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Processo nº 359/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 11 de Julho de 2024

ASSUNTO:
- Violação do dever de identificação de cliente por entidade bancária


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Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 359/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 11 de Julho de 2024
Recorrente: (A)
Recorrido: Banco (B)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  (A), com os demais sinais dos autos,
  veio instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinária contra,
  Banco (B), também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo o Autor que seja a acção julgada procedente por provada e em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização no valor de US$287.487,93, correspondente a MOP2.299.903,44.
  Proferida sentença foi a acção julgada improcedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.
  
  Não se conformando com a sentença veio o Autor e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Nos termos da Decisão Recorrida, o douto Tribunal a quo decidiu, com base nos factos assentes e respostas à base instrutória, julgar improcedente o pedido do Recorrente pela não verificação dos requisitos necessários da responsabilidade civil, nomeadamente a ilicitude e o dano, tendo sumariamente decidido a verificação dos factos melhor descritos no ponto 2. supra.
B. Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal nas conclusões retiradas da apreciação da matéria de facto apresentada e, bem assim, no que respeita à verificação da ilicitude do comportamento da ora Recorrida, na vertente de omissão culposa dos deveres que sobre ela impendiam, bem como à verificação dos danos na esfera jurídica do Recorrente e ao nexo causal entre estes e o comportamento ilícito da Recorrida, pelo que a decisão em causa deverá ser revogada e substituída por outra que defira o pedido do Recorrente.
C. Efectivamente, dos autos resultou assente a factualidade melhor descrita na douta Sentença a quo, da qual se sublinha os pontos indicados no ponto 4. supra, os quais demonstram à saciedade que a Recorrida incumpriu os deveres de (Y) na abertura de conta em nome da “(C) International” - ora, tal factualidade bastaria para, in fine, responsabilizar a Recorrida por tal incumprimento e consequentes danos na esfera jurídica do Recorrente.
D. Assim, e salvo o devido respeito, andou mala douto Tribunal a quo ao decidir em sentido contrário, mormente quanto à prova do quesito 22º da base instrutória, porquanto a douta Decisão Recorrida deu como não provado que “A ré não colheu informação sobre o tempo de actividade da “(C) International”, ou sobre os trabalhadores que tivesse ao seu serviço”, não se debruçando a Sentença sobre este ponto.
E. Ora, tal conclusão não se coaduna com a prova vertida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente quanto ao depoimento de parte da representante da Recorrida, constante da gravação de julgamento de dia 4/5/2023, no ficheiro “Recorded on 04-May-2023 at 14.38.14 (4))L17GW02520319)”, que demonstrou claramente que a Recorrida, por sua própria confissão, não cuidou de verificar quer o tempo de actividade da “(C) International”, quer o número de trabalhadores que tinha ao serviço,
F. Tendo a Recorrida assumido tais informações tão-somente com o recurso ao modelo M/l DSF, sem procurar sequer indagar o próprio Sr. (D) enquanto requerente da abertura de conta quanto a estas informações.
G. Assim, o douto Tribunal a quo não valorou devidamente o depoimento de parte (o qual demonstra de modo inequívoco que a ora Recorrida não colheu informação sobre o tempo de actividade da “(C) International”, ou sobre os trabalhadores que tivesse ao seu serviço), pois o quesito 22º da base instrutória deveria ter sido dado como provado, o que se requer.
H. Sendo mister concluir pela prova do quesito 22º da base instrutória, a decisão ora recorrida encontra-se, pois, ferida de vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 599º, n.º 1, alínea a) do CPC.
I. Caso assim não se entenda (o que não se concede e apenas se admite a título de bom patrocínio), é forçoso ainda assim concluir pela prova parcial do mesmo quesito, dando-se como provado que a aqui Recorrida não colheu informação sobre os trabalhadores que a “(C) International” tinha ao seu serviço, com as mesmas consequências jurídicas indicadas supra, o que se requer.
Quanto ao incumprimento do dever de identificação do titular da conta bancária
J. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo considerou que a Recorrida cumpriu com o dever de identificação do cliente na abertura da conta bancária em crise, parecendo concluir que o cumprimento do dever de identificação constitui uma mera formalidade que se preenche com a simples solicitação da documentação standard, sem cuidar de qualquer confirmação ou verificação posterior,
K. Ora, tal entendimento é contrário quer à letra, quer ao espírito e propósito da legislação aplicável, porquanto a Recorrida, enquanto instituição bancária com sede no exterior, devidamente autorizada para operar em Macau, encontra-se adstrita ao cumprimento não só da legislação que disciplina a actividade bancária e financeira em Macau - maxime o RJSF - mas ainda ao cumprimento de regulamentação específica emitida pela AMCM, e.g., regulamentação sobre o branqueamento de capitais.
L. Todo o enquadramento normativo relativo a AML e as obrigações daí decorrentes para a Recorrida revestem-se de particular importância na situação sub iudicio, dado que criam deveres gerais e contínuos à Recorrida, os quais, caso tivessem sido cumpridos por esta, a teriam impedido de abrir a conta bancária da “(C) International”, e, portanto, teriam evitado a produção do dano cuja reparação o Recorrente requer.
M. Acresce que os deveres legais que impendem sobre a Recorrida são de cumprimento permanente, de modo a garantir não apenas a estabilidade do sistema financeiro, como também para manter a fiabilidade, credibilidade e consistência do sistema bancário e financeiro em geral junto do público, salientando-se as regras de AML relativas às políticas de (Y), diligências que impõem à Recorrida (como entidade regulada) um conjunto de procedimentos e requisitos de identificação dos seus clientes.
N. Estes deveres específicos reforçam um dever genérico de informação e identificação de clientes a cujo cumprimento a Recorrida está obrigada, quer no momento da abertura de contas, quer posteriormente, no momento da realização de operações, e de carácter permanente, encontrando respaldo no artigo 106.º, n.º 1 do RJSF, no artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 2/2006, e ainda no artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 7/2006,
O. Deveres aos quais acresce ainda o dever de identificação das operações (artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 7/2006) e o dever de recusa de realização de operações (artigo 5.º do Regulamento Administrativo n.º 7/2006)1.
P. Nos termos das normas supracitadas, impendiam sobre a Recorrida três tipos de deveres (os quais, torne-se, são de carácter contínuo): i) um dever de identificação subjectiva (sobre os “contratantes, clientes ou frequentadores”); ii) um dever de identificação objectiva (sobre as operações em causa); e iii) um dever de recusa de realização de operações.
Q. Acresce que, nos termos do artigo 3º, n.º 1 alínea a) e n.º 2, alínea 1), do Regulamento Administrativo 7/2006, o dever de identificação consiste não apenas na obtenção dos documentos necessários à identificação do cliente, mas também numa vertente de verificação e confirmação, exigindo-se às instituições financeiras que adoptem medidas proactivas para estabelecer a identidade do cliente - por outras palavras, a verificação da identidade do cliente não pode depender meramente da declaração do próprio.
R. No entanto, resulta claramente da resposta aos quesitos 25º e 33º da base instrutória que a Recorrida se bastou com uma cópia de uma Declaração de Início de Actividade para efeitos de Contribuição Industrial (Formulário M/l) como “único documento de suporte relativo à sua cliente “(C) lnternational”, titular da Conta-Destino que aceitou abrir, nem sequer procurando confirmar a existência do número de registo de estabelecimento n.º 2*****.
S. Ao entender que a Recorrida cumpriu o dever de identificação, o Tribunal a quo desconsiderou que o dever de identificação exigia que a ora Recorrida verificasse o conteúdo da documentação disponibilizada pela “(C) International”, em vez de confiar cegamente no seu conteúdo.
T. Acresce que existiam indícios contraditórios na documentação produzida pela “(C) International”, indicados nos Doc. 7 e 9 da Contestação e melhor descritos no ponto 50. supra, que suscitariam desde logo dúvidas inelutáveis no estabelecimento da identidade verdadeira do cliente, e que obrigariam a uma verificação aprofundada.
U. Face às discrepâncias, incertezas e contradições relativas à natureza, estrutura, capital social e controle da “(C) International”, é mister concluir que as sérias dúvidas quanto à verdadeira natureza da “(C) International” impunham à Recorrida que adoptasse medidas adicionais de modo a confirmar, de modo indiscutível, se a entidade em causa era uma sociedade comercial ou um mero estabelecimento comercial.
V. Tal obrigação é reforçada nos termos da Directiva, a qual estipula no seu ponto 8.4.2 os requisitos mínimos para estabelecer um relacionamento comercial com “clientes empresas incluindo pessoas colectivas / instrumentos jurídicos”, os quais incluem “Em relação às empresas com sede na RAEM, buscas na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, declaração de rendimentos destinada à Direcção dos Serviços de Finanças, escritura de constituição, certidão de registo da actividade comercial, estatutos ou pactos sociais, etc. (…)”. (sublinhado nosso)
W. Sublinhe-se que os requisitos supra são apenas os padrões mínimos estabelecidos pela AMCM para que as instituições financeiras de Macau estabeleçam relações com clientes empresas, cabendo às Instituições financeiras definir, atendendo ao caso concreto, as medidas necessárias e adequadas que devem ser aplicadas, existindo margem de discricionariedade a essas entidades para acrescentar e aprofundar (e nunca diminuir ou aligeirar) medidas de (Y)/AML.
X. Em todo o caso, seria sempre possível à Recorrida efectuar uma busca na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (ou, in limine, requerer tal informação ao cliente) de modo a justificar a existência (ou não) do registo comercial da referida empresa, confirmação que deveria ter sido obtida logo no momento da realização do (Y) e que a Recorrida comprovadamente não obteve nem procurou obter (cfr. Alinea Y) dos factos assentes).
Y. Pelo exposto, a Recorrida claramente incumpriu todos os deveres de verificação que lhe eram exigíveis em face dos elementos de que dispunha, tendo, por conseguinte, omitido de forma grosseira os deveres legais previstos (inter alia) no RJSF, na Lei n.º 2/2006 e no Regulamento Administrativo n.º 7/2006, e ainda na Directiva, como lhe competia, tendo tal omissão de dever por parte da Recorrida causado ao Recorrente um prejuízo de USD287.487,93.
Z. Neste sentido, e salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo quanto à não violação, por parte da Recorrida, do dever de identificação e verificação do cliente in casu está em desconformidade com as normas previstas nó RJSF, na Lei n.º 2/2006 e no Regulamento Administrativo n.º 7/2006, e ainda com as instruções e orientações atuais estabelecidas pela AMCM, nomeadamente a Directiva.
AA. Destarte, deve concluir-se que a actuação da Recorrida no processo de (Y) violou o dever de identificação imposto e concretizado pelas normas indicadas, devendo a parte da Sentença Recorrida em relação a este ponto ser revogada, o que se requer.
Quanto ao incumprimento do dever de recusa
BB. Uma vez verificados indícios claros de violação de dever de identificação da cliente “(C) International” por parte da ora Recorrida na abertura da conta bancária, existirá consequentemente violação do dever de recusa da Recorrida na realização das transferências, pis que o incumprimento (ou cumprimento defeituoso) do dever de identificação inquina de modo irresolúvel quer a lisura da relação entre a instituição financeira e o cliente, quer qualquer diligência que seja solicitada após o estabelecimento de tal realização.
CC. Sublinhe-se que os factos posteriores vieram confirmar a perigosidade de tais transferências, na medida em que as transacções realizadas através da Recorrida tiveram como objectivo a prática de actividades criminosas (cfr. alíneas J) e K) dos factos assentes).
DD. Ainda que a Recorrida não tivesse conhecimento de tal factualidade criminosa, deveria ainda assim ter recusado oportunamente a realização das referidas transacções enquanto o cliente não tivesse esclarecido cabalmente as falhas gritantes na sua identificação perante a instituição financeira - ou, em alternativa, enquanto não tivesse levado a cabo, por sua própria iniciativa, a verificação e esclarecimento de tais incompletudes nos elementos de identificação submetidos pelo cliente.
EE. A este respeito, a Directiva estipula que especial atenção deve ser conferida sobre determinadas relações comerciais, como (in casu) as transferências electrónicas (cf. 9.6 da Directiva), sendo que as situações indicadas na alínea V) dos Factos Assentes configuram transacções suspeitas que devem ser reportadas atempadamente pelas instituições financeiras.
FF. Atendendo aos avultados montantes indicados na resposta ao quesito 5º (no total de USD322.982,16) e, bem assim, do modo de transferência (electrónica) e do espaço temporal que dista entre a primeira e a última transferência (menos de seis meses), tal factualidade deveria ter como consequência a imediata recusa pela Recorrida de todas as transferências em causa até obter a informação necessária para a plena identificação da “(C) International” enquanto beneficiária.
GG. Em todo o caso, e sem conceder, a Recorrida incumpriu ainda os deveres que lhe estavam adstritos nos termos supra expostos quando, confrontada com a indicação de uma suposta morada da “(C) International” que não consta de qualquer dos documentos em sua posse relativamente à Conta-Destino (cfr. resposta aos quesitos 7º e 31º), não esclareceu tal discrepância nem actualizou a informação relativa a tal cliente.
HH. É mister sublinhar que, nos dois meses que medeiam entre a transferência identificada no quesito 7º (ordenada em 2017/02/05) e as transferências que levantaram suspeitas à Recorrida (de 2017/04/09), foram feitas quatro transferências, no total de USD105.515.28. prejuízo que poderia ter sido evidentemente evitado se a Recorrida tivesse cumprido com os seus deveres logo que uma situação suspeita nos termos da Directiva (como a descrita in casu) tivesse ocorrido.
II. Pelo exposto, é mister concluir que a Recorrida violou também o dever de recusa, devendo também esta parte da Decisão Recorrida ser revogada, o que se requer.
Quanto à alegada licitude dos actos da Recorrida no incumprimento dos deveres de identificação e recusa
JJ. O Tribunal a quo decidiu ainda que os actos praticados pela Recorrida não preencheram o requisito de ilicitude, porquanto a protecção do interesse particular do ora Recorrente não merece tutela no caso em apreço, ainda que por mero reflexo.
KK. Salvo o devido respeito pela douta opinião supra, andou mal o Tribunal neste ponto, na medida em que ignora o carácter e fundamento principal da relação entre o cliente (considerado em abstracto), e as instituições financeiras - a saber, a confiança investida às instituições bancárias pelo cliente, por mor da sua probidade e vigilância constantes.
LL. Efectivamente, os deveres de identificação, verificação e registo de identidade de clientes e proprietários beneficiários e, geralmente, de diligência e acompanhamento contínuo, constantes do acervo legislativo e regulatório aplicável, procuram assegurar as expectativas e a confiança de todos os agentes económicos - nos quais se inclui o ora Recorrente - na conduta das instituições bancárias e financeiras enquanto garantes do bom funcionamento do sector.
MM. Pelo que a omissão dos deveres supra indicados, a qual se verificou no caso sub judice, implica a quebra da confiança e legitimas expectativas do Recorrente, causando directa e necessariamente os danos peticionados - é, aliás, jurisprudência assente que o incumprimento do dever de identificação (enquanto declinação do dever de diligência) por parte das instituições financeiras quebra a confiança entre os clientes e as instituições financeiras e configura um caso de ilicitude, causando a responsabilidade da instituição financeira que imprudentemente negligenciou a verificação da identidade do seu cliente.
NN. Pelo exposto, e salvo o devido respeito, andou maio douto Tribunal a quo ao considerar que não existe verificação da ilicitude in casu, devendo a douta Sentença recorrida ser revogada também em relação a este ponto, o que se requer.
OO. Em todo o caso, e sem conceder, a presente acção não foi interposta em abstracto por um privado que está em desacordo com os (insuficientes) processos de (Y) levados a cabo pela Recorrente e que pretende sindicá-los em juízo, antes diz respeito a uma cliente em específico (“(C) International”), a qual constava como beneficiária das transferências efectuadas pelo Recorrente (cf. resposta aos quesitos 4º e 5º) e através da qual o Recorrente foi burlado em USD287.487,93 (cf. alíneas J) e K) dos Factos Assentes).
PP. Igualmente, a falta de actuação da Recorrida quer quanto à verificação da identidade da sua cliente “(C) International”, quer quanto à efectivação das transferências ao arrepio de todas as regras de (Y) constantes da Directiva da AMCM, permitiu que tais transferências tivesse lugar - e, por conseguinte, a ocorrência dos danos na esfera jurídica do Recorrente.
QQ. Existindo um nexo causal directo e necessário entre a (falta de) actuação da ora Recorrida (ao arrepio dos deveres que lhe são impostos pela lei e pela regulamentação aplicável) perante o caso da “(C) lnternational”, e os danos verificados pelo Recorrente por mor da existência de uma conta bancária em nome da referida entidade, deverá a decisão do Tribunal a quo quanto à não verificação da ilicitude ser revogada em relação a este ponto, o que se requer.
Quanto à existência dos danos sofridos pelo Recorrente
RR. O douto Tribunal a quo vem concluir, in fine, que o Recorrente não logrou comprovar os danos que alega, nomeadamente que foi vítima de um esquema fraudulento de investimento, e que os valores ora reclamados foram transferidos por essa causa.
SS. Ora, tal conclusão ignora os factos dados como assentes no âmbito da Sentença recorrida, nomeadamente quanto aos factos assentes C), D), J) e K), e ainda quanto à resposta aos quesitos 4º e 5º da base instrutória.
TT. De facto, existiram danos comprovadamente sofridos pelo Recorrente, por mar das transferências feitas para a conta junto da ora Recorrida - transferências que, sublinhe-se, foram confirmadas por esta.
UU. Existiram igualmente indícios suficientes da prática de burla nos termos expostos pelo Recorrente - no entanto, a única razão para o arquivamento do inquérito terá sido a impossibilidade de localizar o responsável de tal burla.
VV. Destarte, deverá a douta Sentença recorrida ser também revogada em relação à inexistência de danos sofridos pelo Recorrente (os quais se verificaram in casu), o que se requer.
WW. Por outro lado, o Tribunal a quo determinou ainda que o Recorrente não logrou comprovar que os valores transferidos não lhe teriam sido devolvidos.
XX. É consabido que a apreciação da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deverá ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito.
YY. Ora, dando-se como provado sub judice que o Recorrente procedeu a várias transferências bancárias para a conta bancária aberta pela Recorrida (sendo que apenas duas das transferências não foram creditadas pela Recorrida, cfr. resposta ao quesito 8º da base instrutória) e atendendo ao incumprimento do dever de identificação e verificação, não tendo sido apresentados registos da Recorrida a demonstrar que tais montantes cuja indemnização se requer tenham sido devolvidos ao Recorrente, salvo o devido respeito, é mister concluir que inexiste qualquer devolução a favor do Recorrente.
ZZ. Pelo exposto, deveria o douto Tribunal a quo ter considerado como verificados os danos peticionados pelo Recorrente e melhor descritos nas transferências incluídas na resposta ao quesito 5º da base instrutória, pelo que deverá a douta Sentença recorrida ser revogada também quanto a este ponto, sendo deferida a indemnização peticionada pelo ora Recorrente, o que se requer.
AAA. Atendendo ao supra exposto, resulta claro que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pelo que deveria a Recorrida ter sido considerada responsável pelo ressarcimento do dano sofrido pelo Recorrente, e consequentemente condenada no pagamento da indeminização peticionada nos autos.
BBB. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá a Sentença do douto Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida nos termos supra indicados, o que respeitosamente se requer.
  Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. Não houve qualquer confissão da Recorrida em relação ao quesito 22.º da base instrutória, conforme resulta da gravação da audiência e julgamento do dia 04 de Maio de 2023.
2. No douto Acórdão datado em 18 de Maio de 2023, aos quesitos da matéria de facto constantes na base instrutória, fundamenta-se a decisão de “não provado” do quesito 22.º (entre outros) com base no facto de não ter sido feita qualquer outra prova além de certos “débeis” documentos juntos aos autos de processo, não tendo sido suficientes para afastar as dúvidas quanto ao “ambiente de fraude financeira transfronteiriça”.
3. Em relação aos quesitos 15.º e 16.º., esse mesmo Acórdão concluiu que “Dos documentos de fls. 251 não há dúvida que a ré colheu os quesitados elementos de identificação e dos documentos de fls. 252 e 253 não resultam dúvidas de que a ré cuidou de obter comprovativo de tais elementos”.
4. Esta última matéria também remete para as alienas Q) e R) dos factos assentes da sentença recorrida, que fazem o elenco dos elementos fornecidos por (D) no acto da abertura da conta bancária.
5. No âmbito da matéria dada como provada, está assente que a “(C) Internacional” foi identificada na língua chinesa sem qualquer referência à sua denominação comercial “Lda.” ou “Limitada” ou “Sociedade Unipessoal Lda.” (cfr. resposta ao quesito 20.º da base instrutória e modificação à alínea T) dos factos assentes), tendo sido, assim, indicada como mero dístico comercial de estabelecimento (cfr. alínea X) dos factos assentes).
6. Não consta na matéria de facto assente que “(C) Internacional” era um nome fictício ou que havia indícios da prática de crimes de branqueamento de capitais ou financiamento de terrorismo em virtude da sua natureza, complexidade, valores envolvidos, volume ou actividade do estabelecimento comercial, assim como não há factos provados que permitam duvidar da veracidade ou adequação dos dados de identificação fornecidos.
7. Não se confunde a intenção da prática de um crime de burla, como terá sido no caso em apreço, com a intenção da prática de crimes de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo.
8. O efectivo e pleno cumprimento das disposições legais previstas na Lei n.º2/2006 e no Regulamento Administrativo n.º7/2006 nunca impediriam a vontade da própria vítima transferir dinheiro “limpo” para a conta bancária do agente do crime e a correspondente execução do eventual crime de burla, não se confundido as medidas de prevenção bancária dos diferentes tipos de criminalidade.
9. A actividade de prevenção do crime de burla não está relacionada com os deveres previstos na Lei n.º2/2006, no Regulamento Administrativo n.º7/2006 ou na Directiva da “AMCM” contra o Branqueamento de Capitais e o Financiamento.
10. Seria difícil ou mesmo impossível prevenir a prática deste putativo crime de burla quando a própria vítima colaborou activamente e de forma duradoura na sua realização.
11. Ainda assim, ficou provado nas respostas aos quesitos 36.º, 37.º e 38.º que o Banco Recorrido chegou mesmo a rejeitar duas transferências, informando o Gabinete de Informação Financeira do sucedido.
12. Não houve, portanto, qualquer conduta omissiva no que diz respeito ao cumprimento dos deveres de informação e de recusa de transferências.
13. Mesmo que se entenda que houve uma omissão de deveres - o que não se concede -, nunca poderia haver ilicitude jurídico-civil em virtude dos fins protegidos pelas normas jurídicas em causa, eminentemente direccionadas à tutela de interesses colectivos, de ordem pública e sócio-económica, não estando em causa, no círculo de interesses directos que a lei tinha em vista tutelar, bens jurídicos particulares ou dos privados como é o caso do Recorrente.
14. Acerca do nexo de causalidade entre a alegada conduta omissiva do Recorrido e os danos sofridos pelo Recorrente, é manifesto que o Banco Recorrido não tinha o dever de agir para evitar o dano quando foi o próprio Recorrente que criou as circunstâncias especiais a partir das quais o dano resultou: há assim uma quebra do nexo de causalidade a partir do momento em que é o lesado a contribuir, de forma absoluta e com negligência ou erro, para os danos na sua esfera jurídica.
15. Por outras palavras: a alegada conduta omissiva do Banco Recorrido, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir o dano alegado pelo Recorrente que decorreu das suas próprias transferências.
16. Quanto aos danos, as transferências realizadas, alegadamente para investimento, não provam, por si só, que o Recorrente sofreu danos: era necessário provar, obrigatoriamente, que os montantes sairam do seu património e que nunca mais foram recuperados, nem reinvestidos, nem devolvidos, directa ou indirectamente.
17. Por outro lado, a pretensão de exigir também do Banco Recorrido a reparação total dos prejuízos causados pela eventual burla traduz-se na duplicação de indemnizações e num enriquecimento injustificado.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
  Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor é um empresário de nacionalidade francesa que, à data dos factos, exercia actividade profissional no Qatar. (alínea A) dos factos assentes)
- A Ré é uma instituição bancária com sede na República Popular da China, autorizada a estabelecer a sua sucursal em Macau, nos termos da Portaria n.º 150/86/M, de 29 de Setembro, e cuja actividade consiste em receber depósitos ou outros fundos reembolsáveis e conceder crédito por conta e risco próprios, operando em Macau sob a supervisão da Autoridade Monetária de Macau (“AMCM”). (alínea B) dos factos assentes)
- O Autor recebeu informação da Ré que consta do doc.11, junto com a p.i. e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos, referindo-se de que as duas transferências efectuadas em 9 de Abril de 2017, no doc. referido id., haviam sido rejeitadas por esta devido a violações das suas regras internas. (alínea C) dos factos assentes)
- Segundo a informação disponibilizada pela Ré, esta não teria conseguido contactar a beneficiária da conta bancária de destino – “(C) International” –, pelo que o valor correspondente às duas transferências acima referidas foi novamente creditado nas referidas contas do Autor. (alínea D) dos factos assentes)
- No dia 19 de Maio de 2017, o Autor interpelou a Ré, através do seu mandatário, para que aquela tomasse medidas com vista a ressarcir o Autor dos montantes indicados no documento junto com a p.i. com sob o nº19, e cujo tero aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea E) dos factos assentes)
- Não tendo obtido qualquer resposta da Ré, o Autor reiterou a sua posição em missiva de 31 de Maio de 2017, tendo indicado que, na falta de resposta da Ré, não teria escolha senão recorrer à AMCM, na qualidade de reguladora da Ré, tudo conforme doc. junto com a p.i. sob o nº20 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea F) dos factos assentes)
- Face a nova falta de resposta da Ré, o Autor dirigiu missiva à AMCM em 18 de Julho de 2017, instando aquela entidade a agir, tudo conforme doc. junto com a p.i. sob o nº21 e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea G) dos factos assentes)
- No dia 2 de Agosto de 2017, a AMCM respondeu ao Autor, informando-o de que havia comunicado a questão à Ré para que esta respondesse directamente, tudo conforme doc. junto com a p.i. sob o nº22 e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea H) dos factos assentes)
- A R. declinou quaisquer responsabilidades. (alínea I) dos factos assentes)
- O Autor apresentou ainda queixa-crime contra desconhecidos junto das autoridades competentes, a qual originou a abertura de inquérito que correu termos na 8.ª Secção dos Serviços de Acção Penal do Ministério Público sob o n.º 2200, tudo conforme doc. junto com a p.i. sob o nº23 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea J) dos factos assentes)
- Tal inquérito veio a ser arquivado em 9 de Outubro de 2019, porquanto, não obstante tivessem sido apurados indícios da prática de crime de burla, não foi possível localizar o indivíduo responsável tudo conforme doc. junto com a p.i. sob o nº24 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea K) dos factos assentes)
- Por requerimento entrado em juízo em 2 de Abril de 2020, o Autor promoveu a notificação judicial da Ré, a fim de que esta lhe pagasse o que se menciona no doc. junto com p.i. sob o nº25, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea L) dos factos assentes)
- A Ré foi notificada, nos termos requeridos, na data de 8 de Abril de 2020. (alínea M) dos factos assentes)
- O Autor abriu voluntariamente uma conta junto da “XX”, na altura tinha residência no Qatar, nacionalidade francesa, nasceu em 1965 e é Chief Operation Officer da empresa XX, que é uma empresa de nível internacional ligada à exportação de polieteno de baixa densidade. (alínea N) dos factos assentes)
- O Autor possuía um bom conhecimento do mercado de valores imobiliários, tinha tolerância ao risco, pretendia fazer crescer o seu património, tinha experiência de investimento, ou seja capacidade técnica para perceber as oscilações de mercado, e tinha mais do que uma conta de corretagem para a realização dos seus investimentos na Bolsa. (alínea O) dos factos assentes)
- No acto de abertura de conta, o Sr. (D) entregou as Fichas de Cliente, preenchidas e assinadas por si (docs.6 e 7 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz), de onde constam os seguintes elementos:
a) a sua completa identificação, de acordo com os dados do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong (doc.8 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz), de onde constam os seguintes elementos), local de nascimento e nacionalidade;
b) a declaração de ser proprietário do estabelecimento comercial “(C) International”, com o número de registo de estabelecimento nº 2*****;
c) a localização do estabelecimento: Avenida da Praia Grande, nº x, Edifício xx, xº andar, Macau;
d) a natureza do negócio: venda a retalho e por grosso de acessórios de informática;
e) o endereço de contacto: Flat x, 6F, xx, Apliu Street, Sham Shui Po, Kowloon, Hong Kong, de acordo com o comprovativo da morada - extracto de conta do Banco “xx Bank International” (cfr doc.6 cujo teor se reproduz);
f) o número de contacto: (852) xxxxxx;
g) indicação da proveniência dos fundos: rendimentos derivados do exercício de actividade;
h) finalidade ou natureza do estabelecimento de relações de negócio: fundo de maneio;
i) indicação de ser o beneficiário efectivo e exclusivo responsável; e
j) data da declaração do início de actividade: 22/04/2016. (alínea Q) dos factos assentes)
- Para além disso, foi ainda entregue ao Banco Réu a Declaração de Início de Actividade, datada de 22/04/2016 (doc.9 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz), da qual consta, para além da informação referida supra, um número de telefone de Macau para o estabelecimento e a menção de que este tem um capital de giro de MOP$25,000.00. (alínea R) dos factos assentes)
- A conta era uma conta poupança em USD, cujo propósito era servir para fundo de maneio do estabelecimento (operações de tesouraria). (alínea S) dos factos assentes)
- Na ficha de (Y) preenchida perante o R., (D) identificou a “(C) International” como sociedade unipessoal por quotas2 (cf. Documento n.º 7 da Contestação cujo tero aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos). (alínea T) dos factos assentes)
- Em 6 de Fevereiro de 2017, no descritivo da transferência realizada, indicasse que a morada da “(C) International” é em “12 XX Bldg 16 San On St Tuen Mun New Territories, HK” (cf. Documento n.º 3 da Contestação). (alínea U) dos factos assentes)
- De acordo com a lista de exemplos de transacções suspeitas, avançada pela AMCM para orientar as instituições financeiras na identificação dessas operações, as seguintes situações devem ser reportadas atempadamente:
* “Casos em que os clientes dão informações de natureza duvidosa para abrirem conta”;
* “Casos em que os pormenores de identificação do cliente pessoa singular ou pessoa colectiva (natureza da profissão/negócios, endereços, números de telefone, etc.) fornecidos para abertura de conta, se revelaram fictícios depois de uma verificação posterior”;
* “Transacções feitas através de contas detidas por pessoas colectivas que se apurou nunca terem existido”;
* “Transacções feitas por clientes que desejem que os extractos de conta, avisos ou outras notificações sejam enviados para destinos diferentes do seu endereço postal ou recusem que qualquer correspondência seja enviada para o seu endereço”;
* “Transacções em que os clientes enviam ou recebem elevadas transferências não usuais do e para o exterior, sem finalidade lícita ou económica visível”;
* “Transacções envolvendo clientes que estejam sediados em jurisdições de alto risco e que não cooperam com os esforços internacionais contra o branqueamento de capitais, a não ser em casos justificados”;
* (…). (alínea V) dos factos assentes)
- Desse documento resulta que o contribuinte que ali declarava perante a administração fiscal não era a (C) International, mas sim o próprio (D), identificado com residente de Hong Kong, com domicílio em “FLT G 6/F xx APLIU ST SHAM SHUI PO KLN HONG KONG”. (alínea W) dos factos assentes)3
- Sendo a “(C) International” indicada como mero dístico comercial de estabelecimento. (alínea X) dos factos assentes)
- Aquando da abertura da Conta-Destino, a Ré não recolheu pacto social, comprovativo de registo ou qualquer outra documentação societária relativa à “(C) International”, emitida pelas autoridades competentes de Hong Kong, de Macau ou de qualquer outro local. (alínea Y) dos factos assentes)
  Da Base Instrutória:
- O teor do documento de fls. 62, designadamente que ali se referem instruções para pagamento de facturas no sentido de os respectivos valores serem transferidos para uma conta aberta sobre a Banco (B), ora ré, com o n.º xxxxxxxxxx cuja titular se indicava ser uma entidade de tipo não concretamente apurado designada “(C) Internacional” e com endereço em Hong Kong. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- O autor procedeu às seguintes transferências bancárias, ordenando-as a partir das suas contas abertas sobre o Banco XX do Qatar, ordenadas pelas datas em que a ordem de transferência chegou à ré:
FOLHAS DOS AUTOS
DATA
VALOR (USD$)
169-170
20/10/2016
5.363,10
171-172
11/11/2016
16.619,99
173-174
15/11/2016
7.171,00
175-176
13/12/2016
31.000,00
177-178
28/12/2016
30.000,00
179-180
9/1/201
41.930,00
181-182
06/02/2017
49.606,00
183-184
09/02/2017
42.291,76
185-186
01/03/2017
29.741,76
187-188
23/03/2017
18.481,76
189-190
27/03/2017
15.000,00
191-192
10/04/2017
17.487,00
193-194
10/04/2017
17.991,76
195-196
10/04/2017
298,03
(resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Em todas as transferências acima indicadas o autor utilizou a mesma informação da Conta-Destino que consta do doc. 10 junto com a p.i. a fls. 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- O autor indicou, como beneficiária das transferências em causa, a já mencionada “(C) International”, e numa das transferências ordenada em 2017/02/05 e constante do sistema SWIFT mencionado a fls. 181 e 182 com data de 2017/02/06 o autor indicou ainda que a morada da referida beneficiária era “1-2 xx Bldg, xx San On St. Tuen Muen, New Territories, HK”. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Com excepção das transferências com os nºs 12 e 13 da tabela supra, e referidas em C., todas as demais foram creditadas pela ré na Conta-Destino, sem que o autor tenha sido alguma vez interpelado pela ré quanto a qualquer problema com o processamento das operações em causa. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- A ré identificou a entidade titular da Conta-Destino pela respectiva denominação (“(C) International”), pelo respectivo número de contribuinte dos Serviços de Finanças da RAEM (“2*****”), pela localização da respectiva sede, local de registo e demais elementos constantes do documento de fls. 251 declarados pela pessoa que procedeu à abertura da referida “conta-destino” e constantes do documento de fls. 252 e 253. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- Como cliente da ré e titular da Conta-Destino figura a “(C) International”. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Segundo os elementos de identificação constantes das fichas mantidas pela ré, a “(C) International” era uma sociedade comercial unipessoal registada e sediada em Macau. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Dos documentos em causa faz-se menção que a “(C) International” teria o “capital” de MOP$25.000,00, e que teria um “sócio único”, de nome (D), que seria seu representante e último beneficiário desde 22 de Abril de 2016. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- No entanto, não se indica, em parte alguma da documentação existente na ré, qual a estrutura societária da “(C) International”. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- A pretexto de informação sobre a proveniência dos fundos da “(C) International”, consta dos documentos existente na ré a indicação de “negócio”. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Como contacto telefónico da sua cliente, a ré aceitou a indicação de um número de telemóvel de Hong Kong (852 xxxxxx). (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Como único documento de suporte relativo à sua cliente “(C) International”, titular da Conta-Destino que aceitou abrir, a ré bastou-se com uma cópia de uma Declaração de Início de Actividade para efeitos de Contribuição Industrial (Formulário M/1). (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- No mesmo Formulário M/1 faz-se ainda referência ao “venda a retalho e distribuição de acessórios para computadores” como sendo a actividade exercida pelo declarante. (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- …. Sem que se especifique em que concreta classificação de actividade económica tal “comércio” se inseriria. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- A morada do beneficiário indicada pelo ordenante numa das transferências realizadas, mencionada a fls. 181 e 182 dos autos, era uma morada de Hong Kong que não consta de um único documento em poder da ré relativamente à Conta-Destino. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- O réu não confirmou a existência do número de registo identificado supra em Qb (2*****). (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- As transferências efectuadas não suscitaram à ré suspeitas de serem transferências com vista à lavagem de dinheiro, para financiar actos de terrorismo ou para a prática de qualquer ilícito criminal. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- As duas transferências rejeitadas levantaram suspeitas por terem sido feitos dois pedidos no mesmo dia, de valor idêntico e por referência à mesma factura nº 1099363868. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
- Na sequência da suspeita mencionada no artigo 36.º, o funcionário do Banco réu tentou contactar o Sr. (D) para que fornecesse documentos adicionais e comprovasse a origem dos fundos. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- Como não conseguiu contactar o Sr. (D), o Banco réu rejeitou aquelas duas transferências e informou o GIF. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- O crédito dos fundos foi feito numa conta não pertencente à contratante “XX” mas a um terceiro. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)

b) Do Direito

É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«Cumpre analisar os factos tidos por assentes e aplicar o direito.
  Considerando as posições tomadas pelas partes nos articulados e nas alegações de direito, a resolução do presente litígio consiste na apreciação das questões seguintes:
  1) Apreciação da matéria de facto;
  2) Prescrição do direito de indemnização alegado pelo Autor;
  3) Responsabilidade Extra-contratual
- Acto ilícito
- Omissão
- Incumprimento do dever de identificação do cliente na abertura da conta bancária
- Incumprimento do dever da recusa das transacções
-Danos
  Da Matéria de facto
  A Ré suscitou, só nas alegações de direito, a questão quanto à correção das matérias de facto tidas como assentes sob as alíneas K ) e T) no saneador por o que estão aí descritos não têm correspondência com o teor dos documentos juntos autos e, ainda à correção da resposta dada ao quesito 18°, por conexão com o facto da alínea T), impugnando a alteração desses factos dados como assentes, assim como a resposta em causa.
  Com efeito, dispõe-se o nۣ° 3 do art°562° do C.P.C. que “Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo a exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.”
  Segundo a anotação do Prof. Lebre de Freitas, “A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, ……Na anterior decisão sobre a matéria de facto (do tribunal colectivo ou do tribunal singular que presidiu à audiência final), foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador. Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulta da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima plena ou bastante, independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase de condensação.” 4
  Por outro lado, conforme o ensinamento do Conselheiro Viriato Manuel de Lima que “De facto, a selecção dos factos assentes e a base instrutória são meros instrumentos de trabalho, destinados a facilitar a instrução, discussão e julgamento da causa, que não criam nem tiram direitos, pelo que se deve entender que, quanto às mesmas, não se cola, nem a questão do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, nem o caso julgado formal.” 5
  Acrescenta, ainda, que, “Assim, o juiz poderá -considerar provado por acordo, por confissão ou por documento, um facto que tivesse escapado no momento de elaborar a seleção dos factos assente; -eliminar um facto da selecção dos factos assentes que, indevidamente, tivesse considerado assente; -se houver contradição entre o conteúdo da selecção dos factos assentes e das respostas à base instrutória, deve dar preferência à primeira, se o facto estava devidamente incluído nesta, por aquela peça “assentar em elementos dotados de força probatória especial (confissão, acordo das partes ou documentos) e considerar-se não escrita a resposta do colectivo.”
  Em conformidade com esses entendimentos, o tribunal poderá tomar em consideração, na elaboração da sentença, os factos assentes que não foram levados a considerados no despacho de condensação e, pela mesma ordem de lógica, poderá eliminar ou alterar os factos tidos por assentes nesse despacho, se se verificar os pressupostos legais.
  Analisaremos.
  Factos assentes sob a alínea T) e a resposta dada ao quesito 18°
  Os factos assentes sob a alínea T) é seguinte “Na ficha de (Y) preenchida perante o R., (D) identificou a “(C) International” como sociedade unipessoal por quotas. (cfr. Documento n°7 da Contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.)
  Da redacção adoptada sugere que os factos tidos por assentes são lidos não apenas na redacção dada, mas também em conjugação com teor do documento a que se remetem.
  Apesar de estar escrito nos factos assentes que “na ficha da (Y)…, (D) identificou a “…. como sociedade unipessoal por quotas”, porém, conforme o documento remetido (constante de fls. 251), redigido em língua chinesa, consta aqui apenas que o (D) identicou a “(C) International” como “獨資公司”.
  A questão que se coloca é se saber se a expressão em chinês “獨資公司” equivale com a expressão em português “sociedade por quotas unipessoal”.
  Ora, a expressão “sociedade por quotas unipessoal” é um conceito jurídico, cuja definição se encontra prevista no art°390° do Código Comercial. A versão formal em chinês do termo “sociedade por quotas unipessoal é “一人有限公司”. (cfr. mesmo artigo do Código Comercial versão chinesa)
  Como é evidente, o termo “獨資公司” é, literalmente, diferente do “一人有限公司. Como a “sociedade por quotas unipessoal” dota dum sentido jurídico próprio e tem como sua correspondência em chinês “一人有限公司” . O termo “獨資公司” não deverá ser traduzido para português como “sociedade por quotas unipessoal”.
  De facto, a matéria de facto em causa foi alegado pelo Autor na réplica sob o art°65°, na sequência da junção dos documentos arquivados pela Ré na abertura do titular da conta bancária em discussão junto com a contestação.
  O facto não terá sido considerado por assente por falta de impugnação, por a Ré, quer na contestação quer na tréplica, insistir a sua defesa na negação de o titular de conta “(C) International” ser uma sociedade comercial mas apenas estabelecimento comercial.
  Assim, o facto terá tido por assente pelo tribunal por ter confiado em que o facto descrito pelo Autor nessa peça processual se corresponde, exactamente, o que está inscrito no documento e que tal documento foi junto aos autos pela Ré.
  A falta de correspondência entre as duas expressões, uma em chinês, outra em português, deverá derivar da tradução inexacta e infeliz do texto original.
  Agora, verifica-se a divergência entre o facto descrito e o original do termo constante do documento a que se remetem os próprios factos assentes, e o que se pretendem dizer tanto pelo Autor como pela Ré nos articulados é somente o que foi preenchido no tal documento pelo (D), assim, esses factos não deverão ser tidos como assentes tal qual como consta na alínea T).
  Não se ignora que essa matéria de facto é relevante a ser tomada em consideração para a apreciação da causa, portanto, em vez de eliminar esses factos assentes, convém proceder à sua alteração para que o mesmo se conforma com o próprio documento. Ou seja, em vez de usar o termo sociedade unipessoal por quotas, transcreve-se o próprio termo usado em chinês, que é “獨資公司”.
  Nestes termos, os factos assentes alínea T) passam a ter o seguinte: “Na ficha de (Y) preenchida perante a R., (D) identificou a “(C) International” como “獨資公司”. (cfr. Documento n°7 da Contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.)
  Na sequência da alteração desses factos assentes, encontraremos outra questão sobre a resposta dada ao quesito 18° onde se escreve “Segundo os elementos de identificação constantes das fichas mantidas pela Ré, a “(C) International era uma sociedade comercial unipessoal registada e sediada em Macau.”
  Como se menciona acima, uma vez que se considera somente como assentes que “Na ficha de (Y) preenchida perante o R., (D) identificou a “(C) International”como獨資公司”. A resposta dada ao quesito 18° se encontra em contradição com tal factos assentes.
  Assim, por força do disposto do n°4 do art°562° do C.P.C., é de ter por não escrito a resposta dada ao quesito 18°.
  Factos assentes sob a alínea K)
  Com o mesmo fundamento da divergência entre o teor do documento e os factos tidos por assentes, pretende também a Ré a alteração da redação desses factos.
  Os factos assentes sob a alínea K) é seguinte: “Tal inquérito veio a ser arquivado em 9 de Outubro de 2019, porquanto, não obstante tivessem sido apurados indícios da prática de crime de burla, não foi possível localizar o indivíduo responsável, tudo conforme o doc. junto com a p.i., sob o n°24 e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.”
  A situação não é bem mesma.
  Com efeito, esse facto foi levado para os factos assentes, não só com base no documento referido que é o despacho de arquivamento proferido pela Digna Delegada do M° P°, mas também por falta de impugnação.
  Na verdade, o facto em causa foi alegado pelo Autor sob o art°37° da p.i., mas a Ré não chegou a impugnar expressamente sobre esse articulado nem se pronunciou sobre o facto em causa. Portanto, esse facto tem tido por assente, essencialmente, por falta de impugnação.
  Aliás, não obstante da falta de coincidência absoluta entre o facto descrito e o despacho de arquivamento, não há desvio ao sentido real do mencionado despacho de arquivamento. Na verdade, a prova insuficiente para deduzir acusação também não significa que não existe qualquer indício de crime.
  Assim sendo, não se vê razão para a sua alteração.
  Resolvida a questão sobre a matéria de factos, abordaremos às questões de direito suscitadas pelas partes.
  Da prescrição do direito de indemnização
  A Ré deduziu a excepção da prescrição do direito de indemnização peticionado pelo Autor, fundamentando que este não pode beneficiar do alargamento do prazo de prescrição por via de notificação judicial avulsa, por o montante da indemnização constante desta ser diferente do montante peticionado na presente acção.
  Com efeito, o direito de indemnização em que o Autor alegadamente invocou baseia-se na responsabilidade extra-contratual, cujo prazo de prescrição é de três anos. (art° 491°, n°1 do C.C.M.
  O Autor admite que teve conhecimento do direito sobre a Ré na sequência da rejeição das duas transferências bancárias por parte desta ocorridas em 9 de Abril de 2017, assim, o prazo de três anos terá decorrido em 9 de Abril de 2020.
  Percebido da proximidade do decurso do prazo de prescrição, por requerimento que deu entrada no tribunal em 2 de Abril de 2020, o Autor promoveu à notificação judicial avulsa à Ré com vista a fazer interromper o prazo de prescrição, tendo esta sido notificada no dia 8 de Abril de 2020.
  Nos termos do n°1 do art°315° do C.C.M, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
  Prescreve, ainda, o n°5 do mesmo artigo que “A notificação judicial avulsa em que se exprima a intenção de vir a exercer o direito não interrompe o prazo de prescrição, mas impede que o prazo se complete antes de decorrido 2 meses sobre a notificação; se, por causa não imputável ao requerente, a notificação não se fizer dentro de 5 dias após ser requerida, tem-se por efectuada decorrido esse prazo.”
  Conforme os factos tidos por assentes, o Autor promoveu a notificação judicial (avulsa) da Ré, a fim de que esta lhe pagasse o que se menciona no documento n°25 junto com a p.i.. e esta foi notificada, nos termos requeridos, na data de 8 de Abril de 2020.
  Acontece que o montante mencionado no requerimento da notificação judicial avulsa e o montante peticionado pelo Autor na presente acção não é, totalmente, idêntico, um é US$257.847,92 enquanto outro é de US$287.487,93.
  Insurge a Ré que, por existência dessa diferença (falta de identidade completa dos montantes peticionados), a referida notificação judicial avulsa não poderá servir para fazer alargar o prazo de prescrição.
  Sobre a questão da virtualidade da notificação judicial avulsa, decide-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citada a título de direito comparado, “Como resulta da letra do n°1 do art°323° (intenção de exercer o direito), o facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que o obrigado teve, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer determinado direito. Deste modo, o requerente tem de assumir-se, antes de mais, como titular de um direito. Não basta, porém que se assuma como titular de um mero direito virtual; tem de afirmar-se titular de um direito efectivo, minimamente definido e fundamentado. Doutro modo, o requerimento em que se pede a notificação judicial avulsa do pretenso devedor tem de ser considerado inepto, por aplicação analógica do disposto do art°193°, n°2, a) do C.P.C..”6
  Daí que o facto interruptivo da prescrição consiste, essencialmente, no conhecimento que o obrigado teve, através do meio adequado, de que o titular pretende exercer determinado direito. Para que a interrupção se opera, o credor tem que manifestar a intenção de exercício dum determinado direito.
  Da comparação da notificação judicial avulsa e da p.i., se permite retirar que o Autor pretende exercer o mesmo direito de indemnização dos danos provenientes da responsabilidade extra-contratual imputada à Ré, por esta não ter cumprido os deveres de cuidados impostas pela lei.
  Os factos alegados pelo Autor na notificação judicial avulsa são quase idênticos aos que estão descritos na p.i., particularmente na parte respeitante aos danos, (art°4° da notificação avulsa e art°7° da p.i.). De facto, os itens discriminados nas tabelas referidas nos dois artigos são iguais, apenas se diverge quanto ao valor total. Basta uma simples acumulação de todos valores discriminados se permite retirar que tal divergência se devia a erro de cálculo feito na notificação judicial avulsa.
  Agora, deverá atribuir a esse erro o valor de não valorizar a notificação judicial avulsa como acto adequado para fazer a interrupção da prescrição?
  O Autor descreve devidamente factos concretos nos termos do qual pretende obter indemnização dos danos por parte da Ré, a título de responsabilidade extra-contratual, o que nos cremos adequado para que a Ré percebesse qual direito do crédito que aquele pretendeu exercer e quais os seus fundamentos, tendo pouca relevância a pequena discrepância do valor alegado na notificação judicial avulsa e na p.i., derivado do erro de cálculo.
  Nestes termos, com a notificação judicial avulsa requerida pelo Autor, e tendo a Ré ser notificada em 08 de Abril de 2020, ocorre-se o facto interruptivo da prescrição. Por força do n°5° do art°315° do C.C.M., o prazo de prescrição é alargado dois meses a partir da notificação, pelo que o prazo de prescrição só se decorreu em 09 de Junho de 2020.
  Tendo a p.i. dado a entrada no tribunal em 3 de Junho de 2020, e que a Ré sido citada no mesmo dia, de acordo do disposto do n°1 do mesmo artigo, o prazo de prescrição é interrompido com a citação.
  Pelo que o direito alegado pelo Autor não se prescreve.
***
  Responsabilidade extra-contratual
  O Autor disse que fosse vítima dum esquema fraudulento de investimento operado por via informática, tendo este transferido o fundo, por várias vezes, para uma conta bancária aberta por um colaborador no Banco (B), ora Ré e não mais lhe devolvido, argumentando que o Banco omitiu o dever na identificação e verificação do titular da conta bancária e na recusa das operações, devendo ser responsável pelo dano causado ao Autor (corresponde ao valor transferido para a referida conta bancária e não devolvido) a título da responsabilidade extra-contratual.
  Prescreve-se o artº 477º do C.C.:
  “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
  2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
  Para que haja responsabilidade extra-contratual, são pressupostos indispensáveis a existência da conduta ilícita e de danos, que nos ajuizamos não verificados no presente caso.
  Vejamos.
*
  Acto ilícito
  Omissão
  Disse o Autor que se a Ré tivesse observado os deveres impostos nos pontos 8.1.1, 8.1.2 e 8.1.3 da directiva emitida pela A.M.M., não teria deixado a abertura da conta bancária n° xxxxxxxxx, ele não poderia transferir os fundos a essa conta, então não teria sofrido os danos alegados, pugnando que os danos sofridos por ele foram causados por omissão da Ré, que se consiste na omissão de cumprimento desses deveres.
  Dispõe-se o art°479° do C.C., que “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.”
  No caso em apreço, o Autor alegou que a Ré não devia abrir a conta bancária n° xxxxxxxx e não devia efectuar as transferências ordenadas, na inobservância dos deveres a que a esta estão sujeitos por directiva da AMM. Dito por outro modo, a Ré abriu a conta bancária e procedeu as transferências bancárias postas em causa pelo Autor, actos esses que este alegadamente prejudicou os interesses dele. Então, o que está em causa é facto positivo cometido pela Ré e não facto negativo.7
  Já é outra questão se há ou não há incumprimento dos deveres alegados pelo Autor. Pois, a eventual inobservância desses deveres relevará para qualificação de tais actos como ilícitos donde poderá originar a indemnização por responsabilidade subjectiva.
  No âmbito de combate contra o crime de branqueamento de capitais e o financiamento dos actos de terrorismo, regulado pelas Leis n° 2/2006 e n°3/2006, é estabelecido o Regulamento Administrativo n°7/2006, com alteração introduzido pelo Regulamento Administrativo n.º17/2017,
  Prevê-se o artº 3º, n.º1, alínea 1) do R.A. n°7/2006, que as entidades previstas no artº 6º da Lei 2/2006 devem obter a identidade das contratantes, clientes e frequentadores utilizando para o efeito documento, dados ou informações de origem credível e independente quando estabeleça relação de negócios. Tem essas entidades ainda o dever de identificar e verificar a identidade dos beneficiários efectivos da actividade dos contratantes, clientes ou frequentadores quando estes sejam pessoa colectiva ou entidade sem personalidade jurídica, adaptou as medidas adequadas ao conhecimento da sua estrutura societárias ou equivalente, e à determinação das pessoas singulares que detêm efectivamente o respectivo domínio. (n°2, alínea 1) do mesmo artigo)
  Em relação às instituições de crédito e outras instituições financeiras, é emitida a Directiva contra o Branqueamento de Capitais e Actos de Terrorismos pela Autoridade Monetária de Macau, que rezam os requisitos chaves para que as referidas instituições cumpram as obrigações acima mencionadas.
  Estipula-se no ponto 8.1.1, entre outras, que as instituições de créditos e financeiras são obrigados a identificar, verificar e registar a identidade dos clientes e dos proprietários beneficiários como definido no ponto 8.2, usando documentos, dados ou informações de fontes de confiança e independentes.
  Ponto 8.1.2: “a) As instituições são obrigadas a estabelecer procedimentos para abertura dos diferentes tipos de contas, incluindo contas em nome individual, de actividade comercial, de trust, de intermediário ou de empresas offshore, etc. Deve haver adequada segregação de funções para realizar os procedimentos e todos os novos clientes e contas devem ser aprovados por funcionários com poderes apropriados.
  b) As instituições não devem abrir contas, estabelecer relacionamento comercial ou efectuar quaisquer transacções com os clientes, a menos que o processo de diligência devida esteja completo e a identidade do cliente suficientemente estabelecida.
  c)…..”
  d) Uma vez aberta uma conta ou estabelecido um relacionamento comercial, se a diligência devida não puder estar concluída dentro de um período de tempo razoável e sem um esclarecimento plausível sobre a demora, ou se posteriormente as instituições tiverem dúvidas quanto à verdadeira identidade do cliente que não possam ser resolvidas de forma satisfatória, devem aquelas suspender ou terminar o relacionamento comercial e considerarem participar ao GIG a transacção suspeita.
  Incumprimento do dever de identificação do cliente
  O Autor argumentou que a Ré violou o dever de identificação do cliente a partir da tese que o titular do conta n.º xxxxxxxxx aberta no (B) era uma sociedade comercial, mas a Ré apenas recolheu uma declaração do início da actividade para efeitio de contribuição industrial feita pelo representante (D), sem solicitar o registo comercial nem a estrutura social, enquanto a Ré repugnou que a “(C) International” era um estabelecimento comercial e não sociedade comercial.
  De acordo com o disposto do art°1, alínea a) e art°5° do Código Comercial, uma pessoa singular, ainda que não seja residente da RAEM, pode exercer, em seu nome, uma empresa comercial. Por outro lado, prevê-se o art°14°, n°1 do mesmo Código que o empresário comercial é designado, no exercício da sua empresa, sob um nome comercial, que constitui a sua firma, e com ele deve assinar os documentos àquele respectivo.
  Assim, se o titular da conta bancária a “(C) International” for um novo estabelecimento comercial, cuja propriedade pertence a uma pessoa singular, e não a uma sociedade comercial registada, não sendo necessário apresentação do pacto social e da estrutura social.
  A questão fulcral é saber se o (D) declarou perante a Ré “(C) International” é uma sociedade comercial ou mesmo uma sociedade por quotas unipessoal
  Segundo a ficha do cliente preenchida pelo (D) (doc. 6 e 7 junto com a contestação), indica que o (D) era empresário individual quem explorou a actividade comercial sob a empresa/estabelecimento comercial “(C) International” e o titular da conta bancária é “(C) International”. (Factos assentes sob a alínea R)
  Como se sabe, um estabelecimento comercial por si, não tem personalidade jurídica, o (D) declarou que ele era dono do estabelecimento comercial “(C) International”, e que este é o dístico comercial, então, a identificação completa do dono mais a declaração de início da actividade perante os Serviços de Finança é, de facto, o que é necessário para a identificação desse cliente “(C) International”, tal como acontece habitualmente nos outros casos semelhantes do empresário individual.
  Entretanto, noutra ficha de (Y) preenchida pelo (D), este declarou “(C) International” é “獨資公司”.
  É por essa declaração que levou ao Autor a infirmar que (C) International a final não é estabelecimento comercial mas uma sociedade por quotas unipessoal.
  Será?
  Como se deixa em análise supra quanto à matéria de facto, na ficha de “(Y)” redigida em língua chinesa, consta apenas que foi escolhido “獨資公司”. O termo “獨資公司”, traduzido literalmente para a língua portuguesa, tem o sentido de “empresa de capital exclusivo ou propriedade exclusiva”.
  Repara-se que, na linguagem corrente, o termo “公司”, poderá ser traduzido em português, como empresa, companhia e sociedade comercial, portanto, a utilização do termo “公司” não significa, necessariamente, que está a referenciar-se a uma sociedade comercial, por isso, há de tomar em conta as outras circunstâncias para interpretar o que pretende dizer o declarante.
  Nesse caso concreto, conforme o documento preenchido pelo (D), constante de fls. 246 a 249 (doc. n°5 junto com a contestação), este declarou que ele é empresário individual do estabelecimento comercial “(C) International”, enquanto no documento de fls. 251 (doc. n°7 junto com a contestação) que ele declarou que é proprietário efectivo e exclusivo responsável do “(C) International”. Esses elementos indicam somente que “(C) International” é um estabelecimento comercial.
  Por outro lado, segundo o teor da ficha “(Y)” (de fls. 251), constam aqui, para além do “獨資公司”, mais três quadros para escolher, que são “有限公司”, “社團”, “政府機構”, sendo em português “sociedade por quotas”, “associação” e entidade pública”. Dentro deles somente a sociedade por quotas é um tipo das sociedades comerciais previstos no Código Comercial. (cfr. art°174°). Por experiência comum do Tribunal, a sociedade por quotas é o tipo das sociedades comerciais mais comuns na RAEM.
  Teoricamente falando, uma empresa com capital exclusivo pode apresentar-se nas duas formas seguintes: detida exclusivamente por um empresário individual ou detida por uma sociedade por quotas unipessoal.
  A “sociedade por quotas unipessoal”, cuja tradução própria e formal em chinês é “一人有限公司” (art°370° do Código Comercial).
  Sublinha-se que, por disposições do art°26° e 27° do Código Comercial, para as firmas das sociedades por quotas é obrigatório conter o aditamento “Limitada” ou abreviatura “Lda” quando redigido em língua portuguesa e o aditamento “有限公司”, em língua chinesa enquanto para as firmas das sociedades por quotas unipessoal, deve conter o aditamento “Sociedade Unipessoal Limitada” ou “Sociedade Unipessoal Lda”, quando redigido em língua portuguesa e, o aditamento “一人有限公司”, em língua chinesa.
  Então, no caso em análise, é se o declarante pretendesse dizer que “(C) International” seria uma sociedade por quotas com um único sócio, deveria ter escolhido a “有限公司” e não “獨資公司”.
  Consta de fls. 249 que o titular da conta bancária em causa é apenas “(C) International”, não havendo qualquer aditamento obrigatório acima mencionados, significa que a Ré também o tratou como um estabelecimento comercial.
  Tudo demonstra que “(C) International” é somente um estabelecimento comercial e não uma sociedade comercial em sentido próprio.
  Portanto, apreciado no conjunto de todos os documentos preenchidos pelo (D) na momento da abertura da conta bancária, é bem claro que o que foi declarado pelo tal (D) perante o banco, ora Ré, “(C) International” era uma empresa comercial que ele explorou e não uma sociedade comercial menos a sociedade por quotas unipessoal (cfr. artº 2º do Código Comercial)´
  Como não se trata duma sociedade comercial, não andou mal o Banco de não exigir ao (D) a fornecer o pacto social ou estrutura social, por não ser necessário nem ser possível fornecer.
  Para a prova da existência e da identificação duma empresa/ou estabelecimento comercial, basta a declaração do início da actividade para contribuição industrial perante a Direcção dos Serviços de Finanças onde consta também que o (C) International” é o dístico comercial do estabelecimento de que o (D) é proprietário, pelo que este é considerado pela Administração como contribuinte.
  Documente este que foi exigido, pelo banco e foi, efectivamente, entregue pelo (D) ao último.
  Não se acha que tem qualquer relevância quanto ao facto de que a Ré não averiguou o n.º do registo 2*****, por nada se mencionar dos factos assentes de que tal nº de registo é falso ou não se corresponde à verdade.
  Assim sendo, entendemos que, com os elementos fornecidos e documentos fornecidos pelo (D) no momento da abertura da conta bancária, está suficiente para identificação do cliente “(C) International” que era apenas um estabelecimento comercial detido por aquele.
  Pelo que não houve incumprimento pela Ré do dever da identificação do cliente.
*
  Incumprimento do dever da recusa das operações
  Pretendeu o Autor imputar à Ré de ter violado o dever da recusa das operações previsto no artº 5º do R.A. nº 7/2006 e no ponto 8.1.2.b) e 8.1.3c).
  Com efeito, estabelece-se o artº 5º do R.A. n°7/2006, que deve ser recusada a realizar de qualquer operação quando não se obtenham os elementos necessários ao cumprimento dos deveres previstos nos artigos 3.º e 4.º, excepto quando se cumpra o disposto na parte final do n.º 5 do artigo 7.º
  Conforme a análise feita supra, como se conclui que a Ré já obteve os elementos necessários para identificação do cliente no processo de diligência realizado, não há razão para que a Ré rejeitou a efectuar as transacções solicitadas.
  De acordo com o disposto no ponto 8.1.3 a), as instituições de crédito têm o dever de fazer revisões regulares e permanentes aos registos existentes para garantir que estes se mantêm actualizados e relevantes quanto à materialidade e risco particularmente quando: a- se verificar uma suspeita, isto é, o aparecimento de transacções não habituais ou não de acordo com a natureza da actividade ou da profissão declaradas pelos clientes ou quando houver dúvidas sobre a veracidade ou adequação dos dados de identificação do cliente previamente obtidos; b)….c)tiveram lugar transacções de montantes significativos.
  Por um lado, o valor de cada transação realizada pelo Autor não foram, de facto, de valor evolutivo, que podia ser realizada por muitos clientes normais do banco.
  Por outro lado, não vem comprovar que as transferências bancárias em causas estão, efectivamente, conexas com o branqueamento de capital ou a prática do crime de burla. (respostas dadas aos quesitos 1° a 3°, 11° a 14°)
  Na verdade, numa das transferência ordenada pelo Autor, foi indicado que como morada da beneficiária uma morada de Hong Kong, diferente da morada fornecida pelo (D) ao banco, mas a mera indicação duma outra morada pelo ordenante numa das transacção não é uma coisa com valor significante, o que não constitui alteração material quanto à identidade do cliente, não merecendo a relevância para o efeito do ponto 8.1.3 da Directiva da A.M.M..
  Vem comprovado que essas operações também não se levantaram à Ré suspeitos de serem transferências com vista à lavagem de dinheiro para financiar actos de terrorismo ou para a prática de qualquer ilicitude criminal. (respostas dadas aos quesitos 35º e 36°).
  Ademais, de acordo com os factos provados, em relação às duas transacções ordenadas pelo Autor, em 10/04/2017, com o valor de US$17.487 e 17.991,76, a Ré chegou a suscitar suspeitos, devido aos dois pedidos serem ordenados no mesmo dia, com valor idêntico, e por referência a mesma factura, n°1099369868, assim, os funcionários da Ré tentou contactar o (D) para fornecer os documentos adicionais e comprovam o origem das fundos e a Ré rejeitou essas duas transferências, por não ter conseguido contactar a (D) e informou o caso ao GIF (resposta dada aos quesitos 36°e 38°)
  Esses factos comprovam, bem ao contrário, que a Ré cumpriu os deveres impostos na directiva, diligenciando para remover as suspeitas levantadas a tais transferências e rejeitaram a aceitar as transacções quando não tivessem obtido as informações juntos do cliente.
  Nestes termos, não entendemos que as transacções realizadas por parte da Ré violaram o dever de recusa das operações iludido na directiva emitida pela AMM.
  Por último, apenas acrescenta que, ainda que se considerasse que os actos praticados pela Ré violaram os deveres impostos pela directiva, também não nos ajuizamos que os poderão qualificar como ilícitos, tendo em conta o fim que a mesma visa a proteger.
  Com efeito, diz o art° 1º da Lei n°2/2006 que se estabelece medidas destinadas a prevenir e reprimir o crime de branqueamento de capitais, enquanto o art°1° da Lei n.º 3/2006 que tem com objecto a prevenção e repressão dos crimes de terrorismo (artº 1º)
  Ambas as leis destinam-se prevenir e reprimir a prática dos actos ligadas com a conversação, transferências da dissimulação da proveniência ilícitas das vantagens ou com a prática do crime de terrorismo, o que visam a proteger essas normas jurídicas são puramente interesse público, como a administração da justiça e a protecção do sistema sócio-económico.
  Assim, os deveres impostos às entidades verificadas no artº 1º, por essa leis, não podem deixar de ter por fim da prevenção da prática desses crimes. Por isso, é por administração da justiça e tutela do sistema socio-económico, que esses entidades estão sujeitas aos deveres de identificação e de verificação da identidade em relação aos contratantes, clientes e frequentemente, de dever de recusa da realização de operação quando não seja prestada a informação necessária ao cumprimento desses deveres (artº 7º, n.º1, alínea 1) e 3) da Lei n.º 2/2006 com alteração introduzida pela Lei n.º 3/2017).
  Pelo que o fim dessas leis é a protecção da ordem pública e do interesse colectivo, e não a protecção do interesse particular, ainda por mero reflexo.
  Segundo o ensinamento do Antunes Varelas, no que respeitante ao requisito de ilicitude, na forma da violação da lei que protege interesses alheios, “A tutela dos interesses particulares figure, de facto entre os fins da norma viola. É preciso que a tutela dos interesses privado não seja, portanto, um mero reflexo da protecção dos interesses colectivos, que, como tais, a lei visa salvaguardar.” 8
  Sendo assim, mesmo que se considerasse que houve omissão dos deveres impostos por essas leis, os actos da Ré também não se poderão consubstanciar no requisito de ilicitude.
  Danos
  No que diz respeito aos danos, a tese do Autor alicerça-se em que foi burlado para fazer investimento nas acções contadas na NASDAQ, através duma empresa de corretagem “XX” por dois individuas, tendo, por isso, efectuadas várias transferências bancárias dos valores invocados para uma conta bancária aberta no banco da Ré e que esses montantes não foram devolvidos, tendo sido apropriados por os suspeitosos.
  No entanto, após a audiência de discussão e julgamento, o Autor não logrou comprovar o que alegou, nomeadamente, ser vítima dum esquema fraudulento de investimento, e que os valores ora reclamados foram transferidos por essa causa. (respostas dadas aos quesitos 1º a 3º, 9º, 12º a 14º)
  Também o Autor não conseguiu comprovar que os valores transferidos não lhe foram devolvidos. (resposta dada aos quesitos 11º)
  Assim, meramente com o facto de transferências bancárias ordenadas pelo próprio Autor das contas abertas sobre o Banco XX da Qatar para uma conta bancária aberta sobre Banco (B) sem verificação das outras circunstâncias nem que os valores não foram devolvidos, não se pode retirar a conclusão de que o Autor sofre qualquer dano.
  Como não se mostram verificadas os pressupostos do acto ilícito e dano, sem necessidade apreciação de demais pressupostos, como o nexo de causa e a culpa, já podemos concluir que o pedido do Autor não pode proceder.».
  
  Nas suas conclusões de recurso A a I vem o Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto no que concerne à resposta dada ao quesito 22º da Base Instrutória invocando para tanto passagens do depoimento de parte da Ré e na alínea I das suas conclusões de recurso uma suposta prova pericial do quesito, sendo certo que não consta dos autos que haja sido realizada prova pericial alguma.
  De acordo com o artº 487º do CPC o depoimento de parte é sempre reduzido a escrito na parte em que houver confissão do depoente ou em que narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.
  Da acta de julgamento em que foi prestado o depoimento de parte a fls. 575 consta quanto ao quesito 22º da Base Instrutória «À matéria do quesito 22º inicialmente não confessou e em esclarecimentos referiu que apenas recolheram a informação prestada pelo Sr. (D) quanto ao número de trabalhadores e o tempo de actividade».
  No quesito 22º perguntava-se:
  A ré não colheu informação sobre o tempo de actividade da “(C) International”, ou sobre os trabalhadores que tivesse ao seu serviço?
  Este quesito foi dado por não provado, não se vislumbrando que outra resposta pudesse ser dada face à não confissão no depoimento de parte e aos esclarecimentos prestados.
  Pelo que, não se indicando outro elemento de prova que impusesse resposta diversa, terá de improceder o recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto.
  
  Nas suas conclusões de recurso das alíneas J a AA vem o Recorrente sustentar o incumprimento do dever de identificação do titular da conta bancária por banda da Ré.
  Nas suas extensas alegações de recurso desenvolve o Recorrente porque entende que este dever de identificação do titular da conta não foi cumprido uma vez que a Ré não verificou que a (C) International não era uma sociedade.
  Invoca até o Recorrente a certo passo das suas alegações “que a Ré só o fez já em sede de instrução da causa quando juntou a certidão negativa emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau a fls. 522 e 523.
  Ora, o que decorre da instrução dos autos não é que a Ré alguma vez tenha configurado a (C) International como uma sociedade, mas sim como um estabelecimento.
  A junção daquela certidão por banda do Banco Ré visa – tal como consta do respectivo requerimento - demonstrar que a (C) International não é nem nunca foi uma sociedade.
  Aliás a conclusão de que a (C) International não é uma sociedade resulta da simples leitura da Declaração M/1 para efeitos de Contribuição Industrial, Declaração de início de actividade onde consta a designação do contribuinte (D) Weng Yin e a designação do estabelecimento comercial (C) International. Acaso a (C) International fosse uma sociedade o nome inscrito no local indicado ao contribuinte seria o da sociedade e não de uma pessoa singular seja ele sócio, gerente, administrador ou o que fosse.
  Para qualquer pessoa medianamente conhecedora do que é uma declaração M/1 para efeitos de Contribuição Industrial – o que acontecerá com os funcionários do Banco – é perceptível em face daquela que o cliente é uma pessoa singular titular de um estabelecimento comercial.
  Com base neste elemento de prova toda a argumentação do Recorrente quanto à omissão/incumprimento do dever de identificação do titular da conta bancária por referência a uma sociedade é meramente fantasiosa assente quiçá na interpretação que o Autor fez da situação de que o cliente do Banco Ré seria uma sociedade quando o contrário resulta dos autos e nada indica que a Ré alguma vez o tivesse considerado uma sociedade, ou tivesse tido razões para assim pensar.
  Sobre o incumprimento do dever de identificação do cliente a análise feita na decisão recorrida é criteriosa e exaustiva, pelo que, pelos fundamentos da mesma constante, já supra reproduzidos e aos quais aderimos não se podia retirar outra conclusão que não fosse a de que não houve incumprimento pela Ré do dever da identificação do cliente.
  
  Nas suas conclusões de recurso BB a II sustenta o Recorrente o erro de julgamento no que concerne ao incumprimento do dever de recusa das operações.
  Sobre esta matéria a argumentação usada em sede de recurso em nada releva que possa pôr em causa a fundamentação constante da decisão recorrida cuja análise detalhada igualmente se acompanha a ela aderindo no sentido de que não houve violação do dever de recusa das operações segundo a directiva emitida pela AMM.
  
  Nas suas conclusões de Recurso JJ a QQ sustenta o Recorrente a ilicitude da actuação da Recorrida por violação dos deveres de identificação e de recusa e nas conclusões de recurso RR a BBB a existência de danos sofridos pelo Recorrente.
  Ora, não se concluindo pela violação dos deveres de identificação do cliente e de recusa de realização das operações é inócua a análise dos pressupostos da responsabilidade civil uma vez que, não resulta demonstrado que por banda da Ré haja sido violada norma legal a cujo cumprimento estivesse obrigada, não sendo as decisões judiciais o local nem o meio para esgrimir a discussão teórica sobre eventuais e hipotéticas soluções em direito que não tenham relação com o caso em apreço.
  
  Assim sendo, aderindo sem reservas aos fundamentos constantes da Douta decisão recorrida na parte em que conclui que não houve por banda da Ré a violação de norma legal a cujo cumprimento estivesse obrigada, nomeadamente no que concerne à identificação do cliente e recusa de realização das operações, impõe-se negar provimento ao recurso.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo do Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 11 de Julho de 2024
  
(Relator) Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto) Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

1 Redacção originária do Regulamento n.º 7/2006, aplicável à data dos factos
2 Consta aqui a redacção do saneador, que será alterada para “Na ficha de (Y) preenchida perante a R., (D) identificou a “(C) International” como “獨資公司””, por fundamentos adiantamente expendidos.
3 De acordo com o art°48° da p.i., desse document refere-se à declaração de início de actividade para efeito de contribuição industrial
4 José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol II, gg.643
5 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, in Manual de Direito Processual Civil, 3ª Edição, pg.458 e 459
6 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/02/2005, proc. 05S1920 in www.dgsi.pt
7 Antunes Varela, in “Obrigações em Geral”, Vol. I, Almedina, 7ª Edição, pg.517 e 518
8 Antunes Varela, in “Obrigações em Geral”, Vol I., Almedina, 7ª Edição, pg. 530
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359/2024 CÍVEL 1