Processo nº 210/2023
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)
Data do Acórdão: 27 de Junho de 2024
ASSUNTO:
- Revisão de sentença
- Dívida
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 210/2023
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)
Data: 27 de Junho de 2024
Requerente: A (HK) Limited
Requerido: B
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A (HK) Limited, com os demais sinais dos autos,
vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
B, também com os demais sinais dos autos.
Citado o Requerido para querendo contestar veio este fazê-lo invocando não ter sido citado para contestar na acção que deu origem à decisão revidenda.
O Requerente respondeu sustentando que a citação havia sido correctamente feita de acordo com as regras do tribunal que proferiu a decisão a rever e confirmar.
Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de que a citação havia sido correctamente feita segundo as regras do regime do jurídico aplicável ao tribunal que proferiu a decisão a rever, pugnando pela procedência da acção.
Foram colhidos os Vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Questão prévia
Já após o parecer do ilustre Magistrado do Ministério Público ter sido proferido veio o Requerido responder à resposta do Requerente à sua contestação.
De acordo com o disposto no artº 1201º do CPC o processo de revisão de decisão proferida por tribunais ou árbitros do exterior de Macau comporta apenas 3 articulados que consistem na petição inicial, contestação e resposta a esta.
À resposta à contestação não pode vir o Requerido responder à resposta.
Ao requerido cabia deduzir toda a sua defesa na contestação sob pena de preclusão do respectivo direito.
Assim sendo, por falta de fundamento legal, impõe-se a final ordenar o desentranhamento do documento junto a fls. 342 e seguintes, sendo o Requerido condenado nas custas do incidente a que deu causa.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
1. Pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Juízo de Primeira Instância foi proferida sentença final nº HCA **** de 2022 com o seguinte teor:
«HCA ****/2022
NO SUPREMO TRIBUNAL DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE HONG KONG
TRIBUNAL DA PRIMEIRA INSTÂNCIA
AÇÃO Nº **** DE 2022
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ENTRE
[Selo e rubrica]
29 de Novembro de 2022
A (HK) LIMITED AUTOR
E
B RÉU
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SENTENÇA FINAL
NO DIA 29 DE NOVEMBRO DE 2022
Não tendo sido dado aqui qualquer notificação da intenção de contestação pelo Réu, É NESTE DIA CONDENADO que o Réu paga ao Autor:-
(i) A quantia de HKD4.845.394,40 acrescida de juros devidos à taxa contratual de 8% por ano, desde 22 de Agosto de 2022 até à data presente e, a partir daí, à taxa de julgamento até ao pagamento integral; e
(ii) Custos fixos de HKD11.045,00.
(…)»
b) Do Direito
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
«1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
Vejamos então.
Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong foi o Réu condenado a pagar os valores ali indicados, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, estando assim preenchido o pressuposto da al. a) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Igualmente resulta da certidão junta que a decisão se tornou definitiva o que equivale nos termos da legislação de Hong Kong a que já transitou em julgado, não provindo de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Suscitada a questão do Requerido não ter sido regularmente citado no processo onde foi proferida a decisão a rever, pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido Douto Parecer nos seguintes termos:
«(…)
(ii.1)
Alegou o requerido na sua contestação que a decisão revidenda não pode ser confirmada em virtude de, segundo diz, não se mostrar preenchido o requisito legal a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC, norma segundo a qual, o réu deve ter sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem da decisão.
Não nos parece que o Requerido tenha razão.
Na verdade, dos elementos constantes dos autos parece resultar que, no procedimento de «writ of summons» que correu os seus termos na jurisdição da RAEHK, foram observadas as formalidades impostas pelas leis dessa jurisdição. De resto, como resulta do documento de fls. 47, o segundo esclarecimento ajuramentado de C foi feiro a solicitação do próprio Tribunal, o qual, como se pode depreender de facto de ter proferido a decisão revidenda, considerou que, após esse esclarecimento, estava em condições de proferir a decisão no pressuposto da falta de contestação do Requerido.
Claro está que, face ao nosso ordenamento processual civil, a citação do Requerido não seria válida, ou pelo menos, não implicaria uma situação de revelia operante. Todavia, o que releva para aferir a regularidade da citação é a lei do local do tribunal que proferiu a decisão. Sendo assim, propendemos no sentido de que não haverá razão para considerar que a citação do Requerido não foi regularmente efectuada.
(…)».
Aderindo aos fundamentos constantes do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público os quais aqui damos por reproduzidos, entendemos estar verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
A sentença revidenda procede à condenação do Réu no pagamento de dívida, direito que a legislação de Macau igualmente prevê, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação proferida por tribunal exterior a Macau.
c) DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
- Ordenar o desentranhamento do requerimento junto a fls. 342 e seguintes, sendo devolvido à parte que o apresentou ficando apenas nos autos por segurança cópia do mesmo com menção desta decisão.
- Conceder a revisão e confirmar a decisão do Supremo Tribunal da Região Administrativa Especial de Hong Kong, Tribunal de Primeira Instância nos termos acima transcritos.
Custas pelo Requerido quanto à acção e incidente de desentranhamento fixando-se a taxa de justiça pelo incidente em 2 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 27 de Junho de 2024
Relator
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Primeiro Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
Segundo Juiz-Adjunto
Ho Wai Neng
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REV e CONF DE DECISÕES