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Processo n.º 30/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Julho/2024

Assuntos:
- Acção executiva
- Título executivo
- Obrigação certa e líquida
- Honorários de advogado incorridos na propositura de acção


SUMÁRIO
Tendo as partes outorgantes celebrado dois contratos de concessão de facilidades bancárias com hipoteca, nos quais acordaram que, em caso de execução e cobrança judicial, as despesas com honorários ficariam a cargo dos devedores ora executados, sendo fixados, para efeitos de registo, em HKD3.300.000,00 e em HKD800.000,00, respectivamente, tais documentos valem como títulos executivos no que se refere à obrigação de pagamento dos honorários.
Além disso, o exequente juntou uma factura emitida pelo escritório de advogados, na qual consta a especificação de que os honorários de advogado incorridos com a “acção executiva contra XXX – para (i) empréstimo n.º aaa e (ii) empréstimo n.º bbb; escrituras de facilidades bancárias com hipotecas outorgadas em (…)” totalizam o montante de MOP$920.000,00.
Embora não se trate de um recibo de pagamento, não se pode ignorar o facto de que essa factura emitida pelo escritório diz respeito directa e expressamente à acção executiva sub judicie.
Uma vez comprovada a despesa com os honorários de advogado, sendo esta certa, exigível e líquida, preenchido está o requisito de exequibilidade no que se refere à despesa peticionada no requerimento inicial da execução, no montante de MOP$920.000,00.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 30/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 11/Julho/2024

Recorrente:
- Banco A (Macau) S.A. (exequente/embargado)

Recorrido:
- B (executado/embargante)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida pelo Banco A (Macau) S.A. (doravante designado por “exequente”, “embargado” ou “recorrente”) contra a C Limitada, D e B, este último (doravante designado por “embargante” ou “recorrido”) deduziu oposição à execução por meio de embargos, pugnando pela improcedência parcial da execução intentada pelo exequente.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, o juiz do tribunal a quo julgou parcialmente procedentes os embargos, tendo fixado os honorários de advogado em MOP$200.00,00 e as despesas administrativas em MOP$4.657,00.
Inconformado, interpôs o embargado recurso para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “I. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 54-57, que julgou parcialmente procedente a oposição à liquidação deduzida pelo 3º executado, na parte relativa às despesas incorridas pelo Banco quanto a honorários de advogado, sustentando que «o montante total dos honorários pelos serviços prestados pelos representantes legais do exequente deve ser fixado em MOP200.000,00.»
     II. A sentença recorrida fez uma aplicação errónea do n.º 4 do artigo 386º do CPC de Macau, vis-à-vis o disposto nos artigos 690º e seguintes do CPC de Macau e, em particular, dos n.ºs 2 e 3 do artigo 691º, bem como no n.º 1 do artigo 565º, no n.º 2 do artigo 1º e no n.º 2 do artigo 694º, todos do mesmo Código, razão pela qual deverá aquela ser revogada e substituída por outra que determine a produção oficiosa de prova complementar, sem prejuízo da condenação ao pagamento da prestação no momento próprio ou da liquidação posterior e na pendência da execução, da obrigação só parcialmente líquida e exigível.
     III. A questão fundamental do presente recurso consiste em saber se, deduzida oposição à liquidação feita pelo exequente no seu requerimento inicial, pode o tribunal lançar mão do artigo 386º do CPC de Macau, aplicável à liquidação da indemnização devida por litigância de má fé.
     IV. Por outro lado, importa ainda aquilatar da bondade da referida sentença na fixação de um montante total a título de honorários, com efeito vinculativo, extensivo e que aproveite aos outros executados não-opoentes,
     V. mais impondo limites ao ressarcimento de obrigação só parcialmente líquida e exigível ou de despesas futuras em que o exequente venha a incorrer futuramente para obter a cobrança dos seus créditos.
     VI. A norma do n.º 4 do artigo 386º do CPC de Macau, referente à liquidação da indemnização por litigância de má fé, não é aplicável, por analogia, à liquidação de obrigações não dependentes de simples cálculo aritmético, no âmbito do processo executivo.
     VII. Em primeiro lugar, porque não há qualquer lacuna, visto que os artigos 690º, 691º e 693º do CPC de Macau estatuem um regime específico para a liquidação nas acções executivas.
     VIII. Em segundo lugar, porque a liquidação prevista no n.º 4 do artigo 386º do CPC de Macau se reporta à acção declarativa e é contemporânea da sentença na qual se insere, o que significa que é aquela sentença que serve de título executivo.
     IX. Em terceiro lugar, porque tal norma não resolve a questão de saber se um contrato-escritura dado à execução pode valer como título executivo para cobrança de honorários por serviços forenses, quando ali se não refira o seu concreto valor.
     X. Quando a prova produzida para liquidação de obrigações que não dependem de simples cálculo aritmético seja insuficiente para fixar a quantia devida, impõe-se ao Tribunal “completá-la mediante indagação oficiosa”, nos termos do n.º 2 do artigo 691º do CPC de Macau.
     XI. Sendo a sentença um acto jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objectivação da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 228º e 230º, ambos do Código Civil de Macau.
     XII. A sentença recorrida visa fixar o quantitativo máximo, total, que o exequente pode reclamar de todos os executados, a título de honorários pagos aos seus mandatários.
     XIII. Tendo apenas o 3º executado contestado a liquidação, a referida decisão apenas a este pode aproveitar.
     XIV. Não é aplicável à contestação da liquidação deduzida em acção executiva, quando haja coligação de executados, a alínea a) do artigo 406º do CPC de Macau, apesar da remissão genérica feita pelo n.º 3 do artigo 691º para aquele artigo, por o respectivo incidente ser estruturalmente autónomo, embora funcionalmente ligado ao processo executivo.
     XV. A sentença proferida na oposição só é vinculativa entre o opoente e o exequente, não sendo os restantes executados, terceiros relativamente ao processo de oposição, abrangidos pela eficácia do caso julgado, em nada lhes aproveitando a dedução da oposição.
     XVI. Sendo possível prever com alguma certeza, ancorando-se na experiência adquirida e na tabela indicativa de honorários aprovada pela Associação dos Advogados de Macau, que reflecte a praxe e estilo do foro, quais os serviços a prestar, o tempo gasto, a complexidade da causa, a importância dos serviços prestados, as posses dos interessados e o resultado esperado, nada impede o tribunal, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 565º do CPC de Macau, de condenar os executados ao pagamento, no momento próprio, da quantia desde logo reclamada pelo exequente no seu requerimento inicial e documentada pela factura apresentada pelos seus mandatários forenses, ainda que aquela obrigação venha apenas a vencer-se no decurso da causa ou mesmo em data posterior à sentença.
     XVII. Não estando um segmento do crédito exequendo integralmente delimitado, no seu montante, no título executivo, e não podendo nem sabendo o exequente, ao instaurar a acção executiva, a quanto vão ascender as despesas judiciais e extrajudiciais na sua totalidade e, em particular, o crédito decorrente dos honorários forenses, visto o seu montante depender de eventos/vicissitudes futuros que só com o termo da execução poderão concretizar-se, e após a apresentação da respectiva conta final, é de admitir que a liquidação daquele segmento possa correr o mais próximo possível do termo da acção executiva, mas ainda na sua pendência e antes desta estar terminada, atento o disposto no n.º 2 do artigo 1º e no n.º 2 do artigo 694º, ambos do CPC de Macau, seguindo-se os termos do regime previsto para a liquidação pelo tribunal a que aludem os artigos 690º e seguintes, mutatis mutandis, tal como prescrito no n.º 3 do artigo 694º do mesmo Código.
     Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a sentença de fls. 54-57, na parte em que julgou parcialmente procedente a oposição à liquidação e fixou o montante total dos honorários pelos serviços prestados pelos representantes legais do exequente em MOP200.000,00 substituindo-a por outra que determine a produção oficiosa de prova complementar, sem prejuízo da condenação do opoente ao pagamento da prestação no momento próprio ou da liquidação posterior e na pendência da execução, da obrigação ilíquida e ainda não exigível, assim se fazendo JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o embargante, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. O recurso a que ora se responde tem por objecto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo de 21 de Junho de 2023 (a “decisão recorrida”), na parte em que i) fixou os honorários de advogado despendidos pelo exequente-requerido, ora recorrente, no montante de MOP$200.000,00, e ii) fixou as despesas administrativas despendidos pelo exequente-requerido, ora recorrente, no montante de MOP$4.657,00, nos termos melhor detalhados na decisão recorrida, alegando que a decisão em crise enferma de erro na aplicação de direito.
     2. Pese embora o maior respeito que nos merece opinião diversa, é firme convicção do executado-opoente, que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, razão pela qual deverá a mesma ser mantida, está forçosamente condenado a não colher, dada a improcedência das questões e argumentos nele enunciados.
     3. Genericamente, o ora recorrente fundamenta o seu recurso alegando que o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do n.º 4 do artigo 386º do CPC de Macau relativamente ao disposto nos artigos 690º e seguintes do mesmo Código.
     4. O primeiro fundamento de recurso mobilizado pelo exequente-requerido, ora recorrente, diz respeito à alegada errada aplicação analógica do n.º 4 do artigo 386º do CPC de Macau.
     5. O excurso decisório do Tribunal a quo não é minimamente afectado com os argumentos avançados pelo recorrente.
     6. O segundo fundamento de recurso mobilizado pelo exequente-requerido, ora recorrente, prende-se com a alegação de que a sentença recorrida só poderia proceder à fixação da quantia devida pelo 3º executado, ora recorrido, sobretudo porquanto este apenas responde enquanto hipotecante.
     7. Também relativamente a esta parte é firme a convicção do recorrido que a decisão recorrida não é susceptível de ser posta em causa, devendo manter-se integralmente.
     8. Desde logo, haverá que salientar que esta questão em momento algum foi suscitada pelo exequente-requerido, ora recorrente, no decurso dos presentes autos.
     9. Ou seja, para todos os efeitos legais, a questão ora suscitada pelo recorrente nunca foi abordada nos presentes autos, pelo que, em face do princípio da preclusão e da própria natureza e estrutura do recurso – que visa a reapreciação da decisão do Tribunal a quo – trata-se de questão nova levantada em sede de recurso não podendo, como tal, ser admitida.
     10. A doutrina e a jurisprudência são unânimes na conclusão de que a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina que este apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
     11. Nesta senda, e sendo manifesto que a questão ora avançada pelo exequente-requerido, aqui recorrente, consubstancia matéria nova não anteriormente alegada ou suscitada nos presentes autos, estará o douto Tribunal ad quem impedido de se pronunciar sobre a mesma.
     12. Termos em que, pelas razões supra expendidas, terá também o presente fundamento de recurso formulado pelo recorrente necessariamente de naufragar, devendo a sua improcedência ser declarada pelo douto Tribunal ad quem.
     13. Quanto ao terceiro e último fundamento de recurso mobilizado pelo exequente-requerido, ora recorrente, e que se prende com a convicção formulada pelo douto Tribunal a quo na decisão recorrida acerca da fixação da obrigação na sua totalidade – limitação à liquidação posterior de obrigação ilíquida e ainda não exigível e ao ressarcimento de despesas futuras, haverá também que referir que a decisão recorrida não é susceptível de ser posta em causa, devendo manter-se integralmente.
     14. Como o recorrido alegou sob o ponto B supra, uma vez mais, a questão ora suscitada pelo recorrente nunca foi também abordada nos presentes autos, pelo que em face do princípio da preclusão e da própria natureza e estrutura do recurso – que visa a reapreciação da decisão do Tribunal a quo – trata-se de questão nova levantada em sede de recurso não podendo, como tal, ser admitida.
     15. Termos em que, pelas razões supra expendidas, terá também o presente fundamento de recurso formulado pelo recorrente necessariamente de naufragar, devendo a sua improcedência ser declarada pelo douto Tribunal ad quem.
     16. É o próprio exequente-requerido, ora recorrente que alegou nos artigos 42º e 43º da sua contestação que as despesas incorridas pelo Banco a título de honorários são os débitos certos, exigíveis e líquidos.
     17. O presente fundamento de recurso é manifesta e totalmente contrário à argumentação avançada pelo mesmo em sede de contestação.
     18. Pelo que, em face desta insanável contradição, caem aqui também as alegações do recorrente, totalmente infundadas, pelo que há de concluir-se que a decisão do Tribunal a quo nesta sede não merece qualquer reparo, devendo ser declarado improcedente o referido fundamento de recurso apresentado pelo recorrente.
     Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida nos seus exactos e precisos termos.”

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado o julgamento, foi dada por assente a seguinte factualidade:
O embargado intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa contra C Limitada (C有限公司), D e o embargante B, juntando como título executivo, dois documentos denominados “Facilidades Bancárias com Hipoteca” constantes de fls. 12 a 25 e de fls. 26 a 39, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos jurídicos.
Por contrato outorgado em 11 de Abril de 2019, lavrado a fls. 87 a 93 do Livro n.º 1684 do Cartório do Notário Privado XXX, o Banco exequente concedeu à 1ª executada C Limitada facilidades bancárias gerais até ao limite de HKD$33.000.000,00 (trinta e três milhões de dólares de Hong Kong).
Por contrato outorgado em 19 de Junho de 2020, lavrada a fls. 43 a 49 do Livro n.º **** do Cartório do Notário Privado XXX, o Banco exequente concedeu novamente à 1ª executada C Limitada facilidades bancárias gerais até ao limite de HKD$8.000.000,00 (oito milhões de dólares de Hong Kong).
No exercício da sua actividade e em cumprimento do contratualmente estipulado, o exequente desembolsou a favor daquela 1º executada as quantias de HKD$20.000.000,00 e de HKD$8.000.000,00, o que perfaz o montante global de HKD$28.000.000,00 (vinte e oito milhões de dólares de Hong Kong).
Para garantia do pagamento, ao ora exequente, de todas e quaisquer obrigações emergentes das facilidades bancárias concedidas através das ditas escrituras públicas, a 2ª executada D e o 3º executado B, seu marido, constituíram, sucessivamente, duas hipotecas a favor daquele sobre a fracção autónoma designada por “#-**”, do **º andar “#”, para habitação, do prédio sito em Macau, na Ilha da Taipa, com os n.ºs 188 a 228 da Rua de Seng Tou; n.ºs 219 a 261 da Rua de Coimbra; e, n.ºs 226 a 278 da Avenida de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2****-III.
Inscrita definitiva e exclusivamente a favor da 2ª e do 3º executados sob o n.º 27**** do Livro G, conforme Certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau.
Na matriz predial da freguesia de Santo António, sob o artigo n.º 4****-C, possuindo o valor matricial de MoP$8.975.140,00, conforme Certidão matricial emitida pela Direcção dos Serviços de Finanças de Macau.
As sobreditas hipotecas encontram-se definitivamente registadas a favor do exequente, na Conservatória do Registo Predial de Macau.
As referidas hipotecas garantem, ainda, quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais despendidas pelo exequente para conseguir ou assegurar o reembolso dos seus créditos, incluindo honorários de advogado, então fixadas, apenas para efeitos de registo, em HKD$3.300.000,00 e HKD$800.000,00 respectivamente.
A exequente recebeu a factura datada em 8 de Fevereiro de 2022 constante de fls. 63 dos autos principais.
*
A primeira questão que se coloca no recurso é saber se é aplicável, por analogia, o disposto no n.º 4 do artigo 386.º do Código de Processo Civil.
O juiz a quo entendeu que sim e fundamentou sua decisão com base na jurisprudência portuguesa, especificamente em um acórdão do Tribunal da Relação do Porto1. Segundo a decisão recorrida, para a determinação e o pagamento dos honorários pelos executados, deve-se observar, por analogia, o procedimento previsto para a liquidação de honorários no âmbito da indemnização por litigância de má fé.
Cumpre analisar.
Dispõe o n.º 4 do artigo 386.º do Código de Processo Civil que “Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte.”
No caso presente, os títulos executivos que fundamentam a execução contêm uma obrigação ilíquida, uma vez que segundo os acordos firmados em escrituras públicas, estipulam-se que as hipotecas garantem quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais incorridas pelo exequente para obter ou assegurar o reembolso dos créditos, incluindo os honorários de advogado. Esses valores foram fixados, para efeitos de registo, em HKD3.300.000,00 e em HKD800.000,00, respectivamente.
Ao contrário do decidido pela primeira instância, e com o devido por entendimento diverso, entendemos que não há qualquer lacuna, uma vez que os artigos 689.º e 690.º do Código de Processo Civil disciplinam expressamente o regime específico da liquidação na execução.
Mais precisamente, se a obrigação for ilíquida e não depender de simples cálculo aritmético, o exequente deve especificar o valor no requerimento inicial da execução e concluir por um pedido líquido, sendo a oposição à liquidação feita por meio de embargos. Enquanto os juros vincendos na execução serão liquidados a final pela secretaria, por dependerem apenas de simples cálculo aritmético.
Portanto, não se vislumbrando qualquer lacuna, não é aplicável, por analogia, a regra do artigo 386.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, prevista para a liquidação da indemnização por litigância de má fé.
Compete, então, apreciar se o valor fixado pelo tribunal a quo a título dos honorários está correcto.
O juiz a quo entendeu que o exequente apenas juntou uma factura, e não propriamente um recibo de pagamento. Além disso, constatou que na referida factura não havia especificação de como foram calculados aqueles honorários, constando apenas o valor de MOP$920.0000,00. Em consequência, o juiz recusou a liquidação desse montante e, com base no disposto no n.º 4 do artigo 386.º do Código de Processo Civil, arbitrou os honorários no valor de MOP$200.000,00.
Conforme dito acima, não é aplicável, por analogia, a regra do artigo 386.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, referente à liquidação da indemnização por litigância de má fé, pois não se vislumbra qualquer lacuna.
E pelos títulos que fundamentam a execução, está assente o facto de que o exequente e os executados acordaram que as hipotecas garantiriam quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais incorridas pelo exequente para obter ou assegurar o reembolso dos seus créditos, incluindo os honorários de advogado. Tratando-se de uma obrigação ilíquida, cabe ao exequente especificar, no requerimento inicial da execução, os valores que considere abrangidos pela prestação devida e concluir com um pedido líquido (artigo 689.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)
No caso dos autos, o exequente formulou, entre outros, um pedido no montante de MOP$920.000,00, a título dos honorários de advogado, alegando tratar-se de despesas suportadas para obter a satisfação dos seus créditos.
Nos termos do artigo 12.º do Código de Processo Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
Tendo as partes outorgantes celebrado dois contratos de concessão de facilidades bancárias com hipoteca, nos quais acordaram que, em caso de execução e cobrança judicial, as despesas com honorários ficariam a cargo dos devedores ora executados, tais documentos valem como títulos executivos no que se refere à obrigação de pagamento dos honorários.
Além disso, o exequente juntou uma factura emitida pelo escritório de advogados “......”, na qual consta a especificação de que os honorários de advogado incorridos com a “acção executiva contra C Limitada, D e B – para (i) empréstimo n.º 0119100000003057551/CMD-OU-2019-1877CP-FL e (ii) empréstimo n.º 0119100000005586855/CMD-OU-2020-5098LM-FL; escrituras de facilidades bancárias com hipotecas outorgadas em 11 de Abril de 2019, a fls. 87 a 93 do Livro n.º ***, e em 19 de Junho de 2020, a fls. 43 a 49 do Livro n.º ****, ambos do Cartório do Notário Privado XXX fracção autónoma “#**”, para habitação, do prédio sito em Macau, na Ilha da Taipa, com os n.ºs 188 a 228 da Rua de Seng Tou, n.ºs 219 a 261 da Rua de Coimbra e n.ºs 226 a 278 da Avenida de Guimarães” totalizam o montante de MOP$920.000,00.
Embora não se trate de um recibo de pagamento, não se pode ignorar o facto de que essa factura emitida pelo escritório diz respeito directa e expressamente à acção executiva sub judicie. De acordo com a regra da experiência comum, as instituições bancárias costumam efectuar o pagamento dos honorários devidos, sendo apenas uma questão de tempo. Aliás, a questão de saber se os honorários foram ou não pagos pelo exequente constitui uma relação jurídica distinta, estabelecida entre este e o advogado. Caso os honorários não tenham sido pagos ao advogado, cabe a este promover a competente acção de cobrança dos honorários contra o exequente.
No caso em apreço, uma vez comprovada a despesa com os honorários de advogado, sendo esta certa, exigível e líquida, preenchido está o requisito de exequibilidade no que se refere à despesa peticionada no requerimento inicial da execução, no montante de MOP$920.000,00.
Posto isto, deve-se conceder provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI concede provimento ao recurso interposto pelo recorrente Banco A (Macau) S.A., revogando a sentença recorrida na parte relativa ao arbitramento dos honorários em MOP$200.000,00, e, em consequência, fixando o montante de MOP$920.000,00 como os honorários de advogado a serem considerados na execução.
Custas pelo recorrido.
Registe e notifique.
***
RAEM, 11 de Julho de 2024

(Relator) Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 TRP Ac. Processo n.º 101/07.4TBMGD-B.P1, de 3 de Janeiro de 2011, https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/84cdc2f27e4e588f802578540050c829?OpenDocument&Highlight=0,101%2F07.4TBMGD
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