Tribunal Administrativo da Região Administrativa Especial de Macau
Recurso Contencioso Administrativo n.º TA-24-3183-ADM
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SENTENÇA
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Processo n.º:TA-24-3183-ADM
I. Relatório
Recorrente 甲服務有限公司, melhor id. nos autos,
interpôs o presente recurso contencioso administrativo contra
Entidade Recorrida Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, que, pelo seu despacho exarado na Proposta n.º XXX/DGT/2024 datada de 4/1/2024, decidiu indeferir o recurso hierárquico necessário interposto pela Recorrente, com a manutenção do acto de exclusão da proposta, praticado pela comissão de abertura das propostas designada para presidir ao concurso público para a atribuição de licenças gerais para o transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer.
Alegou a Recorrente, com os fundamentos de fls. 2 a 18 dos autos, em síntese,
- o vício decorrente da aplicação da norma regulamentar ilegal por ser contrária aos princípios gerais da concorrência e do pro concurso,
- o vício resultante da violação do princípio da proporcionalidade e da prossecução do interesse público,
- o vício de violação do princípio da igualdade,
- o vício de violação da estabilidade concursal.
Concluiu, pedindo a anulação do acto recorrido, assim como a condenação da Entidade recorrida à admissão da proposta excluída e a sua consequente avaliação.
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A Entidade Recorrida contestou a fls. 42 a 53 dos autos, em que se pugnou pela legalidade do acto recorrido, com a consequente improcedência do recurso contencioso interposto.
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Ambas as partes apresentaram as alegações facultativas (vide a fls. 70 a 76v e fls. 80 a 86 dos autos).
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O digno Magistrado do M.º P.º emitiu, a fls. 90 a 94 dos autos, o douto parecer em que se promoveu a improcedência do presente recurso, cujo teor se transcreve no seguinte:
“司法上訴人甲服務有限公司針對被訴實體交通事務局局長於2024年1月4日駁回其必要訴願的決定提出本司法上訴,該決定維持《輕型出租汽車客運普通准照公開競投》開標委員會不接納司法上訴人提交的標書的決議。
司法上訴人主張被訴行為,以及其依據的競投方案及行政法規分別違反各項法律原則。
被訴實體答辯,認為司法上訴人不能提出未曾於聲明異議提出的內容。
在非強制性陳述,司法上訴人提出嗣後上訴依據,認為其他競投公司的情況與其相同,但獲不同對待,以及卷宗其他不規則之處。
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對於司法上訴人提出的嗣後上訴依據,由於是查閱被訴實體遞交的行政卷宗後獲悉的事實,符合《行政訴訟法典》第68條第3款,將在隨後發表意見。
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就被訴實體在答辯狀提出的問題及主張,似乎並非主流學術及司法見解所支持,誠如Viriato Lima及Álvaro Dantas指出:“Relativamente à questão de saber se vícios não invocados no meio de impugnação administrativa necessária podem ser invocados no recurso contencioso subsequente, acompanhamos a corrente doutrinal e jurisprudencial que sustenta o entendimento Segundo o qual não funciona aqui uma regra de preclusão impeditive da invocação contenciosa de tais vícios.”1同樣地,Mário Esteves de Oliveira與Rodrigo Esteves de Oliveira也支持:“… as ilegalidade invocadas na primeira impugnação necessária – que consiste, em regra, na reclamação (no próprio acto público do concurso) da deliberação tomada pela respectiva comissão – não devem considerar-se limitativas da arguição de novas ilegalidades ou vícios no recurso hierárquico necessário e no recurso contencioso, que se seguirem. (…). E se a reclamação no acto público do concurso não deve, por causa dessas circunstâncias, condicionar as ilegalidades arguíveis no recurso hierárquico necessário, também não pode, obviamente, o posterior recurso contencioso ficar condicionado por aquelas que, na impugnação administrativa (nas suas duas instâncias), foram deduzidas.”2
除有更好理解之外,應遵循上述精闢見解,即被訴實體的主張不能予以採納。
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我們緊接就司法上訴人提出的上訴理由發表意見。
綜觀司法上訴人的描述,司法上訴人沒有質疑開標委員會及被訴實體決定不接納其提交的標書所依據的事實及法律理據,而是認為被訴實體引用的法律理據及以此作出的被訴行為違反一系列法律原則,包括有利招標原則、競爭原則、適度原則、謀求公共利益原則、平等原則、程序恆定原則,以及存在權力偏差。
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司法上訴人首先提出競投方案第7.2款、第11.1款及第11.2款結合第34/2023號行政法規第8條第5款及第6款的規定,違反有利招標原則及競爭原則。
本案涉及一項判給的行政程序,適用專門為此制定的第34/2023號行政法規,儘管該行政法規沒有關於原則的條文,但學術上一般認為,判給程序應遵循一系列法律原則,諸如嚴格程序原則、競爭原則、平等原則、公開原則、無私及透明原則、適度原則、善意原則、有利招標原則等等3,探究有關內容,大部份無非派生自《行政程序法典》規定的行政法律原則。
按照Mário Esteves de Oliveira與Rodrigo Esteves de Oliveira的解釋,競爭原則(Princípio da concorrência)是競投程序的核心原則,概而言之,競爭原則要求各競爭者在進入競投、在競投程序享有的權利義務、標書的審查標準等等,在形式和實質上都應獲相同對待,由此亦派生標書不容變更、競投及競投規則恆定,以及競投主體恆定等原則。4
相對地,上述學者對有利招標原則的解釋是:“Não é muito fácil alargar o âmbito deste princípio em procedimentos, como os adjudicatórios ou concursais, que também são dominados pelos princípios da formalidade e da concorrência. Do que se trata é de, em caso de dúvida insanável sobre os resultados da interpretação da lei e da aplicação dos princípios gerais concursais, se recorrer então, ao princípio do favor do concurso e do concorrente (ou da respectiva proposta).”5
由此可見,作為競投程序的主導性原則,嚴格程序原則與競爭原則,似乎跟有利招標原則不一定相容,且有利招標原則屬於補充性原則,即僅當在對法律條文的解釋結果及一般競投原則的適用結果上出現無法消除的疑問時,才訴諸有利招標原則。
依據上述原則的內涵,恕我們直言,似乎無從得見司法上訴人主張的競投規則及法規條文如何違反競爭原則及有利招標原則,概因在抽象上,無從理解在制定及嚴格遵守相關競投規則及法規條文之下,如何可以特別地導致如同司法上訴人一樣的某些競爭者與其他競爭者在進入是次判決的行政程序中,在形式及實質上將會得到不相同的對待,從而窒礙司法上訴人參與競投程序,又或相關規則及條文的內容有何矛盾和模糊之處,導致行政當局在相關解釋及適用方面將必然得出不利於如同司法上訴人一樣的某些競爭者進行競投的結果。
因此,除有更好理解之外,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
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其次,司法上訴人主張被訴行為違反適度原則,認為其提交的標書被質疑的問題僅屬單純形式上的不規範,同時主張被訴行為不接納其標書只是想將高價者剔除,並非想有更多的投標者入圍,違反謀求公共利益原則而存在權力偏差瑕疵。
第34/2023號行政法規《輕型出租汽車客運准照的公開競投程序》規定:
“第八條
標書
一、標書須附同下列文件:
(一)按競投方案證明符合投標者資格的文件(下稱“投標者資格文件”);
(二)倘有的價格標書;
(三)倘有的經營的士客運的計劃書;
(四)倘有的經營的士客運所採用的系統或設備的說明文件;
(五)倘有的投標者業務經驗和專業資格的文件;
(六)競投方案要求的其他文件。
(...)。
五、第一款(一)項所指的文件須按競投方案所定的方式裝釘,並於每版編號以及於第一版標明文件的總版數,且放入不透明、密封及用火漆封口的封套內;封套上須註明“文件”字樣。
六、第一款(二)項至(六)項所指的文件須按競投方案所定的方式裝釘,並於每版編號以及於第一版標明文件的總版數,且放入不透明、密封及用火漆封口的封套內;封套上須註明“標書”字樣。
(...)
第十二條
議決接納投標者
一、(...)。
三、不接納屬下列任一情況的投標者:
(一)未在指定期間收到其標書;
(二)標書不符合第八條第三款至第七款的任一規定;
(...) ”
比對被訴實體援引的競投方案內容,司法上訴人被指違反的競投規則與上述條文的內容基本相同,即司法上訴人的投標資格文件及准照價金標書因不符合第34/2023號行政法規第8條第5款及第6款的要求,被訴實體依據同一法規第12條第3款(二)項的規定,不接納司法上訴人的標書。
與起訴狀引用的終審法院合議庭裁判的情況不同,司法上訴人被指不符合的要求,儘管屬於形式問題,但絕非如司法上訴人所指僅屬“單純形式上的不規範”,因為第34/2023號行政法規已經清楚規定,有關問題是一項導致投標者不獲接納的依據,亦即是一項導致標書“非有效”的原因。
無需贅言,無論是主流學術還是司法見解,一致認為司法上訴人主張的違反適度原則及權力偏差僅出現在行政當局行使自由裁量權的情況,倘若行政當局面對法律約束(vinculação legal),則沒有提出有關問題的空間。
既然司法上訴人沒有質疑其遞交的標書確實不符合上述形式要求,上述行政法規亦明確規定不符合相關形式要求的後果,則被訴實體嚴格執行法律而作出被訴行為屬無可厚非。
誠如,我們或許可以理解,司法上訴人似乎是認為,即使其提交的標書不符合上述形式要求,但行政當局應給予機會修改,或給予具條件的接納,而不應選擇直接拒絕標書,故被訴行為違反適度原則。
但正如上面提及,除了競爭原則,主導競投程序的原則還有嚴格程序原則,按照Mário Esteves de Oliveira與Rodrigo Esteves de Oliveira的解釋:“…, no direito adjudicatório concursal, nomeadamente neste, a sequência procedimental apresenta-se bem circunscrita e desenhada na lei. (…). Os órgãos encarregados da instrução do procedimento adjudicatório e a entidade que o decide têm (nuns casos mais, noutros menos) alguma margem de discricionariedade em matéria de formalismo sequencial, mas, fora dos domínios da apreciação e ordenação das propostas – onde há necessariamente mais tarefas, tempos e espaços subjectivos -, o ‘‘percurso’’ de ambos, através do procedimento, está bem marcado, com pouca liberdade instrutória. Por isso se diz valer qui o princípio da formalidade ou do formalismo concursal.”6
雖然上述學者指出,在司法界及學術界皆主張應避免因盲目適用競投規則導致標書由於不重要的不規範問題被排除的結果,但同時,有關學者亦強調:“O que não significa, claro, que os procedimentos adjudicatórios se transformem, contra a vontade do legislador, em procedimentos desformalizados ou em algo parecido. As formalidades, rectius, certas formalidades, enquanto instrumentos ou meios de tutela e garantia de valores intrínsecos e específicos dos procedimentos concursais, têm, elas próprias, um valor autónomo, que não deve ser postergado.”,以及“Sem violação, (…), do princípio da igualdade, estando vedado à entidade adjudicante ajuizar, num concurso, a inobservância da mesma formalidade (em duas propostas) por bitolas diferentes.”7
第34/2023號行政法規,是行政長官根據第3/2019號法律《輕型出租汽車客運法律制度》第39條第1款的規定制定的補充性行政法規;根據第13/2009號法律《關於訂定內部規範的法律制度》第7條第2款,補充性行政法規可就具體執行相關法律訂定的事宜作出規定。按照中級法院第438/2009號合議庭裁判的司法見解,只要不屬立法會的法律保留事宜,不妨礙行政法規對私人設定義務及強加限制,行政法規不能做的是對基本權利強加限制8。
上述行政法規已清楚規定標書及文件不符合相關形式要求的後果,而且分開開啟“文件”及“標書”兩部分,有條件接納投標者僅在開啟“文件”時(第12條)可以作出,在開啟“標書”後則沒有允許行政當局可以有此做法,而司法上訴人不獲接納的情況在其遞交的“文件”及“標書”皆存在,即沒有條文給予行政當局有條件接納司法上訴人的“標書”的選項,有關規定亦明顯不涉及對基本權利的限制。
另外,在對相反見解表達充分尊重之下,我們認為不能僅以“謀求公共利益”的角度考慮競投程序的目的及保護的利益,否則所有競投都應以完全公開的方式進行,並且允許投標者可以隨時修改標書以提供較優條件,從而讓市場上最有實力的投標者獲得判決;此舉表面上有利行政當局取得更佳服務,長遠則危及市場競爭,容易造成寡頭,亦是密封標書機制擬避免的狀況。
因此,被訴實體面對上述行政法規的明文確定,在嚴格遵守法規及上述主導性法律原則之下,作出被訴行為,不涉及違反適度原則。
至於權力偏差,一方面,被訴行為是被訴實體嚴格執行法律的結果,另一方面,被訴實體在說明理由既沒有絲毫提及司法上訴人認為的目的,即開標委員會只想排除高價投標者,司法上訴人亦無提出實質證據支持有關說法,則有關上訴理由欠缺實質理據。
因此,除有更好理解之外,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
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司法上訴人還認為被訴行為違反平等原則及無私原則。
就平等原則的主張,司法上訴人在起訴狀及非強制性陳述皆有染指,在起訴狀,司法上訴人似乎主要是質疑關於在提出聲明異議時行政當局對申請查閱卷宗的處理問題,在非強制性陳述,則質疑行政當局對其他標書的處理問題。
對於起訴狀的主張,司法上訴人是質疑開標委員會沒有給予查閱卷宗的機會以便其作出聲明異議,但本案的被訴行為是駁回其提出的必要訴願的決定,司法上訴人沒有清楚交代開標委員會在其提出聲明異議之前未給予查閱卷宗的機會如何影響其提出必要訴願,從而導致被訴行為沾有非有效的瑕疵。
而且,除有更好理解之外,我們認為開標委員會的做法並無不妥。
正如Mário Esteves de Oliveira與Rodrigo Esteves de Oliveira在解釋競爭原則時指出,競爭原則的表現包括“a faculdade dada aos concorrentes de reclamarem e recorrerem reciprocamente da admissão dos outros concorrentes”,申言之,當開標委員會初步列出獲接納及不獲接納標書的名單時,不但不獲接納的投標者可以提出聲明異議,獲接納的投標者也可以提出聲明異議,聲明異議的目的不但可以是質疑自己被排除的決定,也可以是質疑其他投標者獲接納的決定,換言之,所有投標者不論在初步決定中是否獲接納,都可以提出聲明異議,亦有資格及機會要求查閱卷宗;之後,面對開標委員會對聲明異議的決定,無論是否由自己提出,只要該決定對自己有影響,尤其包括是原先獲接納但由於其他投標者提出的聲明異議而轉為不獲接納的投標者,對有關決定不應再提出聲明異議,而是應該提出必要訴願,並可以在完成聲明異議的階段之後按照一般規定申請查閱卷宗。
據此,由於在初步列出獲接納及不獲接納標書的名單之後,有投標者在查閱卷宗後提出聲明異議,指出有獲接納的投標者未遵守上述形式要求,開標委員會為着處理有關聲明異議重新作出審查,發現包括司法上訴人在內的幾名投標者的標書都存在有關問題,故此就該聲明異議作出決定,不接納包括司法上訴人在內的幾名投標者的標書。對此,司法上訴人應在開標會議結束後起計10日內提出必要訴願,並在相關期間申請查卷,故沒有需要討論第34/2023號行政法規第13條第5款的適用問題。
對於非強制性陳述的主張,誠如被訴實體的回覆,司法上訴人的標書不獲接納與裝釘問題無關,司法上訴人引用的其他投標者的標書亦不存在其遞交的標書不獲接納的問題,即不涉及其主張的對平等原則的違反。
至於無私原則,中級法院在第746/2013號合議庭裁判解釋:“O dever de imparcialidade significa para a Administração, parte interessada nos resultados da aplicação da norma, que ela deva ponderar, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares e deve abster-se de os considerar em função de valores estranhos à sua função ou múnus, v. g., de conveniência política, partidária, religiosa.”另外,在第598/2014合議庭裁判指出:“Não há violação do princípio da imparcialidade e da boa fé, pois não se mostra que a Administração tenha sido imparcial e injusta, isto é que tenha beneficiado uns em detrimento de outros, que tenha usado critérios diferentes, que semelhantes situações tenham merecido um tratamento diferente. ”
據此,一方面,如同平等原則及適度原則,無私原則的違反僅出現於行政當局行使自由裁量權,但未見被訴行為是源於被訴實體行使自由裁量權而作出;另一方面,未見明顯跡象顯示在同一問題上司法上訴人受到與其他獲接納的投標者的不同對待,又或被訴實體是基於除被訴行為引用的依據以外的原因而不接納司法上訴人的標書,即未見有對無私原則的違反。
因此,除有更好理解之外,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
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最後,對於司法上訴人提出的程序恆定原則,在充分尊重不同意見之下,未見司法上訴人在對有關原則進行論述時引用的內容,與其標書不獲接納的理由及當時所處階段之間有何關係;事實上,按照行政卷宗的記錄,開標委員會在作出每項步驟之後皆告知各投標者可提出聲明異議,而在完成開標階段之前,即仍在開標階段之中,部分投標者在聲明異議中提出有其他投標公司提交的文件及標書存在上述形式問題,獲開標委員會接納,遵循競爭原則及平等原則,開標委員會以同一標準重新審查所有文件及標書並發現司法上訴人的文件及標書存在相同瑕疵,故此對司法上訴人作出不接納決定,未見涉及司法上訴人所指的對程序恆定原則的違反。
因此,除有更好理解之外,我們傾向認為此上訴理由不能成立。
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綜上所述,建議裁定司法上訴的理由不成立,維持被訴行為。”
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
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II. Fundamentação
1. Matéria de facto
Resulta provada a seguinte factualidade pertinente:
- A ora Recorrente 甲服務有限公司, candidatou-se ao concurso público para a atribuição de licenças gerais para o transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer, anunciado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 43, II série, de 25 de Outubro de 2023.
- A Recorrente apresentou, para o efeito, a proposta instruída com os seguintes documentos necessários à candidatura: os documentos comprovativos de habilitação do concorrente, a proposta de preço, o projecto sobre a exploração do transporte de passageiros em táxis, o plano de frota de veículos de exploração, conforme indicado nas cláusulas 10.1 a 10.4 do Programa de Concurso aprovado (conforme os docs. juntos no anexo 2 do processo administrativo, referente à 33.a concorrente).
- A Recorrente, tendo compilado os documentos acima referidos, encerrou-os separadamente em dois invólucros opacos, fechados e lacrados, no rosto dos quais foi escrita, respectivamente, a palavra “Documentos” e a “Proposta”, que foram encerrados num terceiro invólucro, opaco, fechado e lacrado, denominado por “Invólucro exterior” (conforme doc. supra indicado).
- A Recorrente não procedeu à numeração das páginas dos documentos encerrados no invólucro “Documentos”, com a menção na primeira página, do número total de páginas do documento (conforme ibid.).
- Relativamente aos documentos encerrados no invólucro “Propostas”, a Recorrente não procedeu à numeração das páginas da proposta de preço, e numerou as páginas do projecto sobre a exploração do transporte de passageiros em táxis, e do plano de frota de veículos de exploração, mas com a menção do número total de páginas do documento na segunda página, não na primeira (conforme ibid.).
- Em 24/11/2023, por volta das 10h03, foi realizada a sessão do acto público do concurso pela comissão de abertura das propostas, designada para presidir ao concurso (conforme o doc. junto a fls. 266 a 279v do processo administrativo referente ao procedimento do acto público, ponto 1 da acta).
- Dando-se início à sessão do acto público, a comissão procedeu à identificação dos elementos relativos ao concurso e à da lista de concorrentes, ordenada de acordo com a ordem de registo de entrada das propostas (conforme idem pontos 3 a 6).
- Depois, procedeu à abertura dos invólucros, e de seguida, à verificação dos documentos contidos no invólucro “Documentos”, e da respectiva forma de compilação (conforme ibid., pontos 8 a 18).
- Cerca das 15h25 do mesmo dia, a comissão deliberou sobre a admissão de 30 concorrentes, incluindo a ora Recorrente enquanto 33.a concorrente, com a exclusão de 9 concorrentes e a admissão condicional de 1 concorrente, decidindo, depois, sobre as reclamações interpostas pelas concorrentes excluídas (conforme ibid., pontos 20 a 27).
- Seguidamente, a comissão procedeu à verificação formal dos documentos contidos no invólucro “Propostas”, e da respectiva forma de compilação, e deliberou, pelas 20h11, sobre a admissão das propostas, tendo admitido no total de 27 propostas apresentadas incluindo a da Recorrente (conforme ibid., pontos 29 a 30).
- Sobre a referida deliberação, 7 concorrentes, após a consulta das propostas, apresentaram reclamações (conforme ibid., pontos 31 a 38).
- Segundo a reclamação apresentada pela concorrente n.º 10, a proposta e os documentos apresentados pela concorrente n.º 33, a ora Recorrente, não foram compilados por modo a impedir a separação ou acréscimo de folhas, devendo a proposta ser excluída, cujo teor se transcreve no seguinte:
“同样地,○33、○38、○39公司所提交的文件及标書亦未符合相关规定(防脱页及增页方式进行裝钉) ,故亦不符合競投方案的规定而不应被接纳。”
(conforme ibid., ponto 36.3 e p. 293).
- Mais tarde, a comissão, na nova sessão realizada em 27/11/2023, pelas 10h04, tomou deliberação sobre as reclamações apresentadas, decidindo no que concerne à ora Recorrente, o seguinte:
“41.4.2. 對於指有標書的裝釘方式不符合要求:
41.4.2.1 就競投方案第7.2款規定標書須以防脫頁及增頁的方式裝釘方面,考慮到競投方案對有關裝釘方式並無明確定義,委員會認為只要有關文件是透過合適方式連繫住且如不使用外力則該等文件不會輕易散落,結合有關文件已有編號,亦不會較易被加插頁面從而影響文件評審的情況,則已符合 有關規定。
41.4.2.2 經重新審查所有標書後,並未發現被接納的投標公司標書裝釘方式不符合第7.2款關於須以防脫頁及增頁的方式裝釘的規定,故不接納此方面的聲明異議,維持接納有關標書的決議。
41.4.3 對於指有標書於編號及總版數方面不符合要求:
41.4.3.1 經重新審查所有標書後,發現有以下15間投標公司:[…]、第33號甲服務有限公司、[…],上述公司的“文件”/“標書”封套內的文件不符合競投方案第7.2款有關須於每版編號及於第一版標明文件的總版數的規定,故委員會根據第11.1款及第11.2款、第14.2.4項及第14.2.10項的規定,結合第34/2023號行政法規《輕型出租汽車客運准照公開競投程序》第8條第5款及第6款,第12條第3款(2)項及第13條第3款(3)項的規定,接納有關聲明異議,並撤銷接納[…]、第33號甲服務有限公司及[…]的標書決議,以及作出不接納上述5間投標公司的標書決議。”
(conforme ibid. ponto 41.4).
- Da referida decisão de exclusão da proposta, a Recorrente reclamou de imediato para a comissão, reclamação essa que foi indeferida seguidamente (conforme ibid. pontos 46.3 e 48.2).
- Da referida decisão, a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário para ora Entidade Recorrida, por carta datada de 6/12/2023, a que foi negado provimento pelo despacho desta exarado na Proposta n.º XXX/DGT/2024 datada de 4/1/2024 (conforme os docs. juntos a fls. 1 a 7 do anexo 1 do processo administrativo, referente à 33.a concorrente).
- Em 5/2/2024, a ora Recorrente apresentou o presente recurso contencioso da última decisão.
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A decisão sobre a matéria de facto baseou-se essencialmente na apreciação dos elementos documentais juntos nestes autos e no processo administrativo apensado. Por outro lado, não é de acolher a tese proposta pela Recorrida nos artigos 11.º a 15.º das alegações facultativas quanto à desconsideração da matéria de facto alegada que não tenha sido trazida para as conclusões formuladas na petição inicial, por não ter base legal, não sendo aplicável a invocada norma do artigo 598.º do CPC no caso dos autos.
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2. Matéria de direito
2.1. O ora recurso contencioso é interposto do acto que decidiu o recurso hierárquico necessário deduzido contra a decisão sobre reclamação apresentada por concorrentes com exclusão de proposta da ora Recorrente, acto esse que foi praticado, na sessão do acto público do concurso, pela comissão de abertura das propostas designada para presidir ao concurso público para a atribuição de licenças gerais para o transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer.
Começa a ora Recorrente por suscitar a questão de ilegalidade das normas concursais, na medida em que a efectiva concretização da exigência excessiva de formalismo contemplada nelas contraria os princípios gerais do concurso, designadamente, os da concorrência e do pro concurso (conforme se alega nos artigos 54.º a 70.º da petição inicial). Ainda que se entenda ser de aplicar as referidas normas, o acto de exclusão decidido com base na irregularidade meramente formal – a falta da numeração das páginas de documento - violou os princípios da proporcionalidade, e da prossecução do interesse público, além de incorrer no vício de desvio de poder, por ter como a única intenção afastar os concorrentes que oferecessem um preço mais elevado (conforme os artigos n.ºs 71.º a 92.º). Além disso, o facto de o órgão concursal excluir os concorrentes já admitidos que tivessem proposto um preço mais elevado, na sequência da decisão sobre reclamação apresentada constitui a violação do princípio da igualdade, da imparcialidade, e do da estabilidade das peças do procedimento (conforme os artigos 93.º a 112.º e 113.º a 124.º).
Na contestação deduzida, a Recorrida pugnou-se pela inadmissibilidade dos vícios alegados na petição inicial, por não terem sido previamente invocados na reclamação que no acto público do concurso fora deduzida perante a comissão de abertura das propostas (conforme os artigos 4.º a 8.º da contestação).
Estamos, neste ponto em particular, de acordo com o que entendeu o digno Magistrado do Ministério Público, no sentido de que não deve funcionar aqui uma regra de preclusão impeditiva da invocação contenciosa dos vícios não invocados no meio de impugnação administrativa necessária, que representaria nada mais que uma ideia da continuidade entre a via graciosa e a via contenciosa, e que “Recortar a causa de pedir no recurso contencioso pelo molde do recurso hierárquico necessário” implicaria “uma restrição inadmissível da garantia de acesso à jurisdição administrativa que a Lei Básica expressamente consagra no seu artigo 36.º ” (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, p. 106, Carla Amado Gomes, Sobre a não preclusão do direito de invocar novos vícios no âmbito do recurso contencioso por referência ao recurso hierárquico, CJA, n.º 0, pp. 25 a 29. E quanto à questão concreta que surge no procedimento adjudicatário, veja-se, Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, das Fontes às Garantias, pp. 618 a 622).
Aliás, a reclamação deduzida no acto público por ora Recorrente não se nos afigura necessária – uma vez deliberada sobre a reclamação apresentada pela concorrente n.º 10, com a consequente exclusão da Recorrente, esta pode recorrer hierarquicamente, por força do artigo 14.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 34/2023 (Procedimentos dos concursos públicos para a atribuição de licenças para o transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer) para a entidade adjudicante que é o Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
Com isto quer dizer, não há mais reclamação necessária sobre a reclamação já decidida - o que ainda se perceberá pelo teor da carta de recurso apresentada à Recorrida, que fora dirigido contra o acto de exclusão da proposta da comissão de Abertura de Propostas. Tal reclamação previamente deduzida pela Recorrente no acto público configuraria, quanto muito, o meio impugnatório facultativo previsto na norma geral – dos artigos 148.º e ss do CPA.
Num e noutro sentido, a falta da invocação dos vícios na reclamação deduzida não preclude a possibilidade da alegação, em sede de recurso contencioso, destes vícios, dos quais passaremos a ocupar-nos seguidamente.
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2.2. Invertemos a ordem das questões a apreciar e conheceremos em primeiro lugar, a existência do vício procedimental invocado, isto é, a alegada violação da estabilidade do procedimento, nos artigos 113.º a 124.º. A violação decorre, em termos concretizados, do facto de a comissão de abertura das propostas excluir a proposta apresentada pela Recorrente já depois de a ter admitido, e com fundamento na ilegalidade do acto de admissão, diferente da exposta na reclamação apresentada pela concorrente n.º 10.
Parece-nos, desde logo que a questão não deva ser equacionada como a de violação da estabilidade do concurso, a qual se prende com a imodificabilidade das regras e dados constantes das peças do procedimento, como o programa do concurso ou o caderno de encargos, durante a pendência dos respectivos procedimentos (veja-se a este propósito, Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 35/2012, de 27/6/2012).
Mas não obstante isso, deixou-se claro que aquilo que a Recorrente pretendia é, na essência, salvaguardar o “status quo” já constituído pelos actos procedimentais anteriores, ou melhor, pelo acto de admissão da proposta por ela apresentada, a qual, em seu entender, não devia ser posta em causa, muito menos possível com fundamento numa ilegalidade não arguida na reclamação deduzida, mas que conheceu oficiosamente.
Conforme resulta apurado nos autos, na sequência da deliberação sobre a admissão no total de 27 propostas, a concorrente n.º 10 reclamou da admissão das propostas, incluindo a da Recorrente, com fundamento na irregularidade da compilação do documento que não foi feita por modo que impeça a separação ou o acréscimo de folhas, nos termos previstos na cláusula 7.2 do Programa de Concurso, para além de também arguir a falta de numeração do documento relativamente às propostas apresentadas por outras concorrentes.
Sucedeu, porém, que na subsequente deliberação sobre as reclamações apresentadas, a comissão de abertura das propostas entendeu inexistir a apontada irregularidade na forma de compilação do documento, indeferindo desse modo, a reclamação apresentada com este fundamento. Contudo ainda assim, acabou por dar razão à reclamação com a consequente exclusão da proposta, fundada nos artigos 8.º n.ºs 5 e 6, e os 12.º n.º 3 alínea 2) e 13.º n.º 3 alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 34/2023, por motivo ligado à detectada falta da numeração das páginas dos documentos, não apenas relativamente aos colocados no invólucro “Propostas”, como ainda aos que se encontravam no invólucro “Documento”, cuja numeração de páginas na fase anterior esteve sujeita à verificação formal. Em termos precisos, a referida decisão da exclusão da proposta foi tomada sem reclamação interposta com arguição daquela ilegalidade específica que a fundamente.
À partida, sem razão a ora Recorrente na parte em que entendeu que as concorrentes, uma vez admitidas pela deliberação da comissão de abertura das propostas para passarem à subfase seguinte na sessão do acto público, jamais podem ser afastadas do concurso. Tal hipótese de excluir uma concorrente admitida encontra-se prevista no artigo 10.º, n.º 4, alínea 3) do referido Regulamento, ao permitir aos concorrentes reclamarem contra todas as deliberações da comissão, incluindo as sobre admissão ilegal de qualquer concorrente ou proposta, (não se trata, neste caso, da impugnação autónoma dos actos destacáveis ou seja os que produzem efeitos (subjectiva ou objectivamente) finais, e portanto as decisões tomadas no sentido de indeferimento da reclamação são contenciosamente recorríveis. Porém com repercussões que têm sobre a decisão final de procedimento, estes actos podem ser objecto de apreciação contenciosa indirecta através da impugnação judicial do acto final do procedimento que é a decisão da adjudicação – veja-se, Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, obra cit., pp. 612 a 613), o que legitima, por conseguinte, a comissão, decidindo as reclamações ao abrigo dos artigos 12.º, n.º 7 e 13.º, n.º 6 do Regulamento, a excluir as concorrentes admitidas.
Também, por outro lado, nem se diria que em tese, sem reclamação da concorrente que tenha expressamente arguido a ilegalidade específica que inquina a anterior admissão da concorrente, a comissão nunca podia, por sua iniciativa, excluir as concorrentes já por ela admitidas.
A exclusão da proposta da Recorrente fundada na verificação posterior das irregularidades formais dos documentos que tenham passado desapercebidas à comissão nas fases anteriores do acto público, podia configurar, ainda, a existência de um acto administrativo de segundo grau, a revogação anulatória da anterior admissão ilegal do concorrente, “cuja função é a de destruir – e não apenas fazer cessar – os efeitos de uma anterior decisão administrativa inválida (rectius, anulável) ...” (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado 2.ª edição, p. 667). A revogação dá-se não apenas mediante a decisão de reclamação ou recurso administrativo, como ainda por iniciativa dos órgãos competentes, conforme se prevê no artigo 127.º do CPA.
Não obstante, cremos que o questionamento nos termos formulados pela Recorrente na petição inicial permaneça legítimo. Importa saber se tendo em vista o modelo legal de estruturação das fases procedimentais do acto público que está em causa, é ainda possível conceber tal intervenção oficiosa revogatória por parte do órgão concursal, por via da aplicação das normas gerais constantes do CPA.
Como se sabe, os procedimentos concursais configurados nas legislações relativas à contratação pública apresentam-se, de modo geral, “divididos em fases sequenciadas que se pretende sejam (relativamente) estanques em relação às que lhes sucedem”. Dessa natureza multi-faseada de processo decorre que os meios de reacção administrativa das decisões concursais devem seguir em regra um regime próprio, “estabelecido nas leis adjudicatórias ou nas normas regulamentares do próprio concurso – dominado por interesses e consubstanciado em regras diferentes daquelas em que assentam os correspondentes meios de impugnação administrativa regulados no CPA” (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, obra cit., pp. 610 a 611).
Isto sem descurar ainda do interesse da funcionalidade ou eficiência do procedimento, “no sentido de proporcionar um seu desenvolvimento seguro e inquestionável, que ponham a respectiva decisão final ao abrigo de impugnações tardias e da necessidade de fazer constantes “marchas atrás” para reparação das ilegalidades cometidas, com enorme prejuízo para a realização célere e estável dos interesses públicos a que a adjudicação tende” (cfr. obra cit., p. 610).
Na mesma linha de consideração, tal como ensina o douto acórdão n.º 35/2012 do Tribunal de Última Instância, “Como é sabido, é princípio do direito processual ou procedimental que a sucessão de actos que constituem o processo, assenta na consolidação dos actos anteriores cobertos por decisões que não tenham sido impugnadas (princípio da preclusão). Se fosse possível, a todo o tempo, estar a impugnar decisões anteriores sobre as quais assentam as seguintes decisões e os actos posteriores, seria o caos. Ensina MANUEL DE ANDRADE que “Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou os meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos”.
Na verdade, é a tal sucessão das diversas fases estanques que constatamos aqui, colocando-nos no âmbito do procedimento do concurso em causa, designadamente, do acto público de concurso que decorre perante a comissão de abertura das propostas segundo o disposto nos artigos 9.º e 10.º do Regulamento Administrativo n.º 34/2023. Veremos assim que a comissão toma várias decisões pertinentes pela ordem indicada no seguinte:
- Desde logo, no início da sessão do acto público, a comissão procede-se à leitura da lista de concorrentes, ordenada de acordo com a ordem de registo de entrada das propostas, e seguidamente, à abertura de todos os invólucros exteriores e dos invólucros com a indicação “Documentos” (artigo 11.º do referido Regulamento).
- Depois, em sessão não pública, delibera sobre a habilitação dos concorrentes em face dos documentos apresentados, após o que voltará a tornar-se pública a sessão para proceder à leitura das listas dos concorrentes admitidos, admitidos condicionalmente e excluídos, ordenadas de acordo com a ordem de registo de entrada das propostas, com indicação, nestes dois últimos casos, das respectivas razões.
- E aprecia e decide sobre as eventuais reclamações apresentadas relativamente a esta fase do acto público do concurso, sendo as reclamações apresentadas, verbalmente ou por escrito e exaradas na respectiva acta (artigos 12.º, n.ºs 1, 2 e 5 e 14.º, n.º 1 do referido Regulamento).
- Na sequência disso, procede-se à abertura dos invólucros com a indicação «Proposta» apresentados pelos concorrentes admitidos ou admitidos condicionalmente e depois, procede à apreciação formal dos documentos contidos nele, delibera em sessão não pública, sobre a admissão das propostas, e procede à leitura das listas das propostas admitidas e excluídas (artigo 13.º, n.ºs 1, 2 e 4 do referido Regulamento).
- E de seguida, aprecia e decide sobre as eventuais reclamações apresentadas nesta fase, que apenas podem dirigir contra as deliberações aqui tomadas (artigos 13.º, n.º 6 e 14.º, n.º 1 do Regulamento).
- Decididas as reclamações, a comissão procede à leitura da acta da sessão e encerra a sessão do acto público do concurso (artigo 13.º, n.º 7 do Regulamento).
- Por fim, das deliberações sobre as reclamações cabe recurso hierárquico necessário para a entidade adjudicante, recurso esse deve ser interposto na própria sessão do acto público do concurso e exarado na respectiva acta (artigo 14.º, n.ºs 2 a 3 do Regulamento).
Face ao modelo procedimental do acto público como tal estruturado, a exigência feita aos concorrentes quanto à utilização tempestiva dos meios da garantia administrativa não parece que se esgote na letra da norma do artigo 14.º, n.º 1 do Regulamento, segundo a qual as reclamações devam ter lugar na própria sessão do acto público sob pena de preclusão da possibilidade de reclamar posteriormente, os efeitos preclusivos devem-se ainda impor ao ponto de serem compatíveis com o faseamento dos momentos específicos em que as reclamações devem ser deduzidas nesta sessão.
O que vem acabado de referir corresponde, nas palavras de Mário Esteves de Oliveira, a “…interesses relevantes do procedimento do acto público do concurso, a saber, por exemplo, o interesse em que só se passa a (sub)fases posteriores do procedimento depois de estarem realizadas as tarefas e tomadas as decisões que respeitam às questões suscitadas ou suscitáveis em cada uma dessas sub-fases. E não são….apenas interesses de ordem e arrumação procedimental, mas valores ligados à transparência e imparcialidade que exigem que as coisas se passem assim, pelo menos, na sequência entre alguma das sub-fases (v.g. admissão do concorrentes e admissão de propostas) do acto público do concurso ” (cfr. continuando a seguir a obra cit., pp. 632 a 633).
À luz deste entendimento, na situação vertente, a reclamação contra a deliberação sobre a admissão (ou não) do concorrente após a verificação formal dos documentos contidos no invólucro de “Documentos” deve ser apresentada logo depois da ser lida a lista de concorrentes e antes de passar-se à subfase de abertura dos invólucros de propostas – conforme se prevê nos artigos 12.º, n.ºs 5 e 6, e 13.º, n.º 1 do Regulamento. E na reclamação apresentada na subfase do acto público a seguir, apenas pode-se arguir a legalidade da deliberação sobre a admissão (ou não) da proposta, não sendo possível voltar a discutir as ilegalidades que inquinem as deliberações anteriores. A decisão que se profere é apenas a da exclusão da proposta apresentada pela concorrente, e não a exclusão da concorrente (Neste ponto, apesar de o Programa do Concurso utilizar, na cláusula 14.2, a “exclusão da proposta”, indistintamente para as deficiências da instrução dos documentos que tanto respeitam à habilitação do concorrente, como à própria proposta, a distinção entre os dois termos é nítida face ao previsto nas normas do Regulamento. Ademais é de ainda sublinhar, apesar do equívoco originado pela redacção deficiente da norma do artigo 13.º, n.º 5 do Regulamento donde parece resultar que os concorrentes possam nesta fase reclamar não apenas da deliberação de admissão de propostas, como também a de anterior admissão de concorrente, que a norma nesta parte, em termos de coerência interna, tem de ser lida em conjugação com o disposto no n.º 6, onde se limita o exercício do poder decisório da comissão de abertura das propostas sobre as reclamações que “possam existir nesta fase e que apenas podem ter por objecto as deliberações aqui tomadas”. E com o n.º 2 segundo o qual a comissão procede à apreciação formal dos documentos contidos no invólucro de proposta, “para efeitos de deliberação sobre a admissão ou não das propostas”).
Nesta medida, parece incontroverso que na falta do cumprimento do ónus específico de impugnação que impende sobre os concorrentes, isto é, não tendo sido objecto da reclamação oportunamente deduzida num determinado momento formal da sessão do acto público, tal como especificado nas normas legais, ou tendo sido indeferidas as reclamações, sem que desse indeferimento haja sido interposto recurso hierárquico necessário, as decisões tomadas pela comissão na sessão do acto público tornam-se inimpugnáveis, formando-se assim imediatamente um caso decidido “enquanto decisões de autoridade que definem o direito do caso concreto de forma estável, em nome da segurança jurídica” (Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, p. 202).
Se assim é, a vinculação que vimos atrás e que exista para os concorrentes no sentido de impugnar administrativamente as decisões tomadas em cada momento próprio durante o decorrer da sessão do acto público, deverá valer, em termos coerentes, para qualquer actuação oficiosa do órgão concursal que preside ao procedimento, tendente ao mesmo resultado pretendido com a apresentação da reclamação, sob pena de inutilizar completamente os efeitos preclusivos que referimos atrás.
Como temos vindo a assinalar, o regime de tramitação do procedimento concursal é estruturado em modelo procedimental de fases processuais relativamente estanques, tendo sobretudo presentes os interesses da funcionalidade ou da eficiência do procedimento, com vista a evitar os riscos de comprometer a eficácia da decisão final por causa das impugnações tardias dos particulares, assim como a incorrência dos desnecessários custos emergentes das constantes operações correctivas, motivo pelo qual se reclama, na matéria sobre os meios de garantias administrativas, a aplicação do regime próprio estabelecido pela lei adjudicatária, em derrogação das normas gerais existentes no CPA, por serem incompatíveis com as supraditas exigências de um procedimento faseado.
Em nosso entender, no acto público, o órgão concursal não deve actuar senão em cada fase procedimental formalmente definida, isto é, deliberar sobre a admissão (ou não) de concorrente, e as reclamações apresentadas, e de seguida, sobre a admissão (ou não) de proposta, e as reclamações, mais nada. À parte disso, não lhe caberia qualquer iniciativa de revogar as deliberações anteriormente tomadas. Aliás, teremos de assim concluir, se invocaremos o princípio de formalismo legal, conforme adiante se verá, contra os argumentos alegados respeitantes à violação dos princípios fundamentais, com o fundamento na inexistência da margem de liberdade de conformação procedimental por parte do órgão concursal.
A solução alternativa seria a de definir, no plano de jure constituendo e de forma isenta de dúvidas, o momento específico da intervenção oficiosa dentro da sessão do acto público, e.g. deve prever-se uma fase de verificação formal extraordinária para esse efeito, além daquelas previstas nos artigos 12.º, n.º 2, alínea 1) e 13.º, n.º 2 do Regulamento. Além disso, deve existir norma sobre o âmbito dessa verificação, é uma verificação cabal face a todos os requisitos formais contemplados, ou parcial; uma verificação sobre todos os concorrentes ou apenas aleatoriamente em relação a alguns? De qualquer forma, cremos nós, a verificação oficiosa não deve ser conduzida pela Administração de forma arbitrária, conforme lhe apetecer.
E assim como deve existir a norma que preveja o exercício dos meios de defesa contra o resultado desfavorável dessa intervenção oficiosa, especialmente, quanto à oportunidade da reclamação e da respectiva decisão. Mas neste ponto é de sublinhar que no caso de se entender que exista uma coincidência temporal entre o momento formal do exercício dos meios na situação já prevista e o da dedução das reclamações neste caso específico, assim como os momentos da decisão da reclamação, tornar-se-ia vazio o teor da exigência para compelir os concorrentes a actuar tempestivamente, com expectativa de que a falta por parte deles possa sempre vir a ser sanada mediante a intervenção oficiosa.
Em todo o caso, consideramos ser sobretudo importante acautelar-se neste tipo de procedimento administrativo, contra os perigos de perturbação da segurança jurídica criada por causa da força estabilizadora do caso decidido formado, em cada “compartimento estanque”. A autorização das outras intervenções oficiosas formalmente não reguladas consubstanciaria, de outro modo, uma descaraterização do procedimento concursal como tal definido na lei vigente.
Nestes termos expostos, entendemos que as normas vigentes do Regulamento não parecem comportar qualquer margem para a intervenção oficiosa da entidade concursal. Ao actuar como actuou no caso vertente, a Recorrida violou de modo ostensivo, as normas procedimentais previstas nos artigos 12.º, n.º 7 e 13.º, n.º 6 do Regulamento, o que leva à anulação do acto recorrido.
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2.3. Sem prejuízo do que antecede, conheceremos de outros vícios materiais que também foram imputados ao ora acto recorrido pela Recorrente.
Mais alegou que o acto recorrido foi praticado com base numa irregularidade meramente formal – a falta da numeração das páginas de documento, e como tal violou os princípios da proporcionalidade, e da prossecução do interesse público. Além disso, tendo o autor do acto uma única intenção afastar os concorrentes que oferecessem um preço mais elevado, ainda incorreu o vício de desvio de poder (conforme os artigos n.ºs 71.º a 92.º).
E que ademais, no acto público, o órgão concursal ao aplicar, de forma diferenciada, as normas de exigência formal, relativamente à proposta da Recorrente e a dos outros concorrentes, violou os princípios da igualdade, da imparcialidade (conforme os artigos nºs 93.º a 112.º na petição inicial, posteriormente densificado nos artigos 1.º a 8.º da alegação facultativa).
Importa à partida que constitui a jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores, que “no âmbito da actividade vinculada não releva a alegada violação dos princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé, da justiça, da adequação, da proporcionalidade, da colaboração entre a Administração e os particulares e da igualdade” (veja-se, entre os outros, os Acórdãos do Tribunal de Última Instância n.º 77/2021, de 3/06/2021, n.º 176/2020, de 18/12/2020, n.º 143/2020, de 27/11/2020).
Como se sabe, é o princípio da legalidade que prevalece na área de contratação pública em que toda a actuação administrativa está sujeita necessariamente às normas legais ou aos padrões normativos pré-estabelecidos. No procedimento que se desenvolve no acto público, o qual consubstancia uma formalidade essencial no concurso público destinada a apurar a regularidade formal das candidaturas, é natural que a exigência da legalidade é ainda mais acentuada, sendo relativamente reduzida a margem de conformação procedimental que se encontra à disposição do órgão encarregado da instrução.
Na situação vertente, no caso de as normas previstas no Regulamento n.º 34/2023, e doutras constantes das peças concursais comportarem o alcance que a ora Recorrida lhes efectivamente atribuiu, não teríamos nenhuma alternativa senão extrairmos as consequências desfavoráveis, em resultado da sua aplicação rigorosa. Ou seja, a comissão de abertura das propostas deve-se limitar a excluir a proposta apresentada pela Recorrente, no pressuposto de verificação das irregularidades formais - a falta da numeração das páginas dos documentos e com a menção do número total de páginas do documento na segunda página, ao contrário do que se exige nas referidas normas.
Nesta linha, a alegada desproporcionalidade entre a falta cometida e os efeitos desfavoráveis acarretados a existir, é apenas relativa às previsões normativas existentes, no fundo é saber se as ditas normas regulamentares, pelo seu teor ou pela interpretação adoptada violam ou não os princípios fundamentais, questão essa que iremos abordar de seguida.
Mas de todo modo, inexiste o vício de violação do princípio da proporcionalidade, imputado ao próprio acto recorrido.
E pela mesma razão, nem se deve dizer que o acto recorrido tivesse violado o princípio da igualdade – o caso de ter admitido ilegalmente os outros concorrentes ou as propostas por eles apresentados, certamente não vincula a entidade competente a admitir a proposta da Recorrente que padeça da mesma ilegalidade, já que estamos, reiterando-se, no âmbito da actividade legalmente vinculada.
Também, o invocado vício de desvio de poder é insusceptível de obter a anulação do acto recorrido. É consabido que tal vício consiste “no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder” (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, anotado, p. 51), enquanto aqui limitamo-nos a verificar se a entidade administrativa actua conforme as exigências legais, não relevando, para o efeito, a existência de um motivo distinto que tenha conduzido à prática do acto recorrido.
Isto dito, deve-se improceder os fundamentos invocados nesta parte do recurso.
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2.4. É de conhecer agora do primeiro vício invocado, dirigido contra as normas regulamentares concursais, designadamente, o artigo 8.º, n.ºs 5 e 6 constantes do Regulamento Administrativo n.º 34/2023, e as previstas no Programa de Concurso, nas cláusulas n.ºs 7.2, 11.1. e 11.2. Segundo afirmou a Recorrente, a exigência do formalismo contemplada pelas referidas normas é de tal maneira excessiva que contraria os princípios gerais do concurso público, designadamente, os da concorrência e do pro concurso (conforme se alega nos artigos 54.º a 70.º da petição inicial).
Apesar de insurgir-se, literalmente, contra as normas onde se estabelecem as exigências sobre o modo de apresentação das propostas, a censura de ilegalidade da Recorrente não deve deixar de abranger, implicitamente, as consequências da inobservância da forma exigida, tal como previstas nos artigos 12.º, n.º 3, alínea 2), e 13.º, n.º 3, alínea 3) do Regulamento e nas correspectivas normas do Programa do Concurso. Na realidade, apesar de não ter indicado as normas todas, ela nunca deixou de arguir o excesso da medida de exclusão determinada, primeiro nos artigos 80.º a 85.º da petição inicial e depois nos artigos 16 a 17 da parte (2) e 6.º a 7.º da parte (3) da alegação facultativa, só que discordámos do enquadramento feito e entendemos atrás que a desproporcionalidade existiria antes em relação à própria norma regulamentar aplicada. Pois bem, interpretando a petição inicial, a questão essencial que ela pretende ver respondida por este Tribunal prende-se, no fundo, com a proporcionalidade da norma que deva existir entre os benefícios visados pela entidade administrativa com aquela exigência normativa e os sacrifícios assim impostos aos concorrentes que a violem.
Daí é o princípio da proporcionalidade como tal configurado que está em jogo, não, propriamente, os princípios da concorrência e do pro concurso, que residem, aliás, numa mera construção doutrinária, sem consagração legal expressa.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade encontra-se previsto no artigo 5.º, n.º 2 do CPA, sendo de cariz legal, e até constitucional, dado o seu carácter estruturante da noção de Estado de Direito ou de Região de Direito (conforme se entende na recente jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância n.º 851/2021, de 3/3/2022), ou seja, da hierarquia supra-regulamentar, poderá ser mobilizado como parâmetro de controlo das actuações normativas dos órgãos administrativos.
Assim sendo, o Tribunal vai, num enquadramento jurídico distinto do que foi efectuado pela ora Recorrente, conhecer incidentalmente da invocada ilegalidade dad normas constantes do Regulamento Administrativo complementar, com fundamento no princípio da hierarquia das normas, segundo as linhas gerais traçadas pelo Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 33/2012, de 4/7/2012. E mais de acordo com o entendimento vertido na jurisprudência pacífica do direito comparado, o juízo de ilegalidade deve ser formulado sobre as normas regulamentares aplicadas, “quer no seu teor, quer na interpretação adoptada em eventual violação de normas ou princípios constitucionais” (ou de ordem supra-regulamentar) (cfr. a título de exemplo, no direito comparado, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 035590, de 13/3/2003).
As normas regulamentares em apreço regulam essencialmente o modo de ordenação, arrumação e apresentação das propostas por parte dos concorrentes: por um lado, é necessário, entre todos os documentos que instruam a proposta, haver uma arrumação separada dos relativos à habilitação dos concorrentes, referidos no artigo 8.º, n.º 1, alínea 1), e dos relativos ao conteúdo da proposta – os referidos nas alíneas 2) a 6) do mesmo número. E por outro lado, os documentos “têm de ser compilados na forma prevista no programa do concurso, com as páginas numeradas e com a menção, na primeira página, do número total de páginas do documento, sendo colocados num invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve a palavra” «Documentos» ou «Proposta» - conforme se prevê no artigo 8.º, n.ºs 5 e 6 do Regulamento Administrativo n.º 34/2023.
A supradita exigência regulamentar encontra-se densificada nas peças concursais, designadamente, no Programa de Concurso, nas cláusulas 11, 11.1 a 11.3, pela seguinte forma:
“11. Apresentação da proposta
11.1. Os documentos referidos no n.º 10.1 devem ser enfeitados de acordo com a forma prevista no n.º 7.2, e colocados num invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve a palavra “Documentos”, indicando-se a denominação social da sociedade concorrente, a designação do concurso, e o nome da entidade onde corre o procedimento do concurso público (Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego).
11.2. Os documentos referidos nos n.os 10.2 a 10.4 devem ser feitos de acordo com a forma prevista no n.º 7.2, e colocados num invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve a palavra “Proposta”, indicando-se a denominação social da sociedade concorrente, a designação do concurso, e o nome da entidade onde corre o procedimento do concurso público (Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego).
11.3. Os invólucros referidos nos dois números anteriores têm de ser colocados dentro de outro invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve «Invólucro exterior», indicando-se a denominação social da sociedade concorrente, o título “Apresentação de propostas para o «Concurso público para a atribuição de licenças gerais de exploração da actividade de transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer» realizado pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego”, o nome e o endereço da entidade onde corre o procedimento do concurso público (Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, sita na Estrada de D. Maria II, n.º 33, Macau).”
Por sua vez, a cláusula 7.2, para onde remeteu a 11.1 tem o seguinte teor.
“A proposta deve ser impressa na frente e verso, com as páginas numeradas e com a menção, na primeira página, do número total de páginas do documento. Caso o documento tenha mais de uma folha, deve ser compilado numa forma que impeça a separação ou acréscimo de folhas.”
Por último, em caso do incumprimento das exigências formais, dá-se lugar à exclusão do concorrente ou da proposta por ela apresentada, por força da aplicação dos artigos 12.º, n.º 3, alínea 2) - “Caso as propostas não satisfaçam o disposto em qualquer dos n.os 3 a 7 do artigo 8.º”, e 13.º, n.º 3, alínea 3) – “Quando os documentos contidos no invólucro de proposta não estejam em conformidade com o disposto em qualquer dos n.os 3, 4 e 6 do artigo 8.º” do Regulamento.
À partida, não nos parece que as referidas normas regulamentares padeçam da ilegalidade quanto ao seu teor por terem afrontado o princípio da proporcionalidade. O que se revela patológica é a interpretação dessas normas feita por entidade administrativa, cujo resultado produzido, a nosso ver, violou manifestamente este princípio geral aplicável a todos os tipos de procedimento administrativo. Vejamos em que medida.
Como referimos atrás, o que está em causa é a exigência dos requisitos sobre o modo de apresentação de proposta, no sentido de que os documentos exigidos para efeitos de concurso não apenas devam ser todos apresentados, como ainda devem sê-lo de forma arrumada e organizada, de acordo com as determinadas regras impostas aos concorrentes.
O modelo de apresentação das propostas estabelecido no artigo 8.º, n.ºs 5 a 7 do Regulamento Administrativo n.º 34/2023 é o geral que é seguido nos procedimentos concursais no ordenamento jurídico da RAEM, que se traduz, recapitulando-se, no seguinte: os documentos que respeitem à habilitação dos concorrentes, encerrados num invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve a palavra «Documentos»; a proposta de preço e os documentos que a instruem respeitante às condições da execução das prestações, encerrados num invólucro opaco, fechado e lacrado, em cujo rosto se escreve a palavra «Proposta»; esses dois invólucros são encerrados num terceiro, com as mesmas características, e em cujo rosto se escreve «Invólucro exterior» , com a identificação do concorrente, a indicação do nome da entidade onde corre o procedimento do concurso público e a designação do concurso.
E por outro lado, ainda exige-se nestes preceitos legais, quanto à observância da forma de compilação dos documentos que instruam a proposta, densificada no programa do concurso, sobretudo “com as páginas numeradas e com a menção, na primeira página, do número total de páginas do documento”. Trata-se de um modo complementar de arrumação dos documentos em “fascículos indecomponíveis”, por modo a impedir a separação ou acréscimo de folhas, sem que isso fosse detectável (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, obra cit., pp. 373 a 374).
Como se vê, as normas regulamentares vêm aqui analisadas são extremamente densas quanto ao seu conteúdo, para não falar de existir ainda uma parte em branco que carece de ser preenchida pela norma constante do Programa de Concurso. Nesta linha, temos para nós que, ainda que as normas dos artigos 12.º, n.º 3, alínea 2), e 13.º, n.º 3, alínea 3), fundamentadoras da exclusão da concorrente ou da proposta limita-se a prever como pressuposto a inconformidade dos documentos contidos nos invólucros com o disposto dos n.ºs 5 e 6 do artigo 8.º, não é certamente aceitável que a consequência da exclusão corresponderia a qualquer incumprimento de qualquer formalidade mencionada naquelas normas (A este propósito, no direito comparado, a questão de mesmo teor tinha sido colocada face a norma do artigo 59.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 55/99 que estabeleceu o regime da contratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis. Da mesma forma, tal norma limitou-se a dizer que não são admitidos os concorrentes que não cumpram as formalidades previstas no artigo 55.º, sem especificar o tipo concreto de falta que levasse à exclusão. Foi assim, nestes termos, fortemente rejeitada a interpretação literal da norma em virtude do resultado produzido ser inexorável e até absurdo, veja-se, obra cit., pp. 381 a 382).
É pacífico que hoje em dia, um paradigma que impunha uma interpretação das normas jurídicas apegada estritamente à letra da lei ficou há muito superado face às directrizes que emergem do artigo 8.º do CCM, nos termos do qual “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei...”. Ademais, como mencionamos acima, a interpretação literal da norma regulamentar em causa, nos moldes em que foi conduzida pela entidade administrativa dificilmente compatibiliza-se com o princípio da proporcionalidade.
É consabido que tal princípio previsto no artigo 5.º, n.º 2 do CPA comporta tradicionalmente os três elementos – o da adequação, “no sentido de exigir que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o alcançar”; o da necessidade, com o sentido de que “se deve escolher, de entre todos os meios idóneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, o meio que produza efeitos menos restritivos” e o da proporcionalidade em sentido restrito, que respeitaria “à relação de justa medida ou de adequação… entre os bens e interesses em colisão, ou mais, especificamente, entre o sacrifícios imposto pela restrição e o benefício por ele prosseguido” (cfr. Jorge Rei Novais, Princípios Estruturantes de Estado de Direito, pp. 130 a 133).
É este último elemento que especialmente nos interessa, sendo certo que o princípio nesta dimensão é mobilizável como parâmetro de controlo das actuações dos poderes públicos, conforme se alude, recentemente, no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, n.º 851/2021, de 3/3/2022, no seguinte, “a mobilização do princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo das actuações restritivas dos poderes públicos tem essencialmente a ver com uma comparação, com uma ponderação ou valoração de alternativas restritivas, sendo orientada ao apuramento da existência de um eventual excesso ou desproporcionalidade entre benefícios pretendidos e sacrifícios impostos pelos poderes públicos aos particulares.”.
É portanto, a existência de uma justa medida que se deve averiguar numa ponderação relativa entre o interesse público que a actuação restritiva pretende satisfazer e o interesse do particular sacrificado pela mesma actuação. Ou dito de foma mais precisa, o que se exige é que haja uma proporção entre o grau de realização do interesse público e o grau de sacrifício imposto ao particular. Nesta conformidade, inexistirá tal justa medida ou a relação apurada é desproporcionada quando com a actuação restritiva alternativa escolhida, se conseguiria apenas uma ligeira melhoria em termos de realização do interesse público, mas entretanto se provocaria um enorme sacrifício para o particular afectado face às outras possibilidades de actuação.
Dada esta configuração que o princípio da proporcionalidade tem acolhido, parece-nos que as normas em causa – artigos 12.º, n.º 3, alínea 2), e 13.º, n.º 3, alínea 3) do Regulamento não pudessem comportar o alcance que a Recorrida lhes atribuiu.
Na interpretação da norma com vista a desvendar o seu verdadeiro sentido, os princípios fundamentais consubstanciados como elemento sistemático, ou seja “outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada”, a que qualquer intérprete deve lançar mão tendo sobretudo em conta “a unidade do sistema jurídico” conforme postulado no artigo 8. º, n.º 1 do Código Civil de Macau, para além de agarrar-se ao elemento gramatical da norma (cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183).
A não ser assim, em alternativa, propugnar-se-ia a interpretação restritiva da norma para melhor se compaginar com o dito princípio na acepção dada. Segundo o Professor Baptista Machado, procede-se à interpretação restritiva quando “o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui, a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquele ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance).” (cfr. J. Baptista Machado, obra cit., p. 186).
De todo o modo, na situação aqui em causa, conforme entendemos, a consequência da exclusão da proposta estatuída nas normas – artigos 12.º, n.º 3, alínea 2), e 13.º, n.º 3, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 34/2023, nunca podiam, sob pena de criar, em violação do supradito princípio, uma relação manifestamente desproporcionada entre os benefícios pretendidos e os sacrifícios impostos, ser acarretada para o caso em que é apenas ínfimo ou marginal o benefício que resulte para a satisfação do interesse público, da observância escrupulosa da exigência formal relativa ao modo de apresentação da proposta.
Cremos que deve ser sob este alcance dado às normas que veremos a situação concreta.
Como já vimos, as normas da exigência formal – designadamente, o artigo 8.º, n.ºs 5 a 7 do Regulamento Administrativo n.º 34/2023, regulam essencialmente o modelo de apresentação das propostas estabelecido, com os requisitos adicionais relativos aos “fascículos indecomponíveis”. À luz do entendimento supra explanado, é de começar por averiguar da relevância e das implicações jurídicas dessas exigências e formalidades, na realização dos interesses que cada uma delas se destina a preencher.
Neste sentido, se entendemos que a deficiência na instrução da proposta atinente à violação da separação dos sobrescritos “Documentos” e “Proposta” (e.g. a inclusão errónea da proposta no invólucro “Documentos”) deverá conduzir à exclusão da proposta com fundamento vertido naquelas normas, porque a não ser assim, ficam os princípios estruturantes do concurso público, como os da igualdade, da imparcialidade e da transparência, irremediavelmente comprometidos, a mesma não pode suceder com a violação das exigências complementares relativas aos “fascículos indecomponíveis” – designadamente, sobre a numeração das páginas que se contém em cada fascículo e da indicação na primeira página, do número total de páginas. Do que se trata aqui, como referido acima, é de uma formalidade cuja finalidade se esgota unicamente na garantia da inviolabilidade da proposta instruída, para que não lhe acrescentasse ou retirasse folhas sem deixar nenhum vestígio.
A verdade é que estas exigências, “desde que esteja assegurada a indecomponibilidade do fascículo, já não garantem interesses da mesma monta, porque as duas, uma: ou o fascículo não apresenta sinais de violação e é evidente que não se tiraram ou acrescentaram folhas às que ele inicialmente continha – ou então, há sinais de violação e (independentemente da indicação e numeração das folhas nele contidas) a respectiva proposta não pode ser aceite.” (veja-se Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, obra cit., p. 386).
Foi o que ocorreu no caso dos autos – se o cumprimento das outras exigências relativas à compilação dos documentos que instruem a proposta assegura comprovadamente a inviolabilidade ou a indecomponibilidade da proposta apresentada (o que aliás corresponde ao que afirmou a comissão da abertura das propostas no acto público, segundo o qual as propostas, incluindo a da Recorrente, foram compiladas de modo conforme a exigência na cláusula 7.2 do Programa de Concurso para impedir a separação ou acréscimo de folhas (veja-se o ponto 41.4.2 da acta do acto público), então a violação da exigência formal aqui em causa não deve gerar sem mais a consequência da exclusão da proposta, uma vez que o benefício trazido com o cumprimento alternativo dessa exigência é quase insignificante, sendo manifestamente desproporcionado em comparação com a perda definitiva da possibilidade de ver avaliada a proposta por parte do concorrente afastado.
Numa palavra, inexiste, nessa interpretação adoptada das normas pela entidade recorrida, a referida justa medida entre o grau de benefício pretendido e o grau do sacrifício imposto, o que colide com o princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
Concluímos assim que o acto recorrido deve ser anulado porque interpretou e aplicou erradamente os artigos 8.º, n.ºs 5 e 6 e 12.º, n.º 3, alínea 2) e 13.º, n.º 3, alínea 3) constantes do Regulamento Administrativo n.º 34/2023 e as correspectivas normas do Programa do Concurso.
Em síntese, o acto recorrido deve ser anulado, com a procedência do recurso contencioso, pelo seguinte:
- por ter decidido oficiosamente a exclusão da proposta da Recorrente, em violação das regras procedimentais do concurso público, designadamente, as previstas nos artigos 12.º, n.º 7 e 13.º, n.º 6 do Regulamento Administrativo n.º 34/2023.
- e também por ter excluído a dita proposta, com uma interpretação errada das normas regulamentares aplicáveis, os artigos 8.º, n.ºs 5 e 6 e 12.º, n.º 3, alínea 2) e 13.º, n.º 3, alínea 3) constantes do Regulamento Administrativo n.º 34/2023 e as correspectivas normas do Programa do Concurso.
Não se mostra necessário atender ao pedido cumulado formulado pela Recorrente, designadamente o da condenação à admissão da proposta excluída e a sua consequente avaliação, porquanto o que se pretende aqui é a efectivação, na fase posterior, dos efeitos repristinatórios da sentença anulatória transitada, ao abrigo do artigo 174.º, n.º 3 do CPAC.
Resta decidir.
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III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar procedente o presente recurso contencioso interposto pela Recorrente 甲服務有限公司, com a anulação do acto recorrido.
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Sem custas pela Entidade Recorrida, por ser subjectivamente isenta.
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Registe e notifique.
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Aos 17 de Julho de 2024
Juiz
Rong Qi
1 CPAC anotado, CFJJ, p.106
2 Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa, Das fontes às garantias, Almedina, p.621
3 Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., p.88 e segs..
4 Ob. cit., p.102 e segs..
5 Ob. cit., p.125
6 Ob. cit., p.88 a 89
7 Ob. cit., p.94 a 95
8 原文:Desde que a matéria não esteja reservada à lei da Assembleia Legislativa, nada obsta a que regulamentos possam estabelecer deveres ou impor restrições sobre os particulares. O que os regulamentos não podem é impor restrições aos direitos fundamentais.
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TA-24-3183-ADM 18/19