de HKD$5.000.000,00, a favor do 1º réu B (vide as fls. 15 a 17 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado F)
7. O referido cheque foi apresentado ao pagamento em 25 de Setembro de 2012 (Idem). (Facto Provado G)
8. Em 14 de Fevereiro de 2014, o autor transferiu da conta n.º 01-11-10-XXX do Banco da China, Sucursal de Macau, à conta n.º XXX da 2ª ré, aberta no Hong Kong and Shangai Banking Corporation Limited, uma quantia de HKD$8.000.000,00 (vide as fls. 18 a 19 do apenso n.º CV2-20-0036-CAO-A). (Facto Provado H)
9. Em 24 de Setembro de 2012, a 2ª ré sacou do Banco da China (Macau) uma livrança no valor de HKD$3.000.000,00, a favor de A, e depois, entregou essa livrança no valor de HKD$3.000.000,00 ao autor, o autor aceitou e apresentou-a ao pagamento com sucesso (vide a fls. 42 dos autos). (Facto Provado I)
10. No mesmo dia, a 2ª ré foi ao Banco Industrial e Comercial (Macau) e depositou por transferência bancária uma quantia de HKD$2.000.000,00 na conta do autor (vide a fls. 123 dos autos). (Facto Provado J)
11. Em 15 de Julho de 2014, o autor A e a sua ex-mulher G divorciaram-se por mútuo consentimento perante o TJB, a sentença transitou-se em julgado em 31 de Julho de 2014 (vide as fls. 114 a 116 dos autos). (Facto Provado K)
12. O autor conhecia o 1.º réu desde há muitos anos e tratava-o como genro com confiança.
13. No dia de intentar a presente acção, o autor tinha 76 anos de idade. (resposta ao quesito 7.º)
14. Pelo menos desde o ano 2019, os dois réus deixam de atender chamadas telefónicas do autor. (resposta ao quesito 10.º)
15. Em 2019, o autor e os familiares foram procurar os dois réus à sua residência em Macau e à Loja “XXX”, mas os réus não compareceram. Eles deixaram recado, porém, os dois réus não responderam nem devolveram qualquer quantia ao autor. (resposta ao quesito 11.º)
16. Em 24 de Setembro de 2012, o 1º réu apresentou ao pagamento o cheque mencionado no Facto Provado F. (resposta ao quesito 16.º)
17. Em Janeiro de 2014, a ex-mulher G e os familiares (incluindo os dois réus) tomaram conhecimento do caso extraconjugal entre o autor e M, que teve lugar há vários anos. (resposta ao quesito 17.º)
18. Entre os três filhos do autor e ex-mulher G, a 2ª ré tem a relação mais estreita com a mãe G, mesmo sendo casada, volta frequentemente a casa para visitar e tomar cuidado da mãe G. (resposta ao quesito 18.º)
19. Para aliviar a culpa do seu caso extraconjugal e ter abandonado a sua mulher de muitos anos, o autor transferiu HKD$8.000.000,00 para a conta bancária da 2ª ré em 14 de Fevereiro de 2014, sendo uma doação gratuita. (resposta ao quesito 19.º)
20. O autor também disse à 2ª ré que o dinheiro tinha sido dado à 2ª ré, e que esta não tinha que o devolver, mas esperava que a 2ª ré tomasse cuidado da sua mãe (a ex-mulher do autor) doravante. (resposta ao quesito 20.º)
21. Na altura, a 2ª ré afirmou que aceitava a quantia doada, iria tomar bem cuidado da mãe mesmo sem essa quantia. (resposta ao quesito 21.º)
22. Provado apenas o mesmo conteúdo dado na resposta ao quesito 21.º. (resposta ao quesito 23.º)
23. Em 2012 e em 2014, os dois réus tinham os seguintes bens imóveis, recebiam rendas duns deles:
- dois bens imóveis em Macau;
- dois bens imóveis no Reino Unido;
- dois bens imóveis no Interior da China. (resposta ao quesito 24.º)
24. Provado apenas o mesmo conteúdo dado nas respostas aos quesitos 19.º a 21.º. (resposta ao quesito 30.º)
2. DO DIREITO
Em face da matéria de facto apurada temos que entre o Autor e os Réus houve transferências recíprocas de HKD5.000.000,00 e uma doação à 2ª Ré de HKD8.000.000,00.
Perante este quadro factual deixou de se provar aquela que era a causa de pedir do Autor a qual resultava da realização de dois empréstimos aos Réus por cujo pagamento seriam ambos responsáveis.
Na míngua da prova dos factos que constituem a causa de pedir a acção apenas pode improceder, pelo que se impõe julgar este recurso em conformidade.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Nega-se provimento ao recurso interposto pelo Autor.
- Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo 1º Réu quanto à impugnação da decisão quanto à Base instrutória julgando como não provados os quesitos 1º, 8º, 9º 12º, 31º a 34º e 2º na parte em que anuiu ao pedido do 1º Réu entregando-lhe o cheque a que se alude na alínea F), sendo improcedente quanto á impugnação dos restantes factos, julgando-se em consequência a acção improcedente porque não provada e absolvendo-se o 1º Réu dos pedidos.
Desentranhe e devolva à parte que os apresentou os documentos de fls. 589 a 604 e 704 a 709.
Custas a cargo do Autor em ambas as instâncias, sendo as devidas pelo incidente de desentranhamento de documentos a cargo de ambos os Recorrentes fixando-se a taxa de justiça a cargo de cada um em 2UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 30 de Maio de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1º Adjunto)
Ho Wai Neng
(2º Adjunto)
917/2023 CÍVEL 1