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Processo nº 220/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 17 de Julho de 2024

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Residência


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Rui Pereira Ribeiro










Processo nº 220/2023
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 17 de Julho de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 27.02.2023 que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela ora Recorrente mantendo a decisão de declarar a caducidade da autorização de de residência, formulando as seguintes conclusões:
A) Proposta de indeferimento do recurso hierárquico necessário por insuficiência de fundamentos.
1. As autoridades administrativas, na proposta, citando o acórdão n.º 54/2011 do Tribunal de Última Instância, que afirmou que “Não dispondo a Administração, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça.”
2. No entanto, a mera citação da referida decisão A do TUI e da decisão B do TUI não é logicamente suficiente, nem é suficiente para passar a provar o fundamento de que “não é relevante a alegação de desrespeito dos princípios fundamentais de direito administrativo” ou de que “não se pode estabelecer o ponto de vista de desrespeito dos princípios fundamentais de direito administrativo”.
3. Como sugere a teoria das condições suficientes em lógica, são necessárias as quatro premissas das condições para se chegar à conclusão de que “não se pode estabelecer o ponto de vista de desrespeito dos princípios fundamentais de direito administrativo”, mas apenas uma delas é condição suficiente.
4. Deve notar-se que só a execução correcta do acto legal pelas autoridades executivas de uma só vez é condição suficiente para se considerar que “não se pode estabelecer o ponto de vista de desrespeito dos princípios fundamentais de direito administrativo”.
5. Tal como acima referido, pode inferir-se que, embora o princípio da legalidade deva ser observado pela Administração quando confrontado com um acto legal, é ainda necessário considerar se a Administração executou o acto legal de forma consistente e correcta.
6. A natureza da condição suficiente leva a concluir que, se o ponto de vista da violação dos princípios fundamentais do direito administrativo for válido, a administração nem sempre praticou corretamente o acto legal de forma consistente e correcta.
7. Uma vez que a proposta não tem outros fundamentos para refutar a alegação no recurso hierárquico necessário de que a Administração violou os princípios do precedente, da igualdade e da boa fé no direito administrativo, a proposta não se justifica para rejeitar o recurso hierárquico necessário.
B) O acto recorrido violou os princípios do precedente e da boa fé.
8. De acordo com o despacho dado pelo Secretário para a Economia e Finanças em 27 de Fevereiro de 2023, o Secretário para a Economia e Finanças concordou com a análise da proposta de 9 de Julho de 2021 (n.º PRO/01544/AJ/2021) (adiante abreviadamente designada por “proposta”) e considerou que a decisão de declarar a caducidade da autorização de residência temporária foi tomada em conformidade com a lei e era juridicamente adequada, não tendo sido possível provar qualquer ilegalidade ou impropriedade, pelo que negou provimento ao recurso hierárquico necessário para manter a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM de 23 de Março de 2021.
9. Ao cônjuge da Recorrente foi concedida uma autorização de residência temporária em 26 de Novembro de 2008 com base num investimento em bens imóveis ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, ao passo que à Recorrente foi concedida uma autorização de residência temporária em 22 de Maio de 2013 devido ao pedido de extensão a favor do cônjuge.
10. Posteriormente, o cônjuge da Recorrente obteve um Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau e a Recorrente apresentou dois pedidos de renovação da sua autorização de residência temporária, que foram aprovados em 14 de Outubro de 2014 e 1 de Julho de 2017, respetivamente.
11. No entanto, em 13 de Julho de 2020, ou seja, depois de ter sido concedida à Recorrente a autorização de residência temporária por sete anos e de ter apresentado o “Pedido da carta de confirmação” e os respectivos documentos comprovativos, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM declarou que a autorização de residência temporária da Recorrente tinha caducado.
12. Quer se trate dos pedidos de renovação em 2014 e 2017, quer se trate do pedido de residência permanente na RAEM em 2020, a Administração está a ser confrontada com pedidos nas mesmas condições e circunstâncias e envolvendo a mesma parte interessada.
13. Mesmo assim, a diferença é que dois pedidos anteriores de renovação foram renovados com êxito com a aprovação da Administração, mas no último pedido, a mesma Administração tomou uma decisão de caducidade era completamente oposta à anterior.
14. Podemos consultar a decisão do TSI, proc. n.º 473/2019, o indeferimento do pedido de renovação de um pedido de residência temporária de um requerente que, desde o início do seu pedido até à data, alegou residir em Zhuhai e não encontrou qualquer obstáculo, devido ao facto de não residir em Macau, não só prejudicaria a sua expectativa jurídica, como também constituiria uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo, sendo motivo suficiente para uma decisão de anulação.
15. O princípio da boa fé, enquanto princípio importante no domínio do direito administrativo e no sistema jurídico no seu conjunto, não só protege as expectativas jurídicas das partes em causa, como também evita que estas sejam afectadas pela possibilidade de decisões imprevisíveis.
16. De acordo com a decisão do TSI, proc. n.º 32/2016, No âmbito da actividade administrativa, a proteção da confiança pressupõe um acto gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, o investimento efectivo de confiança e a destruição da confiança em causa pela pessoa que a construiu.
17. Uma vez que todos os actos ou actividades administrativos estão estreitamente relacionados com o interesse público, e enquanto manifestação do poder público, as entidades privadas são obrigadas a depositar uma confiança considerável no executivo e nas suas decisões.
18. Para qualquer interessado, se tiver sido apresentado mais do que um pedido anterior e as respostas e decisões da autoridade administrativa tiverem sido coerentes (existe um comportamento gerador de confiança), é lógico que qualquer entidade privada parta do princípio de que a autoridade administrativa manterá a mesma decisão no futuro.
19. Por conseguinte, o recorrente e o seu cônjuge continuaram a apresentar à administração os documentos e informações necessários para a renovação e mantiveram entretanto as mesmas condições de vida (compromisso efectivo de confiança).
20. Por conseguinte, o princípio da boa-fé previsto no artigo 8.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo é indubitavelmente violado quando a Recorrente e o seu cônjuge, cuja confiança na administração foi fomentada pelo comportamento livre e autónomo desta, adoptam posteriormente critérios muito divergentes, senão mesmo completamente contraditórios, e tomam uma decisão completamente oposta.
21. O acórdão do TSI, proc. n.º 47/2020 indicou que a Administração estava vinculada pelo princípio do precedente em todos os casos idênticos, e as circunstâncias do caso em apreço satisfazem precisamente os elementos de coerência do sujeito, do objecto e do diploma legal indicados no acórdão acima referido.
22. Dado que os dois pedidos anteriores de renovação do recorrente tinham sido aprovados, deveria ter sido estabelecido um critério na decisão anterior e a Administração deveria ter utilizado o mesmo critério para julgar e apreciar os pedidos subsequentes de renovação de autorizações de residência temporária e tomar a sua decisão em conformidade.
23. Portanto, o último pedido tem as mesmas condições e circunstâncias que o anterior, ou seja, é o mesmo caso, e sob os mesmos critérios e de acordo com os precedentes estabelecidos, a decisão subsequente da Administração não deve ser diferente da anterior.
24. Verifica-se que, quando a Administração toma uma decisão que é contrária às suas decisões anteriores, pode inferir-se que a Administração escolheu um critério base de referência que é diferente dos precedentes, e pode mesmo dizer-se que é totalmente diferente.
C) O acto recorrido violou os princípios da igualdade e da justiça.
25. Em conjugação com o artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo, e na perspectiva do direito comparado, o princípio da igualdade no sistema administrativo, para além de garantir que as autoridades administrativas adoptem a mesma abordagem na mesma situação, também dá prioridade ao interesse público.
26. Resulta do artigo 9.º, n.º 8 da proposta, a Administração admite que não examinou nem se determinou sobre a residência habitual da Recorrente ou do seu cônjuge em Macau antes do acto administrativo de 23 de Março de 2021, quando declarou a caducidade da autorização de residência temporária da Recorrente com o fundamento de que este não satisfazia o requisito de residência habitual.
27. Deve notar-se que, após a recepção dos pedidos de renovação e confirmação da residência permanente da Requerente ou do interessado, a autoridade administrativa teve de tomar uma decisão sobre os pedidos da Recorrente ou do interessado pelo menos cinco vezes (três pedidos do cônjuge da Recorrente e dois da recorrente). Pelo menos cinco vezes (três vezes para o cônjuge do recorrente e duas vezes para o recorrente), a Administração teve de verificar ou confirmar com a Recorrente ou o seu cônjuge as várias circunstâncias e elementos (incluindo a residência habitual) do caso da Recorrente ou do seu cônjuge.
28. Se a residência habitual é uma condição necessária sublinhada pela Administração, por que razão, a Administração não a aplicou durante muito tempo no passado?
29. Isto indica que a Administração não tem estado a aplicar a lei da residência normal obrigatória para os requerentes imigrantes a investimentos imobiliários antes de 2017 (quando a Recorrente obteve a última renovação da sua autorização de residência temporária)?
30. Não há nada de especial no caso da recorrente ou do interessado em relação a outros casos de imigrantes a investimentos imobiliários. Não há, nem deve haver, qualquer razão para a Administração selecionar o caso da Recorrente ou do interessado que não deve ser objecto de uma investigação específica de residência habitual.
31. Além disso, a maioria dos casos de imigrantes com investimentos imobiliários, incluindo grandes investidores imigrantes e imigrantes qualificados, rejeitados pela Administração com base na residência habitual após 2017 são os mesmos que o caso da Recorrente. Com base na mesma experiência de residência, os mesmos casos receberam autorizações de residência temporária das autoridades administrativas até 2017, mas foram subitamente recusados com base numa insatisfação de residência habitual após 2017.
32. Por conseguinte, o acto administrativo de conceder pedidos de autorização de residência sem avaliar a residência habitual não se limita ao caso da Recorrente ou do seu cônjuge, mas a Administração não fez qualquer avaliação ou juízo sobre a residência habitual de muitos requerentes de imóveis imigrantes em Macau antes de 2017.
33. A administração não examinava a residência habitual de alguns requerentes e não a de outros.
34. Resumindo a discussão acima referida, pode concluir-se que a Administração (IPIM) não efectuou qualquer revisão ou julgamento sobre a situação de residente habitual dos requerentes imigrantes por investimento imobiliário em Macau antes de 2017.
35. Com base na mesma lei e regulamentos, o acto administrativo da Administração ao declarar a caducidade da autorização de residência temporária da Recorrente em 23 de Março de 2021, com o fundamento de que a Recorrente não satisfazia o requisito de residência habitual, em comparação com os requerentes imigrantes por investimento imobiliário, incluindo o cônjuge da Recorrente, que não tinham sido reexaminados quanto à sua residência habitual e se tinham tornado residentes permanentes de Macau, constituiu uma clara violação do princípio da igualdade e equidade da lei.
36. Além disso, não obstante a discordância da Recorrente, e em deferência para com os diferentes pontos de vista, se o acto administrativo de concessão do pedido de autorização de residência da Recorrente for considerado nulo, requer também a V. Exa., referencie o acórdão do TUI, proc. n.º 53/2021.
37. O acto administrativo de aprovação de pedidos de autorização de residência sem avaliação do estatuto de residência habitual, durante um longo período de tempo, produziu efeitos sociais extensos ao longo do tempo: a maior parte dos requerentes imigrantes a investimento imobiliário, incluindo o cônjuge da Recorrente, tornaram-se residentes permanentes em Macau sem que o estatuto de residência habitual fosse apreciado.
38. De acordo com o acórdão colegial acima referido, os princípios jurídicos da boa fé, da igualdade e da equidade continuam a ser aplicáveis mesmo perante um acto nulo e podem ser utilizados para resolver as injustiças causadas pela execução mecânica da residência habitual pelas autoridades executivas após um determinado período de tempo.
39. A maioria dos requerentes imigrantes de investimento imobiliário, incluindo o cônjuge da Recorrente, já se tornaram residentes permanentes de Macau e não foram examinados com base na sua residência habitual, facto que não pode ser alterado pelas autoridades administrativas. Com base nos mesmos lei e regulamentos, foi recusado à recorrente tornar-se residente de Macau com base na residência habitual, tendo a autoridade administrativa violado os princípios da igualdade e da equidade do direito administrativo, o que resultou numa grave injustiça.
40. Não obstante a necessidade de defender a equidade da lei, não é possível às autoridades administrativas voltarem a verificar todos os requerentes imigrantes por investimento imobiliário para que se tornaram residentes de Macau e anularem os que não satisfazem os requisitos de residência habitual, o que subverteria a própria essência da existência da lei.
41. Por conseguinte, nos princípios da igualdade e da justiça, a Administração não deveria ter declarado a caducidade da autorização de residência da Recorrente com base na residência habitual, mas deveria ter nulo o acto.
42. Em resumo, a Administração violou os princípios da boa fé, do precedente, da igualdade e da equidade neste caso, e a decisão de indeferir o processo da recorrente deve ser anulada.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão da entidade recorrida, de 27 de Fevereiro de 2023, de indeferir o recurso hierárquico necessário interposto pelo cônjuge da recorrente, B, não padece dos vícios invocados pela recorrente.
2. Em primeiro lugar, a recorrente ao avançar a teoria lógica está, na realidade, meramente a impugnar a aplicabilidade do respectivo acórdão citado.
3. A citação de decisões judiciais na fundamentação de uma decisão administrativa para a justificar não conduzirá à insuficiência da fundamentação da mesma, independentemente de as decisões judiciais citadas serem ou não aplicáveis.
4. De acordo com o artigo 115.º do CPA, a decisão administrativa deve ter uma fundamentação adequada, com a exposição dos respectivos fundamentos de facto e de direito, devendo a fundamentação ser expressa, inequívoca e suficiente. Logo, nada há a censurar à decisão recorrida, por estar compatível com as exigências legais.
5. Além disso, no caso em apreço, a Administração encontra-se perante um acto administrativo vinculado, uma vez que o legislador previu expressamente os respectivos pressupostos e consequências jurídicas.
6. A recorrente obteve, por extensão, a autorização de residência com fundamento na aquisição de imóveis pelo seu cônjuge nos termos do RA n.º 3/2005. Dispõe expressamente o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do mesmo RA, que a residência habitual na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
7. Ao abrigo do artigo 24.º, al. 2) do RA n.º 5/2003, a autorização de residência da recorrente depende do preenchimento da lei de princípios e do referido regulamento que regulam a residência, nomeadamente, in casu, a supra referida norma que impõe a residência habitual em Macau.
8. Das disposições acima referidas resulta que, quando a recorrente não preenche a exigência de residência habitual, a Administração não tem a possibilidade de escolher, ficando antes obrigada a pôr em execução as disposições legais. Trata-se de um caso de “poder vinculado”.
9. Logo, em causa está um acto administrativo praticado no exercício de um poder administrativo vinculado em cumprimento da lei, ao qual não são aplicáveis os princípios gerais do direito administrativo.
10. Convém aqui reiterar que o regime de autorização de residência tem um certo significado constitucional.
11. Razão pela qual, a fim de salvaguardar o interesse colectivo da sociedade e os valores fundamentais do regime de autorização de residência por investimento, as autorizações de residência não devem ser mantidas se os respectivos pressupostos ou condições tiverem sido violados.
12. Na altura em que o pedido de renovação da autorização de residência da recorrente foi deferido, a Administração nunca fez qualquer comentário sobre o facto de ela estar a residir no exterior de Macau, pelo que a recorrente não devia ter qualquer expectativa de que o seu pedido de renovação viesse necessariamente a ser deferido. (sic)
13. Além disso, o artigo 17.º do RA n.º 3/2005 estipula expressamente que as autorizações de residência temporária têm validade e que cada renovação tem de ser sujeita a apreciação. Pelo que uma renovação anterior não significa necessariamente que a autorização será renovada novamente.
14. No caso em apreço, não tendo a recorrente preenchido os requisitos legais, as autoridades administrativas agiram de acordo com a lei. Não se vislumbra qualquer erro notório ou grosseiro, pelo que não foi violado o princípio da boa fé.
15. Do mesmo modo, quanto à invocada violação da regra do precedente e dos princípios da igualdade e da justiça, como atrás se referiu, o regime de autorização de residência tem o seu significado constitucional, e nenhum interesse individual pode prevalecer sobre o interesse público e os valores fundamentais do regime de autorização de residência por investimento.
16. In casu, não tendo a recorrente satisfeito os requisitos legais, as autoridades administrativas agiram de acordo com a lei. Não se vislumbra qualquer erro notório ou grosseiro, pelo que também não se violaram a regra do precedente e os princípios da igualdade e da justiça.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, veio a Recorrente fazê-lo.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
1. Por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 27.02.2023 foi indeferido o recurso hierárquico interposto pela Recorrente com os fundamentos da Proposta nº PRO/01544/AJ/2021 elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 20v a 22 e traduzida a fls. 31 a 42 com o seguinte teor:
«Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Despacho:
 Nos termos da competência conferida pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta, negando provimento ao recurso hierárquico necessário e mantém-se a mesma decisão.
 O Secretário para a Economia e Finanças
 (ass.-vide original)
 XXX
 27 de Fevereiro de 2023
Parecer:
 Concordo com o conteúdo da presente proposta para se apreciar e se despachar pelo Secretário para a Economia e Finanças.
(ass.-vide original)
Presidente/ YYY
26.07.2021
 Concordo com o teor da presente proposta, que o Conselho analisou o presente caso e que o acto administrativo foi praticado de acordo com a lei e foi lícito e adequado, e que a análise do presente recurso hierárquico necessário, por não ter sido provado que a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, datada de 23 de Março de 2021, tenha violado à lei ou inepta e não se mostre que tenha sido violado qualquer requisito ou princípio legal. Proponho-me, assim, solicitar ao Secretário para a Economia e Finanças que indefira o presente recurso hierárquico necessário e mantenha mesma a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, datada de 23 de Março de 2021.
 À consideração superior.
(ass.-vide original)
Dra. ZZZ/
Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
23 de Julho de 2021
Assunto: Sugestão de indeferimento do recurso hierárquico necessário (proc. n.º 0002/2008/03R)
Proposta n.º PRO/01544/AJ/2021 Data: 09/07/2021

Exma. Dra. ZZZ, Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
1. Ao requerente, B, foi concedida em 26 de Novembro de 2008 uma autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com base na aquisição de bens imóveis por investimento, o mesmo já adquiriu o BIRPM. Durante o período, em 22 de Maio de 2013, foi concedida a autorização devido ao pedido de extensão ao seu cônjuge A, a autorização de residência temporária foi renovada em 14 de Outubro de 2014 e em 13 de Julho de 2017 até 24 de Setembro de 2020.
2. O cônjuge do Requerente obteve autorização de residência temporária por sete anos em 22 de Maio de 2020, pelo que, em 13 de Julho de 2020, o Requerente apresentou o “Pedido da carta de confirmação” e os respectivos documentos comprovativos a este Instituto, mas como o cônjuge não residia habitualmente em Macau, nos termos do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, o Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, no exercício dos poderes delegados pelo Secretário para a Economia e Finanças, deu a sua aprovação em 23 de Março de 2021. Nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente o disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, e do n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, declarou a caducidade da autorização de residência temporária concedida à interessada A válida até 24 de Setembro de 2020.
3. Em relação à decisão, este IPIM notificou o Recorrente da decisão em 23 de Março de 2021 através do ofício n.º OF/01691/DJFR/2021, que foi entregue com sucesso em 30 de Março de 2021, de acordo com o registo de assinaturas dos Serviços de Correios e Telecomunicações (ver Doc. 1).
4. Posteriormente, em 31 de Março de 2021, o Recorrente apresentou uma reclamação contra à decisão, mas como não ficou provado que a decisão tomada pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM em 23 de Março de 2021 violasse à lei ou fosse inepta, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM fez um despacho em 28 de Maio de 2021, indeferindo aquela reclamação e mantendo a decisão tomada em 23 de Março de 2021. Em relação à decisão, o Conselho notificou o Recorrente através do ofício n.º OF/02162/DJFR/2021, datada de 28 de Maio de 2021, que foi entregue com sucesso em 11 de Junho de 2021, de acordo com o registo de assinaturas dos Serviços de Correios e Telecomunicações (ver Doc. 3).
5. Nos temos do artigo 3.º do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, “Dos actos praticados no uso da competência ora subdelegada, cabe recurso hierárquico necessário.”
6. O Recorrente apresentou aquele recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças em 22 de Junho de 2021 (ver Doc. 2).
7. Em conformidade com n.º 1 dos artigos 151.º, e 155.º do Código do Procedimento Administrativo, os recursos necessários devem ser interpostos no prazo de 30 dias. Contudo, a reclamação de actos insusceptíveis de recurso contencioso suspende o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário. E conforme os registos de assinatura dos respectivos documentos, aquele recurso hierárquico necessário respeitou os prazos legais.
8. Os principais elementos deste recurso hierárquico necessário são os seguintes:
1) Nos termos do n.º 4 do artigo 1.º, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º, do artigo 7.º, do artigo 16.º, do artigo 17.º e do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o Requerente considera que o legislador nunca aplicou o requisito da “residência permanente em Macau” como condição necessária aos interessados que obtiveram autorizações de residência temporária através de investimentos imobiliários. Relativamente à Lei n.º 4/2003, o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 constitui um regime especial para os migrantes investidores, tendo o legislador estabelecido deliberadamente no Regulamento Administrativo n.º 3/2005 apenas a aquisição de bens imóveis e a designação de depósitos como condições para a obtenção de uma autorização de residência temporária, pelo que não existem lacunas ou insuficiências legislativas e não é necessário invocar o artigo 23.º para a aplicação subsidiariamente do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 e do n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003. Assim, no comportamento da entidade recorrida existe o vício de aplicação da lei e deve ser anulado nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
2) Afirmando que a entidade recorrida violou os princípios de precedentes e da boa fé, como o Recorrente obteve uma autorização de residência temporária em 26 de Novembro de 2008 com base na aquisição de um bem imóvel e num depósito, e que em Maio de 2013 foi concedida uma autorização de residência temporária a favor do seu cônjuge A devido ao pedido de extensão, e que o Recorrente e o seu cônjuge permaneceram em Macau durante um a dois meses por ano desde o período acima referido, e que lhes foi concedida uma renovação das suas autorizações de residência temporária nas mesmas condições, e que o Recorrente obteve um Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, o Recorrente e o seu cônjuge foram levados a crer que tinham cumprido os critérios de “residência permanente em Macau” exigidos pelas autoridades administrativas. No entanto, nas mesmas circunstâncias, a entidade recorrida considera que a autorização de residência temporária do Recorrente foi declarada nula pelo cônjuge do Recorrente, que não tinha residência habitual em Macau. A decisão da entidade recorrida está violado os princípios da igualdade e de precedentes, nos termos do artigo 5.º, ao princípio da boa fé, nos termos do artigo 8.º, e ao dever de fundamentação, nos termos do artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo, e deve ser anulada nos termos do artigo 124.º do mesmo Código.
3) Por último, requer que o recurso hierárquico necessário seja julgado procedente, que a decisão recorrida seja anulada e que Vossa Excelência, o Secretário para a Economia e Finanças, seja autorizado a renovar a autorização de residência temporária da interessada, A, e a emitir o Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau.
9. Trata-se de um recurso hierárquico necessário que é analisado da seguinte forma:
1) No que diz respeito à aplicação do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que é aplicável subsidiariamente o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 sobre a residência habitual, importa referir que, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 13/2009, “As leis prevalecem sobre todos os demais actos normativos internos, ainda que estes sejam posteriores”, sendo indiscutível que a Lei n.º 4/2003 tem um valor hierarquicamente de eficácia superior ao do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Acresce que o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não prevê a contraposição da residência habitual Lei n.º 4/2003, a qual, aliás, prevê expressamente que os princípios gerais do regime de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau são aplicávéis subsidiariamente aos interessados que requeiram uma autorização de residência temporária nos termos do disposto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pelo que o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 não exclui o requisito prévio obrigatório estabelecido no n.º 3 do artigo 9.º da referida Lei.
2) Em particular, se a intenção legislativa do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 foi a de excluir os requisitos das condições gerais para aplicar aos interessados do regime de Fixação de Residência de Investidores, Quadros Dirigentes e Técnicos Especializados, seria lógico estabelecer, através da mesma hierarquia de eficácia de leis, requisitos diferentes dos estabelecidos para o regime geral das autorizações de residência. Mesmo que a forma jurídica seja diferente da do regime geral das autorizações de residência, deve, ainda, ser respeitado o disposto no artigo 24.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, ou seja, deve ser cumprido o requisito de ter residido habitualmente em Macau durante, pelo menos, sete anos consecutivos antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
3) Em segundo lugar, é citado o seguinte acórdão do TSI no processo n.º 473/2019: “I-Em matéria de pedido da autorização (e renovação) de fixação de residência temporária em Macau por parte dos titulares de qualificação profissional e especializada, o artigo 9.° (mormente o seu n.° 3) da Lei n.° 4/2003 (regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na RAEM), de 17 de Março, aplica-se subsidiariamente, por força da remissão feita pelo artigo 23.° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005, de 4 de Abril, não obstante este último ser um diploma de carácter especial, por estabelecer o regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados.”
4) É certo que o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, que estipula que “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência”, é aplicável ao Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados previsto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
5) O Recorrente alegou que, na reclamação, tinha protestado contra a violação do princípio do precedente por parte da Administração, mas esta esquivou-se ao protesto e nunca explicou a alteração do precedente; é de salientar que o Recorrente não alegou nas reclamações que o acto administrativo recorrido violava o princípio acima referido e que as várias reclamações levantadas pelo Recorrente foram analisadas na decisão de rejeição das reclamações. Deve ser reiterado que a “residência habitual” é um requisito legal para a manutenção das autorizações de residência e não é algo que possa ser alterado à vontade pelas autoridades administrativas, e que as autoridades administrativas nunca fizeram qualquer determinação quanto ao estatuto de residente habitual de uma pessoa interessada em Macau antes do acto administrativo recorrido; quanto à opinião de que o princípio da boa fé e o dever de fundamentação foram violados, com deferência para com opiniões diferentes, citando o acórdão n.º 54/2011 do Tribunal de Última Instância, que também afirmou que “Não dispondo a Administração, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça.”
6) Uma vez que o Recorrente solicitou uma autorização de residência temporária com base num investimento em bens imóveis, nos termos do n.º 4 do artigo 1.º e do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e a favor do seu cônjuge nos termos do artigo 5.º do mesmo regulamento administrativo, ou seja, o seu cônjuge é uma interessada nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, está sujeito aos requisitos da residência habitual.
7) Deve notar-se que o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, aplicável subsidiariamente pelo artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, relativo à residência habitual em Macau, é uma norma jurídica obrigatória, relativamente à qual as autoridades administrativas não têm poder discricionário e exercem um poder vinculativo. Além disso, os princípios acima referidos não podem sobrepor-se ou substituir-se ao princípio da legalidade, nem podem ser utilizados como pretexto para pôr em causa o princípio da legalidade. Na observação da jurisprudência acima referida, foi considerado que é improcedente o ponto de vista do Recorrente de que os princípios relevantes tinham sido violados.
8) Além disso, o acto administrativo recorrido do Recorrente indicava que tanto ele como a interessada tinham obtido a renovação da sua autorização de residência temporária, o que os levava a pensar que tinham cumprido o requisito de “residência habitual em Macau” exigido pelas autoridades administrativas; no entanto, no caso vertente, antes de ser praticado o acto administrativo recorrido, as autoridades administrativas nunca tinham feito qualquer reconhecimento da residência habitual da interessada em Macau, nem tinham feito qualquer confirmação disso ao Recorrente.
9) A Administração analisou os registos de entrada e saída da interessada, bem como as informações constantes do processo, e verificou que, para além do facto de o Recorrente ter adquirido uma propriedade em Macau, não havia qualquer indício de uma ligação estreita entre a interessada e Macau, que a interessada nunca trabalhou em Macau, que não tinha residência habitual em Macau, que só entrava em Macau um número de vezes de dois dígitos por ano e que cada entrada era uma viagem de ida e volta de um dia. Por conseguinte, é evidente que o centro de vida da interessada não gira em torno de Macau e, em conformidade com o n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, conclui-se que não reside habitualmente em Macau.
10) Em conclusão, a autoridade administrativa concluiu que a interessada não residiu habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária, com base no reduzido número de dias que permaneceu em Macau durante o período da autorização de residência temporária, tendo em conta todas as circunstâncias referidas no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999. Por conseguinte, a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, datada de 23 de Março de 2021, de declarar a caducidade da autorização de residência temporária concedida à interessada A, válida até 24 de Setembro de 2020, nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, aplicável subsidiariamente o n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 e o n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, não violou à lei nem inepta, não indiciando qualquer violação das disposições e princípios jurídicos.
10. Com base nos factos e na base jurídica acima referidos, o acto administrativo foi praticado em conformidade com a lei e era legal e adequado, tendo sido analisado como um recurso hierárquico necessário. Não tendo sido provado que a decisão tomada pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM, em 23 de Março de 2021, tenha violado à lei ou inepta, propõe-se requerer ao Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que indefira aquele recurso hierárquico necessário e mantenha a decisão tomada pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM, em 23 de Março de 2021.
As opiniões acima referidas são submetidas à V/ apreciação e aprovação.».

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico necessário que dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças do acto do proferido pelo Presidente do Conselho de administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) que declarou a caducidade da sua autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
  A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  Por ter considerado que a Recorrente não teve a RAEM como local da sua residência habitual durante o período em que aqui esteve autorizada a residir temporariamente, e fundando-se na aplicação subsidiária, por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (segundo esta norma, «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau»), da norma do n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 (cujo teor é o seguinte: «a residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência») e, bem assim, da norma do n.º 2 do artigo 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 (de acordo com o qual, é causa de caducidade da autorização de residência, «a renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento»), a Administração, através do acto recorrido, decidiu declarar a caducidade da dita autorização de residência temporária.
  No presente recurso contencioso a Recorrente não questiona o pressuposto do acto recorrido. O que diz, essencialmente, é que a Administração incorreu na violação dos princípios da boa fé na vertente da protecção da confiança e da igualdade e da justiça.
  Salvo o devido respeito, parece-nos que se trata de uma alegação votada ao insucesso. Em termos breves, pelo seguinte.
  (ii)
  (ii.1)
  A caducidade da autorização de residência declarada ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, 9.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2003 e do artigo 24.º, alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, tem sido configurada como uma situação de caducidade-sanção. Ora, tanto o Tribunal de Última Instância como o Tribunal de Segunda Instância têm vindo a decidir que, nas situações de caducidade, incluindo as caducidades sancionatórias, uma vez verificados os respectivos pressupostos, a Administração fica legalmente vinculada à sua declaração.
  A situação em causa não é diferente. Verificado o incumprimento a que alude a alínea 2) do artigo 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, aplicável por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, ou seja, verificado que foi pela Administração que a Recorrente não residiu habitualmente em Macau durante o tempo em que estava autorizada a residir temporariamente em Macau (e, como vimos, a Recorrente nem sequer questionou o pressuposto do acto, isto é, não questionou a falta de residência habitual), estava aquela legalmente vinculada a declarar a caducidade dessa autorização de residência.
  Ora, como os nossos Tribunais têm vindo, nemine discrepante, a decidir, a prática de um acto administrativo de conteúdo vinculado não pode ser neutralizada através da invocação de princípios gerais da actividade administrativa, como aqueles que a Recorrente invoca, porquanto os mesmos constituem limites da margem de livre decisão administrativa, é dizer, limites da actuação discricionária da Administração. Por isso, esses princípios apenas podem bloquear a adopção de uma conduta administrativa com eles incompatível na medida em que tal conduta se encontre naquele espaço de livre decisão (assim, entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 03.04.2020, processo n.° 7/2019 e de 27.11.2020, no processo n.° 157/2020 e, especificamente, em relação a situações de declaração de caducidade de actos de autorização de residência com fundamento em falta de residência habitual do interessado, por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância tirados nos processos n.º 780/2021, n.º 270/2023 e n.º 345/2023).
  Foi também isto que a Administração afirmou, correctamente, como se crê estar demonstrado, na fundamentação do acto recorrido.
  Deste modo, dada a incontornável irrelevância dos vícios invocados pela Recorrente que decorre da apontada natureza legalmente vinculada do acto recorrido, estamos modestamente em crer que a pretensão impugnatória deduzida nos presentes autos não pode ser acolhida.
  3.
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
  
  O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 17 de Julho de 2024
  
(Relator) Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto) Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Procurador-Adjunto)
Mai Man Ieng
  

220/2023 REC CONT 66