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Processo n.º 143/2024
(Autos de recurso contencioso)

Data: 4/Julho/2024

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, devidamente identificado nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança que lhe aplicou a pena de demissão no âmbito do processo disciplinar n.º 27/2022-2.1-DIS, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, apresentando na sua petição de recurso as seguintes conclusões:
     “i. O presente recurso contencioso de anulação incide sobre a decisão de aplicação de uma pena de demissão ao Recorrente no âmbito do Processo Disciplinar n.º 27/2022-2.1-DIS, ao abrigo do disposto na alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º e alínea 3) do artigo 155º da Lei n.º 13/2021 (Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança).
     ii. Trata-se de uma decisão punitiva de demissão que diz respeito a um funcionário que já se encontra aposentado, conforme se discute presentemente noutros autos de recurso contencioso que correm termos junto do Tribunal de Segunda Instância.
     iii. De facto, o aqui Recorrente é também recorrente no processo n.º 645/2023 onde se discute a verificação dos pressupostos de que depende a aposentação obrigatória e automática desde Abril de 2023.
     iv. Pelo que, o objecto dos presentes autos está intimamente relacionado com o objecto dos referidos autos que correm termos sob o n.º 645/2023, dado que a pena de demissão ora em crise diz respeito a alegadas faltas injustificadas dadas numa altura em que o Recorrente entende já estar aposentado.
     v. Com efeito, se o Recorrente obtiver vencimento nos outros autos onde está a ser discutida a sua aposentação obrigatória e automática, então os presentes autos perdem a sua razão de ser, porque desaparece totalmente o fundamento para a aplicação da pena de demissão.
     vi. Nessa medida e para evitar inutilidade dos presentes autos e a contradição de julgados deve ser suspensa a apreciação dos presentes autos até que sobrevenha uma decisão no referido processo n.º 645/2023.
     vii. Seja como for, importa ter em consideração que a decisão ora em crise consiste numa decisão disciplinar punitiva de demissão aplicada a um funcionário dos Serviços de Alfândega que, por sofrer de complicações sérias de saúde teve de faltar ao serviço por longos períodos, ausências que foram sendo sucessiva e diligentemente justificadas mediante apresentação de atestados médicos.
     viii. De facto, o Recorrente ingressou nos Serviços de Alfândega em 1994, pelo que a análise da pena de demissão não pode ser dissociada da questão de fundo que é a de saber se o vínculo jurídico-funcional se extinguiu por força da aposentação obrigatória e automática que é consequência da ultrapassagem do limite legal de faltas – 18 meses – e ter completado mais de 15 anos de serviço.
     ix. O Recorrente foi sempre um funcionário exemplar, zeloso e responsável, mas por virtude de uma lesão ocorrida durante o desempenho das suas funções que provocou uma lombalgia aguda, passou a ter de se ausentar por longos períodos de tempo do serviço.
     x. Com efeito, as dores sofridas pelo Recorrente na sequência da lesão sofrida tornaram o desempenho das suas tarefas progressivamente mais difícil e doloroso, razão pela qual, pelo menos desde Fevereiro de 2018 que o Recorrente apresenta sucessivos atestados médicos para justificar as suas ausências do serviço.
     xi. A dada altura, o Recorrente ultrapassou o limite legal de 18 meses do período de faltas por doença a que se reporta o artigo 106º do ETAPM, o que aliado ao facto de o Recorrente já ter completado mais de 15 anos de serviços levou a que viesse a requerer a desligação automática do serviço para efeitos de aposentação em 13 de Abril de 2023, ao abrigo do disposto no artigo 107º, n.º 1, alínea a) e no artigo 262º, n.º 1, alínea b), ambos do ETAPM.
     xii. A Administração – na pessoa dos Serviços de Alfândega e da Entidade Recorrida – rejeitaram o pedido de desligação apresentado pelo Recorrente, argumentando que não estava verificado o requisito do disposto no artigo 107º, n.º 1, alínea a) e no artigo 262º, n.º 1, alínea b), ambos do ETAPM.
     xiii. Ou seja, a Administração desconsiderou para os efeitos da desligação funcional do Recorrente, o período de faltas globalmente compreendido entre 29 de Junho de 2019 e 17 de Agosto de 2020, o que atenta directamente contra a lei e, também, contra decisões judiciais favoráveis ao Recorrente e que dizem respeito precisamente a esta matéria.
     xiv. Naturalmente, caso a Administração tivesse considerado o referido período de faltas, o Recorrente já estaria aposentado e as alegadas faltas injustificadas ocorridas a partir de 21 de Abril de 2023 deixariam de existir, com o que a pena de demissão não teria sido aplicada.
     xv. Relativamente ao período de faltas entre 29 de Junho de 2019 e 3 de Outubro de 2019, pronunciou-se este Venerando Tribunal de Segunda Instância no âmbito do processo n.º 375/2021
     xvi. Nesses autos, também de recurso contencioso, discutiu-se uma outra pena de demissão aplicada na sequência de um processo disciplinar que assentava também na alegada ausência ilegítima do Recorrente por mais de cinco dias consecutivos.
     xvii. Esses autos de recurso contencioso acabaram por ser decididos de forma favorável ao ora Recorrente, tendo sido revertida a decisão de aplicação da pena de demissão e, além disso, tendo sido consideradas justificadas as faltas dadas entre 29 de Junho de 2019 e 3 de Outubro de 2019, que tinham sido previamente classificadas como injustificadas pelos Serviços de Alfândega.
     xviii. Além disso, ficou claro que nesse supra referido não impendia sobre o Recorrente a obrigação de regressar ao serviço, nem estava ele impedido de continuar a justificar as suas faltas ao serviço mediante apresentação de atestados médicos, como fez.
     xix. Não existe, portanto, qualquer razão para não considerar essas faltas aquando da contagem dos 18 meses de que depende inexoravelmente a aposentação obrigatória do Recorrente.
     xx. Por outras palavras, ao anular a decisão de demissão no referido processo disciplinar foram também retirados os efeitos das decisões das juntas de saúde que impunham ao Recorrente a obrigação de se apresentar ao serviço, pelo que a relutância da Administração em reconhecer todos os efeitos das faltas dadas pelo Recorrente entre junho e outubro de 2019 é incompreensível, além de ilegal.
     xxi. Impõe-se, portanto, o reconhecimento de todos os efeitos jurídicos que derivam das faltas justificadas dadas pelo Recorrente nesse período.
     xxii. Já no que diz respeito ao período compreendido entre 4 de Outubro de 2019 e 17 de Agosto de 2020 importa referir que as faltas dadas nessa altura foram objecto de análise e decisão favorável ao ora Recorrente no processo n.º 2986/20-ADM que correu termos no Tribunal Administrativo.
     xxiii. Nesses autos decidiu o Tribunal Administrativo que a junta de saúde era incompetente para decidir sobre se as faltas estavam ou não estavam (retroactivamente) justificadas, pelo que foram anulados os actos de homologação praticados pelo Director dos Serviços de Saúde, assim se “convalidando” as faltas dadas pelo Recorrente nesse período.
     xxiv. Resulta que a ausência do Recorrente entre 29 de Junho de 2019 e 17 de Agosto de 2020 não consubstanciou uma situação prolongada de ausência legítima, mas antes uma situação prolongada de faltas sucessivamente justificadas.
     xxv. Não obstante as referidas decisões judiciais, certo é que a Administração insiste em apenas considerar, para os efeitos do preenchimento dos requisitos de que depende a aposentação obrigatória, as faltas dadas entre 14 de Fevereiro de 2018 e 28 de Junho de 2019.
     xxvi. Ao insistir nesta situação, a Administração criou uma situação artificial em que o Recorrente estará alegadamente a faltar injustificadamente ao serviço, quando na verdade o Recorrente já devia era estar aposentado, nos termos da lei.
     xxvii. O Recorrente não aceita, portanto, as razões que subjazem à pena de demissão que se pretende lhe seja aplicada pela Administração, por entender que muito antes de se verificarem as alegada faltas injustificadas já se tinha constituído na esfera jurídica do Recorrente o direito à aposentação.
     xxviii. De facto, o ilegal indeferimento do pedido de aposentação apresentado pelo Recorrente culminou na aplicação da pena de demissão ora em crise, o que manifestamente contraria as normas do ETAPM e duas decisões judiciais transitadas em julgado.
     xxix. É que a desligação funcional do Recorrente devia ter ocorrido de forma automática, sendo um acto de natureza vinculada.
     xxx. Além disso, mesmo que subsistissem dúvidas sobre a classificação das faltas dadas entre 29 de Junho de 2019 e 17 de Agosto de 2020, essas foram definitivamente afastadas pelas já referidas decisões judiciais.
     xxxi. De faco, verificando-se ope legis a aposentação, tal significa que deixou de impender sobre o Recorrente um dever de assiduidade, pelo que não lhe poderá ser imputada a violação desse mesmo dever numa altura em que este já não existia na esfera jurídica do Recorrente.
     xxxii. O Recorrente tem sido vítima de uma catadupa de decisões “atabalhoadas” da Administração e que o colocam agora diante da possibilidade de ser demitido – com todas as consequências que daí advêm – quando ao invés de demitido, o Recorrente já devia estar aposentado.
     xxxiii. Pelas razões supra expostas torna-se evidente a situação kafkiana a que o Recorrente se encontra sujeito e que revela a total falta de fundamentos de facto e de direito para a prática do Acto Recorrido, designadamente por não haver lugar à aplicação do estatuído na alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º do Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança quando sobre o sujeito já não impenda o dever de comparecer ao serviço, como é o caso.
     xxxiv. A ausência dos fundamentos de facto e de direito necessários para alicerçar o Acto Recorrido consubstancia uma violação de lei, pelo que aquele dever ser anulado ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
     Nestes termos, e nos mais de Direito, se requer a V. Exas. que se dignem conceder provimento ao presente recurso contencioso, e que, em consequência se dignem anular o Acto Recorrido por se mostrar inquinado do vício de violação de lei, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 21º do CPAC.”
*
Regularmente citada, a entidade recorrida apresentou contestação, defendendo a extemporaneidade do recurso e sua improcedência, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
     “I. O recorrente vem interpor recurso do despacho proferido pela Entidade Recorrida em 18 de Dezembro de 2023, que lhe aplicou a pena de demissão, no âmbito do Processo Disciplinar n.º 27/2022-2.1-DIS, nos termos das disposições conjugadas da alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º e da alínea 3) do artigo 155º, ambos da Lei n.º 13/2021.
     II. O presente recurso contencioso deve ser liminarmente rejeitado por extemporaneidade, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 46º do CPAC, na medida em que o prazo para a sua interposição era de 30 dias, decorridos 15 dias sobre a data da publicação no Boletim Oficial do aviso da decisão do processo disciplinar, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 131º da Lei n.º 13/2021 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do CPAC.
     III. Se assim não se entender, quanto ao mérito da pretensão do Recorrente, considera a Entidade Recorrida que deve o recurso ser julgado improcedente, já que a pena de demissão foi aplicada ao Recorrente por se considerar que este se constituiu na situação de ausência ilegítima por um período que excedeu cinco dias seguidos, tendo por isso violado o dever de assiduidade consagrado no artigo 93º da Lei n.º 13/2021.
     IV. Na esfera jurídica do Recorrente não se constituiu o direito à aposentação, pelo que sobre ele impendia o dever de assiduidade.
     V. O desligamento automático do serviço para efeitos de aposentação a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do ETAPM apenas tem lugar quando se tenha esgotado o período de 18 meses de faltas por doença a que se refere o n.º 1 do artigo 106º do mesmo Estatuto, sendo que esta norma remete para o n.º 3 do artigo 105º, nos termos do qual apenas revelam os períodos de doença que resultem de determinação da Junta de Saúde.
     VI. Na contagem do período de 18 meses a que se refere a norma do n.º 1 do artigo 106º do ETAPM, não estão abrangidas as situações em que as faltas são justificadas por simples atestado médico, nos termos gerais que decorrem da norma da alínea a) do artigo 100º do ETAPM.
     VII. O indeferimento do pedido de aposentação não contraria nem as normas do ETAPM, nem as decisões tiradas nos processos que correram termos nesse Venerando Tribunal sob o n.º 375/2021 e no Tribunal Administrativo sob o n.º 2986/20-ADM.
     VIII. A factualidade objecto do Recurso n.º 375/2021 era completamente distinta da factualidade subjacente ao presente recurso, e no processo que correu termos no Tribunal Administrativo, a Entidade Recorrida era o Director dos Serviços de Saúde, e o acto recorrido foi o seu despacho de 16/10/2020.
     IX. O Recorrente não estava automaticamente desligado do serviço, e ainda subsistia o seu vínculo jurídico-funcional com os Serviços de Alfândega, logo sobre ele impendia o dever de assiduidade.
     X. Ao não comparecer ao serviço nos dias 28 de Setembro de 2022, 8 de Abril de 2023, 15 de Abril de 2023 e, ainda, a partir do dia 21 de Abril de 2023, e ao não justificar essas ausências, o Recorrente violou o dever de assiduidade que sobre ele impendia, previsto no artigo 93º da Lei n.º 13/2021.
     XI. O Recorrente constituiu-se na situação de ausência ilegítima por um período que excedeu cinco dias seguidos e violou o dever de assiduidade, pelo lhe foi aplicada a pena de demissão, nos termos das disposições conjugadas da alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º e da alínea 3) do artigo 155º, ambos da lei n.º 13/2021.
     XII. O acto ora recorrido não enferma de nenhum dos vícios que lhe são imputados pelo Recorrente, isto é, não enferma dos vícios de violação de lei e de erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito.
     Nestes termos e nos mais de direito, ainda com o douto suprimento de V. Exas., por não existir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso.
     Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente é funcionário dos Serviços de Alfândega.
O Exm.º Secretário para a Segurança proferiu no dia 18.12.2023 o seguinte despacho, ora recorrido:
“Despacho n.º 093/SS/2023
Assunto: Processo Disciplinar n.º 27/2022-2.1-DIS, dos Serviços de Alfândega
Arguido: Verificador de primeira alfandegário n.º 1XXX41 – A

Nos autos de processo disciplinar supra identificados provou-se o essencial da acusação deduzida contra o arguido, verificador de primeira alfandegário n.º 1XXX41 – A, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
Com efeito, o arguido não compareceu ao serviço, sem justificação, nos dias 28 de Setembro de 2022, 15 de Abril de 2023, 8 de Abril de 2023 e, ainda, a partir do dia 21 de Abril de 2023 até ao presente, constituindo-se na situação de ausência ilegítima por um período que excede cinco dias seguidos e violando o dever de assiduidade previsto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 93º da Lei n.º 13/2021 (Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança), doravante designada por Estatuto.
O arguido mantém-se nesta situação de ausência ilegítima, sem qualquer interrupção, desde o dia 21 de Abril de 2023.
Mais, no dia de Setembro de 2022 o arguido ignorou a ordem que lhe foi dada, por várias vezes, pelo subinspector alfandegário B, para entregar o atestado médico no piquete da Sede, violando assim o dever de obediência previsto no n.º 1 do artigo 86º do Estatuto.
Acresce que o arguido incumpriu o disposto no artigo 16º da Lei n.º 2/2011 (Regime do prémio de antiguidade e dos subsídios de residência e de família), uma vez que após o seu filho ter concluído o ensino universitário, o arguido não comunicou ao serviço, no prazo máximo de 15 dias, a cessação do requisito a que se refere n.º 2 do artigo 13º da mesma Lei e que esteve na base da concessão daquele subsídio de família, violando assim o dever de obediência e o dever de zelo, previstos respectivamente na alínea 1) do n.º 2 do artigo 86º e no n.º 1 do artigo 88º do Estatuto.
O arguido, beneficiando, embora, da atenuante da alínea 8) do n.º 2 do artigo 156º do Estatuto (as condecorações, medalhas ou outras recompensas, concedidas em razão do exercício das suas funções), vê a conduta descrita ser-lhe agravada pela ocorrência da circunstância agravante da alínea 12) do n.º 2 e do n.º 6 do artigo 157º do Estatuto (a acumulação de infracções disciplinares).
O comportamento absentista do arguido demonstra que não existem condições para a manutenção do vínculo funcional.
A conduta do arguido integra, aliás, a previsão sancionatória de demissão que resulta das disposições conjugadas da alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º e da alínea 3) do artigo 155º, ambos do Estatuto.
Foi ouvido o Conselho Disciplinar, nos termos do disposto na alínea 6) do n.º 1 do artigo 202º do Estatuto.
Nestes termos, ponderadas a gravidade das faltas, a culpa e a responsabilidade do arguido, Verificador de primeira alfandegário n.º 1XXX41 – A, do quadro de pessoal alfandegário dos Serviços de Alfândega, o Secretário para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo V ao artigo 78º do Estatuto, e bem assim da Ordem Executiva n.º 182/2019, pune o arguido com a pena de DEMISSÃO, nos termos da alínea 9) do n.º 2 do artigo 153º e da alínea 3) do artigo 155º, ambos do Estatuto.
Notifique-se o presente despacho nos termos do artigo 131º do Estatuto e, bem assim, de que do mesmo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
Atenta a alteração da situação jurídico-funcional do arguido, proceda-se à necessária publicação no Boletim Oficial.
Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 18 de Dezembro de 2023”

Uma vez que não foi possível notificar pessoalmente o recorrente ou por carta registada com aviso de recepção, no endereço constante do seu processo individual, acerca do referido despacho, foi publicado aviso no Boletim Oficial no dia 3 de Janeiro de 2024, para efeito de notificação.
O recorrente apresentou o presente recurso contencioso em 27 de Fevereiro de 2024.
Entre 1.4.2023 e 31.3.2024, registaram-se 98 movimentações de entradas e saídas do recorrente da RAEM, tendo ele cá pernoitado nos dias 1, 4, 10, 13, 16 de Abril de 2023, bem como em 23 de Fevereiro de 2024.
*
Aberta vista inicial ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Ora, os n.º 3 e n.º 4 do art. 112.º da Lei n.º 13/2021 dispõem: 3. Com excepção da notificação da acusação e da decisão punitiva, todas as demais notificações podem ser feitas exclusivamente na pessoa do advogado, quando o mesmo esteja munido de poderes especiais para as receber em nome do arguido. 4. Sem prejuízo do disposto no número anterior, ao advogado constituído deve ser dado conhecimento da acusação e da decisão punitiva, contando-se o prazo para apresentação da defesa ou para interposição de recurso a partir da data da respectiva notificação ao arguido.
Nestes autos e por força da disposição no art. 131º desta Lei, somos levados a extrair que a notificação do despacho em escrutínio teve lugar em 18 de Janeiro de 2024 e a partir desse dia se começou a contagem do prazo para apresentação do recurso contencioso.
Note-se que está plena e incontestavelmente provado que durante Fevereiro de 2024 o recorrente praticara 26 entradas em Macau e estas entradas surgiram nos 16 dias de Fevereiro (vide. doc. de fls. 39 a 42 dos autos). De outro lado, convém apontar que ele é recorrente deste processo e ainda do Processo n.º 645/2023 cujo Acórdão negou procedência ao recorrente.
Com todo e elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido diferente, os sobreditos factos levam-nos a inferir que não se justifica a aplicação da alínea b) do n.º 2 do art. 25.º do CPAC ao caso sub judice; e afigura-se-nos que se deve aplicar in casu o prazo de 30 dias consagrado na alínea a) do n.º 2 referido, contado a partir de 19/01/2024 que é o dia imediatamente seguinte à data da publicação do Aviso (doc. de fls. 29 dos autos).
Tudo isto implica que entrado em 27/02/2024 no douto TSJ (doc. de fls. 2 dos autos), o recurso em apreço foi interposto fora do prazo de 30 dias previsto na dita alínea a) e, deste modo, na altura em que se encontrou a irremediável caducidade do direito do recurso contencioso.
Sendo assim, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art. 46.º do CPAC e de acordo com a criteriosa jurisprudência, inclinamos a entender que a entidade recorrida deve ser absolvida da instância.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela supramencionada absolvição da instância.”
*
Considerando as fundamentadas ponderações expostas pelo Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público que antecede, diremos que o presente recurso contencioso foi interposto fora do prazo legal.
Dispõe-se no artigo 131.º da Lei n.º 13/2021 o seguinte:
“1. A decisão deve ser notificada ao arguido, pessoalmente ou por carta registada com aviso de recepção para a morada constante do seu processo individual.
2. Quando não seja possível proceder à notificação de acordo com o número anterior, procede-se à notificação do arguido nos termos do n.º 2 do artigo 123.º, considerando-se a notificação feita decorridos 15 dias sobre a data da publicação.
3. Simultaneamente com a notificação ao arguido deve ser dado conhecimento ao seu defensor ou representante legal, ao participante e ao queixoso, sempre que estes o tenham requerido no momento da participação dos factos.”
No caso em apreço, uma vez que não foi possível notificar pessoalmente o recorrente, nem por carta registada com aviso de recepção no endereço constante do seu processo individual, procedeu-se à notificação por meio de aviso publicado no Boletim Oficial. Nesse caso, a notificação é considerada realizada após decorridos 15 dias sobre a data da publicação.
Tendo em vista que o aviso foi publicado em 3 de Janeiro de 2024, a notificação do recorrente é considerada efectivada em 18 de Janeiro de 2024.
O recorrente alega que deixou de residir na RAEM e passou a viver de forma habitual e permanente no exterior de Macau, argumentando, portanto, que se beneficia do prazo alargado previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC.
Sob nossa modesta perspectiva, não compartilhamos da posição defendida pelo recorrente.
Conforme a listagem de movimentações fornecida pelo CPSP, registaram-se diversas entradas e saídas da RAEM pelo recorrente no período compreendido entre 1.4.2023 e 31.3.2024. Durante esse mesmo período, o recorrente pernoitou na RAEM nos dias 1, 4, 10, 13, 16 de Abril de 2023, bem como em 23 de Fevereiro de 2024.
Em nossa análise, se o recorrente de facto tivesse deixado a sua residência na RAEM para viver de forma permanente no exterior, não se justificaria a ocorrência de tantos deslocamentos pelos postos fronteiriços. Além disso, o facto de o recorrente algumas vezes ter passado a noite na RAEM indica que ele nunca deixou de manter sua residência nesta Região Especial.
Embora o recorrente tenha apresentado um documento comprovando ser dono de uma fracção autónoma em Zhuhai, bem como um registo de pagamento de despesas de água, tais evidências não implicam necessariamente que ele tenha deixado de residir na RAEM. De acordo com as regras de experiência comum, muitos residentes de Macau compraram casas na China, sem, no entanto, deixarem de residir na RAEM, antes residem em ambos os lugares.
Assim sendo, o prazo para a interposição do recurso contencioso é de 30 dias, e não de 60 dias, como peticionado.
Considerando que o recurso deu entrada neste TSI em 27.2.2024, já havia decorrido o prazo legal de 30 dias para sua interposição, conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 26.º do CPAC. Portanto, constata-se a caducidade do direito de recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI julga procedente a excepção de caducidade do direito de recurso invocada pela entidade recorrida. Em consequência, absolve-a da instância, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, alínea a) e 62.º, n.º 1, do CPAC.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 4 de Julho de 2024

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)




Recurso Contencioso 143/2024 Página 30