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Processo nº 662/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 13 de Junho de 2024

ASSUNTO:
- Residência


Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 662/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 13 de Junho de 2024
Recorrentes: (A), (B), (C) e (D)
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  (A), (B), (C) e (D), com os demais sinais dos autos,
  vêm interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 23.06.2023 que revogou a autorização de fixação de residência temporária de (B), (C) e (D), formulando as seguintes conclusões:
I. Erro na interpretação do direito
- A Lei nº 16/2021 não é aplicável neste processo
- Violação do princípio da não retroactividade da lei
- Não é aplicável neste processo o critério para determinar a residência habitual “embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”
1) Em 17 de Novembro de 2011, foi concedida a autorização de residência temporária ao 1º recorrente contencioso, (A), e aos membros do seu agregado familiar, ou seja, 2ª recorrente contenciosa, (B), 3º recorrente contencioso, (C), e 4ª recorrente contenciosa, (D), e, em 17 de Novembro de 2018, completaram 7 anos da autorização de residência temporária, tornando-se definitiva a sua autorização de residência.
2) A Lei nº 16/2021 foi publicada no «Boletim Oficial da RAEM» nº 1401 de 16 de Agosto de 2021, nas páginas 1401 a1439 e o número do boletim oficial: 33/2021.
3) E o artº 106º da mesma Lei dispõe o seguinte: “A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação, com excepção do artigo 97.º, que produz efeitos a partir da data da sua publicação, e dos artigos 60.º e 61.º e correspondentes previsões em matéria de infracções administrativas, que produzem efeitos um ano após a data da sua entrada em vigor.”
4) Assim, a norma do artº 106º da Lei nº 16/2021 constitui uma disposição de direito transitório material e confirma o princípio da não retroactividade da lei pelo qual a Lei não tem efeitos retroactivos.
5) É evidente que a norma do artº 43º da Lei nº 16/2021 entrou em vigor 90 dias após 16 de Agosto de 2021, pelo que aquela disposição é necessariamente inaplicável às decisões administrativas que concederam autorização de residência temporária no período de 7 anos entre 17 de Novembro de 2011 e 17 de Novembro de 2018!
6) O artº 23º do Regº Admº nº 3/2005 dispõe que: “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.”
7) Deve ser aplicável a “Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão” aprovada pela Lei nº 6/2004 à referida norma.
8) Salvo o devido respeito pela entidade recorrida, os requisitos previstos no artº 43º, nº 2, al 3) e nº 5 “embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial” da Lei nº 16/2021 deixam de ser critérios para determinar residência habitual, não sendo aplicáveis nestes autos.
9) Assim sendo, a decisão recorrida viola os artºs 43º e 106º da Lei nº 16/2021, padecendo de erro na interpretação do direito.
II. Erro na interpretação do direito
- Definitividade do estatuto de residente permanente da RAEM do 1º recorrente contencioso
- O 1º recorrente contencioso goza do direito fundamental de reagrupamento familiar consagrado pela «Lei Básica»
- Os não residentes da RAEM gozam do direito fundamental de reagrupamento familiar consagrado pela «Lei Básica»
- A decisão recorrida é nula por ofender direito fundamental
10) Em 16 de Novembro de 2022, o 1º recorrente contencioso tornou-se residente permanente da RAEM por obter o bilhete de identidade de residente permanente da RAEM (nos termos do artº 7º, nº 1º, al. 1) da Lei nº 8/1999) com base na concessão inicial, em 17 de Novembro de 2011, da autorização de residência temporária com fundamento em ser quadro dirigente a ele e aos membros do seu agregado familiar ao abrigo do artº 1º, al. 3) do Regº Admº nº 3/2005. (vd. Documentos nºs 2 e 3).
11) Sendo residente permanente da RAEM, o 1º recorrente contencioso goza do direito subjectivo ao reagrupamento familiar consagrado sob “um país dois sistemas” (ao abrigo dos artºs 43º e 38º da «Lei Básica de Macau», ex vi artº 31º, nº 1 da «Constituição da RPC», bem como nos termos do artº 23º do «Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos» e do artº 10º do «Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais», ex vi artº 40º da «Constituição».
12) E os 2º a 4º recorrentes contenciosos, que não são residentes de Macau, também gozam do direito subjectivo ao reagrupamento familiar consagrado sob “um país dois sistemas” (ao abrigo dos artºs 43º e 38º da «Lei Básica de Macau», ex vi artº 31º, nº 1 da «Constituição da RPC», bem como nos termos do artº 23º do «Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos» e do artº 10º do «Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais», ex vi artº 40º da «Constituição».
13) Por outras palavras, os quatro recorrentes contenciosos são os membros familiares resultantes do casamento contraído entre o 1º recorrente contencioso e a 2ª recorrente contenciosa. Os quatro gozam do direito fundamental ao reagrupamento familiar com os seus familiares.
14) Salvo o devido respeito pela entidade recorrida, depois de o 1º recorrente contencioso ter obtido o bilhete de identidade de residente permanente da RAEM mediante a aprovação da entidade recorrida, a decisão recorrida determinou que a 2ª, 3º e 4ª recorrentes contenciosos não preenchem o requisito de residência habitual, este acto ofende o direito fundamental ao reagrupamento familiar dos quatro recorrentes contenciosos, enfermando, assim, tal decisão, de uma nulidade à luz do disposto na al. d) do nº 2 do artº 122º do CPA.
III. Erro notório no exercício do poder discricionário
- É irrazoável que a decisão recorrida ignore o juízo factual de o 1º recorrente contencioso ser titular de bilhete de identidade de residente permanente
- É irrazoável que a decisão recorrida ignore o juízo factual de separação dos cônjuges
- É irrazoável que a decisão recorrida ignore o juízo factual de separação de pais e filhos
15) O 1º recorrente contencioso obteve o bilhete de identidade de residente permanente de Macau em consequência da concessão inicial, em 17 de Novembro de 2011, da autorização de residência temporária a ele (na qualidade de quadro dirigente) e aos membros do seu agregado familiar indicados. Este facto é a decisão da entidade recorrida e é conhecido pelo IPIM.
16) A entidade recorrida determinou que os familiares do recorrente contencioso não satisfazem o corpus nem o animus de residência habitual, daí reconheceu o facto conclusivo de os familiares do recorrente contencioso deixar de ter residência habitual em Macau.
17) É difícil de entender que no referido requerimento ao 1º recorrente contencioso foi atribuído o bilhete de identidade de residente permanente de Macau mas, por outro lado, foi indeferido o pedido dos três membros do agregado familiar.
18) De facto, ao 1º recorrente contencioso foi deferido (sic) com fundamento no disposto na al. 3) do artº 1º do Regº Admº nº 3/2005 – “Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau”.
19) Sendo os membros do agregado familiar do 1º recorrente contencioso, a 2ª recorrente contenciosa, (B), 2º recorrente contencioso, (C), e a 3ª recorrente contenciosa, (D), já obtiveram a dita autorização de residência temporária, mas foi proferida a decisão recorrida pelo facto conclusivo de não preencher a residência habitual. (sic)
20) Desde que o 1º recorrente contencioso é o cônjuge da 2ª recorrente contenciosa, (B), é o pai do 3º recorrente contencioso, (C), e da 4ª recorrente contenciosa, (D), desde que o 1º recorrente contencioso reúne o requerimento indicado na al. 3) do artº 1º do Regº Admº nº 3/2005, o recorrente contencioso já preenche a situação de residência habitual e os membros do agregado familiar do recorrente contencioso preenchem necessariamente o conceito de residência habitual!
21) Não se pode determinar que a 2ª recorrente contenciosa, (B), o 3º recorrente contencioso, (C), e a 4ª recorrente contenciosa, (D), não trabalha e estudam na RAEM tão somente com base no registo de movimentos fronteiriços deles e, em consequência disso, determina-se que os mesmos não estão na área da RAEM e, por isso, não mantêm qualquer ligação objectiva com a RAEM nem têm a intenção de considerar Macau como residência habitual!
22) Salvo o devido respeito pela entidade recorrida, a entidade recorrida ignora o facto de que o 1º recorrente contencioso trabalha na RAEM até à presente, até já possui o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, tendo estabelecido, sem dúvida, uma ligação com a RAEM, assim, a 2ª recorrente contenciosa, (B), o 3º recorrente contencioso, (C), e a 4ª recorrente contenciosa, (D), têm, necessariamente, ligação objectiva (corpus) com a RAEM e têm, necessariamente, a intenção de residir permanentemente na RAEM!
23) Salvo o devido respeito pela entidade recorrida, a entidade recorrida ignora o facto de que o 1º recorrente contencioso trabalha na RAEM até à presente, já possui o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, tendo estabelecido, sem dúvida, uma ligação com a RAEM!
24) Além disso, o 3º recorrente contencioso, (C), e a 4ª recorrente contenciosa, (D), estudam, respectivamente, na Faculdade de Engenharia Mecânica de Energia da Universidade Nacional Tsing Hua e na Faculdade de Ciências Biomédicas da Universidade Médica de Chung Shan de Taiwan China. (B), mãe deles e cônjuge do 1º recorrente contencioso, trabalha na XX Airlines como chefe de sector financeiro, fica em Taiwan China para melhor cuidar dos filhos que ainda não concluíram o curso superior, isso não quer dizer que o cônjuge do recorrente contencioso e os dois filhos que vão concluir o curso superior não voltarão a viver na RAEM.
25) Basta o facto de o 1º recorrente contencioso ter obtido o bilhete de identidade de residente permanente de Macau para determinar que o cônjuge do 1º recorrente contencioso – 2ª recorrente contenciosa – e os dois filhos – 3º e 4ª recorrentes contenciosos – têm o corpus e animus de residência habitual, porque existe necessariamente uma íntima ligação entre a relação conjugal e a relação de pais-filhos, as quais não podem ser separadas.
26) A decisão recorrida é desrazoável por reconhecer o registo de saída e entrada da 2ª recorrente contenciosa, (B), do 3º recorrente contencioso, (C), e da 4ª recorrente contenciosa, (D), e, em consequência disso, determinou que os três não residem habitualmente na RAEM por eles não trabalhar e estudar na Região. Tal decisão ignora a relação conjugal estabelecida entre o 1º recorrente contencioso e a 2ª recorrente contenciosa e a relação pai-filhos entre o 1º recorrente contencioso e os 3º e 4ª recorrentes contenciosos, bem como desconsidera o facto de o 1º recorrente contencioso ter obtido o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, excedendo o alcance lógico e razoável da sua decisão (sic), ou seja, deferiu o requerimento do 1º recorrente contencioso mas indeferiu os membros do seu agregado familiar (sic) – 2ª, 3º e 4ª recorrente contenciosos – o que causou a separação dos cônjuges e separação de pais e filhos, enfermando, assim, de erro no exercício do poder discricionário.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão de revogação de autorização da residência temporária, proferida por S./Exa. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, em 23 de Junho de 2023, contra a 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes, não enferma dos vícios indicados por recorrentes.
2. Em primeiro lugar, a decisão recorrida não enferma do vício de nulidade e é improcedente o invocado por recorrentes que os seus direitos de reagrupamento da família foram prejudicados.
3. A 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes residiam, trabalhavam e estudavam sempre no território de Taiwan, eles raramente se deslocavam a Macau em antes, mantendo esta situação mesmo antes de proferir a decisão recorrida, pelo que não havendo qualquer correspondência material entre a decisão recorrida e o reagrupamento de família dos recorrentes.
4. Além do mais, não tendo os recorrentes apresentados quaisquer provas materiais, onde indicavam que os seus direitos de reagrupamento de família fossem prejudicados, pelo contrário, devido ao 1.º recorrente detinha a qualidade de residente permanente de Macau e se a sua cônjuge, os seus descendentes viessem a residir em Macau, através da forma de reagrupamento de família, nos termos do regime geral de entradas e saídas de fronteiras em vigor, assim, nada os impedissem as respectivas fixações em Macau; ao mesmo tempo, de facto, poderiam também os tais membros de agregados familiares do 1.º recorrente, entrar, actualmente, em Macau, munidos com os seus documentos válidos.
5. Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializado), é um regime de fixação de residência em Macau, cujo objectivo é atrair os investimentos de reconhecida relevância económica e permitir os técnicos especializados e recursos humanos de elevada qualidade fixarem-se em Macau.
6. A residência habitual dos titulares de autorização da residência em Macau, exigida por regime de residência, não é incompatível à Lei Básica de Macau.
7. Em segundo lugar, tanto o facto ocorrido antes ou depois de entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, a lei exige sempre aos titulares de autorização da residência que tenham a residência habitual em Macau.
8. Os recorrentes para o efeito de manutenção de autorização da residência têm que cumprir obrigatoriamente a residência habitual em Macau exigida.
9. Por fim, a existência de relações matrimonial e parental, entre os membros de agregados familiares e residente de Macau, não representa absolutamente que os aludidos indivíduos residam habitualmente em Macau.
10. A Administração na qualidade de aplicadora de direito, tem que avaliar concretamente as situações complexas do facto, assim, que consiga avaliar a situação se reunisse ou não ao pressuposto nos termos da lei.
11. Para analisar se reunisse ou não a residência habitual, para além de ponderar o lugar onde vive a pessoa, depende também o centro da vida da pessoa e as diversas relações (jurídicas) constituídas por si nesse lugar, e as aludidas relações têm que ser “efectivo e estável”.
12. Neste caso, conforme o demonstrado nos registos de entradas e saídas de fronteiras de 2.ª, 3.º e 4.º recorrentes, entre os anos 2014 e 2019, eles raramente se deslocavam a Macau, ademais, houve alguns dos anos que não constavam qualquer registo de entrada de fronteira (cfr. o ponto 3 da decisão recorrida, que aqui se dá por integralmente reproduzido), as entradas deles eram raras e não rotinas.
13. A 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes residiam sempre no território de Taiwan, não tinham residência habitual em Macau, a conexão entre eles e Macau era meramente o emprego do 1.º recorrente em Macau.
14. A 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes não havendo, pessoalmente, qualquer conexão com Macau, os três após a obtenção de autorização da residência, nunca pensaram de emigrar e viver em Macau.
15. Com a falta da forte conexão suficiente, é difícil a mostrar que a 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes reúnam os requisitos de residência habitual em Macau.
16. A Administração constituiu o juízo com factos suficientes e fundamentais, entendendo que a 2.ª, os 3.º e 4.º recorrentes não reúnem os requisitos de residência habitual exigidos, pois, juízo este não enferma dos vícios notórios e graves.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio a Entidade Recorrida oferecer o merecimento dos autos.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela procedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
1) No seguimento do pedido do Requerente de emissão dos documentos comprovativos de que tinham completado os 7 anos de residência em Macau, por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 23.06.2023, foi revogada a autorização de residência de (B), (C) e (D), nos termos e com os fundamentos da Proposta nº PRO/01858/AJ/2022 elaborada pelo IPIM, a qual consta de fls. 25 a 30 e traduzida a fls. 84 a 95 e com o seguinte teor:
«Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Parecer:
 Concordo com o teor da proposta submetendo-a ao Exm.º Sr. Secretário para ser apreciada e autorizada-
O Presidente Subst.º,
Ass.) xxx
30/11/2022

 Concordo com o teor da proposta, submetendo ao presidente substituto do Conselho de Administração deste Instituto para ser apreciada e autorizada.
O Vogal Executivo,
Ass.) xxx
29/11/2022

 Concordo com o teor da pressente proposta, através dos registos de movimentos fronteiriços e dos dados existentes dos autos, bem como considerado globalmente o disposto no art.º 4.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º8/1999, não se pode reflectir que os membros do agregado familiar do requerente residam habitualmente na RAEM. E após a realização da audiência, proponho que seja submetida a proposta ao Exm.º Senhor Secretário para, no uso das competências delegadas pelo Exm.º Chefe do Executivo através do n.º1 da Ordem Executiva n.º3/2020, e nos termos do art.º 43.º, n.º2, al. 3) da Lei n.º16/2021, aplicável subsidiariamente pelo 23.º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, revogar as autorizações de residência temporárias de (B), (C) e (D), com prazo de validade até 18 de Maio de 2019. .
À consideração superior.
A Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência,
Ass.) xxx
28/11/2022
Despacho:

 No uso das competências delegadas pela Ordem Executiva n.º3/2020, concordo com a análise da proposta e nos termos do art.º 43.º, n.º2, al. 3) da Lei n.º16/2021, aplicável subsidiariamente pelo 23.º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, revogo as autorizações de residência temporária da cônjuge e dos dois descendentes do requerente que pediu a respectiva extensões para eles.
O Secretário,
Ass.) Lei Wai Nong


Assunto: Proposta n.º: PRO/01858/AJ/2022
Proposta de revogação das autorizações de Data: 18/11/2023
residente temporária (N.º0270/2011/02R)
À Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência
Dra. xxx:
1. Nos termos do Regulamento Administrativo n.º3/2005 e na qualidade de quadro dirigente, ao próprio requerente (A) e aos membros do seu agregado familiar foram-lhes concedidas, pela primeira vez, em 17 de Novembro de 2011, as autorizações de residência temporária, e em 14 de Novembro de 2022, foi envidada ao requerente a “carta de confirmação” pelo presente Instituto; São os seguintes os dados de residência temporária dos membros do seu agregado familiar:
N.º
Nome
Relação
Prazo de validade da autorização de residência temporária concedida
1
(B)
Cônjuge
18/05/2019
2
(C)
Descendente
18/05/2019
2
(D)
Descendente
18/05/2019
2. Os membros do supracitado agregado familiar, em 17 de Novembro de 2018, completaram 7 anos da residência temporária, pelo que o requerente, em 19 de Novembro de 2018, apresentou a este Instituto o “pedido de carta de confirmação” e os respectivos documentos comprovativos, e mediante os documentos, pode-se mostrar que o requerente mantém sempre a relação de trabalho que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária no pedido inicial e também a relação matrimonial com sua cônjuge (vd. Doc.1).
3. A fim de confirmar a situação do requerente quanto à residência em Macau durante todo o período de residência temporária, este Instituto, através de ofício, solicitou ao CPSP o fornecimento do registo dos movimentos fronteiriços dos interessados. São os seguintes os dados:
Período
Número dos dias de permanência em Macau
do requerente
01/01/2014 a 31/12/2014
266
01/01/2015 a 31/12/2015
225
01/01/2016 a 31/12/2016
240
01/01/2017 a 31/12/2017
243
01/01/2018 a 31/12/2018
258
01/01/2019 a 18/05/2019
103
Período
Número dos dias de permanência em Macau
da cônjuge do requerente
01/01/2014 a 31/12/2014
4
01/01/2015 a 31/12/2015
3
01/01/2016 a 31/12/2016
10
01/01/2017 a 31/12/2017
4
01/01/2018 a 31/12/2018
10
01/01/2019 a 18/05/2019
0
Período
Número dos dias de permanência em Macau
do descendente (C)
01/01/2014 a 31/12/2014
4
01/01/2015 a 31/12/2015
3
01/01/2016 a 31/12/2016
10
01/01/2017 a 31/12/2017
9
01/01/2018 a 31/12/2018
10
01/01/2019 a 18/05/2019
0
Período
Número dos dias de permanência em Macau
do descendente (D)
01/01/2014 a 31/12/2014
4
01/01/2015 a 31/12/2015
3
01/01/2016 a 31/12/2016
10
01/01/2017 a 31/12/2017
4
01/01/2018 a 31/12/2018
10
01/01/2019 a 18/05/2019
0
4. Segundo os dados constantes do supracitado registo, verificou-se que no supracitado período, os membros do referido agregado familiar só raramente permaneceram em Macau cada ano, e quando muito só permaneceram 10 dias em Macau durante todo o ano, também se ausentaram de Macau continuamente por mais de meio ano ou menos de um ano, evidentemente pode-se verificar que a cônjuge e os dois descendentes prolongadamente não estavam em Macau, os mesmos também não se deslocavam a Macau regular e frequentemente, bem como através dos dados existentes nos autos, podemos saber que a cônjuge e os dois descendentes também não residem nem estudam nem trabalham em Macau, pelo que não se pode mostrar que os mesmos reúnam a “deslocação regular e frequente a Macau para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial” prevista no art.º 43.º, n.º5 da Lei n.º16/2021, sendo difícil de reflectir que os mesmos tenham em Macau o centro de vida para desenvolver as actividades quotidianas durante o período de residência temporária autorizada, assim sendo, considera-se que os mesmos não residem habitualmente na RAEM durante o período de residência temporária autorizada.
5. Com base nisso, o presente Instituto, em 19 de Setembro de 2022, realizou a audiência escrita dos interessados, tendo os mesmos, posteriormente, através do advogado, apresentado a resposta e os respectivos documentos comprovativos (vd. Doc.3) e exposto principalmente
1) O advogado invocou os teores das decisões do Tribunal Colectivo do TUI proferidas nos processos n.ºs 190 e 182/2020, tendo indicado que a “residência habitual” é um “conceito indeterminado” sindicável pelos Tribunais, a ausência temporária de uma pessoa não implica a necessária conclusão que tenha deixado de “residir habitualmente” em Macau, a qualidade de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência;
2) A cônjuge do requerente trabalha na região de Taiwan da China, como diretora financeira da XX, Airlines, e os dois descendentes também estudam em universidades em Taiwan;
3) Daí podemos saber que os membros do agregado familiar se ausentaram temporariamente de Macau por causa de trabalho e de estudo fora de Macau, pelo que não se pode considerar que os mesmos deixem de residir habitualmente em Macau devido apenas à ausência temporária deles, de tal modo a chegar a conclusão que não pertencem à residência habitual em Macau.
6. Face à supracitada resposta, foi feita uma análise seguinte:
1) Nos teremos do art.º 4.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º8/1999, “……a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau. Para a determinação da residência habitual do ausente, relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau: 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
2) Em primeiro lugar, segundo os registos dos movimentos fronteiriços fornecido pelo CPSP, a cônjuge (B), os dois descendentes (C) e (D), no período compreendido entre 2014 e 18 de Maio de 2019, quando muito anualmente só permaneceram 10 dias em Macau, e em cada ano, o número total dos movimentos fronteiriços dos três é de 7, 9 e 7 vezes, e só foi registada a permanência contínua em Macau com mais duração por 5 dias uma vez, pelo que tais factos mostram que os três só raramente permaneciam em Macau e nem tão pouco deslocavam a Macau regular e frequentemente;
3) De acordo com os dados constantes dos “pedidos de fixação de residência temporária na RAEM” por si apresentados no pedido de renovação, a cônjuge e os dois descendentes sempre residem na região de Taiwan da China, tendo a cônjuge, a partir de 1993, começado a trabalhar na região de Taiwan da China e os dois descendentes, desde 2007, sempre andavam a estudar em escola primária, secundária e universidade na região de Taiwan da China, tais factos foram confirmados pelo requerente, através da resposta por si apresentada, e nos autos também não há documento para confirmar que a cônjuge e os dois descendentes tenham mudado para trabalhar e estudar em Macau, pelo que, a sua situação de permanência em Macau não reúne a “deslocação regular e frequente a Macau para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial” prevista no art.º 43.º, n.º5 da Lei n.º16/2021, sendo difícil de reflectir que os mesmos tenham em Macau a residência habitual e o centro de vida;
4) O advogado alega principalmente que os interessados se ausentaram temporariamente de Macau por causa de trabalho e de estudo fora de Macau, mas isto não quer dizer que os mesmos deixem de residir habitualmente em Macau;
5) É de salientar que ao formular o pedido de extensão para a cônjuge e os dois descendentes, devia o requerente intencionalmente mudar para Macau o centro da vida familiar, contudo, 7 anos após terem obtido a autorização de residência temporária, os mesmos ainda continuam a trabalhar e estudar no local original, região de Taiwan da China, mantendo-se inalterado o centro de vida, após a concessão da autorização de residência temporária, mas isto não pode mostrar que os interessados só se ausentam temporariamente de Macau, pelo contrário, os mesmos só deslocam-se a Macau ocasionalmente. Quando os mesmos gozam do direito de residência temporária, ainda optam por continuar a viver, trabalhar e estudar fora de Macau, sendo isto uma intenção pessoal, nela não existe o obstáculo substantivo que os impeça de viver e estudar em Macau;
6) Tal como indicou o acórdão do TUI proferido no processo n.º182/2020 que o advogado invoca nos autos: “Porém, apresenta-se imprescindível que a qualidade –ou estatuto de “residente habitual”, implica, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também a natureza de um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência. Daí que, muitas vezes – e em nossa opinião, adequadamente – se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social…”;
7) Para além do contrato de trabalho do requerente em Macau, o requerente não mostrou outros factos concretos que os membros do seu agregado familiar tenham em Macau o centro de vida ou íntima e estável ligação a Macau, ao contrário, segundo os pedidos de renovação existentes nos autos e a alegação escrita do requerente, verificou-se que os membros do seu agregado familiar não residem em Macau, mas sim todos vivem na região de Taiwan da China, a sua cônjuge não trabalha em Macau e os dois descendentes estudam na região de Taiwan da China, tudo isso mostra que o trabalho, o estudo e o centro da vida familiar dos membros do agregado familiar não ficam em Macau;
8) Daí pode-se verificar que os interessados não possuem o chamado “corpus” de residência habitual, mesmo que o requerente seja contratado pelo empregador de Macau, depois de sintetizados e analisados os documentos nos autos, não se vê como os interessados deram exposição concreta e apresentaram documentos comprovativos para sustentar que tenham em Macau o centro de vida para desenvolver as suas actividades quotidianas, e em conjugação do supracitado pouco número de dias de permanência em Macau, é difícil reflectir que os interessados tenham intenção de se tornarem residentes de Macau.
9) Em suma, tendo em consideração todas as situações indicadas no art. 4.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º8/1999, é difícil reflectir que os interessados pertençam à ausência temporária de Macau, e realizada a audiência escrita, também não se pode confirmar a existência do justo impedimento para a residência habitual dos mesmos em Macau, bem como segundo os vários aspectos pessoal, familiar e social, é difícil mostrar que os interessados tenham intenção de se tornarem residentes de Macau, e consequentemente pode-se concluir que os mesmos não residem habitualmente em Macua no período de residência temporária autorizada, pelo que, nos termos do art.º 43.º, n.º2, al. 3) da Lei n.º16/2021, aplicável subsidiariamente pelo art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, os titulares da autorização de residência deixam de residir habitualmente em Macau, podendo ser revogada a autorização de residência.
7. Pelo acima exposto, através dos registos de movimentos fronteiriços e dos dados existentes nos autos, bem como considerado globalmente o disposto no art.º 4.º n.ºs 3 e 4 da Lei n.º8/1999, não se pode reflectir que os membros do agregado familiar do requerente residam habitualmente na RAEM. Depois de realizada a audiência, propõe-se que seja o processo submetido ao Secretário para a Economia e Finanças para que exerça as competências delegadas pelo Chefe do Executivo através da Ordem Executiva n.º3/2020 e nos termos do art.º 43.º, n.º2, al. 3) da Lei n.º16/2021, aplicável subsidiariamente pelo art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º3/2005, revogando as autorizações de residência temporária da cônjuge do requerente (B) e dos seus descendentes (C) e (D), com prazo de validade até 18 de Maio de 2019.
Submete-se a supracitada opinião às superiores hierárquicos para a apreciação e despacho.».

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  (A), (B), (C) e (D), melhor identificados nos autos, vieram instaurar o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do acto do Secretário para a Economia e Finanças de revogação das autorizações de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) de dos Recorrentes (B), (C) e (D).
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  A primeira questão que suscitada pelos Recorrentes e que importa apreciar é a que se prende com a legalidade, ratione temporis, da aplicação no acto recorrido da norma do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021.
  Vejamos.
  Os Recorrentes requereram a autorização de residência temporária ao abrigo do regime instituído pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o qual, no seu artigo 23.º, preceitua o seguinte: «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau».
  Esse regime geral de entrada, permanência e fixação de residência constava da Lei n.º 4/2003 e do Regulamento Administrativo 5/2003. No entanto, aquela lei foi revogada pela Lei n.º 16/2021, cuja entrada em vigor ocorreu em 15 de Novembro de 2021 (de acordo com o disposto no artigo 106.º da Lei n.º 16/2021: 90 dias depois da sua publicação, sendo que esta teve lugar no 16 de Agosto de 2021) e segundo o preceituado no artigo 102.º da nova Lei, é de considerar que as remissões existentes em outros diplomas para as disposições da legislação revogada se consideram feitas para as correspondentes disposições daquela.
  As disposições da Lei n.º 16/2021, incluindo, pois, a do respectivo artigo 43.º, são subsidiariamente aplicáveis à situação em apreço e, à falta de normas de direito transitório que disponham diferentemente, são de aplicação imediata. Com efeito, em direito administrativo, por força do consagrado princípio tempus regit actum, é pacífico o entendimento no sentido de que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respectiva adopção. Como lapidarmente se escreveu no Parecer n.º 43/97 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de Portugal, «o momento da perfeição do acto fornece, pois, o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta», uma vez que, «só pelo acto perfeito se concretizam as situações jurídicas abstractas, dando lugar ao nascimento, em proveito dos indivíduos, de interesses actuais e precisos que as novas leis não podem atacar sem prejuízo da harmonia social e da segurança individual».
  Por isso, o princípio do tempus regit actum, interpretado com este alcance, legitima a aplicação do ius superveniens às situações que aguardem a prática de um acto administrativo, «independentemente da sua natureza, do momento em que o procedimento se tenha desencadeado e das eventuais contingências por que possa ter passado». Ponto é que a lei nova tenha entrado em vigor em momento anterior àquele em que o acto administrativo vem a ser praticado (apud acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6.3.2008, processo 560/07, disponível em linha).
  No caso, é fora de dúvida que, apesar de o procedimento se ter iniciado antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, o acto final de revogação da autorização de residência agora sob recurso foi praticado pela Entidade Recorrida em 23 de Junho de 2023, numa altura em que já vigorava aquela Lei. Daí que, a nosso modesto ver, nada haja a censurar na aplicação por parte da Administração da norma do artigo 43.º daquela Lei em ordem a fundamentar juridicamente o dito acto.
  (ii)
  Sem prejuízo do que vimos de dizer, e por razões que não coincidem com as dos Recorrentes, mas que, como veremos, podem ser conhecidas ex officio, estamos modestamente em crer que o presente recurso deve proceder. As razões deste nosso entendimento são as que seguem.
  (ii.1)
  O acto recorrido está ferido de vício gerador da respectiva nulidade porque é de objecto juridicamente impossível.
  Na verdade, segundo o disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 122.º do CPA, são nulos os actos cujo objecto seja impossível, considerando a melhor doutrina, na interpretação do citado inciso legal, que no conceito de objecto do acto a que a norma se refere se inclui, não só o seu objecto imediato, ou seja o seu conteúdo ou os seus efeitos, mas também o seu objecto mediato, é dizer, a coisa, o bem ou, no caso de se tratar de actos de segundo grau, o acto sobre o qual se projecta aquele conteúdo ou efeitos (cfr., por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 301). Além disso, é igualmente pacífico que a impossibilidade do objecto geradora da nulidade do acto é, não só a impossibilidade física, mas, também, a impossibilidade jurídica (neste sentido, por todos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 645).
  Ora, no caso em apreço, o acto recorrido, que, recordamos, revogou o acto de autorização de residência temporária, é um acto secundário que teve por objecto, visando a respectiva extinção, um acto que já estava extinto, por caducidade, em razão do decurso do tempo.
  Explicitemos.
  Resulta do disposto na alínea 1) do artigo 20.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que contém, no essencial, o regime normativo aplicável à situação em apreço, que a autorização de residência temporária se extingue por caducidade, uma vez decorrido o respectivo prazo sem que ocorra renovação. E isto é também assim quando esteja em causa a última renovação, quer dizer a renovação conducente ao completamento do prazo de 7 anos necessário à aquisição do estatuto de residente permanente, uma vez que, nessa situação, já não haverá lugar à renovação da autorização de residência temporária. O que ocorre, em circunstâncias normais, uma vez completado aquele prazo, é uma alteração qualitativa na esfera jurídica do interessado, com a aquisição ex novo do direito de residência permanente na Região, constitutivo de um estatuto jurídico de natureza fundamental, o de residente permanente, nos termos previstos no artigo 24.º, alínea 2) da Lei Básica e no artigo 8.º, n.º 1, alínea 2) da Lei n.º 8/1999.
  É certo, no entanto, que o decurso do prazo fixado no acto administrativo de autorização de residência temporária em Macau, tratando-se, como parece pacífico, de um termo resolutivo, produz um irremediável efeito extintivo, por caducidade, sobre os efeitos do dito acto administrativo. Como a doutrina vem entendendo, «um acto administrativo extingue-se por caducidade quando decorreu o prazo estabelecido para a produção dos seus efeitos» (cfr. JORGE ANDRADE DA SILVA, apud, SARA YOUNIS AUGUSTO DE MATOS, Eficácia e Caducidade no Direito Administrativo Comum, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, volume II, Lisboa, 2016, p. 415).
  Sendo isto assim, fácil será concluir, parece-nos, o seguinte: constituindo a revogação um acto secundário de tipo desintegrativo, por isso que visa a destruição dos efeitos de um acto administrativo anterior (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 103), a sua validade pressupõe, desde logo, a existência na ordem jurídica, do acto administrativo sobre o qual se vão projectar os efeitos extintivos. Por isso, quando falta o acto primário não poderá deixar de se concluir pela ocorrência de uma situação de impossibilidade jurídica do objecto do acto secundário.
  Isto dito. Resulta dos autos que:
  (§) o acto administrativo de autorização de residência temporária dos Recorrentes em Macau caducou pelo decurso do tempo no dia 18 de maio de 2019, numa altura em que os mesmos já haviam completado 7 anos consecutivos de titularidade do estatuto de residente não permanente de Macau e, portanto, sem que tenha sido requerida (e, portanto, sem que tenha sido concedida) a renovação da autorização temporária;
  (§) o acto recorrido, revogatório desses actos de autorização de residência, foi praticado em 23 de junho de 2023.
  Deste modo, face ao que anteriormente deixámos dito, fácil se mostra concluir, estamos em crer, que a revogação visou produzir efeitos extintivos sobre um acto que já estava extinto, sofrendo, por isso, do vício gerador de nulidade a que alude a alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA.
  (ii.2)
  Esta conclusão é, aliás, confirmada pelo disposto no n.º 2 do artigo 128.º do CPA. Vejamos como.
  Segundo o preceituado naquela norma, «podem ser objecto de revogação com eficácia retroactiva os actos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem esgotados». Significa isto, a contrario, que, se a revogação não tiver eficácia retroactiva, ela não poderá ter por objecto actos que tenham caducado ou cujos efeitos se tenham esgotado. Compreende-se bem o sentido da norma, pois que ela visa permitir que, em relação a esses actos, se retire o suporte jurídico ao que deles ainda reste, no pressuposto, portanto, de que estejam em causa efeitos jurídicos do acto a revogar que ainda perdurem no tempo (veja-se, sobre isto, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, pp. 674-675).
  Acontece, no entanto, que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 133.º do CPA, a revogação, em regra, tem eficácia ex nunc, apenas produzindo, pois, efeitos para o futuro. A excepção a esta regra é, compreensivelmente, a de a revogação se fundar em invalidade do acto revogado (artigo 133.º, n.º 2 do CPA) ou, então, a que decorre de o efeito retroactivo ser atribuído pelo próprio autor do acto revogatório, o que, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 133.º do CPA, pode ocorrer quando esse acto seja favorável aos interessados, ou quando todos os interessados tenham concordado expressamente com a retroactividade dos efeitos e estes não respeitem a direitos ou interesses indisponíveis.
  Além disso, estando em causa no presente recurso contencioso, como seu objecto, um acto de revogação do acto de autorização de residência temporária que foi praticado ao abrigo da norma do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, em virtude da aplicabilidade subsidiária dessa Lei resultante do disposto no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, importa ter especialmente em conta, neste contexto, o teor do n.º 4 do referido artigo 43.º da citada Lei n.º 16/2021 (aí se preceitua: «[o] Chefe do Executivo pode fazer retroagir a eficácia da revogação de autorização de residência à data em que tenham ocorrido os factos que a fundamentam»). Como se pode ver, essa norma habilita expressamente o autor do acto revogatório, para além das hipóteses previstas no artigo 133.º do CPA, a fazer retroagir a eficácia da revogação de autorização de residência à data em que tenham ocorrido os factos que a fundamentam.
  Ora, na situação sub judice, nem o acto de revogação aqui impugnado se fundamentou na invalidade do acto revogado, nem o autor do acto revogatório determinou, nomeadamente ao abrigo da previsão habilitante contida naquele n.º 4 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, a eficácia retroactiva do mesmo. Por isso, não podendo a revogação, face ao disposto no n.º 2 do artigo 128.º do CPA, projectar os seus efeitos sobre o acto de autorização de residência entretanto extinto por caducidade, justifica-se conclusivamente a nossa asserção inicial no sentido de que ocorre uma impossibilidade jurídica do objecto do acto de revogação que constitui, por sua vez, objecto do presente recurso contencioso, a qual é implicante da respectiva nulidade nos termos previstos no artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do CPA (neste mesmo sentido, expressamente, de que a situação não é de proibição legal de revogação, mas, antes, de impossibilidade jurídica do objecto da revogação, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, Código…, p. 674).
  Com a conclusão que antecede ficará, ao que nos parece, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos Recorrentes face ao disposto no artigo 74.º, n.ºs 2 e 5 do CPAC.
  Neste mesmo sentido, e a propósito de situação idêntica, decidiu o Tribunal de Segunda Instância através do acórdão tirado no Processo n.º 297/2023.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente declaração de nulidade do acto recorrido.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado é impossível e consequentemente nulo nos termos da alínea c) do nº 2 do artº 122º do CPA, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas por inútil, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso declara-se nulo o acto impugnado.
  
  Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 13 de Junho de 2024
  
  Rui Pereira Ribeiro (Juiz Relator)
  Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Ho Wai Neng (Segundo Juiz-Adjunto)
  Mai Man Ieng (Procurador-Adjunto do Ministério Público)

662/2023 REC CONT 66