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Processo nº 158/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 20 de Junho de 2024

ASSUNTO:
- Condenação como litigante de má-fé


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 158/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Junho de 2024
Recorrente: A
Recorrida: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B, com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinária contra,
  A, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo a Autora que seja o Réu condenado a pagar-lhe o montante de HKD7.592.000,00 (sete milhões quinhentos e noventa e dois mil dólares de Hong Kong) a título de capital, assim como os juros vencidos e, bem assim, os juros vincendos, à taxa acordada de 18% ao ano.
  
  Proferida sentença foi a acção julgada procedente e em consequência, foi o Réu:
1. condenado a pagar à Autora o capital de HKD7.592.000,00;
2. condenado a pagar à Autora os juros de mora calculados com base no valor do capital de HKD8.592,000.00, à taxa de 18% ao ano, desde 19 de Junho de 2014 (dia de vencimento) até 15 de Janeiro de 2015;
3. condenado a pagar à Autora os juros de mora calculados com base no valor do capital de HKD7.592.000,00, à taxa de 18% ao ano, desde 16 de Janeiro de 2015 até à sua integral liquidação.
  
  Não se conformando com a sentença veio o Réu e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O recorrente não se conforma com a decisão proferida em 28 de Setembro de 2023 pelo Tribunal a quo, ou seja a “decisão recorrida”, cujo teor é o seguinte:
“V. Decisão
Pelo acima exposto, o presente Tribunal julga procedentes os fundamentos e pedidos da Autora, decidindo:
1. Condenar o Réu a pagar à Autora o capital de HK$7.592.000,00;
2. Condenar o Réu a pagar à Autora os juros de mora calculados com base no valor do capital de HK$8.592.000,00, à taxa de 18% ao ano, desde 19 de Junho de 2014 (dia de vencimento) até 15 de Janeiro de 2015;
3. Condenar o Réu a pagar à Autora os juros de mora calculados com base no valor do capital de HK$7.592.000,00, à taxa de 18% ao ano, desde 16 de Janeiro de 2015 até à sua integral liquidação.”
2. Entende o recorrente que a decisão recorrida padece do vicio de erro na aplicação da lei: Para a mesma matéria, existem dois eventuais “títulos executivos”, violando o princípio de “existência de dois títulos executivos idênticos para a mesma matéria”.
3. O presente processo tem origem numa relação de mútuo estabelecida em 4 de Junho de 2014 entre o recorrente e a autora, tendo esta fornecido ao recorrente as fichas de jogos no valor de HK$10.000.000,000 para jogar. Em 3 de Maio de 2016, a autora, junto do Tribunal Judicial de Base de Macau, intentou acção executiva sob o número de processo CV3-16-0089-CEO.
4. Isto quer dizer, uma vez definitiva a decisão recorrida do presente caso, vão aparecer dois títulos executivos resultantes da mesma relação jurídica entre a autora e o recorrente, sendo um pertencente essencialmente ao título executivo (art.º 677.º, al. c) do Código de Processo Civil) e o outro pertencente à “sentença condenatória” (art.º 677º, al. a) do Código de Processo Civil).
5. Segundo o entendimento do recorrente que, na jurisdição de Macau, vão aparecer dois “títulos executivos” de mesma natureza e situação jurídica quanto à recuperação civil contra o recorrente em dois processos civis ao mesmo tempo.
6. Evidentemente, tal situação viola o princípio de “existência de dois títulos executivos idênticos para a mesma matéria” e se mostra injusta para o recorrente.
7. Os interesses processuais também se sobrepõem, existindo uma recuperação duplicada contra o recorrente, violando o que é um julgamento para um caso e uma execução para uma decisão.

  Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, não apresentando, contudo, conclusões.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica a instalar, operar e gerir jogos de fortuna ou azar em casino, tendo outorgado em 19 de Dezembro de 2002 com o Governo da RAEM um contrato de Subconcessão para a exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou outros jogos em casino na Região Administrativa Especial de Macau (vd. fls. 17 dos autos) (al. A) dos factos assentes)
2. Para além dessa actividade de exploração e operação de jogos de fortuna e azar em casino, a Autora dedica-se também, acessoriamente, ao exercício da actividade de concessão de crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino na Região Administrativa Especial de Macau. (al. B) dos factos assentes)
- Facto provado obtido após a audiência de julgamento: (vd. fundamento do respectivo reconhecimento, a fls. 462 e 463v dos autos)
3. No âmbito dessa actividade acessória, a Autora celebrou com o Réu, em 4 de Junho de 2014, um contrato de concessão de crédito para jogo, denominado “B LIMITED CREDIT APPLICATION AGREEMENT”, tendo-lhe concedido crédito até ao montante de HK$20.00.000,00 (resposta ao facto por provar n.º1)
4. Ao abrigo do contrato de abertura de crédito supra referido, a Autora mutuou ao Réu, em 4 de Junho de 2014, a quantia de HK$10.00.000,00 através da transferência para a titularidade do Réu de fichas de jogo nesse valor, o que fez contra a assinatura de um documento designado por “marker” (resposta ao facto por provar n.º2)
5. O Réu usou o crédito concedido pela Autora nos casinos desta, jogando as fichas que lhe foram mutuadas. (resposta ao facto por provar n.º3)
6. A Autora, no dia 17 de Junho de 2014, procedeu à elaboração da conta final da visita efectuada pelo Réu aos seus casinos, tendo contabilizado a favor do Réu o valor de HK$1.408.000,00, por conta da comissão que era devida ao cliente, calculada por aplicação de uma taxa de 1,10% sobre o volume total de apostas, que foi de HK$128.000.000,00 (resposta ao facto por provar n.º4)
7. O saldo final do financiamento concedido pela Autora ao Réu é, abatido o valor da comissão lançada a favor do Réu, de HK$8.592.000,00 (resposta ao facto por provar n.º5)
8. Foi acordado que o Réu se obrigou a restituir à Autora, em singelo, a quantia mutuada no prazo de 15 dias a contar da data de disponibilização. (resposta ao facto por provar n.º6)
9. O Réu pagou à Autora, em 16 de Janeiro de 2015, por conta da sua dívida, a quantia de Hk$1.000.000,00 (resposta ao facto por provar n.º7)
10. Apesar dos insistentes contactos e interpelações da Autora, o Réu não liquidou ainda integralmente a sua dívida. (resposta ao facto por provar n.º8)
11. As partes acordaram que o valor mutuado venceria juros de mora à taxa de 18% ao ano (resposta ao facto por provar n.º9)
b) Do Direito

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «Cabe ao Tribunal analisar concretamente os factos dados como provados nos autos e aplicar a lei, a fim de resolver o litígio entre as partes.
  Segundo os factos dados como provados, a Autora, em 4 de Junho de 2014, concedeu ao Réu um empréstimo no valor de HK$10.000.000,00 e lhe entregou as fichas de jogo do mesmo valor, e o Réu já utilizou as respectivas fichas na aposta de jogo de fortuna. Resultou daí que entre as partes existe uma relação de mútuo prevista no art.º 1070.º e seguintes do Código Civil.
  Segundo o ponto 8 dos factos provados, tendo ambas as partes ajustado que deve o Réu restituir a quantia emprestada no prazo de 15 dias contado desde a obtenção do empréstimo. Além disso, segundo o ponto 7 dos factos provados, depois de descontado o valor da comissão a que tem o direito, o Réu ainda deve à Autora HK$8.592.000,00.
  Quanto ao valor de HK$8.592.000,00, nos termos do art.º 794.º, n.º2, al. a) do Código Civil, deve o Réu pagar à Autora os juros de mora à taxa de 18% ao ano, contados desde 19 de Junho de 2014 (dia de vencimento) até 15 de Janeiro de 2015 (vd. ponto 11 dos factos provados).
  Indica o ponto 9 dos factos provados que o Réu, posteriormente, em 16 de Janeiro de 2015 reembolsou à Autora HK$1.000.000,00 e uma vez que tal valor foi considerado directamente pela Autora como servir para reembolsar o capital, o capital foi reduzido para HK$7.592.000,00.
  De acordo com os factos provados nos autos, embora a Autora tenha interpelado o Réu por muitas vezes, o Réu ainda não liquidou integralmente a dívida. Pelo que deve o Réu ser condenado a pagar à Autora HK$7.592.000,00, acrescido de juros de mora à taxa de 18% ao ano.
  Com base nos fundamentos acima indicados, deve ser julgado procedente o pedido formulado pela Autora relativo aos juros de mora, condenando-se o Réu a pagar à Autora os juros de mora calculados com base no valor de HK$8.592.000,00, à taxa de 18% ao ano, desde 19 de Junho de 2014 (dia de vencimento) até 15 de Janeiro de 2015, bem como os juros de mora de HK$7.592.000,00 à taxa de 18% ao ano, desde 16 de Janeiro de 2015 até à sua integral liquidação.».
  
  Nas suas alegações e conclusões de recurso o único argumento invocado pelo Recorrente é a de que proferida esta decisão vão haver dois títulos executivos, esta decisão e um outro título executivo assinado pelo Recorrente com base no qual foi instaurada acção executiva.
  Esta questão foi já objecto de despacho proferido nestes autos a fls. 257/262, do qual foi interposto recurso para este Tribunal havendo sido proferido Acórdão a fls. 306 a 312, do qual por sua vez foi interposto recurso para o Tribunal de Última Instância onde foi proferido Acórdão que consta de fls. 364 a 393 julgando improcedente a excepção invocada pelo Réu e agora Recorrente quanto à impossibilidade desta acção porquanto a julgar-se procedente a acção poderia a Autora ficar com dois títulos executivos, ordenando-se o prosseguimento dos Autos.
  Destarte, a questão – a única questão – invocada em sede de recurso, não só não é objecto de discussão e decisão na sentença proferida a fls. 465 a 468 – e muito bem porque já estava definitivamente decidida -, como também, já foi decidida nestes autos por Acórdão do TUI transitado em julgado não sendo assim possível ser objecto de nova pronúncia.
  
  Assim sendo, são manifestamente improcedentes as conclusões de recurso não só porque os alegados vícios de que poderia enfermar a decisão recorrida nem nesta são objecto de decisão, como também, porque a questão já foi resolvida por decisão transitada em julgado.
  
  Da má-fé do Recorrente.
  O Recurso foi interposto com um fundamento que já havia sido objecto da contestação apresentada pelo Réu, agora Recorrente, e decidido definitivamente nestes autos pelo Venerando Tribunal de Última Instância.
  Assim, sendo foi deduzido recurso com argumento que não podia já ser invocado, situação esta que a parte não podia ignorar.
  Está assim preenchido o fundamento da alínea a) do nº 2 do artº 385º do CPC para se concluir que o Recorrente litigou com má-fé, havendo que ser condenado em multa nos termos do nº 1 do indicado preceito.
  Multa essa que nos termos do nº 2 do artº 100º do RCT, não sendo já a primeira condenação nestes autos, se fixa em 16 UC´s.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida, condenando-se o Recorrente como litigante de má-fé na multa de 16 UC´s.
  
  Custas a cargo do Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 20 de Junho de 2024
  
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Adjunto)



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