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Processo nº 116/2022
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), B (乙), e C (丙), intentaram a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra D (丁), e E (戊), pedindo, a final, que:

“1. Seja declarada a nulidade, por simulação, do contrato de arrendamento celebrado entre os RÉUS relativamente à fracção AR/C, do Rés-do-chão "A", para comércio, do prédio sito em Macau, [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° XXXXX-I; e
2. Sejam os RÉUS condenados a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre a fracção AR/C, do Rés-do-chão "A", para comércio, do prédio sito em Macau, [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° XXXXX-I, e a entregar-lha livre de pessoas e bens; e
3.1 Sejam os RÉUS solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização no valor mensal de MOP$80.958,00, acrescidos de juros de mora, desde 23 de Abril de 2018 até efectiva entrega da fracção aos Autores, a liquidar em execução de sentença; ou, subsidiariamente,
3.2. Seja o 1.° Réu condenado a pagar aos Autores uma indemnização, a título de enriquecimento sem causa pela utilização indevida da fracção AR/C, do Rés-do-chão "A", para comércio, do prédio sito em Macau, [Endereço], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° XXXXX-I, no valor mensal de MOP$80.958,00, acrescidos de juros de mora, desde 23 de Abril de 2018 até efectiva entrega da fracção ao Autor, a liquidar em execução de sentença; e
4. Sejam os RÉUS solidariamente condenados no pagamento das custas judiciais dá presente lide e em procuradoria condigna”; (cfr., fls. 2 a 6-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, em resultado da qual, a final, ficou “provada” a seguinte matéria de facto:

“a) Os Autores adquiram, em compropriedade, através de venda judicial, no âmbito do processo de inventário autuado sob o n.º FM1-10-0016-CDL-A, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada por AR/C, do rés-do-chão “A”, para comércio, do prédio sito em Macau, [Endereço], descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º XXXXX-I, pelo valor de MOP$30.288.888,00.
b) Os Autores adquiriram a propriedade do 1º Réu e da sua ex-mulher, F, no processo de inventário subsequente ao divórcio destes, casados que haviam sido no regime da comunhão de adquiridos, o qual correu termos sob o n.º FM1-10-0165-CDL-A do Tribunal Judicial de Base da RAEM.
c) A fracção havia sido adquirida pelo 1º Réu e pela sua ex-mulher, F, na constância do seu matrimónio, por escritura lavrada em 13 de Dezembro de 2000.
d) O anúncio da venda judicial não mencionava a existência de qualquer ónus, encargo ou contrato de arrendamento incidente sobre a fracção dos autos.
e) Os Autores pagaram o preço, que foi de MOP$30.288.888,00, e cumpriram todas as formalidades e obrigações tributárias resultantes da aquisição.
f) A aquisição foi levada ao registo predial, pela apresentação n.º 127, de 6 de Abril de 2018, ficando a propriedade inscrita a seu favor sob o n.º XXXXXX, do Lº G.
g) No dia 23 de Abril de 2018, os Autores dirigiram-se à fracção adquirida, com a intenção de dela tomar conta, porém, não se conseguiu.
h) O antigo proprietário, o 1º réu D, em nome de senhorio, arrendou a fracção autónoma à E, ora 2ª Ré, como arrendatária.
i) Esse contrato foi assinado em 5 de Fevereiro de 2015, ou seja, já no decurso do processo de inventário n.º FM1-10-0016-CDL-A.
j) O prazo do arrendamento é de cinco anos e onze meses, com início em 1 de Abril de 2015 e termo em 28 de Fevereiro de 2021.
k) O valor da renda estipulado é de HKD4.000,00.
l) O 1º réu nunca teve intenção de dar a fracção em arrendamento (quesito 1º).
m) A 2ª ré nunca teve intenção de tomá-la em arrendamento (quesito 2º).
n) O valor locativo de mercado da fracção dos autos é de, pelo menos, HKD60.000,00 (quesitos 3º e 6º).
o) Foi o próprio 1º réu quem, após a celebração do contrato de arrendamento referido em H) e I) dos factos assentes, continuou, em proveito próprio, a explorar, na fracção dos autos, o estabelecimento comercial “[Loja]”, até 05/12/2019, data em que a fracção foi entregue aos autores por ordem judicial (quesito 4º).
p) O 1º réu explorou, na fracção dos autos, o estabelecimento comercial “[Loja]” desde que adquiriu a referida fracção no ano de 2000 até ao dia 05/12/2019 (quesito 5º).
q) Até 05/12/2019 era o 1º réu quem, todos os dias, abria e fechava a loja (quesito 6º).
r) Até 05/12/2019 era o 1º réu quem se encontrava permanentemente atrás do balcão enquanto a loja estava aberta (quesito 7º).
s) Até 05/12/2019 era o 1º réu quem suportava todos os custos e recebia todos os proveitos do negócio (quesito 8º).
t) A 2ª ré não tem qualquer verdadeira relação com a fracção dos autos (quesito 9º).
u) A 2ª ré nunca tomou conta da fracção, nem o 1º réu lhe transmitiu (quesito 10º).
v) A 2ª ré não tem qualquer relação material com a fracção dos autos, não exerce lá qualquer actividade e nunca lá está (quesito 11º).
w) E nunca pagou qualquer renda ao 1º réu (quesito 12º).
x) Tendo-se limitado a colaborar com o 1º réu num estratagema para enganar terceiros, aceitando assinar um contrato de arrendamento falso (quesito 13º).
y) Os autores adquiriram a fracção dos autos com a intenção de dá-la em arrendamento (quesito 14º).
z) Os autores sofrem um prejuízo mensal igual ao valor locativo da fracção (quesito 15º).
aa) Os réus já entregaram o mencionado imóvel aos autores no dia 5 de Dezembro de 2019 (quesito 17º).
bb) O 1º réu não procedeu à entrega do imóvel em estado devoluto, deixando lá os objectos enumerados a fls. 144 a 152 dos autos (quesito 18º).
cc) Os referidos objectos obstruíram a ocupação normal pelos autores da fracção em causa (quesito 19º)”.

Seguidamente, por sentença do Mmo Juiz do Tribunal Judicial de Base, julgou-se parcialmente procedente a acção pelos AA. proposta, decidindo-se:

“1. Declarar a nulidade, por simulação, do contrato de arrendamento celebrado entre os réus, D e E, relativamente à fracção autónoma designada “AR/C” do rés-do-chão “A”, para comércio, do prédio sito em Macau na [Endereço], descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º XXXXX-I;
2. Condenar os réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a fracção autónoma referida e a restituí-la aos autores livre de pessoas e bens;
3. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores a quantia correspondente a MOP.50.000,00 por cada mês que decorra entre 23 de Abril de 2018 e a efectiva entrega da referida fracção autónoma;
4. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores juros de mora à taxa legal contados sobre a soma das referidas quantias de MOP.50.000,00 respeitantes ao tempo já decorrido entre 23 de Abril de 2018 e 23 de Maio de 2021 (MOP.1.850.000,00), desde a data da presente sentença até integral pagamento;
5. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores juros de mora à taxa legal contados sobre a referida quantia mensal de MOP.50.000,00, até ao seu pagamento e desde cada um dos dias 23 de cada mês que decorra entre a data da presente sentença e a entrega efectiva da fracção autónoma.
Custas a cargo de autores e réus na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 423 a 431-v).

*

Tempestivamente, do assim decidido recorreram os RR. D e E com este “recurso”, subindo um outro “recurso interlocutório” pelos AA. A, B e C antes interposto; (cfr., fls. 445 a 463 e 259 a 261).

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Em apreciação dos ditos recursos, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 12.05.2022, (Proc. n.° 67/2022), que se passa a transcrever (na parte que para agora releva):

“(…)
Inconformados, da sentença recorreram os réus para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recorrente discorda da sentença recorrida, pois o considera com os seguintes vícios:
- Erro notório na apreciação das provas;
- Insuficiência dos factos provados para apoiar a decisão;
- Erros na interpretação e aplicação da lei.
2. Antes de tudo, o recorrente considera errada a opinião de que a renda excessivamente baixa e o prazo do arrendamento de 5 anos e 11 meses teriam determinado automaticamente a simulação do contrato de arrendamento. Os dois factores acima referidos existiam no arrendamento cá em apreço com razão e correspondiam à lei de experiência comum.
3. Ao estimar a renda da fracção em causa, é de adoptar o relatório de estimação da DSF, segundo a qual a renda mensal normal seria de MOP$ 22.166,67.
4. Como o actual contrato de arrendamento tem como requisito de forma obrigatório reconhecimento notarial, e no acto notarial, o notário declara à DSF e exige informações sobre a imposta já paga referente ao contrato de arrendamento, dispõe seguramente de todas as informações sobre os arrendamentos actuais e efectivos em Macau. Então a sua avaliação é aquela que necessariamente se aproxima o mais possível do valor de renda imobiliária de então. Acredita-se logo que a estimação imobiliária da DSF é a mais autorizada.
5. Além disso, o preço praticado no mercado, segundo o recorrente, não serve como como referência ou termo de comparação para a fracção em causa.
6. Porque cada loja é cada qual, com condições singulares. As lojas vizinhas podiam ser melhor equiparadas, decoradas ou mais espaçosas. Além disso, o contrato de arrendamento da loja acima referida assinou-se quando se estava na fase processual de partilha de bens do casal entre o 1.º recorrente e a ex-mulher. Era ainda incerto quem seria o proprietário do imóvel. A confusão impediu seguramente muitos inquilinos pretendentes.
7. O que se deveu precisamente ao facto de que as condições da loja acima referida dificultavam a procura bem-sucedida de arrendatário. A menos que se arrendasse a preço módico, ninguém no mercado estaria disposto a alugar a fracção.
8. Portanto, o preço ao qual o recorrente arrendou a fracção não distava excessivamente do preço corrente de mercado, nem era foi desrazoável.
9. O prazo do arrendamento de 5 anos e 11 meses explica-se com a circunstância de que na altura o 1.º recorrente estava a partilhar os bens conjugais com a ex-mulher. Segundo a experiência comum, quando se chega ao momento de divórcio, a relação conjugal deverá já ter acabado uma vez por todas.
10. A ex-mulher do 1.º recorrente não teria consentido com um prazo de arrendamento superior a 6 anos. Na altura o 1.º recorrente se via em apuros financeiramente. Resulta dos documentos a fls. 94, 95 e 97 dos autos que a sua empresa comercial concluía todos os anos com défice. Portanto, tentava arrendar com pressa a loja acima referida para sobreviver com a renda.
11. O acima referido demonstra que a renda relativamente baixa estipulada pelo recorrente não distava muito do preço de mercado e era razoável o prazo do arrendamento de 5 anos e 11 meses, sem qualquer fim de enganar terceiros.
12. Além disso, o recorrente não concorda com a sentença recorrida, segundo a qual os seguintes factos instrumentais servem para que se possa dar por assente a simulação do acto:
- O 1.º recorrente estava sempre a trabalhar dentro da loja;
- Depois da alienação, o modo de exploração da empresa comercial não mudou;
- As despesas da empresa comercial ficavam a cargo do 1.º recorrente.
13. As fls. 8 a 9, 94 a 131, 137, 138, 208 a 234 e 244 dos autos informam que o 1.º recorrente foi contratado como gerente da empresa; então devia cumprir os seus deveres laborais (incluindo abrir a loja para operar, cobrar, arrumar as mercadorias e tomar decisões, etc.).
14. Do ponto de vista comercial, é razoabilíssimo o depoimento de que não mudaram nada as decorações, a disposição da mobília da loja e os produtos lá propostos.
15. De facto, depois do trespasse da empresa comercial à 2.ª recorrente, esta percebeu que era antes viável o modo de operação no passado. O défice deveu-se à escassez da clientela nos anos mais recentes por causa da pandemia.
16. Bastariam mais publicidades com que angariar e incrementar a clientela para dar volta à situação. Assim o défice se transformaria em lucros. Verdadeiramente não era o caso de mudar largamente o modo de operação da empresa de maneira irreflectida, investindo fundos em obras de decoração e modificação da loja, o que representaria um risco de falimento que era de todo evitável. Era impecável a decisão da 2.ª recorrente.
17. Por fim, resulta dos documentos a fls. 131, 180, 183, 186 e 189 dos autos que como os recorridos se recusaram a dar a conhecer a conta bancária à 2.ª recorrente; além disso, a 2.ª recorrente estaria fora do território de 03/05/2018 a 30/09/2018, para cumprir o dever de pagar a renda, a única opção para a 2.ª recorrente era depositar a renda na conta bancária do 1.º recorrente, ou seja, do senhorio original; e aí o 1.º recorrente emitia cheques no seu nome para pagar a renda de cada mês.
18. Portanto, com base na análise feita às informações contidas nos autos, verdadeiramente é difícil chegar à conclusão de que era simulado o contrato de arrendamento entre os dois recorrentes.
19. Por outro lado, o recorrente não acha que o facto provado CC) pode ficar provado, pois já explicou nos autos a fls. 135 a 136 e a fls. 269 a 271 que a presença dos objectos na fracção não impediria os recorridos de usufruir da fracção.
20. Apesar das fotos a fls. 313 a 315 dos autos providenciadas pelos recorridos para descrever o estado do bem imóvel, o que mostram não correspondia à situação real dentro da fracção. O que se vê nas fotos era apenas o sótão dentro do imóvel (para a estrutura do sótão, vd. os autos a fls. 16). As fotos foram tiradas depois de os recorridos terem transportado os objectos do recorrente para o sótão pequenino. Logo, não representam a inteira fracção.
21. Nem todos os objectos nas fotos foram deixados pelo recorrente. Os certificados a fls. 151v e 152 dos autos mostram que o recorrente deixou apenas um frigorífico e um minibar. As fotos mostram em vez 5 frigoríficos na loja, o que obviamente não corresponde aos objectos deixados pelo recorrente.
22. Então pode-se ver que as fotos não foram mais do que uma encenação. Pois para exagerar como estava apertado o espaço, os recorridos empilharam outros objectos.
23. Em Julho de 2021, os dois recorrentes foram para a fracção recolher as mercadorias. Então notaram que os recorridos já tinham mudado a subdivisão da fracção, subdividindo-a em dois espaços, um dos quais tinha sido arrendado a outrem, enquanto o outro espaço era para a sua própria exploração. Até construíram ilegalmente um pequeno sótão. Todas as mercadorias do recorrente ficavam colocadas no sótão. O estado do sótão naquele dia era o mesmo mostrado nas fotos a fls. 313 – 315. (Documentos 1, 2 e 3 – fotos no momento da recepção)
24. Então, segundo o recorrente, não apenas as mercadorias não impediram os recorridos de usufruir normalmente da fracção, mas verdade seja dita, os recorridos beneficiaram da reestruturação da fracção e do seu subarrendamento.
25. Portanto, a decisão recorrida não devia ter dado por assente que o recorrente tinha impedido os recorridos de usufruir da fracção.
26. Quanto ao vício de insuficiência dos factos para apoiar a decisão, na opinião do recorrido (sic – N. da T.), os factos provados alíneas L, M, N, Y, AA, BB e CC não bastam para que a indemnização fixada no montante de MOP$ 1.850.000,00, que o recorrente se obriga a pagar, resulte fundamentada.
27. Como referido atrás, o recorrente já mostrou nos autos que apesar dos objectos presentes na fracção, nada impedia os recorridos de usufruir da fracção.
28. Resulta claro das fls. 14 a 18 dos autos que a área utilizável da fracção era de 88,67. Lá dentro estava um sótão. A foto a fls. 313 mostra que o ginseng, os chifres de cervo, os ingredientes medicinais e os produtos secos deixados pelo recorrente ocupavam apenas um pequeno quarto de menos de 10 m2. Não há factos suficientes capazes de demonstrar o âmbito no qual os recorridos se viam incomodados, como era o estado ou qual o tamanho do espaço ocupado.
29. Aliás, a fls. 271 dos autos o recorrente refere que dentro da fracção estavam em curso obras de decoração e reparação. Portanto é de averiguar como os recorridos foram impedidos de utilizar a loja, de maneira concreta.
30. Na decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo tomou apenas uma decisão conclusiva, i.e., “Os referidos objectos obstruíram a ocupação normal pelos recorridos da fracção em causa” (facto provado alínea CC). Faltam factos assentes demonstrativos da impossibilidade de usufruição da inteira fracção e do nexo de causalidade entre a presença dos objectos deixados pelo recorrente e a não usufruição da fracção.
31. Por outro lado, mesmo supondo que o tribunal a quo pudesse dar por assente o facto acima mencionado, “Os recorridos foram impedidos de usufruir da inteira loja”, sempre faltam factos que fundamentem o prazo de pagamento de indemnização até 23/05/2021, ao qual o recorrente se obriga.
32. Porque nem um único facto em toda a decisão mostra explicitamente que até 23/05/2021, os recorridos ainda não podiam usufruir da loja de maneira total.
33. Portanto, na falta de tal facto, a decisão recorrida não devia ter condenado o recorrente ao pagamento de indemnização no montante de MOP$ 1.850.000,00 e os juros desde o proferimento da sentença até pagamento integral, pois falta obviamente fundamento factual.
34. Acerca da interpretação e aplicação errónea da lei, segundo o recorrente, não estão satisfeitos todos os requisitos previstos pelo art.º 477.º, n.º 1 conjugado com o art.º 355.º, n.º 1 do CC, com base nos factos provados alíneas L, M, N, Y, AA, BB e CC.
35. Para além dos factos acima referidos, os recorridos deviam ter ainda demonstrado a “possibilidade verdadeira” de ganhar renda com o arrendamento da fracção, senão não se podia ter condenado a indemnização.
36. Nos autos não se encontra qualquer informação indicadora de proposta contratual dirigida aos recorridos por um terceiro que quisesse alugar a fracção, de demanda concreta atingida aos 3 recorridos para o alugamento do imóvel em causa ou de qualquer medida adoptada pelos 3 recorridos para que a fracção ficasse alugável. Senão não está satisfeito o disposto pelo art.º 477.º do CC. Isso encontra aprovação na jurisprudência do TUI no processo n.º 203/2020.
37. Nos termos do art.º 335.º, n.º 1 do CC, aos 3 recorridos cabe fazer a prova dos danos sofridos indicados em termos concretos e pormenorizados. Não basta uma linguagem tanto vazia como geral.
38. Cabe aos 3 recorridos mesmos demonstrar a certeza do sucesso dum alugamento contra renda de MOP$ 50.000,00 ou ainda superior.
39. Ao mesmo tempo, nos termos do art.º 1004.º do CC, ao adquirir a propriedade, os recorridos sucederam nos direitos e obrigações do locador, ou seja, o arrendamento acima referido. Como a renda do imóvel custava sempre MOP$ 4.000,00, na realidade, os 3 recorridos não sofreram qualquer dano.
40. Portanto, a sentença recorrida, no aspecto de interpretação e aplicação da lei, é em contraste com o art.º 477.º, n.º 1 conjugado com o art.º 355.º, n.º 1 do CC.
Nestes termos, pedia-se aos Mm.os Juízes julgar procedentes todos os factos alegados e fundamentos jurídicos relatados na presente motivação e por conseguinte anular a sentença recorrida, bem como rejeitar todos os pedidos processuais dos três recorridos.
Pedia-se a habitual justiça!”
*
Devidamente notificados, responderam os autores pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
(…)
Os réus entendem que existia erro na apreciação das provas, uma vez que, no seu entender, o valor da renda fixada pelos réus (na qualidade de senhorio e arrendatária) não era demasiado baixo nem o prazo do arrendamento fixado em 5 anos e 11 meses era fictício, assim andou mal a decisão recorrida ao concluir pela verificação da simulação. Além disso, os factos instrumentais comprovados nos autos também não permitiram chegar à conclusão do preenchimento dos requisitos da simulação.
Com efeito, os réus pretendem impugnar a decisão proferida pelo presidente do tribunal colectivo sobre a matéria de facto.
Estatui-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 599.º do CPC que cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
Por outras palavras, tencionando os réus impugnar a decisão da matéria de facto provada, e havendo gravação da prova, eles terão que especificar, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo nele realizado, e neste último caso, indicar as passagens da gravação em que se funda o erro imputado.
Conforme referiu Lopes de Rego, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância manifestando genérica discordância com o decidido.”1
No presente caso, podemos verificar que os réus não lograram indicar quais os pontos concretos, com referência aos quesitos da base instrutória, que consideram terem sido incorrectamente julgados pelo presidente do tribunal colectivo, nem as passagens da gravação em que se funda o erro imputado.
Daí que implica, a nosso ver, a rejeição do recurso no tocante à questão de impugnação da decisão da matéria de facto provada relativamente à questão de simulação, por inobservância do disposto no artigo 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.
*
Os réus vêm impugnar ainda a decisão sobre a matéria de facto provada vertida no quesito 19º da base instrutória e transcrita na sentença recorrida sob a alínea cc) da motivação de facto, com fundamento na suposta existência de erro na apreciação da prova produzida em sede dos presentes autos, mormente prova documental constante dos autos.
O tribunal recorrido respondeu ao referido quesito da seguinte forma:
Quesito 19º - “Os referidos objectos obstruíram a ocupação normal pelos AA. da fracção em causa?”, e a resposta foi: “Provado.”
Dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Também se decidiu no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador atribuir o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, acontece que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim sendo, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas.
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente a prova documental junta aos autos bem como a prova testemunhal, entendemos não terem razão os réus.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, o Tribunal recorrido já justificou, e bem, a sua decisão:
“Quanto ao facto de a loja não ter sido entregue devoluta e ao facto de estar impedida a sua normal utilização (quesitos 18º e 19º), foi determinante para a formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha G, que de forma credível por ter sido espontânea e clara, referiu que se deslocou à loja com os autores depois de estes a terem recebido e que a mesma estava desarrumada e com artigos diversos, tendo também referido que as fotografias de fls. 313 a 315 retratavam a situação da loja.”
No caso vertente, não se vislumbra qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação das provas, sendo que os recorrentes pretendem simplesmente sindicar a íntima convicção do tribunal recorrido formada a partir da valoração global das provas produzidas nos autos.
Improcede o recurso quanto a esta parte.
*
Alegam ainda os réus que a matéria de facto provada é insuficiente para sustentar a decisão recorrida.
Vejamos.
No caso em apreço, os autores alegaram que os réus ocuparam ilegitimamente a sua fracção autónoma e, por isso, sofreram prejuízos correspondentes ao seu valor locativo. Os réus vieram alegar (e que ficou provado) que procederam à devolução do imóvel aos autores no dia 5.12.2019. Por seu turno, replicaram os autores que os réus não entregaram o imóvel em estado devoluto, antes deixaram objectos enumerados nos autos e que obstruíram a ocupação normal da fracção pelos autores.
Ora bem, provado está nos autos que os réus ocuparam sem qualquer título o imóvel dos autores até 5.12.2019. Nesse dia, os réus procederam à entrega do locado aos autores, mas deixaram lá objectos enumerados nos autos e que obstruíram a ocupação normal da fracção pelos autores.
Não há dúvidas de que os réus têm a obrigação de indemnizar os autores pelos danos sofridos até 5.12.2019, em consequência da privação do uso e fruição do seu imóvel.
Mas a partir dessa data, não vemos qualquer razão para os autores não poderem usar o seu imóvel, nomeadamente para se destinar a novo arrendamento.
Uma coisa é certa. Não obstante estar provado que existia na fracção vários objectos que impediram o uso normal da fracção, a verdade é que os objectos ali encontrados apenas ocuparam o espaço físico do imóvel, não estando os autores impedidos de, após realizada e obtida a entrega judicial do imóvel, tomarem medidas para fazer uso do seu imóvel.
A nosso ver, não bastaria alguém dizer que, por se encontrarem vários objectos deixados por outrem ocupando o seu espaço físico, de imediato passava a ter direito à indemnização correspondente ao seu valor locativo. Antes é necessário alegar e provar que esse impedimento é absoluto e irresistível, nomeadamente quando a remoção daqueles objectos for impossível ou muito difícil para o interessado.
No caso dos autos, é bom de ver que os objectos encontrados na fracção dos autores são comidas secas, vinhos, medicamentos tradicionais chineses, etc., daí que não vislumbramos por que razão os autores não chegaram a intimar os réus para levantarem as mercadorias ou arranjaram armazém para pôr as coisas cobrando as respectivas despesas junto dos réus.
Isto posto, salvo o devido e mui respeito por melhor opinião, somos a entender que a matéria dada como provada não é suficiente para sustentar a condenação dos réus no pagamento da indemnização devida aos autores pelos danos sofridos em consequência da privação do uso e fruição do seu imóvel a partir de 5.12.2019, uma vez que a partir dessa data os autores já retomaram a posse da imóvel, sendo-lhes possível remover os objectos ali encontrados para poder dar de arrendamento a fracção, pelo que procedem, assim, as razões aduzidas pelos réus nesta parte, devendo a indemnização ser reduzida para MOP966.666,70 correspondente a MOP50.000,00 por cada mês que decorra entre 23.4.2018 e 4.12.2019 (19 meses e 10 dias) e juros de mora à taxa legal contados sobre a quantia devida, desde a data da sentença de primeira instância até integral pagamento.
*
Vejamos agora o recurso interlocutório interposto pelos autores.
Pediram os autores que os réus prestassem depoimento de parte, mas o requerimento foi indeferido pelo tribunal a quo.
É bem verdade que o depoimento de parte visa obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente. Entretanto, no caso presente, uma vez que os factos elencados pelos autores para ser respondidos pelos réus (mediante o depoimento de parte) foram basicamente dados como provados, o presente recurso interlocutório deixaria de ter utilidade, devendo, assim, ser julgado extinto o recurso por inutilidade superveniente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos réus D e E, revogando os pontos 3 a 5 constantes da parte decisória da sentença recorrida, passando os réus a ser condenados a pagar solidariamente aos autores A, B e C o montante de MOP966.666,70 e juros de mora à taxa legal contados sobre aquela quantia, desde a data da sentença de primeira instância até integral pagamento.
Custas do recurso da decisão final pelas partes na proporção do decaimento.
Mais acordam em julgar extinto o recurso interlocutório interposto pelos autores.
Custas do recurso interlocutório pelos autores.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 493 a 502-v e 4 a 12 do Apenso).

*

Ainda inconformado, o R. D recorreu para este Tribunal de Última Instância, alegando para concluir nos termos seguintes:

“1. O recorrente concorda apenas com a parte da sentença do TSI na qual se concedeu provimento aos recorrentes D e E. Discorda, porém, do resto.
2. Segundo o recorrente, a sentença recorrida enferma do vício de omissão no conhecimento.
3. Porque o TSI não se pronunciou sobre as questões levantadas pelo recorrente nas conclusões n.º 35 a 40 das suas alegações.
4. Na indemnização referente ao período que vai de 23/04/2018 a 04/12/2019, a que o TSI condenou o recorrente, subsiste o problema tal como apontava o recorrente na sua motivação.
5. O TSI isentou o recorrente de uma parte da indemnização (de renda a partir de 05/12/2019). O proferimento da decisão não quer dizer a solução do problema mencionado pelo recorrente. Ou ainda, que seja por isso que já não há necessidade de conhecer da questão e de decidir a respeito.
6. Os factos provados alíneas L, M, N, Y, AA, BB e CC não bastam para fundamentar a decisão.
7. Porque nos factos provados falta a “possibilidade verdadeira” de ganhar renda com o arrendamento da fracção.
8. Se os recorridos tinham vontade de arrendar, não tiveram porém sucesso, então não sofreram qualquer dano.
9. Segundo o recorrente, o fundamento que consistia na insuficiência dos factos provados acima referidos para fundamentar a condenação de indemnização não perdeu a necessidade de conhecimento.
10. Portanto, segundo o recorrente, a sentença recorrida é nula por omissão de conhecimento.
11. Ao mesmo tempo, acrescenta-se que nos termos do art.º 651.º, n.º 1 do CPC, o TUI deve suprir a nulidade, declarar em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecer dos outros fundamentos do recurso interposto.
12. Para prudência, o recorrente reapresenta a motivação que não chegou a ser apreciada. Pedia ao TUI ponderar os seguintes fundamentos ao suprir e modificar a decisão.
13. Segundo o recorrente, os factos provados alíneas L, M, N, Y, AA, BB e CC não bastam para fundamentar a decisão de que o recorrente devia pagar o montante global de MOP$ 966.667,70 (sic – N. da T.) a título de indemnização, referente ao período que vai de 23/04/2018 a 23/05/2021 (sic – N. da T.) e com base no montante mensal de MOP$ 50.000,00, e juros contados sobre a quantia total desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento.
14. Em primeiro lugar, nos factos provados falta a “probabilidade verdadeira” de arrendar a fracção com fins de ganhar rendas.
15. Mesmo que os recorridos expressaram a vontade de arrendar o imóvel, em todo o processo não se encontra qualquer informação demonstrando uma proposta vinda dum inquilino desejoso de alugá-lo dos três recorridos. Nem os três recorridos adoptaram qualquer medida concreta para o arrendamento.
16. Cá os 3 recorridos nunca mencionaram ou provaram terem adoptado qualquer medida activamente para procurar inquilinos reais; nem mencionaram ou provaram terem colocado o imóvel no mercado para arrendá-lo. Nem demonstraram interesse de qualquer eventual inquilino o a certeza do sucesso do arrendamento por parte dos 3 recorridos a preço superior a MOP$ 50.000,00.
17. A conclusão da estimação de renda mensal em MOP$ 50.000,00, sozinha, nunca poderá equivaler à certeza do sucesso do arrendamento por parte dos recorridos nem da cobrança da renda.
18. Em Macau há tantas lojas não arrendadas com renda alta mas estimada, por várias razões.
19. Não era seguro que o recorrente (sic – N. da T.) teria arrendado a loja com sucesso. Sem inquilino, a questão de dano sofrido por parte dos recorridos não se coloca
20. Além disso, nos termos do 335.º do CC, cabe aos recorridos a prova da certeza do sucesso do arrendamento da loja.
21. Os recorridos deviam ter invocado a existência “verdadeira” e “concreta” de tal “dano” e devia tê-lo provado. Aqui não basta uma (simples) indicação e prova do montante de “renda estimada” (obtida através de cálculo ou peritagem), sem ao mesmo tempo ter demonstrado de maneira concreta a “probabilidade real” de cobrança de renda pelo arrendamento.
22. Inexiste qualquer prova, o conteúdo não fica provado. O pedido é infundado.
23. Se os Mm.os Juízes do TUI vierem a considerar que o TSI já analisou tais questões e portanto cá não se coloca a questão de omissão no conhecimento. (sic – N. da T.)
24. Então para prudência, queríamos apontar que segundo nós, a sentença recorrida ainda enferma dos vícios de erros na interpretação e aplicação da lei e de insuficiência dos factos provados para apoiar a decisão.
25. Dão-se por integralmente reproduzidos aqui os pontos 13.º a 21.º destas conclusões, para evitar verbosidade.
26. A sentença recorrida enferma de vícios na interpretação e aplicação da lei e do vício de insuficiência dos factos provados para apoiar a decisão. Portanto, pedia-se mudar a decisão recorrida, rejeitando todos os pedidos processuais dos 3 recorridos.
27. Por fim, exactamente como entendem os recorridos, o TJB e o TSI fixaram a indemnização em MOP$ 966.666,70 e confirmaram a calculação da indemnização com base na renda mensal da loja de MOP$ 50.000,00. Ao dar por assente tal facto, cometeu-se erro notório na apreciação das provas
28. Segundo o recorrente, isso violou o art.º 383.º do CC. Segundo o recorrente, por não ter adoptado o relatório de estimação da DSF a fls. 235 dos autos ao fixar o montante de indemnização, o tribunal recorrido agiu no sentido contrário. Há o erro notório acima referido.
29. Segundo o relatório de estimação da DSF a fls. 235 dos autos, a renda anual da fracção seria de MOP$ 266.000,00 (renda mensal de apenas MOP$ 22.166,67)
30. Segundo o recorrente, o relatório devia ter sido adoptado pela DSF directamente, pois que à luz da legislação vigente da RAEM, os contratos de arrendamento devem ser declarados à DSF e serão exigidas informações sobre as impostas já pagas pelo contrato.
31. Então, a DSF dispõe seguramente de todas as informações sobre os arrendamentos actuais e efectivos em Macau. Então a sua avaliação é aquela que necessariamente se aproxima o mais possível do valor de renda imobiliária de então. Acredita-se logo que a estimação imobiliária da DSF é a mais autorizada e a mais válida como prova.
32. Sem outras provas mais enérgicas e seguras, na opinião do recorrente, o tribunal recorrido não devia ter fixado a renda da fracção com base na opinião pessoal.
33. Portanto, seria de calcular a indemnização no presente caso com base na renda mensal de MOP$ 22.166,67.”; (cfr., fls. 527 a 545 e 13 a 35 do Apenso).

Pelos AA. –A, B e C – foi também interposto “recurso subordinado” onde apresentaram as seguintes conclusões:

“1. O tribunal a quo está trata a indemnização arbitrada como se de uma indemnização por lucros cessantes se tratasse, quando, na verdade, a decisão do Tribunal da Primeira Instância foi a de condenar os Recorridos no pagamento de uma indemnização por danos emergentes.
2. No caso dos autos, a indemnização foi com consequência de danos emergentes, porquanto o direito violado é, não uma expectativa jurídica, mas sim o direito de propriedade, como direito subjectivo que confere ao seu titular as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa de que se é proprietário.
3. Daí o tribunal ter fixado uma indemnização, não correspondente ao valor locativo (HKD$60.000,00), mas sim no valor de MOP$50.000,00, ao qual aportou por recurso a critérios de equidade.
4. A ocupação, sem autorização nem título, de um bem imóvel de terceiro constitui uma violação do direito de propriedade. Essa acção ilícita é geradora de responsabilidade civil pelos danos dela emergentes.
5. Para tanto, basta que se encontrem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil - o facto ilícito e culposo, o dano e o nexo de causalidade.
6. Em lado algum se estabelece que o dano imposto ao lesado deva ser absoluto e irresistível para ser gerador de tal responsabilidade. A simples acção ilícita geradora de danos é suficiente para gerar o dever de indemnizar por esses danos. Do mesmo modo que em lado algum a lei impõe ao lesado que empreenda qualquer tipo de acção destinada a diminuir ou fazer extinguir a responsabilidade do agente.
7. Apesar de terem assumido, por escrito, o compromisso de esvaziar a fracção dos autos, os RECORRIDOS não o fizeram, nem invocaram qualquer causa impeditiva que pudesse fazer extinguir esse seu dever, ou justificar o seu comportamento omissivo. Os RECORRIDOS sabiam que aqueles bens eram seus; sabiam que os mesmos estavam a ocupar uma parte significativa do imóvel do RECORRENTES; obrigaram-se a removê-los dentro de um determinado prazo; e, pura e simplesmente, escolheram nada fazer, contribuindo exclusivamente para a produção do dano.
8. Os RECORRENTES tinham um direito a remover os bens dos RECORRIDOS; estes, tinham um dever de o fazer. E isto são duas coisas que não se podem confundir. Um direito é uma permissão jurídica de agir (ou de não agir); um dever é uma obrigação de agir (ou de não agir). O primeiro é disponível; o segundo não. Colocar as duas coisas no mesmo plano é introduzir um perigoso factor de perturbação no sistema jurídico.
9. O tribunal a quo afirma que os autores não chegaram a intimar os réus para levantarem as mercadorias; porém, tal matéria não constava do ac. da matéria de facto, pelo que não existe substracto factual para sustentar tal afirmação.
10. A interpelação, reveste uma de duas funções: (i) dar a conhecer a alguém um facto que este desconhece; (ii) fixar-lhe o conteúdo de uma prestação ou o prazo para o cumprimento de uma prestação, no caso de a obrigação da qual a prestação emana ser pura.
11. Os RECORRIDOS tinham perfeito conhecimento da existência de tais bens no imóvel, logo, nenhuma necessidade havia de levar ao seu conhecimento tal facto.
12. Os RECORRENTES concederam aos RECORRIDOS o prazo de uma semana para que aqueles removessem da fracção todos os seus bens, com o que estes concordaram. Como tal, foram consensualmente fixados o conteúdo da prestação e o respectivo prazo para cumprimento, pelo que qualquer posterior interpelação seria inútil.
13. Ao afirmar que os Autores não "arranjaram armazém para pôr as coisas cobrando as respectivas despesas junto dos réus", o tribunal está a reconhecer, de forma implícita mas clara, que a única alternativa ao dano seria a criação de outro dano, reconhecendo, portanto, a existência de um dano.
14. A não impõe a lei ao lesado que este se sacrifique duplamente, importando para si obrigações que pertencem ao devedor, como pressuposto para poder exercer o seu direito a ser indemnizado.
15. Tal implicaria a assunção facultativa do risco de dano ou perecimento dos bens dos RECORRIDOS durante o seu transporte, e mal seria se os RECORRENTES tivessem que se ver obrigados a inscrever na sua esfera jurídica um risco suplementar em consequência do incumprimento de uma obrigação por parte dos RECORRIDOS.
16. O facto de os RECORRENTES terem reservado para si o direito de, findo o prazo fixado, removerem eles próprios os bens dos RECORRENTES, não constitui para si uma obrigação, mas tão-somente uma possibilidade de agir.
17. Foram os RECORRIDOS quem assumiu uma obrigação, auto-vinculando-se, e foram eles quem o incumpriu injustificadamente.
18. Estão, portanto, reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil - o facto (os Recorridos não retiraram os seus bens da fracção dentro do prazo fixado), ilícito (em violação do direito de propriedade dos RECORRENTES), culposo (ausência de causa justificativa), o dano (impossibilidade de gozo normal do direito de propriedade) e o nexo de causalidade (a fracção não pôr ser usada normalmente por se encontrar ocupada pelos bens dos RECORRIDOS).
19. Os RECORRENTES podiam ter retirado os bens da fracção - era um direito seu -, mas não tinham esse dever. Não se pode impor a alguém o exercício de um direito, nem a possibilidade do exercício de tal direito configura para os RECORRIDOS uma causa legal de exclusão da ilicitude ou da culpa no seu comportamento.
20. Já os RECORRIDOS tinham esse dever, a que se auto-vincularam, e não cumpriram, donde a violação do direito dos RECORRENTES, e a sua constituição no dever de os indemnizar pelos danos que essa violação lhes causou.
21. Ao decidir como decidiu, o tribunal julgou em violação dos artigos 571.°/1 d), ex vi art.° 651.° do CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, art.° 392.°, 794.°/2 a) e 477.° do CÓDIGO CIVIL”; (cfr., fls. 557 a 652-v).

*

Cumpre apreciar.

Fundamentação

2. Dois são os recursos trazidos à apreciação deste Tribunal de Última Instância.

Um “principal”, em que é recorrente o R. D, e, o outro, “subordinado”, em que são recorrentes os AA., A, B e C.

Antes de mais, vale a pena uma (breve) síntese do que pelas Instâncias foi nos presentes autos decidido.

Pois bem, em face do pelos AA. peticionado, e através da sentença do Tribunal Judicial de Base, decidiu-se:

“1. Declarar a nulidade, por simulação, do contrato de arrendamento celebrado entre os réus, D e E, relativamente à fracção autónoma designada “AR/C” do rés-do-chão “A”, para comércio, do prédio sito em Macau na [Endereço], descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º XXXXX-I;
2. Condenar os réus a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a fracção autónoma referida e a restituí-la aos autores livre de pessoas e bens;
3. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores a quantia correspondente a MOP.50.000,00 por cada mês que decorra entre 23 de Abril de 2018 e a efectiva entrega da referida fracção autónoma;
4. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores juros de mora à taxa legal contados sobre a soma das referidas quantias de MOP.50.000,00 respeitantes ao tempo já decorrido entre 23 de Abril de 2018 e 23 de Maio de 2021 (MOP.1.850.000,00), desde a data da presente sentença até integral pagamento;
5. Condenar os réus solidariamente a pagar aos autores juros de mora à taxa legal contados sobre a referida quantia mensal de MOP.50.000,00, até ao seu pagamento e desde cada um dos dias 23 de cada mês que decorra entre a data da presente sentença e a entrega efectiva da fracção autónoma”; (cfr., fls. 431 a 431-v).

Em sede do recurso do assim decidido proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão agora recorrido onde se decidiu “conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos réus D e E, revogando os pontos 3 a 5 constantes da parte decisória da sentença recorrida, passando os réus a ser condenados a pagar solidariamente aos autores A, B e C o montante de MOP966.666,70 e juros de mora à taxa legal contados sobre aquela quantia, desde a data da sentença de primeira instância até integral pagamento”; (cfr., fls. 502-v).

Atento o que pelo R., ora recorrente, vem no seu “recurso principal” alegado, logo se constata que em causa não está o segmento decisório que declarou a “nulidade do contrato de arrendamento” assim como o que “condenou os RR. a reconhecer o direito de propriedade dos AA.”.

Centra pois este recorrente o seu recurso na parte decisória do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, em substituição do decidido nos “pontos 3° a 5°” do dispositivo da sentença do Tribunal Judicial de Base, condenou os RR. no “pagamento solidário aos AA. do montante de MOP$966.666,70 e juros”.

Nesta conformidade, (e sendo também a decisão de “revogação” dos ditos “pontos 3° a 5°” a questão pelos AA. colocada no seu “recurso subordinado”), vejamos.

–– Diz o R. que o Acórdão recorrido padece de “omissão de pronúncia” porque o Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre as questões colocadas nas conclusões 35ª a 40ª das suas alegações de recurso.

Ora, em tais “conclusões”, defendia-se, essencialmente, a inadequação da “indemnização” de MOP$50.000,00 por mês pelo Tribunal Judicial de Base arbitrada, (cfr., “ponto 3°” do dispositivo), considerando-se que “provada” não estava o que apelidaram de “possibilidade verdadeira” de os AA. arrendarem a fracção identificada nos autos.

Porém, evidente se nos apresenta que não existe a imputada “omissão de pronúncia”.

Com efeito, basta uma (mera) leitura ao Acórdão recorrido, especialmente, ao trecho onde se identificou e tratou da “questão” da “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, (cfr., fls. 501 a 502), para se constatar que incorre o ora recorrente em manifesto equívoco, pois que foi (precisamente) com o nesta sede exposto que se veio a decidir pela “revogação dos pontos 3° a 5°” da sentença do Tribunal Judicial de Base.

Verifica-se, no entanto, que não obstante a fundamentação e decisão pelo Tribunal de Segunda Instância exposta e proferida, continua o R., ora recorrente, a pugnar pela mesma “insuficiência”, insistindo na falta do que alega dever ser a dita “possibilidade verdadeira” de arrendamento da fracção, batendo-se pela revogação da decretada condenação solidária dos RR. no pagamento de MOP$966.666,70, ou pela sua redução.

Pois bem, cabe desde já dizer que o montante em causa, não encontra justificação na alegada (real) “possibilidade de arrendamento”, visando, antes, compensar, ou melhor, indemnizar, os AA., pela “privação do seu direito ao uso da fracção”, como resultado da “conduta ilícita” dos RR., e que consistiu na (provada) “simulação” de um contrato de arrendamento sobre a mesma e da sua abusiva ocupação e detenção.

Dest’arte, e em causa estando uma “ocupação e detenção ilícita”, porque não titulada, (em nada se equiparando também a uma situação de “mora do arrendatário” na entrega da fracção, com “prejuízos excedentes” para o senhorio; cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 19.03.2021, Proc. n.° 203/2020), mais não se mostra de dizer sobre o ponto em questão.

Aqui chegados, é momento de se ver se adequado é o montante pelo Tribunal de Segunda Instância fixado em substituição do Tribunal Judicial de Base, no valor de MOP$966.666,70, recordando-se que este constitui exactamente o segmento decisório com o qual também não se conformam os AA. que o impugnam com o seu “recurso subordinado”.

Vejamos.

A razão da redução do montante pelo Tribunal Judicial de Base fixado para o de MOP$966.666,70, prende-se com o entendimento de que nenhuma indemnização era devida a partir de 05.12.2019, data em que a fracção foi entregue aos AA..

E, enquanto o Tribunal Judicial de Base considerou tal “entrega” não bastante – e, como tal, inoperante – porque a fracção não estava totalmente devoluta, (nela havendo objectos pelos RR. deixados que impediam a sua normal ocupação pelos AA.), entendeu, por sua vez, o Tribunal de Segunda Instância que tal “circunstância” não constituía motivo relevante, considerando, (essencialmente), que “Não obstante estar provado que existia na fracção vários objectos que impediram o uso normal da fracção, a verdade é que os objectos ali encontrados apenas ocuparam o espaço físico do imóvel, não estando os autores impedidos de, após realizada e obtida a entrega judicial do imóvel, tomarem medidas para fazer uso do seu imóvel”.

Daí, considerando dever apenas haver lugar ao pagamento de uma indemnização até 05.12.2019, a redução relativamente aos montantes inicialmente fixados pelo Tribunal Judicial de Base e o referido valor de MOP$966.666,70.

Quid iuris?

Ora, compreende-se – e respeita-se – este entendimento.

Porém, não o sufragamos.

Os “objectos” deixados na fracção dos AA. que os RR. ocuparam ilicitamente – valendo a pena atentar no teor de fls. 144 a 152 que os especificam, assim como no de fls. 313 e 315 que os ilustram e demonstram em espécie e quantidade – não deixa de ser uma “ocupação (material)”, e assim, ainda que não “física” ou “pessoal”, (pelos próprios RR.), não deixam de ser os mesmos RR. os seus “únicos” (e exclusivos) culpados, aos mesmos cabendo, assim, totalmente, a responsabilidade por tal “situação” que, de forma voluntária e deliberada criaram.

Daí que não nos pareça adequado o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido, que, de certa forma, se distancia desta realidade, acabando, a nosso ver, por transferir, indevidamente, para os AA., o “dever de iniciativa” (e seus “encargos”) quanto às medidas a adoptar com vista à (total) remoção dos bens pelos RR. deixados na fracção que insistiram em, ilicitamente, ocupar.

Nesta conformidade, óbvio sendo que totalmente irrelevante é o “valor da renda” estipulado no “contrato de arrendamento” entre os (1° e 2ª) RR. celebrado, (que, aliás, como se viu, veio a ser declarado “nulo”), e em face da restante matéria de facto provada, em especial, quanto ao seu “valor locativo”, (cfr., resposta aos quesitos 3° e 6°), visto cremos estar que a decisão recorrida não se pode manter, sendo de se confirmar o decidido pelo Tribunal Judicial de Base que se nos apresenta como a correcta solução em face do que a dita factualidade provada nos dá conta.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao “recurso principal” do R. D, julgando-se procedente o “recurso subordinado” dos AA. A, B e C, confirmando-se assim a sentença do Tribunal Judicial de Base.

Custas pelo R. recorrente D, com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 02 de Fevereiro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, 2ª edição, Almedina, página 584
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Proc. 116/2022 Pág. 28

Proc. 116/2022 Pág. 27