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Processo nº 207/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 27 de Junho de 2024

ASSUNTO:
- Erro de Julgamento.


____________________
Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 207/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 27 de Junho de 2024
Recorrente: A
Recorrida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, e
  C, todos com os demais sinais dos autos,
  vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinária contra,
  B, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo os Autores que:
1. Seja a Ré condenada a pagar à 1ª Autora a quantia de MOP4.045.669,73 acrescida de juros contados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
2. Seja a Ré condenada a pagar ao 2º Autor, a quantia de MOP500.000,00 acrescida “dos juros de mora que se vierem a vencer”, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

  Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, absolve-se a Ré do pedido formulado pelo 2º Autor, C, e condena-se a Ré, B, a pagar à 1ª Autora, A, a quantia de MOP2.476.271,43 (dois milhões, quatrocentas e setenta e seis mil, duzentas e setenta e uma patacas e quarenta e três avos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia de MOP2.126.271,43 desde a citação da Ré até integral pagamento e sobre a quantia de MOP350.000,00 desde a data da presente decisão até integral pagamento.
  
  Não se conformando com a sentença veio a 1ª Autora e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 03.11.2023, que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP$2.476.271,43, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia de MOP$2.126.271,43 desde a citação da Ré até integral pagamento e sobre a quantia de MOP$350.000,00 desde a data da sentença, apenas na parte em que não se pronunciou, relativamente aos danos indemnizáveis à Autora, quanto ao facto dado como provado na sentença sob o ponto nº 20 e que corresponde à resposta ao quesito 16º.
B. Na sentença sob recurso, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
12. Em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidade de utilização no serviço do restaurante, bebidas alcoólicas de vários tipos e marcas e vários produtos tradicionais chineses de quantidades não concretamente apuradas e de valor não concretamente determinado que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante. E em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidades de utilização no serviço do restaurante, vários peixes e mariscos que se encontravam dentro dos aquários, cujo valor, calculado com referência ao preço de aquisição ascende ao montante total de MOP$46.821,50, como se indica na relação que segue e que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante: (Q 8.º)
Quantidade
Designação
Preço unitário
Preço total
46 Kan
8 Caranguejos Rei (Doc. 68 e 69)
MOP$235,00
MOP$10.810,00
7 unidades
Trutas de coral (grandes) (doc. 68 e 69)
MOP$580,00
MOP$4.060,00
3.5 Kan
Barbos Cereja (doc. 68)
MOP$280,00
MOP$980,00
25 Kan
Lagosta da Austrália (doc. 69)
MOP$410,00
MOP$10.250,00
8 Kan
Lingueirão (doc. 70)
MOP$160,00
MOP$1.280,00
3.25 Kan
Garoupas (doc. 70)
MOP$630,00
MOP$2.047,50
3 unidades
Garoupas gigante (grandes) (doc. 70)
MOP$98,00
MOP$294,00
25 Libras
Almejas de sitón (doc. 70)
MOP$254,00
MOP$6.350,00
21 Kan
Tamarutacas (doc. 71)
MOP$350,00
MOP$7.350,00
10 Kan
Abalones (doc. 71)
MOP$340,00
MOP$3.400,00
TOTAL:
MOP$46.821,50
E em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidades de utilização no serviço do restaurante, uma tabuleta, um frigorífico, uma mesa e uma bomba de ar de aquário, cujo valor, calculado com referência ao preço de aquisição ascende ao montante total de MOP$13.203,93, como se indica na relação que segue e que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante:
Quantidade
Designação
Prelo unitário
Preço total
1 unidade
Armário/expositor (doc. 77)
MOP$4.800,00
MOP$4.800,00
1 unidade
Tabuleta RMB800 (1x1.2366) (doc. 78)
RMB800,00
MOP$989,28
1 unidade
Frigorífico (doc. 79)
RMB2.600,00
MOP$3.215,16
1 unidade
Mesa (área do aquário) (doc. 80)
RMB1.846,00
MOP$2.282,76
1 unidade
Bomba de ar (para o aquário) (doc. 81)
RMB1.550,00
MOP$1.916,73
TOTAL:
MOP13.203,93
16. Com as obras de reparação e rexonstrução, a Autora despendeu a quantia de MOP$1.092.600,00 (Q. 12.º)
17. Na colocação de novos aquários, em substituição dos antes existentes, a Autora despendeu a quantia de MOP$426.000,00 (Q 13.º)
19. Para o pagamento dos salários aos seus trabalhadores no período de inactividade supra referido, a Autora, entregou MOP$5.000,00 a cada um dos seus 23 funcionários, o que importou num total de MOP$115.000,00. (Q 15.º)
20. A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora aos mesmos de salários no valor global de MOP$905.768,00. (Q 16.º)
21. De renda mensal, das fracções “M” e “N” e de parque de estacionamento, nos meses de inactividade do estabelecimento, a Autora pagou ao senhorio a quantia total de MOP$393.000,00. (Q 17.º)
22. De encargos com água no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à D, a quantia de MOP$3.990,00. (Q18.º)
23. De encargos com electricidade no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à E, a quantia de MOP$32.280,00. (Q 19.º)
24. De encargos com telecomunicações no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à F (ou outra operadora), a quantia de MOP$3.376,00 (Q 20.º)
C. Ora, apesar de ter considerado provado que “A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora aos mesmos de salários no valor global de MOP$905.768,00”, na eleboração do quadro com os danos reclamados pela 1ª Autora, que consta da página 12 da sentença, sob a epígrafe “b. Os danos da 1ª Autora”, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” omitiu o dano reclamado pela 1ª Autora no montante de MOP$905.768,00 e que esta declarou ser devedora aos seus 23 funcionários de salários, para além do montante de MOP$5.000,00 que pagou a cada um deles.
D. Porém, não restam dúvidas de que este dano foi alegado e reclamado pela Autora (veja-se o artigo 29 da p.i.), que foi levado ao questionário (veja-se o quesito 16) e que teve como resposta ao quesito 16º que “A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora aos mesmos de salários no valor global de MOP$905.768,00”, como consta da sentença recorrida, no ponto 20 dos factos provados.
E. Donde que, e “prima facie”, incorreu o tribunal “a quo” num vício de omissão de pronúncia (artigo 571º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil) e cuja consequência é a nulidade, porquanto na tabela que consta da página 12 da sentença, como sendo dos danos reclamados pela 1ª Autora, não procedeu à inclusão do dano resultante das declarações de dívida feitas pela 1ª Autora a favor dos seus 23 funcionários, de salários no montante de MOP$905.768,00, nem mais se pronunciou sobre estes danos, que de facto que de direito, nomeadamente o serem ou não indemnizáveis.
F. Aliás, logo no parágrafo abaixo do quadro como sendo dos danos reclamados pela 1ª Autora, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” afirma que “Com excepção dos lucros, todos os restantes danos alegados pela 1ª Autora ficaram provados. Também ficou demonstrado o valor dos danos provados, com excepção do montante dos danos relativos às bebidas inutilizadas e aos produtos de gastronomia tradicional chinesa também inutilizados.”
G. Não restam dúvidas de que só não ficaram provados os lucros (MOP$905.365,30) e os montantes relativos a bebidas inutilizadas e a produtos de gastronomia tradicional chinesa também inutilizados.
H. No entanto, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidiu que “Quanto aos danos cujo valor ficou provado, procede integralmente a pretensão indemnizatória (MOP$2.126.271,43)” – veja-se o 1º parágrafo da página 13 da sentença.
I. Só que este montante de MOP$2.126.271,43, é o resultado da soma dos valores constantes dos factos dados como provados sob os nºs 12 (46.821,50 e 13.203,93), 16 (1.092.600,00), 17 (426.000,00), 18 e 19 (115.000,00), 21 (393.000,00), 22 (3.990,00), 23 (32.280,00) e 24 (3.376,00), e que constavam da tabela de folhas 12, tendo deixado de fora:
c) Além dos valores reclamados pela Autora relativos a bebidas (751.653,00) e a produtos de gastronomia chinesa (147.380,00) relativamente aos quais, apesar de constarem da referida tabela como reclamados pela Autora, não resultou provado o valor exacto destes, apesar de indemnizáveis, como vieram a ser, embora com recurso à equidade para determinar o seu quantum indemnizatório;
d) ainda o valor das declarações de dívidas feitas pela 1ª Autora a favor dos 23 trabalhadores, de salários no montante total de MOP$905.768,00, que havia sido dado como provado;
J. Só que, quanto a este último dano (as declarações de dívida), nunca mais a sentença recorrida se lhe referiu, nem o fez constar da tabela que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” elaborou como sendo dos danos reclamados, o que só se concebe por erro ou omissão do Meritíssimo Juiz.
L. Pois que, se tal montante tivesse sido integrado na tabela dos danos reclamados pela 1ª Autora, como deveria ter sido, - já que consta dos factos dados como provados – o montante indemnizatório pelos danos cujo valor ficou provado, referido no 1º parágrafo da página 13 da sentença, teria sido de MOP$3.032.039,43 e não MOP$2.126.271,43, ao que acresceria o montante fixado na sentença de MOP$350.000,00 pelos danos referentes a inutilização de bebidas e géneros alimentares de gastronomia tradicional chinesa.
M. E, quanto a esta quantia de MOP$905.768,00 de salários que a Autora se declarou devedora aos seus 23 funcionários, não restam dúvidas que existe nexo de causalidade com o acidente, pois que, tanto as MOP$5.000,00 que pagou a cada um dos seus 23 trabalhadores como o restante de que se declarou devedora aos mesmo, estão relacionadas e diziam respeito a dívida de salários aos trabalhadores que a Autora não despediu para puder voltar a laborar o mais rápido possível – veja-se neste sentido o acórdão do TUI Processo nº 41/2016;
N. Até porque foi também dado como provado que “.. a Autora procedeu às obras de reparação e reconstrução dos danos provocados pelo embate do autocarro no seu restaurante, e com vista a não se ver obrigada a proceder a despedimentos ou ao encerramento definitivo do estabelecimento” – resposta ao quesito 9º.
O. Mesmo não sendo um dano directamente provocado pelo embate do autocarro no estabelecimento de comidas, é um dano indirectamente provocado por tal embate – neste sentido veja-se o acórdão do STJ nº 08ª3747 de 13-01-2009, disponível em www.dsi.pt/.
P. Não podem restar dúvidas que a Autora apenas se constituiu devedora para com os seus 23 funcionários da quantia de MOP$905.768,00 como salários, pois, para não despedir funcionários nem encerrar definitivamente o estabelecimento – resposta ao quesito 9º -, a Autora manteve todos os funcionários ao seu serviço, ficando obrigada a pagar-lhes os salários, daí que tenha declarado ser devedora aos mesmos de salários naquele valor – resposta ao quesito 16º.
Q. Ora, não tendo o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre uma questão que lhe foi posta e devia apreciar, que era o facto da Autora se ter declarado devedora aos seus 23 funcionários, de salários no montante de MOP$905.768,00, para além de o referir no facto provado sob o ponte 20 da sentença, enferma a sentença do tribunal “a quo” no vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 571º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
R. Por mera cautela de patrocínio, e com fundamento em tudo quanto acima se encontra alegado, para a hipótese de se entender não existir omissão de pronúncia, invoca ainda a Autora o erro de julgamento na aplicação de direito e violação de lei, designadamente o disposto no artigo 562º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, por o Tribunal “a quo” ter ignorado, na sentença, não aplicando o direito ao facto considerado provado no ponto 20 (resposta ao quesito 16), qual seja o dano resultante das declarações de dívida feitas pela Autora a favor dos seus 23 funcionários, a título de salários, no montante de MOP$905.768,00.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente nos termos supra referidos e, em consequência, ser reconhecido que houve omissão de pronúncia do Tribunal “a quo” sobre o facto dado como provado sob o nº 20, declarando a nulidade da sentença do Tribunal “a quo” por violação do disposto no artigo 571º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil ou, caso assim não se entenda, que seja reconhecido que a douta sentença do Tribunal “a quo”, enferma de vício de erro de julgamento e violação de lei, designadamente o artigo 562º, nºs 2 e 3, também do Código de Processo Civil, revogando-a e substituindo-a por outra que, além da condenação já proferida, também condene a Ré, no pagamento à Autora do dano resultante das declarações de dívida feitas pela Autora a favor dos seus 23 funcionários, a título de salários, no montante de MOP$905.768,00, assim se fazendo a costumada Justiça
  Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1) Andou bem o douto Tribunal a quo ao não contabilizar, porque não devido, o valor de MOP$905.768,00 no montante que atribuiu, a final, à Autora e ora Recorrente.
2) Apesar de ter sido considerado provado, através dos documentos juntos, que a Autora e ora Recorrente se constituiu devedora perante os seus empregados no valor de MOP$905.768,00, não ficou provado qualquer nexo causal entre tal constituição de dívida e o acidente discutido nos presentes autos.
3) Cabe à Autora e ora Recorrente fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, no respeito do princípio do ónus da prova ínsito no artigo 335º do CC.
4) A conclusão do douto Tribunal a quo é clara a este respeito – foram efectivamente apresentados documentos comprovativos da constituição de dívida, no entanto não foi provado o nexo causal com o acidente, pelo que, a final, tal montante não foi tido em conta.
5) Inexistindo qualquer erro, contradição ou vício que afecte o conteúdo da decisão do douto Tribunal a quo, requer-se desde já, como a final, a Vossas Excelências se dignem julgar totalmente improcedente o recurso apresentado, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
  
  Foram colhidos os vistos.
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A 1ª Autora é uma sociedade comercial por quotas registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis com o n.º XXX, e que explora o estabelecimento de restauração denominado XXX, com licença n.º XXX, localizado na XXX, Taipa.
2. O 2º Autor é sócio maioritário e administrador da 1ª Autora.
3. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de seguros (cuja certidão do registo comercial protesta juntar se necessário) e para a qual a G, sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis com o n.º XXX, com sede em Macau, XXX.
4. A proprietária do autocarro de passageiros da carreira n.º 33, com a matrícula MX-41-XX, a G, transferiu a responsabilidade civil pelos danos causados pela utilização do autocarro de passageiros referido para a Ré, através de contrato de seguro válido no dia 7.11.20, titulado pela apólice n.º LFH/2020/000088, tudo conforme Doc. de fls.242 e seguintes, 280 a 284 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, incluindo o teor da cláusula 10º n.1 al.b) constante de fls.284.
5. No dia 7 de Novembro de 2020 (sábado), o autocarro de passageiros com a matrícula MX-41-XX, propriedade da G, conduzido pelo seu motorista H, encontrava-se a circular na Rua Correia da Silva, fazendo o percurso da carreira n.º 33 entre o Fai Chi Kei e a Estrada Governador Albano de Oliveira, na Taipa.
6. O condutor do veículo referido em E), por volta das 12.00 horas, após ter passado na paragem T323 na Rua Correia da Silva, na Taipa, e quando se dirigia na sua condução para a Rua do Regedor, não o controlou e embateu de frente no restaurante XXX, localizado na XXX, Taipa. (Q 1.º)
7. A parte da frente do autocarro entrou toda dentro do restaurante. (Q 2.º)
8. Do embate resultaram sete feridos, entre os quais um em estado grave – um funcionário do Estabelecimento, de 33 anos de idade, do Interior da China – que sofreu múltiplas lacerações, hemorragias e fraturas de costelas. (Q 3.º)
9. Na altura do acidente as condições atmosféricas eram boas, o pavimento da rua encontrava-se seco e em boas condições utilização, sem quaisquer manchas de óleo que pudessem potenciar o acidente. (Q 4.º)
10. A luminosidade no local era boa e o trânsito era pouco, fluindo com facilidade. (Q 5.º)
11. Em resultado dos danos provocados pelo embate referido, o restaurante XXX, até que fossem reparados os danos provocados, permaneceu fechado. (Q 6.º)
12. Em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidades de utilização no serviço do restaurante, bebidas alcoólicas de vários tipos e marcas e vários produtos tradicionais chineses de quantidades não concretamente apuradas e de valor não concretamente determinado que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante. E em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidades de utilização no serviço do restaurante, vários peixes e mariscos que se encontravam dentro dos aquários, cujo valor, calculado com referência ao preço de aquisição ascende ao montante total de MOP$46.821,50, como se indica na relação que segue e que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante: (Q 8.º)
Quantidade
Designação
Preço unitário
MOP
Preço total
MOP
46 Kan
8 Caranguejos Rei (doc. 68 e 69)
235,00
10.810,00
7 unidades
Trutas de coral (grandes) (doc. 68 e 69)
580,00
4.060,00
3.5 Kan
Barbos Cereja (doc. 68)
280,00
980,00
25 Kan
Lagosta da Austrália (doc. 69)
410,00
10.250,00
8 Kan
Lingueirão (doc. 70)
160,00
1.280,00
3.25 Kan
Garoupas (doc. 70)
630,00
2.047,50
3 unidades
Garoupas gigante (grandes) (doc. 70)
98,00
294,00
25 Libras
Almejas de sitón (doc. 71)
254,00
6.350,00
21 Kan
Tamarutacas (doc. 71)
350,00
7.350,00
10 Kan
Abalones (doc. 71)
340,00
3.400,00
TOTAL
46.821,50
E em resultado do embate ficaram totalmente destruídos e sem possibilidades de utilização no serviço do restaurante, uma tabuleta, um frigorífico, uma mesa e uma bomba de ar de aquário, cujo valor, calculado com referência ao preço de aquisição ascende ao montante total de MOP$13.203,93, como se indica na relação que segue e que a Autora teve necessidade de repor para o normal funcionamento do restaurante:
Quantidade
Designação
Preço unitário
Preço total
1 unidade
Armário/expositor (doc. 77)
MOP$4.800,00
MOP$4.800,00
1 unidade
Tabuleta RMB800 (1x1.2366) (doc. 78)
RMB800,00
MOP$989,28
1 unidade
Frigorífico (doc. 79)
RMB2.600,00
MOP$3.215,16
1 unidade
Mesa (área do aquário) (doc. 80)
RMB1.846,00
MOP$2.282,76
1 unidade
Bomba de ar (para o aquário) (doc. 81)
RMB1.550,00
MOP$1.916,73
TOTAL
MOP$13.203,93
13. Na falta de acordo com a ré, a Autora procedeu às obras de reparação e reconstrução dos danos provocados pelo embate do autocarro no seu restaurante, e com vista a não se ver obrigada a proceder a despedimentos ou ao encerramento definitivo do estabelecimento. (Q 9.º)
14. Para a realização das obras de reparação e reconstrução a Autora contratou a XXX e para a instalação dos aquários contratou a XXX. (Q 10.º)
15. As obras supra referidas ficaram concluídas em 15 de Janeiro de 2021, tendo o restaurante aberto de novo ao público em 16 de Janeiro de 2021. (Q 11.º)
16. Com as obras de reparação e reconstrução, a Autora despendeu a quantia de MOP$1.092.600,00. (Q 12.º)
17. Na colocação de novos aquários, em substituição dos antes existentes, a Autora despendeu a quantia de MOP$426.000,00. (Q 13.º)
18. Durante todo o tempo em que o restaurante esteve encerrado, ou seja desde a data do acidente até à conclusão das obras e reabertura do restaurante, em 16 de Janeiro de 2021, mesmo sem ter quaisquer receitas, a Autora assumiu o pagamento de MOP$5.000,00 dos salários aos seus funcionários, e continuou a pagar a renda mensal ao senhorio, bem como os demais encargos com água, electricidade, telecomunicações e outras despesas fixas. (Q 14.º)
19. Para o pagamento dos salários aos seus trabalhadores no período de inactividade supra referido, a Autora, entregou MOP$5.000,00 a cada um dos seus 23 funcionários, o que importou num total de MOP$115.000,00. (Q 15.º)
20. A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora aos mesmos de salários no valor global de MOP$905.768,00. (Q 16.º)
21. De renda mensal, das fracções “M” e “N” e de parque de estacionamento, nos meses de inactividade do estabelecimento, a Autora pagou ao senhorio a quantia total de MOP$393.000,00. (Q 17.º)
22. De encargos com água no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à D, a quantia de MOP$3.990,00. (Q 18.º)
23. De encargos com electricidade no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à E, a quantia de MOP$32.280,00. (Q 19.º)
24. De encargos com telecomunicações no período de inactividade do restaurante, a Autora pagou à F (ou outra operadora), a quantia de MOP$3.376,00. (Q 20.º)
25. Após a colisão do autocarro com o estabelecimento de restauração de que a 1ª Autora é proprietária, e até que o mesmo fosse reconstruído e voltasse a funcionar, o 2º Autor viu a sua rotina diária ser interrompida, instalando-se nele um sentimento de incerteza quanto à continuação da actividade comercial do seu estabelecimento no futuro. (Q 23.º)
26. No próprio dia do embate e nos dias que se seguiram até ver o restaurante de novo a laborar, o 2º Autor sofreu transtorno, preocupação e insatisfação. (Q 24.º)

b) Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«i. obrigação de indemnizar.
  Atento o pedido e a causa de pedir que lhe serve de fundamento temos que se baseia na responsabilidade civil por acto ilícito a pretensão dos autores de ver constituída na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar.
  São cinco os prossupostos desta obrigação de indemnizar (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade). Com efeito, dispõe o art. 477º, nº 1 do CC. que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da violação”.
  A ilicitude consiste numa actuação contrária ao direito e provou-se que o estabelecimento comercial da 1ª autora foi atingido pelo veículo pesado de passageiros quando circulava na via pública contígua e dela saiu indo embater no restaurante situado na mesma rua (pontos 5. a 8. da factualidade provada). Ora, o veículo interveniente no acidente não podia passar por cima do passeio e ir embater na construção lateral da via pública, pois os arts. 18º e 20º da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei nº 3/2007), que disciplinam a posição a ocupar pelos veículos automóveis na via pública e a travessia de passeios pelos mesmos, impõem-lhe que ocupe na via a faixa de rodagem e que conserve distância das bermas e passeios que lhe permita evitar acidentes. Conclui-se, pois, que o condutor do veículo segurado na ré agiu de forma ilícita ou contrária à lei.
  A culpa presume-se da ilicitude quando nada se conhece que permita evitar um juízo de censura por não se ter agido de forma lícita1. Como nos encontramos no campo dos acidentes de viação, quando ocorre violação de lei ou de regulamentos estradais, a mera culpa traduz-se nessa violação, dispensando-se a prova em concreto - presunção “iuris tantum” - desde que o acidente seja um daqueles que a norma violada pretende evitar. Ora, ocorre que as normas da Lei do Trânsito Rodoviário que regulam a posição a ocupar na via destinam-se precisamente a evitar a ocorrência de acidentes como o dos autos. Acresce que se provou que o acidente ocorreu porque o condutor do veículo não o controlou e não se provou que a falta de controle se tivesse ficado a dever a falha mecânica (resposta negativa dada ao quesito 26º). Ora, sendo a culpa em matéria de responsabilidade civil um juízo de censura dirigido a um agente com capacidade para entender e querer que, por não ter actuado com a diligência com que actuaria no seu lugar um bom pai de família, praticou um acto ilícito em vez de ter praticado um acto lícito alternativo, possível e devido (arts. 481º, nº 1 e 480º, nº 1 do CC), afigura-se claro que ao condutor do veículo causador do acidente deve ser dirigido tal juízo de culpa por não ter conduzido, como devia, sem sair do local da via que lhe estava destinado por lei.
  O dano e o nexo de causalidade entre este e o acidente são evidentes e quase dispensam considerações. Com efeito, os bens destruídos no restaurante e os incómodos sofridos pelo 2º autor são inegavelmente danos e resultaram do acidente que é perfeitamente idóneo a produzi-los (art. 557º CC).
  Conclui-se, pois que todos os pressupostos da obrigação de indemnizar se verificam em relação ao condutor do referido veículo pesado de passageiros. Ora, como a responsabilidade deste se encontra transferida para a ré por contrato de seguro e este contrato configura um contrato a favor de terceiro em que o terceiro adquire direito à prestação independentemente de aceitação (art. 438º, nº 1 do CC), há que concluir que a ré deve indemnizar.
  ii. Dos danos indemnizáveis.
  Cabe agora quantificar os danos dos autores que devem ser ressarcidos, isto é, cabe calcular o montante da indemnização a cargo da ré.
a. Os danos do 2º autor.
  Os danos que o autor reclama são danos não patrimoniais (incómodos anímicos decorrentes da destruição parcial do estabelecimento pertencente à sociedade de que o 2º autor é sócio e administrador).
  Estes danos do 2º autor são indemnizáveis em duas situações:
  - Se decorrerem da violação de um direito do 2º autor ou se decorrem da violação de disposição legal destinada a proteger interesses do próprio 2º autor (art. 477º, nº 1 do CC);
  - Se forem de gravidade que mereça tutela do direito (art. 489º, nº 1 do CC) 2.
  No caso em apreço nenhum dos referidos critérios de ressarcibilidade de verifica. Com efeito, nenhum direito subjectivo do segundo autor foi violado com a conduta ilícita do condutor do veículo causador do acidente, pois que apenas foi atingida a propriedade da 1ª autora. Também as normas legais violadas pelo referido condutor destinam-se a proteger a segurança rodoviária, ou seja, os bens pessoais e patrimoniais dos utentes da via pública, mas não se destinam a proteger a integridade moral de terceiros não utentes da via, como é o caso do 2º autor (não da 1ª autora que é a proprietária de um estabelecimento comercial situado na rua onde ocorreu o acidente). Ora, só a violação de direitos subjectivos e a ofensa de interesses juridicamente protegidos pela noma violada geram responsabilidade civil aquiliana, o que não se verifica em relação ao autor, terceiro em relação ao direito subjectivo ofendido e terceiro em relação aos interesses protegidos pelas normas que foram violadas34.
  Também os danos do 2º autor não são de gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, pois que se provou apenas que viu a sua rotina diária interrompida, sentiu incerteza quanto à continuação da actividade comercial do seu estabelecimento e sofreu transtorno, preocupação e insatisfação.
  O 2º autor é empresário, tal como se identificou na petição inicial, e é sócio da 1ª autora, pelo que o aumento de risco a que foi sujeita a sua actividade comercial em consequência do acidente apenas terá aumentado a preocupação inerente à actividade empresarial. E tal aumento não se reveste de gravidade que imponha a proteção do direito sob pena de causar sentimento de injustiça.
  Conclui-se, pois que os danos sofridos pelo 2º autor não são indemnizáveis.
b. Os danos da 1ª autora.
  A 1ª autora reclama os seguintes danos:
1- Em bens de consumo inutilizados:
MOP
Bebidas
751.653,00
Peixes e mariscos
46.821,50
Produtos de gastronomia tradicional
147.380,00
2 - Em equipamentos destruídos:

Móveis e bomba de ar
13.203,93
Aquários
426.000,00
3 – Despesas em período de inactividade:

Com salários
115.000,00
Com rendas
393.000,00
Com consumo de água
3.990,00
Com consumo de electricidade
32.280,00
Com serviços de telecomunicações
3.376,00
4 – Despesas com obras de construção civil
1.092.600,00
5 – Lucros não obtidos
905.365,30
  Com excepção dos lucros, todos os restantes danos alegados pela 1ª autora ficaram provados. Também ficou demonstrado o valor dos danos provados, com excepção do montante dos danos relativos às bebidas inutilizadas e aos produtos de gastronomia tradicional chinesa também inutilizados.
  Quando ao dano não provado (perda de lucros de MOP905.365,30) improcede a pretensão da 1ª autora por falta de prova do dano em causa.
  Quanto aos danos cujo valor ficou provado, procede integralmente a pretensão indemnizatória (MOP.2.126.271,43).
  Quanto aos danos que se provaram, mas cujo valor não ficou demonstrado deve este valor ser fixado segundo juízos de equidade dentro dos limites que se provaram (art. 560º, nº 6 do CC).
  A equidade não é um critério material de decisão. É um critério formal. É a justiça do caso concreto. E por isso é que o art. 489º, nº 3, por referência ao art. 487º, manda atender na avaliação dos danos não patrimoniais ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso. A lei ao fornecer a equidade como critério decisor para determinar o montante da indemnização quis evitar o critério de decisão do ónus da prova. Assim, o lesado continua a ter que provar os factos que revelem a existência de danos e que permitam a sua avaliação segundo juízos de equidade (tem que provar o dano mas não o seu montante).
  O recurso à equidade, nas apuradas ideias de Aristóteles (Ética a Nicómaco, Livro V, Cap. X) funciona como a medição com uma régua maleável. Esta régua, pela sua falta de rigidez comum às réguas normais, permite medir objectos de contornos irregulares. Permite que o caso concreto mostre a sua justiça que escapa aos critérios cristalizados nas normas jurídicas.
  Nos termos do disposto no art. 560º, nº 6 do CC, o juízo de equidade é feito pelo tribunal “dentro dos limites que tiver por provados”. Isto é, o juízo de equidade não é um juízo arbitrário, mas feito dentro das balizas amplas e complacentes que puderem ser fixadas como provadas. Nesta matéria é de ponderar que os factos demonstram que o acidente, consistindo no choque frontal de um veículo pesado de passageiros contra a entrada de um restaurante, tendo o veículo entrado parcialmente para o interior do restaurante, foi um acidente de grande violência e grande capacidade para danificar os frágeis objectos em causa, bebidas e géneros alimentares. Tem também se ser ponderado tudo o que consta dos autos e que revela o caos em que ficou o restaurante. Também intervêm as regras da experiência que há bebidas e géneros alimentares cujo preço é considerável. E não pode o tribunal deixar de considerar que as dificuldades de prova da autora merecem alguma complacência, pois que se viu “abalroada” de surpresa e que não lhe seria fácil identificar o número dos objectos danificados, especialmente as garrafas de vidro despedaçadas. É também de ponderar que o acidente decorreu há três anos e que durante esse período a 1ª autora não foi ressarcida.
  Na falta de outros elementos, não podendo cair-se no arbítrio e tendo o dever de decidir (art. 7º do CC), pelo recurso à equidade, que não poderá deixar de considerar que a autora foi severamente perturbada na sua vida comercial normal, embora em tempos em que se fez sentir a influência da pandemia designada por COVID-19, o tribunal entende fixar em MOP.350.000,00 (trezentas e cinquenta mil Patacas) o montante dos danos sofridos pela 1ª autora consubstanciados na inutilização de bebidas e de géneros alimentares de gastronomia tradicional chinesa, valor este que se reporta em actualização ao encerramento da discussão em primeira instância.
  Uma palavra em relação às obras e às rendas.
  Já atrás se concluiu pela existência de nexo de causalidade, porém cumpre analisar ainda o seguinte. Uma vez que o estabelecimento comercial da 1ª autora era arrendado, as despesas com obras de construção poderiam configurar um dano do proprietário. Porém, considerando a relevância decorativa dos estabelecimentos comerciais como o da autora e considerando ainda que as partes não questionaram, o tribunal nada vê que obste a que seja considerado dano indemnizável da 1ª autora, nem vê razões para questionar eventual sub-rogação da 1ª autora nos direitos do proprietário relativos a eventuais danos sofridos.
  Também as rendas não eram devidas no tempo em que o senhorio esteve impossibilitado de facultar o gozo do locado à 1ª autora. Mas também aqui o tribunal não vê razões para recusar atender ao dano da 1ª autora, quer pelo interesse desta na conservação do locado, quer em sede de eventual sub-rogação.
  iii. Da indemnização moratória.
  Nesta sede as partes não questionam que sejam devidos juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.
  Assim é, sem necessidade de especiais considerações, em face da clareza do disposto nos arts. 794º e 795º do CC.
  No entanto, no que diz respeito à parte da obrigação de indemnizar fixada com base em juízos de equidade, é ela ilíquida atá ao momento da sua fixação.
  A mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo).
  O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor.
  Conclui-se, pois, que em relação à parte líquida da obrigação de indemnizar devem os juros contar-se desde a citação e que quanto à parte ilíquida devem contar-se desde o momento da liquidação.».
  
  O fundamento de recurso invocado assenta na alegada omissão de pronúncia por na decisão recorrida não se ter contabilizado o dano reclamado pela Autora no montante de MOP905.768,00 resultante da declaração desta de ser devedora aos seus 23 funcionários de salários para além do montante de MOP5.000,00.
  Contra-alegando vem a Recorrida em síntese invocar que não ficou provado o nexo de causalidade entre este alegado dano e o facto ilícito.
  
  Vejamos então.
  
  A alegada omissão de pronúncia resulta da resposta dada ao quesito 16º a qual consiste em:
  «A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora aos mesmos de salários no valor global de MOP$905.768,00.».
  Repare-se contudo, que a redacção da resposta a este quesito vem no seguimento da resposta dada ao quesito 15º na qual se dizia:
  «Para o pagamento dos salários aos seus trabalhadores no período de inactividade supra referido, a Autora, entregou MOP$5.000,00 a cada um dos seus 23 funcionários, o que importou num total de MOP$115.000,00.».
  Destarte, quando na resposta ao quesito 16º se diz “A Autora além do pagamento de MOP$5.000,00 que fez a cada um dos seus 23 funcionários declarou ainda ser devedora (…)” estamos manifestamente a reportar à situação descrita na resposta dada ao quesito anterior, a qual sem sombra de dúvida se reporta ao período de inactividade em consequência do acidente.
  Entendimento este ainda reforçado pela circunstância do quesito 16º iniciar com reticências o que impõe que se entenda que é feito no seguimento da redacção do anterior.
  Mas se tal não fosse bastante para concluir pela relação entre os salários de que a Autora/Recorrente se diz devedora e o período de inactividade, consequência do acidente, dúvidas não subsistem ao se recorrer à fundamentação do tribunal recorrido quanto à resposta dada ao quesito 16º - veja-se fls. 488 – onde a mesma resulta dos documentos a fls. 178 a 200, dos quais consta que os salários de que a Autora/Recorrente se declarou devedora relativamente aos seus 23 funcionários se reportam ao período de inactividade após o acidente de 07.11.2020, sendo certo que foram todas emitidas em 02.01.2021, havendo sido dado como provado que o restaurante reabriu em 16.01.2021.
  Assim sendo, se não fosse já bastante a conjugação dos quesitos 15º e 16º e das respostas que lhe foram dadas, os documentos existentes nos autos e que fundamentaram a decisão do tribunal não deixam margem para outra interpretação.
  
  No cálculo dos danos na decisão recorrida consta um quadro onde se elenca todos os montantes reclamados a título de danos, esclarecendo-se após quais os que se provaram e os não provados, partindo daí para o apuramento do valor da indemnização.
  Nesse quadro nada se diz quanto a este reclamado dano de salários de que a Autora/Recorrente se declarou devedora.
  Tendo-se dado como provado que a Autora emitiu tal declaração, sendo ela referente ao período de inactividade consequência do acidente a que se reportam os autos, pelas razões invocadas na decisão recorrida havia o mesmo de ter sido contabilizado no cálculo da indemnização, sendo alheio a estes autos se a Autora pagou ou não efectivamente esse valor uma vez que o pagamento respeita a relações jurídicas com terceiros, sendo que a obrigação resulta de salários que são devidos aos seus trabalhadores referentes ao período de inactividade consequência do acidente e a cujo pagamento a Autora/Recorrente se obrigou.
  Destarte, impõe-se concluir que houve um erro de cálculo no valor da indemnização em face da factualidade apurada e os fundamentos de direito em que se baseia a decisão recorrida, havendo que acrescer aos danos cujo valor ficou provado e que antes se contabilizou em MOP2.126.271,43 o montante de MOP905.768,00 passando este valor a ser de MOP3.032.039,43, com a consequente correcção do valor global da indemnização.
  Contudo, entendemos não proceder a invocada nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 571º do CPC uma vez que o que há é um erro nos pressupostos de facto da decisão por omissão de contabilização de um factor que influenciaria no cálculo do montante dos danos, mas não porque o juiz haja omitido a apreciação de questão que tivesse de conhecer.
  Sobre esta matéria, bastante discutida e analisada na Doutrina e Jurisprudência é assente que o conceito de “questões” está directamente relacionado com o pedido, a causa de pedir e as excepções invocadas pelas partes, que não tendo ficado prejudicadas pela apreciação de outras conduzam à decisão da acção.
  Contudo, com tal não se confunde a consideração, inclusão ou não, nos fundamentos da decisão de todos os factos que hajam sido provados, pois da excessiva ou omissão desconsideração destes o que poderá resultar é um erro nos pressupostos de facto que fundamentam a decisão, mas não há um excesso ou omissão de apreciação das questões que foram colocadas ao tribunal como fundamento da acção (causa de pedir) e que urge decidir.
  Sobre esta matéria é esclarecedor em Jurisprudência comparada o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal proferido no processo nº 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 de 11.10.2022, onde se diz:
  «Preceitua o citado artº. 615º, nº. 1 al. d), do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso).
  Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).
  Preceito legal esse que deve ser articulado com o nº. 2 no artº. 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sublinhado nosso)
  Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro (o que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
  Como constitui communis opinio, o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já acima deixámos referido, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.” e Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processos Civil, 6ª. Ed. Atualizada, Almedina, pág.136.”).».
  
  Destarte, com base nos fundamentos de direito constantes da decisão recorrida os quais aqui damos por reproduzidos, concluindo pelo erro de julgamento daquela por não ter atendido no cálculo da indemnização devida a todos os factos dados por assentes, impõe-se alterar o quanto indemnizatório antes fixado em MOP2.126.271,43 referente aos danos cujo valor ficou provado, acrescendo-lhe o montante de MOP905.768,00, passando este valor a ser de MOP3.032.039,43, com a consequente correcção do valor global da indemnização.
  
  Decidindo-se em conformidade impõe-se dar provimento ao recurso.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso condena-se a Ré, B, a pagar à 1ª Autora, A, a quantia de MOP3.382.039,43 (três milhões, trezentas e oitenta e duas mil e trinta e nove patacas e quarenta e três avos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia de MOP3.032.039,43 desde a citação da Ré até integral pagamento e sobre a quantia de MOP350.000,00 desde a data da presente decisão até integral pagamento, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 27 de Junho de 2024
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Fong Man Chong
  (1º Adjunto)
  
  Ho Wai Neng
  (2º Adjunto)
  

1 Acs. Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 3.3.90, Boletim do Ministério da Justiça nº 395, pág. 534; do Tribunal da Relação de Coimbra de 31.10.90, Colectânea de Jurisprudência, nº XV, tomo IV, pág. 101 e de 21.9.93, CJ, XVIII, IV, 37 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.1.87, CJ, XII, I, 91.
2 No sentido de a indemnização por danos patrimoniais de terceiros depender apenas da gravidade dos danos e não também da violação de direito subjectivo do lesado ou da violação de interesse protegido do mesmo lesado, Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, II Volume, Indemnização dos Danos Reflexos, 2ª edição, p. 80 a 94.
3 Cfr. Vaz Serra, BMJ, nº 86º, p. 103, nº 92º, p. 67 e segs. e nº 93º, p. 11.
4 Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, p. 305 e 306 defende que só a violação da norma que protege directamente interesses pode gerar responsabilidade civil aquiliana e já não a violação da norma que protege apenas reflexamente os interesses ofendidos.
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207/2024 CÍVEL 1