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Processo nº 152/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral – Reclamação para a Conferência)

Data: 20 de Junho de 2024

ASSUNTO:
- Valor da causa
- Recurso ordinário
- Incidentes

SUMÁRIO:
- A litigância de má-fé é um incidente especial e autónomo em relação à causa principal, cujo valor não integra no valor da causa principal, razão pela qual o legislador prevê meio de impugnação próprio para o caso da condenação (cfr. nº 3 do artº 385º do CPCM).
- O recurso da decisão sobre os incidentes é autónomo em relação ao recurso da decisão da causa principal, daí que nunca pode associar o valor do incidente com o valor da causa principal com o fim aproveitar o valor do incidente para interpor recurso ordinário duma decisão da causa principal que não admite o recurso ordinário.
O Relator
Ho Wai Neng



Proc. nº 152/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral – Reclamação para a Conferência)

Data: 20 de Junho de 2024
Reclamante: A Segurança Limitada (Ré/Recorrente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I. Relatório 
A Segurança Limitada, melhor identificada nos autos, vem reclamar o despacho do Relator de 15/03/2024, nos termos e fundamentos seguintes:
   “...
1. A ora Reclamante foi notificada do teor do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz Relator nos presentes autos de recurso, datado de 15 de Março de 2024 (doravante, o “Despacho”), nos termos do qual foi determinada a não admissão do recurso tempestivamente interposto pela ora Reclamante, com base numa suposta e alegada violação da disposição legal contida no n.º 1 do artigo 583.º do CPC.
2. Para tanto, arguiu o Meritíssimo Juiz Relator que: “no caso sub justice, a decisão impugnada é desfavorável à pretensão da recorrente apenas em montante de MOP$35.359,44, que é inferior ao valor de sucumbência”.
3. Salvo melhor e fundamentada opinião, considera a ora Reclamante que a decisão ora em apreço carece de fundamento atendível.
Porquanto,
4. Estatui o n.º 1 do artigo 583.º do Código de Processo Civil que: “salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa” - destaque nosso.
5. Sendo que a alçada dos tribunais de primeira instância, em matéria cível laboral (como o caso que ora nos ocupa), é de MOP100.000,00 - cfr. n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 9/1999, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2019, de 4 de Março.
6. Assim, para seja determinada a admissibilidade do recurso à luz das regras da sucumbência supra citadas, bastará que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em mais um avo que a metade da alçada do Tribunal a quo.
7. O mesmo equivale a dizer que, à luz da disposição normativa invocada no Despacho para determinar a não admissão do recurso sub judice, ter-se-ia de demonstrar que a decisão impugnada pela Recorrente, ora Reclamante (doravante, “Reclamante”), foi desfavorável à sua pretensão em MOP50.000,00 ou menos.
8. No entanto, em face da materialidade subjacente ao caso concreto, verifica-se que tal não é o caso - ressalvado o devido respeito (que é muito!) -, pelo que se impõe a admissão do recurso à luz das regras invocadas.
Senão vejamos,
9. Nos termos propostos pela Recorrida, então Autora (doravante, “Recorrida”), na sua Petição Inicial, a mesma peticionou a condenação da Reclamante ao pagamento de MOP81.134,35, pela suposta prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal de trabalho, assim como ao pagamento de MOP54.089,57, a título de descanso compensatório alegadamente não gozado, montantes aos quais acresceriam juros legais até efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria condigna.
10. Na sua Contestação, a Reclamante, impugnou as alegações proferidas pela Recorrida, requerendo a absolvição de todos os pedidos formulados contra si.
11. Mas essa não foi a única reacção que a Reclamante teve face à infundada acção judicial contra si movida pela Recorrida, tendo requerido e peticionado amparo da sua posição jurídica às instâncias jurisdicionais da RAEM.
12. Conforme resulta cristalino do teor dos artigos 97.º a 114.º da Contestação, a Reclamante alegou os factos e teceu as considerações de direito que, na sua visão, determinariam a conclusão por parte do Tribunal a quo de que a Recorrida se encontrava a litigar de má fé, peticionando que a mesma fosse condenada em multa, bem como a pagar à Recorrente, então Ré e ora Reclamante, uma indemnização que fixou. liquidou e peticionou, de forma expressa, em MOP24.000,00, condenação essa devidamente identificada e nomeada no petitório da citada Contestação.
Para além disso,
13. Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo quedou-se específica e detalhadamente nos vários pedidos em análise no caso sub judice, decidindo acerca dos pedidos formulados pela Recorrida contra a Reclamante, assim como no pedido formulado pela Reclamante contra a Recorrida, decidindo de acordo com o seu juízo (o qual se reputa, respeitosamente, de desconforme à prova produzida em sede de audiência de julgamento e contrário às normas legais aplicáveis).
14. Em concreto, o Tribunal a quo:
- condenou a Reclamante ao pagamento à Recorrida de uma indemnização de MOP35.359.44, pela prestação de 15 minutos de trabalho para além do período normal de trabalho;
- absolveu a Reclamante do pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização formulado pela Recorrida, relativamente ao descanso compensatório alegadamente não gozado;
- absolveu a Recorrida do pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização formulado pela Reclamante, com base em litigância de má fé - vide, fls. 235 e 235v..
15. Como é bom de ver, no que concerne à posição jurídica da Reclamante. a Sentença recorrida não só veio determinar a sua condenação ao pagamento de MOP35.359.44. como veio negar provimento ao seu pedido de condenação da Recorrida ao pagamento de MOP24.000.00, decisões essas que foram devidamente impugnadas em sede do recurso interposto pela Reclamante.
16. Quer isto dizer que a Sentença recorrida compôs duas valências económicas distintas, mas incindíveis no que concerne à realidade material a ter em conta para efeitos de sucumbência, no que à pretensão da Reclamante diz respeito.
17. Por outras palavras, a correcta integração do conceito ínsito no supra citado n.º 1 do artigo 583.º do CPC imporia a conclusão de que a decisão impugnada em sede de recurso foi efectivamente desfavorável à pretensão da Reclamante em MOP59.359,44 (MOP35.359,44 + MOP24.000,00), montante esse indiscutivelmente superior a metade da alçada do Tribunal a quo.
 ...”.
*
Devidamente notificado, o Autor B nada se pronunciou.
*
II. Fundamentação
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 “…
  Dispõe o nº 1 do artº 583º do CPCM que “salvo disposição em contrário, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável à pretensão do recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende-se somente ao valor da causa.”.
  In casu, o Tribunal recorrido é o TJB.
  Ora, nos termos do disposto no artº 18º/1 do LBOJM, em matéria cível e laboral a alçada dos tribunais de primeira instância é de MOP$100.000,00.
  Assim, o valor de sucumbência é de MOP$50.000,00.
  No caso sub justice, a decisão impugnada é desfavorável à pretensão da recorrente apenas em montante de MOP$35.359,44, que é inferior ao valor da sucumbência.
  Pelo exposto, não admito o recurso interposto.
  Custas do incidente pela recorrente com 1UC.
  Notifique e D.N..
   …”.
Trata-se duma decisão correcta e adequada com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que com fundamentos nela já expostos, indeferimos a reclamação apresentada.
Na verdade, a litigância de má-fé é um incidente especial e autónomo em relação à causa principal, cujo valor não integra no valor da causa principal, razão pela qual o legislador prevê meio de impugnação próprio para o caso da condenação (cfr. nº 3 do artº 385º do CPCM).
Dispõe o artº 255º do CPCM que “O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade dos artigos anteriores.”.
No caso em apreço, a Ré, ora Reclamante, requereu a condenação do Autor como litigante de má-fé, e, em consequência, pediu uma indemnização no valor de MOP$24.000,00.
Ora, tendo em conta o disposto do nº 1 do artº 255º do CPCM, é este o valor do incidente da litigância da má-fé, que é inferior à alçada dos tribunais de primeira instância, pelo que a decisão da não condenação não admite o recurso ordinário.
Por outro lado, como é sabido, o recurso da decisão sobre os incidentes é autónomo em relação ao recurso da decisão da causa principal, daí que nunca pode associar o valor do incidente com o valor da causa principal com o fim aproveitar o valor do incidente para interpor recurso ordinário duma decisão da causa principal que não admite o recurso ordinário.
*
III. Decisão
Face ao expendido, acordam em indeferir a reclamação apresentada, mantendo o despacho reclamado.
*
Custas pela Recorrente com taxa de justiça de 6 UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 20 de Junho de 2024.
Ho Wai Neng (Relator)
Tong Hio Fong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro (Segundo Juiz-Adjunto)
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152/2024