Processo nº 27/2021
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲) e B (乙), AA., propuseram, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:
- “C”;
- “D”;
- E (戊);
- F (己); e,
- G (庚), (1a, 2a, 3a, 4a e 5°) RR., todos devidamente identificados nos autos; (cfr., fls. 150 a 176 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu o Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença com o seguinte dispositivo:
“1. Anulam-se as seguintes escrituras públicas:
1.1 De 30 de Março de 2004, em que a H declarou vender a C que declarou comprar as fracções autónomas designadas por “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “F1”, “G1”, “H1”, “I1”, “J1” e “K1” para comércio e 15/143 avos indivisos da fracção autónoma designada por “J2”, todas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 103 do Livro BXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 210 a 215;
1.2 De 30 de Março de 2004 em que a H declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por “FR/C” e 6/123 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por “B2”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls.39 do Livro BXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 218 a 222;
1.3 De 30 de Março de 2004 em que a H declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por “DR/C”, 4/181 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por “A2”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 105 do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 225 a 229;
1.4 De 30 de Março de 2004 em que a H declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por “A4”, “B4”, “C4”, “D4”, “E4”, “F4”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do Livro BXXX, tudo nos termos constante do documento junto aos autos a fls. 232 a 236;
1.5 De 22 de Outubro de 2003, em que a H declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por “AR/C”, “CR/C”, “DR/C” e “ER/C”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do livro BXXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 239 a 243;
1.6 De 22 de Outubro de 2003, em que a H declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por “CR/C” e “DR/C”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 194 do livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 246 a 250;
1.7 De 14 de Janeiro de 2004, em que a H declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por “A7” e “C7”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do livro BXXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 253 a 257.
2. Declaram-se nulas as seguintes escrituras:
2.1 De 11 de Novembro de 2002 em que I em representação de E e J declara vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por RR/C, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 38v do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 307 a 309;
2.2 De 29 de Maio de 2003 em que I em representação de E e J declara vender à D que declarou comprar:
- as fracções autónomas para indústria “C-5” e “D5”, ambas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 64 do Livro BXXX;
- a fracção autónoma designada por “B1CC1R/C”, para comércio, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 136 do Livro BXXX;
- as fracções autónomas, para habitação, designadas por “A-25”, “B-25”, “A-26”, “D-26”, todas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 39 do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 316 a 319;
3. Declaram-se nulos os registos de aquisição a favor das 1ª e 2ª Rés com base nas escrituras referidas em 1. e 2., inscrições nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG, nº XXXXXG e nº XXXXXG e ordena-se o respectivo cancelamento.
4. Declara-se inexistente a procuração de 19.05.2003 cuja cópia consta de folhas 320 a 322 no que concerne à outorga de poderes de representação por J a I.
(…)”; (cfr., fls. 2693 a 2718).
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Em sede dos recursos que da aludida sentença interpuseram os (1ª, 3ª e 5°) RR., “C”, E (戊), e G (庚), decidiu o Tribunal de Segunda Instância:
“Conceder provimento aos recursos finais interpostos pelos recossulados pelos Autores”; (cfr., Ac. de 08.10.2020, Proc. n.° 89/2015, a fls. 3993 a 4098).
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Inconformados, vem agora os AA., (A e B), recorrer para este Tribunal de Última Instância, alegando para, a final, concluir nos termos seguintes:
“1.ª Pretendem os Recorrentes que, através do presente recurso, seja revogado o douto Acórdão do T.S.I. de 8 de Outubro de 2020, que, concedendo provimento aos recursos da decisão final interpostos pelos recorrentes C (1.ª Ré), E (3.ª Ré) e G (5.° Réu) decidiu (i) modificar a decisão da matéria de facto, determinando a alteração das respostas dadas a vários quesitos, considerando como não escritas as respostas a três quesitos e dando uma nova redacção a quatro quesitos; (ii) declarar não falsa a procuração passada por J, falecido pai dos Autores e dos 4.° e 5.° Réus e marido da 3.ª Ré, e (iii) em consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pelos Autores/Recorrentes.
2.ª Os Autores/Recorrentes pretendem que seja mantida a douta sentença do TJB explicitada em 26 de Junho de 2014, que, baseando-se nos factos dados por provados pelo Ilustre Colectivo que julgou a matéria de facto em Primeira Instância, fez um correcto enquadramento jurídico, tratando-se de uma decisão que se estriba na melhor aproximação possível à realidade dos factos e conseguiu uma compreensão altamente provável da realidade em causa nas condições humanamente possíveis que satisfaz a resolução justa e legítima do caso em apreciação, tudo isto atendendo às circunstâncias muito específicas de certos factos cuja verdade absoluta é impossível alcançar.
3.ª Os Autores/Recorrentes imputam ao douto Acórdão recorrido um vício de violação da lei substantiva consistente em erro de interpretação, porque o douto Tribunal a quo, para decidir, não fez a aplicação das normas do art.° 358.° do Código Civil, que prevê um regime especial quanto à força probatória dos documentos passados fora da RAEM.
4.ª O douto Tribunal a quo considerou as procurações outorgadas no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong documentos autênticos com força probatória plena, fazendo descaso do facto de ter o Tribunal da Primeira Instância demonstrado fundadas dúvidas acerca da autenticidade de tais procurações pelo que a força probatória de tais documentos podia ser livremente apreciada pelo tribunal.
5.ª Ao aplicar ao caso o art.° 365.° do Código Civil, o douto Ac. recorrido violou a lei porque não soube conjugar este artigo com a norma ínsita no artigo 358.° do mesmo Código.
6.ª O Colectivo, que julgou a matéria de facto em Primeira Instância, fez uma clara explanação indicando quais foram os elementos constantes dos autos, que determinaram fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade e, assim, passou a apreciar a sua força probatória livremente, isto é, fundamentando a sua convicção a partir de elementos de prova existentes nos autos com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais que conduziram a que o tribunal considerasse falsas tais procurações.
7.ª Ao não rejeitar o recurso da 3.ª Ré/Recorrente, ora Recorrida, na parte que impugnou a decisão de facto sem ter cumprido o ónus de indicar as passagens da gravação em que se funda, certo sendo que a prova foi gravada, o Ac. recorrido violou a norma contida no n.° 2 do art.° 599.° do Código do Processo Civil.
8.ª É entendimento unânime o de que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
9.ª O douto Ac. recorrido, sem especificar quais as contradições em que incorreu a testemunha K - cujo depoimento foi bastante valorizado pelo Colectivo que julgou a matéria de facto em Primeira Instância -, considerou-a com falta de credibilidade no que se refere à alteração da resposta a um quesito (40.°-D) a que procedeu, tendo entrado em contradição ao considerar a mesma testemunha credível na resposta a dois outros quesitos (40.°-B e 40.°-C).
10.ª O douto Ac. recorrido, nessa parte, enferma das nulidades previstas no art.° 571.°, n.° 1, alíneas b) e c), do C.P.Civil.
11.ª Ao considerar não escrita a resposta ao quesito 35.°, alegadamente por ter exorbitado o objecto do quesito a que respeita - o que não é o caso conforme se deixa acima alegado -, os Autores/Recorrentes imputam ao douto Ac. recorrido, um erro de julgamento, porquanto fez a aplicação de uma norma - art.° 549.°, n.° 4, do C.P.Civil-, que interpretou erradamente.
13.ª A questão central neste processo é a realização de um considerável número de escrituras públicas de compra e venda de imóveis que pertenciam a J, pai dos AA e dos 4.° e 5.° Réus e marido da 3.ª Ré, imóveis esses que foram transferidos para o património de duas empresas com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, que, no contexto em que foram e nas circunstâncias surgidas após a transferência da propriedade dos imóveis para as mesmas, demonstram ser dominadas pela 3.ª Ré/Recorrente, ora Recorrida, e pelo 5.° Réu/Recorrente, ora Recorrido.
14.ª Tratando-se de sociedades comerciais com sede em [Endereço(1)], Ilhas Virgens Britânicas, cuja constituição é rodeada do maior secretismo pois insere-se no conjunto de sociedades denominadas "paraísos fiscais", portanto, ao contrário do que acontece em Macau, onde registo comercial se destina a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob a forma comercial, das cooperativas, entre outras, tendo em vista a segurança do comércio jurídico, toma-se impossível saber quem são os sócios, administradores e demais informações relativamente às empresas registadas nas Ilhas Virgens Britânicas.
15.ª Só através de prova indirecta, puderam os Julgadores na Primeira Instância formar a sua convicção no sentido de que a 3.ª Ré/Recorrente, ora Recorrida, e o 5.° Réu/Recorrente, ora Recorrido, dominavam tais sociedades comerciais, sem se perder de vista que não é compreensível a passividade das sociedades comerciais C e D, 1.ª e 2.ª Rés, ao não provarem que os familiares dos Autores/Recorrentes não são seus sócios, nem sequer foram os seus fundadores, constituindo essa sua postura uma presunção de que, efectivamente, através dos processos que contra elas foram intentados, não defendem os seus próprios interesses, mas sim os interesses da 3.ª Ré e do 5.° Réu.
16.ª Ao alterar a resposta ao quesito 40.°-H, o douto Tribunal a quo, produziu uma decisão baseada em pressupostos de facto e de direito errados, uma vez que, deu como não provado que as procurações fossem falsas, porque as considerou documentos autênticos com força probatória plena, fazendo descaso do regime previsto no art.° 358.° do Código Civil.
17.ª Se J tratava todos os filhos da mesma maneira, implica que, se soubesse que as sociedades BVI eram dominadas pela sua mulher e pelos dois filhos mais velhos, J nunca teria assinado as procurações, nem dado instruções para que a H procedesse à venda das fracções autónomas, constantes do documento a fls. 642 dos autos, à sociedade C.
18.ª Num caso como o que está aqui em apreciação, em que as circunstâncias e os artifícios usados pelos RR/Recorrentes, ora Recorridos, atingiram um grau muito elevado, designadamente, constituindo sociedades comerciais fora da RAEM para desviar bens do património de J, não é possível chegar-se à verdade absoluta, certo sendo que estava nas mãos da 3.ª Ré/Recorrente, ora Recorrida, e do 5.° Réu/Recorrente, ora Recorrido, desfazer o "mistério" da constituição de tais sociedades comerciais.
19.ª Há uma total falta de fundamentação da parte do douto Tribunal a quo na decisão de alterar a resposta ao quesito 41.°-A, por se basear em errados pressupostos de facto, isto é, indo na linha dos Recorrentes que esgrimem considerações sobre a falta de credibilidade da testemunha L, acabou por considerar que sendo forjados os e-mails, não podia dar-se por provado que o 1.° Autor/Recorrente, quando, em 23 de Outubro de 2003, interveio como representante da H nas escrituras de compra e venda de fracções autónomas às sociedades comerciais RR, desconhecia que elas eram controladas pelos seus familiares.
20.ª A modificação da resposta ao quesito 41.°-A enferma em vício de falta de fundamentação e, portanto, aqui se identifica uma nulidade do Ac. recorrido, qual seja, a prevista no art.° 571.°, n.° 1, alínea b, do Código de Processo Civil.
21.a O douto Tribunal a quo entendeu reformular a redacção dada às respostas aos quesitos 40.°-F, 49.°, 50.° e 51.°, porém, a alteração da redacção das respostas dadas a tais quesitos não poderá eliminar a convicção de que o facto de o 5.° Réu/Recorrente, ora Recorrido, intervir em contratos de arrendamento, ainda que sob a capa de mandatário, de fracções autónomas que foram vendidas à 1.ª Ré, num esquema de artifícios e enganos para, juntamente com a sua mãe, a 3.ª Ré/Recorrente, ora Recorrida, desviar bens do património do que foi pai dos Autores/Recorrentes e do 5.° Réu e marido da 3.ª Ré, não constitua uma presunção de que, efectivamente, a sociedade BIV C é por si dominada, pois para além de intervir na elaboração dos contratos de arrendamento, recebe as rendas por meio de depósitos bancários numa conta de uma sociedade comercial constituída em Macau de que são apenas sócios, o 5.° Réu e a sua mulher.
22.ª Na Sentença da Primeira Instância estão descritas as circunstâncias em que foram transferidos bens do património de J e que interessa destacar para ser possível ao Venerando Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso, dando por provados os vícios que enfermam o douto Acórdão recorrido que entendeu modificar a matéria de facto dada por provada na Primeira Instância, que permitiu que a Sentença que se lhe seguiu desse razão aos Autores/Recorrentes que há 15 (quinze) anos lutam por justiça, pelo que deve a mesma ser mantida.
23.ª Estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo Tribunal da Primeira Instância à matéria de facto só seria viável se se conseguisse concluir que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas, tal como tem sido decidido nos nossos tribunais da RAEM, pelo que se afigura terem sido violados o art.° 629.° do C.P. Civil, bem como os princípios da oralidade e da imediação que regem o julgamento da matéria de facto em processo civil.
24.ª O Venerando Tribunal ad quem pode reconhecer que o douto Tribunal de Segunda Instância, ora Tribunal recorrido, não devia ter interferido, transformando-se numa nova instância de prova, ao modificar a matéria de facto dada por provada na Primeira Instância, porque não foram detectados erros grosseiros e visíveis na análise da prova”.
Pedem assim que: “seja revogado o Acórdão recorrido de 8 de Outubro de 2020 e seja mantida a Sentença da Primeira Instância que declarou nulas as escrituras públicas de 11.11.2002, 29.5.2003, 22.10.2003, 14.1.2004 e 30.3.2004, bem como os registos efectuados a favor das 1.ª e 2.ª Rés, restituindo-se as fracções autónomas ao acervo hereditário deixado por J e declarada inexistente a procuração outorgada em 19.5.2003· no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong”; (cfr., fls. 4115 a 4162).
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Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 21.12.2023 foram os presentes autos redistribuídos ao ora relator.
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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como provados os factos seguintes:
“a) O pai dos Autores e dos 4ª e 5º Réus, J1, aliás J, de nacionalidade portuguesa, faleceu, em 12 de Junho de 2004, em Hong Kong, no estado de casado com E aliás E1, casamento que foi contraído, em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão de adquiridos e do qual resultaram quatro filhos: os Autores A e B e os Réus F e G. (A)
b) A 3 de Agosto de 2004, M, I e N declararam que no dia 12 de Junho de 2004 faleceu J1, aliás J, tendo deixado como únicos herdeiros, E, F, A e B, tudo nos termos constantes do documento junto a fls. 39 a 42 do apenso A, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (B)
c) As fracções autónomas designadas por “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “FI”, “G1”, “H1”, “I1”, “JI” e “K1”, para comércio, todas do prédio urbano, sito na [Endereço(2)], encontram-se descritas na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 103 do Livro BXXX, a favor da H e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o nº XXXXX. (C)
d) As fracções autónomas designadas por “AR/C”, “CR/C”, “DR/C” e “ER/C” para comércio, e “A4”, “B4”, “C4”, “D4”, “E4”, “F4”, “A7” e “C7”, para escritório, todas do prédio urbano, sito na [Endereço(3)], encontram-se descritas na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do livro BXXX, a favor da H e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo nº XXXXX. (D)
e) As fracções autónomas designadas por “RR/C”, “CR/C” e “DR/C”, para comércio, todas do prédio urbano, sito na [Endereço(4)], encontram-se descritas na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 38v do livro BXXX, a favor da H e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo nº XXXXX. (E)
f) As fracções autónomas designadas por “DR/R”, para comércio, e 4/181 avos indivisos de “A2”, para estacionamento, do prédio urbano, sito na [Endereço(5)], encontram-se descritas na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 105 do livro BXXX, a favor da H e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo nº XXXXX. (F)
g) As fracções autónomas designadas por “A-25”, “B-25”, “A-26”, “D-26”, para habitação, todas do prédio urbano, sito na [Endereço(6)], encontram-se descritas na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 39 do livro BXXX, a favor da H e inscritas na matriz predial urbana da freguesia da Sé sob o artigo nº XXXXX. (G)
h) A 30 de Março de 2004, a H declarou vender a C, 1ª Ré, que declarou comprar as fracções autónomas designadas por “A1”, “B1”, “C1”, “D1”, “E1”, “F1”, “G1”, “H1”, “I1”, “J1” e “K1” para comércio e 15/143 avos indivisos da fracção autónoma designada por “J2”, todas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 103 do Livro BXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 210 a 215, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (H)
i) Esta transmissão foi registada na Conservatória do Registo Predial a favor da C, por inscrição nº XXXXXG. (I)
j) A 30 de Março de 2004 a H declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por “FR/C” e 6/123 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por “B2”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls.39 do Livro BXXX referidas, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 218 a 222, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (J)
k) A transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, aqui 1ª R., só relativamente à fracção para comércio “FR/C”, conforme inscrição nº XXXXXG. (L)
l) A 30 de Março de 2004 a H declarou vender à C que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por “DR/C”, 4/181 avos indivisos da fracção autónoma, para estacionamento, designada por “A2”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 105 do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 225 a 229, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (M)
m) A referida transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, 1ª R, só relativamente à fracção autónoma, para comércio, designada por “DR/C”, conforme inscrição nº XXXXXG. (N)
n) A 30 de Março de 2004 a H declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por “A4”, “B4”, “C4”, “D4”, “E4”, “F4”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do Livro BXXX, tudo nos termos constante do documento junto aos autos a fls. 232 a 236, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (O)
o) A referida transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª., conforme inscrição nº XXXXXG. (P)
p) A 22 de Outubro de 2003, a H declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por “AR/C”, “CR/C”, “DR/C” e “ER/C”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do livro BXXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 239 a 243, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (Q)
q) Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, aqui 1ª R, conforme inscrição nº XXXXXG. (R)
r) A 22 de Outubro de 2003, a H declarou vender à C que declarou comprar, as fracções autónomas, para comércio designadas por “CR/C” e “DR/C”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 194 do livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 246 a 250, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (S)
s) Esta transmissão foi registada na CRP a favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição nº XXXXXG. (T)
t) A 14 de Janeiro de 2004, a H declarou vender à C, que declarou comprar, as fracções autónomas, para escritório, designadas por “A7” e “C7”, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 15 do livro BXXX, tudo nos termos do documento junto aos autos a fls. 253 a 257, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (U)
u) Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição nº XXXXXG. (V)
v) A 11 de Novembro de 2002, E e J declararam vender à C, que declarou comprar, a fracção autónoma, para comércio, designada por RR/C, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 38v do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 307 a 309, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (X)
w) Esta transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade C, 1ª R, conforme inscrição nº XXXXXG. (Y)
x) A 29 de Maio de 2003, E e J declararam vender à D, que declarou comprar:
- as fracções autónomas para indústria “C-5” e “D5”, ambas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX, a fls. 64 do Livro BXXX;
- a fracção autónoma designada por “B1CC1R/C”, para comércio, do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 136 do Livro BXXX;
- as fracções autónomas para habitação, designadas por “A-25”, “B-25”, “A-26”, “D-26”, todas do prédio urbano descrito na CRP sob o nº XXXXX a fls. 39 do Livro BXXX, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 316 a 319, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (W)
y) A referida transmissão foi registada na CRP em favor da sociedade D, aqui 2ª R., conforme inscrição nº XXXXXG. (Z)
z) A 24 de Outubro de 2002 J e E declararam constituir seu procurador I nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 311 a 312, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (AA)
aa) A 28 de Agosto de 2002 foi constituída nas Ilhas Virgens Britânicas a D (BB)
bb) A 19 de Maio de 2003 J e E declararam constituir seu procurador I nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 320 a 322, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (CC)
cc) J dedicou a sua vida à actividade de construção civil. (1º)
dd) Levando a cabo através da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, denominada “O”. (2º)
ee) Em data desconhecida a O e a H celebraram um acordo com vista à construção de vários edifícios em terrenos concessionados à H pelo então Território de Macau. (3º)
ff) Obrigando-se a O a proceder à construção de edifícios (de acordo com as finalidades constantes dos respectivos contratos de concessão) e ainda a desenvolver todos os actos integrantes da actividade de mediação imobiliária. (4º)
gg) E a O, mal iniciava a construção dos edifícios, promovia, juntamente com a H, a sua venda junto dos interessados. (5º)
hh) Competindo-lhe celebrar “contratos-promessa de compra e venda” de bens futuros, estabelecendo o pagamento de um sinal e posteriores pagamentos escalonados de acordos com a evolução projectada da construção dos prédios. (6º)
ii) Acordaram as duas sociedades comerciais a abertura de uma conta conjunta numa das instituições bancárias da RAEM, na qual eram depositadas todas as quantias, assim obtidas junto dos promitentes-compradores. (8º)
jj) A O depositou, como ficou acordado com a H, um montante inicial cerca de dez milhões de patacas, naquela conta. (9º)
kk) Tal cooperação fazia com que ambas as sociedades comerciais, O e H, participassem nas perdas e nos lucros resultantes de tal actividade construtiva. (10º)
ll) Adoptando para a repartição dos lucros a distribuição, acordada com a H, de fracções autónomas aos dois sócios da O, isto é, ao J e P. (11º)
mm) Tendo sido adjudicadas ao J, as fracções autónomas, melhor descritas nos documentos de fls. 541, 959 a 960, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente. (12º)
nn) Podendo o J escolher entre registar em seu nome a propriedade das respectivas fracções autónomas na CRP e vendê-las a terceiros, recebendo, assim, o correspondente valor. (13º)
oo) Caso pretendesse que essas fracções fossem vendidas a terceiros, teria apenas que indicar à H o nome do interessado na compra e esta entidade assumia o encargo de intervir na escritura pública de compra e venda. (14º)
pp) A 2 de Junho de 1999, J, foi vítima de um rapto, tendo ficado sequestrado durante sete dias e tendo sido vítima de um tiro na perna esquerda que lhe provocou uma ferida. (15º)
qq) J sofria há vários anos de diabetes mellitus. (16º)
rr) Depois desse rapto, J esteve internado no hospital em Macau para tentar recuperar a sua saúde. (17º)
ss) A saúde de J ficou abalada. (18º)
tt) J tinha sido até ali um homem cheio de vitalidade e com uma intensa actividade profissional (dada a diversidade de negócios a que se dedicava). (19º)
uu) Após o referido em pp), J transformou-se num homem doente fisicamente. (20º)
vv) Entre Novembro de 2000 e Janeiro de 2002, J continuou a gerir todos os negócios que tinha na RAEM, a partir de Hong Kong. (22º)
ww) Entre Novembro de 2000 e Maio de 2002, J esteve a fazer tratamento ambulatório. (23º)
xx) Perante o agravamento do seu estado de saúde sujeitou-se a 15 períodos de internamento no período que antecedeu a sua morte, tendo o primeiro ocorrido em 7 de Maio de 2002, do qual só teve alta hospitalar em 9 de Junho de 2002. (24º)
yy) Outras complicações surgiram, designadamente do foro coronário e do foro urológico. (25º)
zz) Entre Maio e Dezembro de 2002, J foi submetido, por duas vezes, a uma angioplastia cutânea para aplicação de dois “stents” na aorta. (26º)
aaa) Entre 23 de Novembro de 2002 até 8 de Junho de 2004, J fez, duas ou três vezes por semana, hemodiálise, num total por volta de 244 sessões com a duração de 4 horas cada uma. (27º)
bbb) O estado de saúde de J vinha a agravar-se. (29º)
ccc) J usava cadeira de rodas e apresentava redução da capacidade visual. (32º)
ddd) Foram transferidos bens do património do J para a C e D. (35º)
eee) A reposta dada ao item ddd) o foi em benefício dos Réus E e G. (36º)
fff) A reposta dada ao item ddd) o foi em prejuízo dos Autores. (37º)
ggg) A assinatura constante da procuração referida em bb) não é do punho do J. (40º)
hhh) J sempre tratou por igual todos os seus quatro filhos, nenhum favorecendo ou prejudicando em relação aos outros. (40ºA)
iii) J foi para Hong Kong acompanhado pela sua mulher 3ª R, e pelos dois filhos mais velhos, 4ª e 5º RR. (40ºB)
jjj) A partir de 2003 os autores começaram a ter dificuldade de comunicar com a mãe. (40ºC)
kkk) A mãe dos AA, 3ª R, perante o estado de saúde debilitado do marido J, passou a controlar os negócios deste, com a ajuda dos filhos mais velhos, aqui 4ª e 5º Réus. (40ºD)
lll) E, 3ª R, e G, 5º Réu controlam as sociedades C e D, 1ª e 2ª RR. (40ºE)
mmm) Foi a sociedade comercial de responsabilidade limitada denominada “Q”, de que são únicos sócios o 5º R, G e a sua mulher R quem passou a receber as rendas das fracções mencionadas em c) e de 7 dos 15/143 avos da fracção designada por “J2” referida em h) dos Factos Assentes, depois de as mesmas terem sido alienadas à sociedade C, 1ª R. (40ºF)
nnn) J nunca teria assinado o documento referido a fls. 642 se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1ª e 2ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3ª, 4ª e 5º RR. (40ºH)
ooo) A assinatura constante da procuração mencionada em z) não é do punho do J. (40ºI)
ppp) A intervenção do 1º Autor, como representante da H nas escrituras de 23 de Outubro de 2003, fez-se com desconhecimento de que estava a intervir na venda a empresas controladas pelos 3ª, 4ª e 5º Réus. (41ºA)
qqq) As fracções autónomas designadas pelas letras “A25” e “B25” transmitidas à 2ª R., D, através da escritura pública celebrada em 29/05/2003, foram indicadas como morada da Ré E em procuração outorgada em 4/7/2005, mais de dois anos depois daquela alienação. (44º)
rrr) O falecido J em 20/10/2003 instaurara uma acção de despejo, na qual indicava como constituindo sua residência uma daquelas fracções, a do 25º andar «A» da [Endereço(6)], o que aconteceu cinco meses após a transmissão dessa fracção à 2ª Ré, D. (45º)
sss) Tais fracções autónomas constituíam, então, a casa de morada de família do falecido J e da sua mulher, ora 3ª Ré, e do 2º Autor e mulher. (46º)
ttt) A 1ª R., C, adquiriu 6/123 avos indivisos da fracção autónoma designada pela letra “B2”, constituída por seis lugares de estacionamento, sem que a 1ª R alguma vez os tenha reivindicado, apesar de ter sido deles adquirente. (48º)
uuu) Através do contrato datado de 29/4/2004 onze fracções e nove parques de estacionamento foram dados de arrendamento pela sociedade comercial C, aqui 1ª R, à sociedade «S», sendo que quem assina tal contrato de arrendamento, em representação da sociedade C, já não são as suas mandatárias T e U, mas o 5º Réu, G. (49º)
vvv) Da última cláusula do aludido contrato de arrendamento, resulta que o valor da renda mensal é de HK$83,000.00 e que deve ser paga antes do dia 10 do mês a que respeitar por meio de depósito bancário na conta nº XXXXXXXXXXXX junto do Banco da China (sucursal de Macau), sendo que o titular de tal conta é a sociedade comercial por quotas «Q», de que são únicos sócios o mesmo 5º R, G e a sua mulher R, aliás R1. (50º)
www) A referida renda está a ser depositada na conta nº XXXXXXXXXXXX do Banco Tai Fung e que pertence à mesma sociedade e às mesmas pessoas. (51º)
xxx) Até 2006 as fracções autónomas “A25” e “B25” referidas em x) nunca foram entregues aos adquirentes. (54º)”; (cfr., fls. 2696-v a 2705-v e 4063-v a 4070).
Do direito
3. Tal como se deixou relatado, trazem os AA. o presente recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 08.10.2020, (Proc. n.° 89/2015), que concedeu provimento aos anteriores recursos finais dos 1ª, 3ª e 5° RR., e que, revogando a sentença então recorrida do Tribunal Judicial de Base, acabou por julgar improcedentes todos os pedidos pelos ora recorrentes deduzidos.
Merecendo o recurso conhecimento, vejamos, então, de que lado está a razão, e se o presente recurso a esta Instância trazido merece provimento.
Antes de mais, para cabal compreensão do que em causa está, vale a pena recordar que a decisão – de “improcedência de todos os pedidos” – ínsita no Acórdão agora recorrido se deveu a uma alteração da decisão que o Tribunal Judicial de Base proferiu sobre a “matéria de facto”, e, em face do que pelos AA., ora recorrentes, vem alegado e imputado ao decidido, adequado se apresenta desde já de se atentar nas “razões” da decisão ora recorrida que, (na parte agora relevante), tem o teor que segue:
“(…)
A recorrente vem ainda impugnar as respostas dadas aos quesitos 35º, 36º, 37º e 40º-E, em que foi dado como provado o seguinte:
35º - “Foram transferidos bens do património de J para a C e D.”
36º - “A resposta dada ao item 35º o foi em benefício dos Réus E e G.”
37º - “A resposta dada ao item 35º o foi em prejuízo dos Autores.”
40º-E – “E, 3ª Ré e G, 5º Réu, controlam as sociedades C e D, 1ª e 2ª RR.”
Alega a recorrente que o Tribunal a quo não respondeu ao que era perguntado no quesito 35º da base instrutória, tendo a resposta exorbitado do objecto do quesito a que respeita.
Ora bem, perguntava-se no quesito 35º se “A constituição da C e da D foi-o com o intuito de retirar bens do património de J”, e a resposta foi no sentido de que “Foram transferidos bens do património de J para a C e D”.
Em boa verdade, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos tratar-se efectivamente de questões diferentes, melhor dizendo, uma é saber qual foi a intenção de criação daquelas duas sociedades, C e D; outra é afirmar-se que os bens do património de J foram transferidos às duas sociedades.
Na medida em que a resposta do Tribunal a quo ter exorbitado do âmbito do quesito, há-de considerar não escrita a resposta ao quesito 35º, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 549º do CPC, por analogia1.
Quanto às respostas aos quesitos 36º e 37º da base instrutória, é bom de ver que aquelas dependem da comprovação do facto descrito no quesito 35º, mas sendo a resposta dada a este quesito considerada como não escrita, outra alternativa não resta senão dar como não provados aqueles dois quesitos.
Ademais, foi dado como provado no quesito 40º-E que E, 3ª Ré, e G, 5º Ré, controlam as sociedades C e D.
E diz o Tribunal recorrido que, não obstante não ser possível demonstrar que os 3ª, 4ª e 5º Réus fazem parte daquelas duas sociedades, do conjunto de documentos analisados, o 5º Réu, filho de J aparecia a outorgar contratos de arrendamento em nome da sociedade C e a coberto de uma conta bancária de uma empresa sua a receber as rendas dos imóveis/fracções autónomas vendidos à C, daí que vem concluir aquele Réu ter uma posição de domínio na C.
Ora bem, melhor analisados os documentos referidos pelo Tribunal a quo, mais precisamente os de fls. 2165 e 2166, é bom de ver que o 5º Réu agiu na qualidade de mandatário da 1ª Ré, pelo que não se pode dizer que aquele Réu tinha uma posição de domínio na C.
Quanto à parte relativa à 3ª R. E, o Tribunal a quo entende que esta também controlava as sociedades C e D, na medida em que esta usou procurações conjuntas passadas por ela e J, em que a assinatura deste último aposta nessas procurações foi falsificada, sendo que tais procurações serviram para fazer escrituras de compra e venda às sociedades C e D.
A resposta dada pelo Tribunal recorrido baseou-se essencialmente no relatório da perícia realizada pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária, donde consta que “são provavelmente feitas pelo J” as assinaturas apostas nas duas procurações de 24.10.2002, e “não é de J” a assinatura aposta na procuração de 19.5.2003.
Em boa verdade, tal relatório pericial foi realizado no âmbito de processo-crime (vide certidão de fls. 2003 a 2054).
Prevê o n.º 1 do artigo 446.º do CPC que “os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 348.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova”.
A nosso ver, considerando que a perícia foi realizada no âmbito de processo-crime, e não tendo intervindo nesse processo as mesmas partes da presente acção cível, por forma a permiti-las exercer o seu direito do contraditório, dúvidas de maior não restam de que aquela perícia não podia ser valorada nos presentes autos para efeitos de prova contra os interessados.
Aliás, decidiu-se no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 6/2015 o seguinte:
“Afigura-se-nos que tem de se aplicar a norma relativa ao valor extraprocessual de depoimentos e perícias. De outra forma, haveria fraude à lei, valorando-se como documento o que constitui verdadeira perícia, torneando as normas que impõe contraditório neste tipo de provas, o que não sucede com a prova documental, no que respeita ao modo de formação.
Quanto ao mérito, foi violado efectivamente o disposto no n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Civil, pelo acórdão recorrido, já que a 2ª ré não interveio no processo-crime em questão, pelo que a perícia, não tendo sido produzida num processo com audiência contraditória da parte não pode ser invocada noutro processo contra a mesma parte.
De resto, os autores podiam ter requerido perícia a tal procuração nos presentes autos. Não o fizeram, pelo que não podem invocar a perícia realizada sem audiência contraditória da outra parte.”
Isto posto, na medida em que tais procurações outorgadas por J no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong são consideradas como documentos autênticos, os factos neles atestados e praticados pela autoridade estão plenamente provados, não podendo ser impugnados por mera prova testemunhal, ao abrigo dos termos previstos no n.º 1 do artigo 365.º e n.º 2 do artigo 387.º, ambos do Código Civil, sendo assim, deve o quesito 40º-E ser dado como não provado.
A recorrente vem ainda impugnar a resposta dada ao quesito 40º da base instrutória, nela foi consignado que a assinatura constante da procuração emitida em 19.5.2003 não era do punho do J.
Conforme dito acima, a prova constante dos autos não é suficiente para pôr em causa a autenticidade daquela procuração outorgada por J no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong, daí que não se pode concluir que a mesma era falsa.
Em consequência, procede esta parte do recurso, devendo dar-se como não provado o quesito 40º da base instrutória.
(…)
Também impugna a resposta dada ao quesito 40º-D, nos seguintes termos: “A mãe dos AA, 3ª Ré, perante o estado de saúde debilitado do marido J, passou a controlar os negócios deste, com a ajuda dos filhos mais velhos, aqui 4ª e 5º Réus.”
O Tribunal a quo fundamentou esta parte da decisão na prova produzida e analisada em conjunto, e no essencial, no depoimento da 1ª testemunha, nora de J, e da 4ª testemunha, prima, tendo esta referido num dos telefonemas em que falou com J este tinha dito que eram os filhos que tratavam de tudo.
Efectivamente, somos a entender que o depoimento da 1ª testemunha não merece credibilidade, por duas razões que se seguem:
Em primeiro lugar, tem interesse indirecto ou reflexo nessa acção, por ser esposa do 1º Autor.
Em segundo lugar, é bom de ver que os depoimentos por ela prestados em audiência, respectivamente, em 2009 e 2014, há discrepâncias manifestas.
Houve julgamento em 2009, tendo a 1ª testemunha prestado o seu depoimento perante o Tribunal nessa altura. Interposto recurso para o TUI, foi determinado, a final, novo julgamento de alguns quesitos, bem assim o aditamento de novos factos.
E no segundo julgamento, a 1ª testemunha veio novamente prestar depoimento, mas verifica-se contradições entre os depoimentos prestados em duas secções da audiência de julgamento, ocorridas em 2009 e 2014, respectivamente.
E quanto ao depoimento da 4ª testemunha, esta referiu apenas que num dos telefonemas em que falou com J este disse-lhe que eram os filhos que tratavam de tudo, mas a testemunha não especificou quais os filhos que passaram a tratar dos negócios, isso significa que, de acordo com os depoimentos daquelas testemunhas, não se pode chegar à conclusão de que foram os 3ª, 4ª e 5º Réus que controlavam os negócios do J.
E não se diga que a demonstração desse quesito resulta da restante prova produzida e analisada em conjunto, uma vez que, conforme referido expressamente na fundamentação, as provas essenciais que serviram para formar a convicção do Tribunal são os depoimentos das duas testemunhas acima identificadas, enquanto os restantes elementos não concretamente especificados mais não sejam do que meros elementos complementares, sem força probatória autónoma suficiente.
Sendo assim, procede o recurso nesta parte, dando-se como não provado o quesito 40º-D.
O Tribunal a quo deu ainda como provado o quesito 40º-H, no sentido de que “J nunca teria assinado o documento referido no quesito 40º-G se realmente soubesse que as sociedades comerciais nele indicadas, 1ª e 2ª RR, eram exclusivamente controladas pelos 3ª, 4ª e 5º RR.”
Fundamentou-se a resposta a esse quesito na resposta dada ao quesito 40º-A, bem como nas regras da experiência de que os 3ª, 4ª e 5º Réus tinham usado esquema de falsidades (procurações falsificadas) e enganos.
Em primeiro lugar, mesmo que esteja provado que J sempre tratou por igual todos os seus quatro filhos, nenhum favorecendo ou prejudicando em relação aos outros (conforme a resposta ao quesito 40º-A), não implica necessariamente a prova do quesito 40º-H.
Por outro lado, conforme analisado acima (resposta ao quesito 40º-E), as sociedades comerciais C e D, respectivamente, 1ª e 2ª Réus, não eram controladas pelos 3ª, 4ª e 5º Réus, acrescido ainda do facto de que não houve falsificação das procurações, temos que concluir não haver lugar o alegado esquema de falsidades e enganos, devendo, em consequência, dar-se como não provado o quesito 40º-H da base instrutória.
Vem depois a recorrente impugnar a resposta dada ao quesito 40º-I, em que foi dado como provado que a assinatura constante da procuração outorgada por J no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong constante de fls. 311 e 312 dos autos não é do seu punho.
A resposta dada pelo Tribunal recorrido baseou-se no relatório da perícia realizada pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária, donde consta que “são provavelmente feitas pelo J” as assinaturas apostas nas duas procurações de 24.10.2002.
Como foi dito acima, tal relatório pericial foi realizado no âmbito de processo-crime (vide certidão de fls. 2003 a 2054), e não tendo intervindo nesse processo as mesmas partes da presente acção cível, por forma a permiti-las exercer o seu direito do contraditório, aquela perícia não podia ser valorada nos presentes autos para efeitos de prova contra os interessados.
E sendo as procurações outorgadas por J no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong documentos autênticos, os factos neles atestados e praticados pela autoridade estão plenamente provados, não podendo ser impugnados por mera prova testemunhal, ao abrigo dos termos previstos no n.º 1 do artigo 365.º e n.º 2 do artigo 387.º, ambos do Código Civil.
Isso significa que o quesito 40º-I da base instrutória deve ser dado como não provado.
Seguidamente vem impugnar a resposta dada ao quesito 41º-A da base instrutória, em que ficou provado que “A intervenção do 1º Autor, como representante da H nas escrituras de 23 de Outubro de 2003, fez-se com desconhecimento de que estava a intervir na venda a empresas controladas pelos 3º, 4ª e 5º Réus.”
Ora bem, conforme dito acima, as empresas C e D, ora 1ª e 2ª RR., não se encontravam controladas pelos 3º, 4ª e 5º Réus, ao que acresce ainda o facto de que os emails de fls. 2371 a 2375 e 2377 a 2379 poderiam ter sido forjados pela testemunha arrolada pelos Autores, como se disse na fundamentação da matéria de facto, pelo que não resta outra alternativa senão dar-se como não provado o quesito 41º-A.
(…)
Ora bem, tendo em consideração a matéria de facto provada, somos a entender que os recursos interpostos pelos Réus recorrentes devem proceder.
Na sentença recorrida foi declarada a anulação das escrituras públicas celebradas em 22.10.2003, 14.1.2004 e 30.3.2004 entre a H e a 1ª Ré C, bem como a nulidade das escrituras públicas celebradas entre a H e as 1ª e 2ª Rés, respectivamente, em 11.11.2002 e 29.5.2003 e, consequentemente, declarados nulos os registos de aquisição a favor daquelas Rés.
De acordo com a matéria dada como provada, é bom de ver que verificado não está o preenchimento de todos os pressupostos legais de erro-vício por parte de J.
Em boa verdade, provado não está que as procurações foram forjadas, nem que as 1ª e 2ª Rés eram controladas pelos 3ª, 4ª e 5º Réus, aquando da outorga das procurações nem da celebração das escrituras públicas reportadas nos autos, daí que não se pode concluir que J ao autorizar as vendas às sociedades C e D estava em erro, nem que os Réus tivessem montado o esquema de falsidades e enganos para subtrair o património de J. E também não se prova qualquer situação de provocação ou recurso de artifício ou sugestão pelos Réus, muito menos a simulação, daí decorre que os negócios celebrados por J não se enfermavam de qualquer vício de vontade.
E em relação ao pedido de declaração de falsidade da procuração outorgada no dia 19 de Maio de 2003, no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong, com fundamento de que a mesma ter sido forjada, não foi feita prova da sua falsidade.
Nestes termos, temos que conceder provimento aos recursos interpostos pelos 3ª, 4ª e 5º Réus e, em consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pelos Autores, in totum, deste modo ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos recorrentes”; (cfr., fls. 4079 a 4097-v).
Pois bem, aqui chegados, e passando-se a apreciar as “questões” no presente recurso colocadas, vejamos.
Cremos que são os AA., ora recorrentes, de opinião que o Tribunal de Segunda Instância incorreu em (1) “erro” por não ter atendido ao disposto no art. 358° do C.C.M., devendo decidir pela (2) “rejeição do recurso da 3ª R.” (na parte em que esta impugnava a matéria de facto), padecendo ainda Acórdão recorrido do (3) “vício de nulidade por violação das alíneas b) e c) do n.° 1 do art. 571° do C.P.C.M.”, incorrendo, também, em (4) “erro na aplicação do art. 549°, n.° 4 do C.P.C.M.” e (5) ao disposto no “art. 358° do C.C.M.” na alteração da resposta dada ao quesito 40°-H, encontrando-se, igualmente, inquinado com o vício de (6) “nulidade por falta de fundamentação” na alteração da resposta ao quesito 41°-A, tendo-se, com a mesma decisão recorrida incorrido ainda em (7) “violação do art. 629° do C.P.C.M.” (ao se decidir alterar a matéria de facto nos termos em que o fez).
–– Ora, estas, se bem ajuizamos, nos parecendo ser as “questões” pelos ora recorrentes trazidas à apreciação deste Tribunal de Última Instância, comecemos pelo alegado (1) “erro na aplicação do art. 358° do C.C.M.”, comando legal este que, inserido no capítulo relativo à matéria da “Prova documental”, e sob a epígrafe “Documentos passados fora do território de Macau”, prescreve que:
“1. Os documentos autênticos ou particulares passados fora do território de Macau, na conformidade da lei do local onde foram passados, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Macau.
2. Contudo, e salvo disposição em contrário, quando o tribunal tenha fundadas dúvidas acerca da autenticidade do documento ou da autenticidade do seu reconhecimento, a força probatória do documento é apreciada livremente pelo tribunal”.
E, invocando o n.° 2 do transcrito preceito legal, entendem, (essencialmente), os ora recorrentes, que o Tribunal de Segunda Instância não atendeu ao aí disposto (no n.° 2 do transcrito art. 358°), pois que, desconsiderando o facto de o Tribunal Judicial de Base ter tido “fundadas dúvidas quanto à autenticidade do documento”, não podia, na ausência de um “erro grosseiro e manifesto”, alterar as respostas dadas aos “quesitos 40° e 40°-E” da base instrutória, (sendo aqui de se recordar que a estes mesmos quesitos respondeu o Tribunal Judicial de Base respectivamente que, “A assinatura constante da procuração referida em bb) não é do punho do J”, e que, “E, 3ª R., e G, 5º R., controlam as sociedades C e D, 1ª e 2ª RR.”).
Reflectindo sobre o pelos recorrentes alegado e sobre o teor do segmento decisório em questão, eis o que se nos mostra de consignar.
Segundo doutrina que se tem como boa e adequada, o referido art. 358°, n.° 2, do C.C.M., “está especialmente vocacionado para as situações em que o tribunal onde o documento estrangeiro tenha sido apresentado tem dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do seu reconhecimento. Nesse pressuposto, o preceito prevê que a força probatória desse documento seja apreciada livremente pelo tribunal. Ou seja, o tribunal, em tal hipótese, não retira da força do documento, pretensamente autêntico, a força que em princípio dele emanaria, passando a apreciar livremente a sua força probatória.
Desapareceu, deste modo, a possibilidade constante do texto legal anterior (art. 365.º, n.º 2) de o tribunal poder exigir a legalização do documento a respeito do qual subsistam dúvidas. (…)”; (cfr., João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho in, “C.C.M. Anotado e Comentado”, Livro I, Vol. V, 2018, pág. 346 e 347).
Perguntar-se-á, então: em que situações é que se podem suscitar dúvidas acerca da autenticidade do documento (ou do seu reconhecimento)?
Antes de mais, e a respeito da “autenticidade dos documentos”, importa “distinguir a força probatória formal da força probatória material, pois, antes de mais, há que apurar se o documento é autêntico ou genuíno, (quer dizer, se provém realmente do seu autor aparente), e só depois, uma vez averiguado que o é, qual o valor probatório do mesmo documento quanto ao seu conteúdo (quer dizer, quanto às declarações dele constantes).
Este valor probatório depende da autenticidade do documento, isto é, da determinação do seu autor, dado que é a circunstância de ele emanar de certa pessoa ou entidade que lhe confere a eficácia probatória (material) própria dos documentos autênticos.
Ora, desde que o documento possua os sinais externos que caracterizam os documentos autênticos, desde que ele tenha a aparência de um documento autêntico regular, é de presumir que se trata de um documento autêntico (de um documento proveniente da autoridade ou oficial público que essa aparência denuncia como sendo o autor dele). É a conhecida regra scripta publica probant se ipsa (Dumoulin).
Na verdade, o documento, que se apresenta com a aparência séria de autêntico, parece dever presumir-se tal, visto que, em regra, o será.
Mas pode provar-se o contrário, pois a presunção pode corresponder à verdade, e até, se a falsidade for manifesta pelos sinais exteriores do documento, não há necessidade de que a parte contrária prove essa falsidade, devendo ela poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal, ou antes, faltando então a aparência base da presunção de autenticidade, esta presunção não é de admitir. Além disto, parece dever reconhecer-se ao tribunal o poder de pedir esclarecimentos, em caso de dúvida, à pessoa por quem o documento deve ter sido feito.
Que sinais externos devem bastar para que o documento goze da presunção de autenticidade?
Entende-se que tais sinais são a assinatura do funcionário público e, se a lei o exigir, o selo branco da repartição respectiva ou que são o selo branco da repartição ou secretaria notarial, ou a legalização mediante reconhecimento por notário da comarca onde o documento é oferecido, se não for já o próprio documentador (…)”; (cfr., Vaz Serra in, “Provas (Direito Probatório Material)”, B.M.J., 112°-277, apud João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho in, ob. cit., pág. 383 e 384).
Com efeito, e como igualmente consideram Gil de Oliveira e Cândido de Pinho:
“(…)
A autenticidade é a qualidade do documento ao qual sejam reconhecidos os requisitos dos arts. 356.º e 363.º supra. É autêntico, diz-se, o documento exarado com as formalidades legais pelas autoridades públicas, nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, por notário ou por oficial público provido de fé pública (art. 356.º, n.º 2)
Ela presume-se, nas circunstâncias previstas no n.º 1, do artigo em exame: quando o documento é subscrito pelo autor com a sua assinatura reconhecida pelo notário ou com o selo do respectivo carimbo (1.ª parte). Da mesma maneira, presumem-se autênticos os documentos exarados por notário (2.ª parte). É a aplicação do vetusto brocardo latino «acta probant se ipsa».
Um documento autêntico é, assim, um documento público (com origem pública, i.e., proveniente de autoridade pública, por oficial público ou por notário).
3. O que significa esta presunção? Significa que a parte contra quem o documento for apresentado, querendo impugná-la, deverá demonstrar a falsidade do documento. É isso que quer dizer “prova em contrário” a que se refere o n.º 2 (1.ª parte). Trata-se, por isso, de uma presunção iuris tantum. (…)
4. A autenticidade pode ainda ser “excluída” (afastada) oficiosamente pelo próprio tribunal (qualquer tribunal, mesmo o de recurso). Para tanto, exige-se que a falta de autenticidade “seja manifesta pelos sinais exteriores do documento” (n.º 2, 2.ª parte).
Estes sinais exteriores manifestos tanto se reportam à forma, como ao próprio texto (neste sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. II, 1988, pág. 151)”; (in ob. cit., pág. 386).
E, em face do exposto, (e ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária), cabe aqui consignar desde já que, in casu, não parece que alguma vez se tenha posto em causa a “autenticidade” de qualquer documento, nomeadamente, da “procuração referida em bb)”, (bastando para tanto atentar o que vem escrito na citação de fls. 34 da sentença do Tribunal Judicial de Base pelos recorrentes feita).
Na verdade, (importa salientar), o que os AA., ora recorrentes, entendiam, é que a aludida “procuração”, outorgada no dia 19.05.2003 no Consulado-Geral de Portugal em Hong Kong, padecia de “falsidade”, sendo esta, como sabido é, outra causa de ilisão da força probatória dos documentos autênticos, afectando a sua “força probatória material”.
Com efeito, não se pode pois olvidar que, diversamente da “autenticidade”, “A falsidade tem lugar quando se não passou na realidade aquilo que no documento se menciona como tendo sido objecto da percepção do oficial público.
(…)
Há, pois, uma falsidade ideológica ou intelectual (suposição das pessoas mencionadas no documento, como partes ou testemunhas; menção, como praticado no acto da celebração do documento, de algum facto que realmente se não deu) e uma falsidade material ou externa (suposição do documento; viciação do seu contexto, data ou assinaturas)”; (cfr., v.g., Vaz Serra in, “Provas (Direito Probatório Material)”, B.M.J., 112°-278, apud João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho in, ob. cit., pág. 402).
In casu, era precisamente o facto de as “procurações de 19.05.2003, e de 24.10.2002”, não terem sido (genuinamente) assinadas por J – conforme se entendeu nas respostas aos quesitos 40° e 40°-I dadas pelo Tribunal Judicial de Base – que geraria a sua respectiva alegada “falsidade” (desses documentos autênticos).
E, constatando-se assim que em causa nunca esteve uma questão de “autenticidade”, (que como se viu, não se confunde com a da “falsidade”), claro se apresenta desde já que não podem os recorrentes invocar e pretender agora uma aplicação do estatuído no atrás transcrito art. 358° do C.C.M..
Por sua vez, e quanto à questão de fundo, (ou seja, ao facto de as assinaturas em causa não serem do punho de J), cabe notar que, sobre idêntica questão, no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 26.06.2019, (Proc. n.° 6/2015), tivemos oportunidade de considerar que:
“(…)
Dispõe o n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Civil:
“Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 348.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova”.
No caso trata-se de resultado de prova pericial, realizada no âmbito de processo-crime.
Afigura-se-nos que tem de se aplicar a norma relativa ao valor extraprocessual de depoimentos e perícias. De outra forma, haveria fraude à lei, valorando-se como documento o que constitui verdadeira perícia, torneando as normas que impõe contraditório neste tipo de provas, o que não sucede com a prova documental, no que respeita ao modo de formação.
Quanto ao mérito, foi violado efectivamente o disposto no n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Civil, pelo acórdão recorrido, já que a 2.ª ré não interveio no processo-crime em questão, pelo que a perícia, não tendo sido produzida num processo com audiência contraditória da parte não pode ser invocada noutro processo contra a mesma parte.
De resto, os autores podiam ter requerido perícia a tal procuração nos presentes autos. Não o fizeram, pelo que não podem invocar a perícia realizada sem audiência contraditória da outra parte.
Procede o recurso nesta parte, quanto à utilização do Relatório Pericial para reverter a decisão de facto”.
Com efeito, e como sem esforço se nos apresenta de sufragar, se o “princípio da audiência contraditória” – “isto é, que a parte tenha sido convocada para os actos de preparação e produção de prova e admitida a neles intervir (…)” – não tiver sido observado, “a eficácia extraprocessual da prova está excluída”, (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in, “C.P.C. Anotado”, Vol. II, 2ª ed., pág. 449).
Assim, transpondo o que se decidiu e expôs para o caso dos presentes autos, impõe-se pois concluir que aquela “perícia”, invocada pelo Tribunal Judicial de Base para decidir como decidiu, não podia operar como “princípio de prova”, e, nesta conformidade, “afastanda” a “validade e eficácia probatória” da referida “perícia”, (nos mesmos termos do que resulta do citado Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 26.06.2019, por ter sido obtida no âmbito de um outro processo que não tinha as mesmas partes, e, por isso, sem observância de uma cabal “audiência contraditória” dos aqui RR.), entendeu o Tribunal de Segunda Instância que os demais elementos probatórios recolhidos nos autos não permitiam concluir pela, pelos AA., ora recorrentes, alegada “falsidade das procurações”, (cabendo pois referir que, em boa verdade, apenas se tinha pedido a “falsidade da procuração outorgada no dia 19.05.2003”).
Dest’arte, e não se integrando esta “matéria” (e “questão”) em nenhuma das “situações” com base nas quais se permite e pode este Tribunal de Última Instância “interferir”, “ajuizar”, e (eventualmente, se for o caso), “alterar” a “decisão sobre matéria de facto” (assim) proferida pelo Tribunal de Segunda Instância, (cfr., art. 649°, n.° 2 do C.P.C.M., sendo, desta forma, a mesma decisão “inatacável”), evidente se apresenta que se terá de negar provimento ao presente recurso na parte em questão.
–– Da pretendida (2) “rejeição do recurso da 3ª R.” (na parte relativa à impugnação da matéria de facto).
Aqui, afirmam os ora recorrentes que o recurso da 3ª R. para o Tribunal de Segunda Instância deveria ter sido rejeitado na parte em que a mesma impugnava a decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base, pois que, não obstante existir prova gravada nos autos, omitiu-se a indicação das respectivas passagens relevantes dessa gravação nas “conclusões” das suas alegações de recurso.
E, assim, (apesar de a 3ª R. poder beneficiar da modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal de Segunda Instância a pedido da 1ª e do 5° RR.), dever-se-ia decidir pela rejeição do seu recurso ao abrigo do art. 599°, n.° 2 do C.P.C.M..
Pois bem, nota-se desde já que esta “questão” apenas tem relevo em relação à impugnação da matéria do “quesito 54° da base instrutória”, (que nem sequer foi julgada inteiramente procedente), já que, a restante impugnação da matéria de facto feita pela 3ª R. foi em parte e rejeitada, e, na restante, beneficiou de idêntica impugnação feita pelos 1ª e 5° RR.; (aliás, como de forma explícita resulta do teor do Acórdão recorrido, e como os próprios recorrentes não deixam de reconhecer).
Em todo o caso, (e ressalvando-se sempre o devido respeito), cremos que aos AA., ora recorrentes, não assiste razão quanto a sua pretendida “rejeição do recurso”.
Antes de mais, atente-se que nas “conclusões 154ª a 160ª” das alegações de recurso apresentadas para o Tribunal de Segunda Instância, indicou expressamente a referida 3ª R. quais os “meios de prova” que entendia relevantes e que, em sua opinião, justificavam a uma resposta diferente ao referido “quesito 54°” da base instrutória, (tendo, inclusivamente, referido o depoimento testemunhal de K).
Porém, ainda que assim não fosse, (e não cremos), não se pode perder de vista a (importante) distinção entre o “ónus primário” e o “ónus secundário” em sede de “impugnação da matéria de facto”.
Como sobre esta “matéria” se considerou no recente Acórdão do S.T.J. de 18.01.2021, Proc. n.° 243/18:
“A jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. entre outros, Acórdão de 22-11-2018, Revista n.º 2337/06.6TBTVD.L1.S2) tem distinguido, para efeitos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, ambos do CPC, entre um ónus primário e um ónus secundário. O primeiro refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, e tem por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. Já o ónus secundário consiste na exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 640.º, e visa possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, não parecendo que exista “fundamento bastante para rejeitar a impugnação da matéria de facto, «(…) numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objeto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação, com exatidão, das passagens da gravação»”.
Dest’arte, mostrando-se-nos de subscrever e adoptar o (mesmo) entendimento que se deixou exposto, (e, inversamente ao que parecem entender os aqui recorrentes), visto está também que a – eventual – omissão das passagens da gravação nas “conclusões” das alegações de recurso não constitui fundamento justo e legal para a rejeição do recurso, necessária sendo assim a solução que já se deixou adiantada.
–– “Da alegada (3) nulidade por violação das alíneas b) e c) do n.° 1 do art. 571° do C.P.C.M.”.
Consideram os ora recorrentes que o Tribunal de Segunda Instância não podia retirar credibilidade ao depoimento testemunhal de K para alterar a resposta ao “quesito 40°-D” da base instrutória sem que expressasse fundamentadamente as razões pelas quais considerou existirem contradições nesse depoimento.
Entendem ainda existir uma “incoerência” devido ao facto desse testemunho ter sido valorado e considerado credível no que toca às respostas dadas aos quesitos 40°-B e 40°-C, violando-se deste modo as alíneas b) e c) do n.° 1 do art. 571° do C.P.C.M., e padecendo assim o Acórdão recorrido das apontas nulidades; (cfr., concl. 9ª das alegações de recurso).
Ora, de acordo com o invocado art. 571°, n.° 1 do C.P.C.M.:
“1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
A respeito das “nulidades da sentença”, afirmava José Alberto dos Reis que:
“Importa, na verdade, distinguir cuidadosamente as duas espécies: erros de actividade e erros de juízo.
O magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o mérito da decisão; os da segunda categoria são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade de julgador.
Assentemos, pois, nisto: por vícios da sentença entende a lei os erros materiais e os erros formais, que se corrigem pelos meios facultados pelos arts. 667.º e 669.º. Contrapõem-se aos erros substanciais, contra os quais se há-de reagir por via de recursos (arts. 677.º e segs.)”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. V, pág. 124 e 125).
Ora, como cremos ser sabido, haverá “nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão”, quando se verifique uma “contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, ou seja, por exemplo, de a fundamentação apontar no sentido da condenação, mas terminar pela absolvição do réu.
Se a partir dos factos o juiz aplica ou interpreta mal a lei, não há nulidade da sentença, mas erro de julgamento”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 569).
É, assim, uma “oposição” “que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir. Não é, por isso, relevante, para este efeito, a contradição que se diga existir entre os factos que a sentença dá como provados e outros já apurados no processo. Poderá haver nesse caso erro de julgamento, mas não nulidade da decisão”; (cfr., v.g., Jacinto Rodrigues Bastos in, “Notas ao C.P.C.”, Vol. III, 3ª ed., pág. 194).
E, nesta conformidade, e em nossa opinião, parece evidente, então, que não há aqui qualquer “nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão”, (que, aliás, diga-se, é até suscitada de forma algo incoerente, dado que, se “inexiste fundamentação”, como também alegam os recorrentes, não se vislumbra como possa ocorrer “contradição” entre “fundamentos” que não existem e a “decisão”).
Na verdade, (e sob a capa da arguida “nulidade”), o que os recorrentes pretendem efectivamente discutir é a decisão que recaiu sobre um “ponto” determinado da matéria de facto, em contraposição à decisão que foi tomada quanto a “outros pontos” da matéria de facto.
Daí que, o que pretendam verdadeiramente discutir não é um “erro de actividade”, mas antes um “erro de julgamento”, (ao abrigo de uma suposta “nulidade”).
Porém, também não nos parece de se lhes reconhecer mérito nesta pretensão.
Com efeito, este Tribunal de Última Instância tem poderes de cognição sobre a matéria de facto (bastante) limitados, e em causa não estando as “circunstâncias” dos art°s 639° e 649° do C.P.C.M. vista se nos afigura a solução para a questão suscitada; (cfr., v.g., entre outros, os Acs. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019; de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018; de 03.04.2020, Proc. n.° 19/2019; de 10.06.2020, Proc. n.° 48/2020; de 10.11.2021, Proc. n.° 131/2021; de 12.01.2022, Procs. n°s 50/2020 e 76/2020; de 19.01.2022, Proc. n.° 121/2020; de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020 e de 25.04.2024, Proc. n.° 68/2023).
Por outro lado, (e como já se havia adiantado), defendem também os recorrentes que a decisão tomada quanto à alteração da resposta dada ao “quesito 40°-D” padece de “falta de fundamentação”.
Ora, segundo a melhor doutrina, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º. (…)”; (cfr., v.g., Alberto dos Reis in, ob. cit., pág. 140).
Com efeito, “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”; (cfr., v.g., Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687).
Porém, in casu, evidente é que não existe qualquer “falta de fundamentação”, pois que não deixou o Tribunal de Segunda Instância de justificar a sua decisão de alterar a resposta pelo Tribunal Judicial de Base dada ao “quesito 40°-D”, consignando o que segue:
“(…)
O Tribunal a quo fundamentou esta parte da decisão na prova produzida e analisada em conjunto, e no essencial, no depoimento da 1.ª testemunha, nora de J, e da 4.ª testemunha, prima, tendo esta referido num dos telefonemas em que falou com J este tinha dito que eram os filhos que tratavam de tudo.
Efectivamente, somos a entender que o depoimento da 1.ª testemunha não merece credibilidade, por duas razões que se seguem:
Em primeiro lugar, tem interesse indirecto ou reflexo nessa acção, por ser esposa do 1.º Autor.
Em segundo lugar, é bom de ver que os depoimentos por ela prestados em audiência, respectivamente, em 2009 e 2014, há discrepâncias manifestas.
Houve julgamento em 2009, tendo a 1.ª testemunha prestado o seu depoimento perante o Tribunal nessa altura. Interposto recurso para o TUI, foi determinado, a final, novo julgamento de alguns quesitos, bem assim o aditamento de novos factos.
E no segundo julgamento, a 1.ª testemunha veio novamente prestar depoimento, mas verifica-se contradições entre os depoimentos prestados em duas secções de audiência de julgamento, ocorridas em 2009 e 2014, respectivamente.
E quanto ao depoimento da 4.ª testemunha, esta referiu apenas que num dos telefonemas em que falou com J este disse-lhe que eram os filhos que tratavam de tudo, mas a testemunha não especificou quais os filhos que passaram a tratar dos negócios, isso significa que, de acordo com os depoimentos daquelas testemunhas, não se pode chegar à conclusão de que foram os 3.ª, 4.ª e 5.º Réus que controlavam os negócios do J.
E não se diga que a demonstração desse quesito resulta da restante prova produzida e analisada em conjunto, uma vez que, conforme referido expressamente na fundamentação, as provas essenciais que serviram para formar a convicção do Tribunal são os depoimentos das duas testemunhas acima identificadas, enquanto os restantes elementos não concretamente especificados mais não sejam do que meros elementos complementares, sem força probatória autónoma suficiente.
Sendo assim, procede o recurso nesta parte, dando-se como não provado o quesito 40.º-D”; (cfr., fls. 4084 a 4084-v, pág. 183 a 184 do Ac. recorrido).
Assim, e atento ao que se deixou transcrito, evidente se apresenta pois que não se verifica qualquer “falta de fundamentação” a propósito da pelo Tribunal de Segunda Instância decidida alteração da resposta pelo Tribunal Judicial de Base dada ao “quesito 40°-D”, (não obstante se admita que se poderia ter sido mais claro na indicação das invocadas contradições verificadas no depoimento da 1ª testemunha, o que, seja como for, não constitui motivo “válido” e “bastante” para se dar como existente o vício pelos recorrentes imputado, pois que tal, constituiria, no limite, numa “insuficiência da motivação”, o que não se confunde com o assacado vício de “falta absoluta de fundamentação”).
Nestes termos, há que decidir também pela improcedência do recurso nesta matéria.
Continuemos.
–– Do alegado (4) “erro na aplicação do art. 549°, n.° 4 do C.P.C.M.”.
Entendem os ora recorrentes que mal andou o Tribunal de Segunda Instância ao considerar “exorbitante” a resposta dada ao “quesito 35°” da base instrutória, e, consequentemente, ao considerá-la como “não escrita”, incorrendo, assim, em “errada aplicação do art. 549°, n.° 4 do C.P.C.M.”.
São pois de opinião que só seria de considerar “exorbitante” a resposta que extrapolasse para matéria não articulada pelas partes ou sobre questões de direito e factos que só pudessem ser provados por documentos.
Pois bem, antes de mais, há que referir (e clarificar) que este Tribunal de Última Instância tem poderes de cognição sobre a questão (nestes termos) suscitada pelos recorrentes, uma vez que, como cremos ser sabido, a fiscalização da correcta aplicação da regra contida no art. 549°, n.° 4 do C.P.C.M. é, manifestamente uma “questão de direito” que se enquadra no âmbito do art. 639° do mesmo Código; (cfr., v.g., o Ac. de 29.11.2019, Proc. n.° 120/2019, onde se disse expressamente que “Ainda que assim não fosse, considerar não escrita uma decisão de facto do Tribunal Colectivo, com fundamento no disposto no n.º 4 do artigo 549.º do Código de Processo Civil, não constitui uma questão de facto, mas mera questão de direito, que pode ser tomada pelo Tribunal de recurso oficiosamente, incluindo o TUI e até pelo juiz que profere a sentença de 1.ª Instância”).
Por sua vez, importa também recordar que, como aponta Viriato de Lima, “Tem-se entendido que a sanção para a decisão exorbitante, isto é, para a decisão que não se mantenha dentro da matéria articulada pelas partes, é a que está prevista no artigo 549.º, n.º 4, por analogia: considera-se não escrita a resposta exorbitante”; (in ob. cit., pág. 522).
Isto dito, e passando-se então à apreciação da aludida questão, vejamos.
Pois bem, no referido “quesito 35°” da base instrutória perguntava-se:
“A constituição da C e da D foi-o com o intuito de retirar bens do património de J?”.
E, ao mesmo, respondeu o Colectivo do Tribunal Judicial de Base que:
“Provado, apenas, que foram transferidos bens do património do J para a C e D”.
Ora, a nosso ver, a resposta é (verdadeiramente) “exorbitante”.
O que estava em questão não era o problema de saber se “foram transferidos bens do património de J para aquelas sociedades comerciais”, mas, antes, e, tão só, saber se tais sociedades comerciais foram constituídas “com o intuito de retirar bens” do referido património de J, substracto factual este com o qual se pretendia apurar a “intenção” subjacente à constituição daquelas sociedades.
E, assim, bem andou o Tribunal de Segunda Instância, (sendo certo que, em todo o caso, o que constava da resposta exorbitante ao quesito já se retirava das escrituras públicas de compra e venda juntas aos autos e que são a fonte de todo este algo infeliz litígio entre as partes).
–– Da alegada (5) “errada alteração da resposta dada ao quesito 40°-H”.
Alegam os recorrentes que ao alterar a resposta ao “quesito 40°-H” da base instrutória produziu o Tribunal de Segunda Instância uma “decisão baseada em pressupostos de facto e de direito errados, (…) fazendo descaso do regime previsto no art.º 358.º do Código Civil e, por outro lado, não fundamentou a sua decisão de não recorrer às regras de experiência de vida (…)”, não tendo explicitado cabal e adequadamente em que termos existia um suposto “erro grosseiro” no julgamento a este respeito efectuado pelo Tribunal Judicial de Base.
Pois bem, em face do que vem alegado, e se bem ajuizamos, parece que os recorrentes entendem que a resposta a este quesito foi alterada em face da lógica sufragada pelo Tribunal de Segunda Instância no sentido de as atrás referidas procurações juntas aos autos não serem falsas, pedindo, então, neste recurso, que tal solução “seja revertida pelo Tribunal ad quem, atendendo ao regime previsto no art.º 358.º do Código Civil”.
E, nesta conformidade, adequado se nos apresenta, por isso, remeter-se a resposta a dar para tudo aquilo que já se deixou exposto e dito a propósito do invocado erro na aplicação do art. 358° do C.C.M., notando-se, igualmente, que, tudo o mais consubstanciaria uma interferência na decisão que recaiu sobre a matéria de facto que está para além dos poderes de cognição deste Tribunal de Última Instância; (cfr., art°s 639° e 649° do C.P.C.M.).
–– Da (6) “falta de fundamentação na alteração da resposta ao quesito 41°-A”.
Defendem ainda os recorrentes que se verifica um vício de nulidade por “total falta de fundamentação” no que concerne à alteração pelo Tribunal a quo da resposta dada ao “quesito 41°-A” da base instrutória, a que acresceria a (mesma) falta de indicação de um erro grosseiro do Tribunal Judicial de Base.
Ora, como já se deixou dito, “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”; (cfr., v.g., Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687).
E, assim, (e como os próprios recorrentes não deixaram de transcrever e reconhecer), evidente se nos apresenta que o Tribunal de Segunda Instância não deixou de fundamentar a decisão de alteração da resposta pelo Tribunal Judicial de Base dada ao dito “quesito 41°-A”, consignando o que segue:
“Ora bem, conforme dito acima, as empresas C e D, ora 1.ª e 2.ª RR., não se encontravam controladas pelos 3.º, 4.ª e 5.º Réus, ao que acresce ainda o facto de que os emails de fls. 2371 a 2375 e 2377 a 2379 poderiam ter sido forjados pela testemunha arrolada pelos Autores, como se disse na fundamentação da matéria de facto, pelo que não resta outra alternativa senão dar-se como não provado o quesito 41.º-A”.
Dest’arte, e em face do exposto, clara se nos mostra a improcedência do recurso pelos recorrentes apresentado a este respeito, visto que, ainda que se possa considerar a transcrita exposição justificativa algo “sintética”, inexiste “falta – absoluta – de fundamentação”, acabando assim os recorrentes por sindicar a “livre convicção do Tribunal de Segunda Instância”, o que, como se mostra óbvio, não pode constituir motivo para alcançar mérito na questão.
De resto, e como melhor se verá a propósito da “aplicação do art. 629° do C.P.C.M.”, (e que de seguida se abordará), a lei não limita a alteração das respostas dadas à matéria de facto à verificação de “erros grosseiros”, (cfr., v.g., o Ac. de 19.10.2022, Proc. n.° 189/2020), pelo que, também esse fundamento de recurso não pode deixar de improceder.
–– Avancemos, então, para a questão da (7) “alteração das respostas dadas aos quesitos 40°-F, 41°-A, 49°, 50° e 51° da base instrutória e da errada aplicação do art. 629° do C.P.C.M.”.
Aqui, a propósito das “alterações das respostas dadas aos quesitos 40°-F, 41°-A, 49°, 50° e 51° da base instrutória”, mais uma vez defendem os recorrentes que o Tribunal de Segunda Instância efectuou uma errada aplicação do art. 629° do C.P.C.M., não se limitando a efectuar uma reapreciação limitada à verificação de erros grosseiros pelo Tribunal Judicial de Base.
Vem, assim, defender uma leitura “minimalista”, (ou “restritiva”), dos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos ao Tribunal de Segunda Instância, (em sede de recurso) por aquela norma do C.P.C.M., posição que não merece acolhimento em sede de grande parte da doutrina e da jurisprudência comparada, o mesmo sucedendo com a posição por este Tribunal de Última Instância assumida.
Com efeito, e como se pode ler no Sumário do referido Acórdão de 19.10.2022, proferido no Processo n.° 189/2020:
“3. O Tribunal de Segunda Instância não deve limitar-se a verificar se algum erro – “manifesto” – no procedimento probatório inquina a convicção do Juiz da 1ª Instância, devendo, antes, analisar e reflectir sobre (todo) o “processo” que levou àquela “convicção” que vem impugnada, e, em face do que alegado vem, formar uma “nova convicção” sobre as provas produzidas na 1ª Instância.
Isto é, em vez de se limitar a controlar (tão só) a “legalidade” (formal) da produção da prova realizada na Instância a quo – ou seja, se a decisão foi proferida com a invocação do “princípio da livre apreciação da prova”, (abstractamente) violadas não estando qualquer regra sobre a prova tarifada ou legal – deve ponderar e (acabar por) formar uma “convicção própria”, (sua), fruto de uma efectiva análise do mérito da apreciação efectuada e cujo “controlo” lhe é pedido.
A chamada “2ª Instância em matéria de facto”, para ser efectiva, implica – ou melhor, impõe – uma (também efectiva) “reapreciação das provas”, assente numa “(re)análise crítica” da prova em que se fundamenta a decisão (ou a parte da decisão) de facto impugnada assim como da “prova” pelo recorrente indicada para a contrariar ou alterar, com a formação de uma “convicção (nova e) própria”, não bastando pois uma mera apreciação (abstracta) do julgamento efectuado”.
Assim, claro se nos mostra que em face de uma impugnação da decisão que recaiu sobre pontos concretos da matéria de facto, o Tribunal de Segunda Instância pode, (deve!), reexaminar, criticamente, os elementos de prova constantes dos autos para assim formar uma “convicção própria” sobre as questões de facto controvertidas, não estando os seus poderes limitados à verificação de um “erro grosseiro”, (“evidente” ou “manifesto”), em face dos elementos de prova constantes dos autos.
E não entrando este Tribunal de Última Instância no julgamento que incidiu sobre a “decisão da matéria de facto”, (em face do disposto nos já referidos art°s 639° e 649° do C.P.C.M.), evidente é que adequado não é considerar que o Acórdão recorrido padece de qualquer erro de interpretação ou aplicação do art. 629° do C.P.C.M..
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Aqui chegados, adequada se nos apresenta a seguinte nota.
Analisados os presentes autos, chega-se à impressão que a apreciação e apuramento da “verdade material” terá ficado, de certo modo, influenciada, (ou mesmo “prejudicada”), pelo facto de o Tribunal Judicial de Base ter validado e dado como boa uma “perícia” realizada em sede de um outro processo, certo sendo que, em conformidade com o entendimento deste Tribunal de Última Instância (a propósito da aplicação do art. 446° do C.P.C.M.), não se deveria (ou poderia) ter atribuído qualquer valor (extraprocessual) a esse elemento probatório.
E, assim – quiçá – por se ter (erradamente) considerado esse elemento probatório, não foi considerada a possibilidade de se proceder (oficiosamente) a uma (nova) perícia às procurações de 19.05.2003 e 24.10.2002; (cfr., art. 500° do C.P.C.M.).
Por sua vez, e como já antes se tinha apontado no Acórdão do Tribunal de Última Instância de 17.10.2012, (Proc. n.° 52/2012):
“(…)
Frequentemente, autores e réus fazem referências a factos provados noutros processos entre as mesmas partes, como se tais factos tivessem alguma relevância no presente processo.
Não têm. Tais factos não fazem caso julgado material no presente processo, pois se trata de meros fundamentos da decisão e não da decisão. Só esta faz caso julgado. É da teoria básica do processo civil, para a qual se remete, sem necessidade de maiores desenvolvimentos”.
Assim, poder-se-ia, então, (ao abrigo dos art°s 6°, n.° 3, e 500° do C.P.C.M.), questionar se não devia o Tribunal Judicial de Base ter ordenado a realização oficiosa de uma (nova) perícia às ditas procurações, (ao invés de se limitar a ponderar nos resultados de uma perícia que não tinha valor fora do processo onde foi realizada).
Com efeito, não se pode perder de vista que o C.P.C.M. de 1999, à imagem da Reforma do C.P.C. de Portugal de 1995/96, pretendeu efectuar “uma ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se consideram razoáveis e adequados.
Assim, no que se refere à exacta definição da regra do dispositivo, estabelece-se que a sua vigência não preclude ao juiz a possibilidade de fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos factos instrumentais que, mesmo por indagação oficiosa, lhes sirvam de base. E, muito em particular, consagra-se - em termos de claramente privilegiar a realização da verdade material - a atendibilidade na decisão de factos essenciais à procedência do pedido ou de excepção ou reconvenção que, embora insuficientemente alegados pela parte interessada, resultem da instrução e discussão da causa, desde que o interessado manifeste vontade de os aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o contraditório.
Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. (…)”; (cfr., v.g., o Preâmbulo do D.L. n.° 329-A/95, que procedeu à Reforma do C.P.C. de Portugal de 1995/96).
Daí que o “poder de direcção do processo” e o “princípio do inquisitório” tenham sido consagrados no art. 6° do C.P.C.M. – vindo o n.° 3 daquele artigo a determinar que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” – sendo “princípio” que, no que concerne à “prova pericial”, é concretizado no art. 500° do C.P.C.; (sobre o “poder-dever de gestão processual”, cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 27.11.2020, Proc. n.° 181/2020).
Porém, não se pode olvidar que, como em tudo na vida, há sempre “limites”, sendo, nesta conformidade, de acentuar também que “a ideia de que a procura da verdade material é dever do juiz, não sendo sempre os seus poderes instrutórios de exercício livre”; (cfr., v.g., Isabel Alexandre in, “A fase da instrução no processo declarativo comum, Aspectos do Novo Processo Civil”, pág. 289).
E, como em nossa opinião, correctamente observa Nuno Lemos Jorge, “Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta (…)”, salientando, igualmente, o mesmo autor que, “O que se disse para a audição de testemunhas vale, igualmente, para qualquer outra diligência (realização de perícia, prestação de depoimento de parte, inspecção etc.) que a parte pretenda ver determinada pelo juiz. A sua pretensão só pode ter sucesso se lograr convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização”, afirmando, ainda, que “Mais complexo é o problema do controlo da omissão do uso, pelo juiz, dos poderes instrutórios que a lei lhe confere. Aqui, há que distinguir duas hipóteses: aquela em que o juiz decide não providenciar pela realização de certa diligência e aquela em que simplesmente a omite, sem contudo fazer recair sobre tal matéria qualquer decisão explícita ou implícita. (…)
A parte não pode, nesta matéria, substituir-se-lhe e impor o seu próprio critério de necessidade da prova. Não é a parte que determina se o tribunal necessita ou não de mais esclarecimentos e que estes se poderão obter por determinado meio de prova. (…)
Serão estes os casos em que ocorre, na feliz expressão de Lopes do Rego, uma “ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos”39. Em face do que já se deixou escrito no ponto “4.”, supra, deve entender-se, também, que a parte não poderá ter uma pretensão legítima de impugnação do despacho do juiz que nega a promoção de certa diligência se ela própria não cuidou minimamente de satisfazer o ónus probatório que sobre si incide. A “sugestão”, pela parte, da realização de certa diligência probatória nunca pode constituir um meio de evitar os fenómenos de preclusão processual. Só a demonstração clara de que tal diligência se impunha como necessária, independentemente da vontade da parte de que ela se realizasse, poderá constituir uma base suficientemente sólida para construir um recurso viável quanto a esta matéria. No fundo, há que demonstrar que, segundo qualquer critério razoável, o tribunal deveria ter providenciado pela realização de certa diligência concreta, em face dos elementos disponíveis. Só assim a necessidade da prova se imporá desligada da mera vontade subjectiva da parte”, (in “Revista Julgar”, n.° 3, 2007, pág. 76 e 77, idêntico raciocínio nos parecendo que é feito pela jurisprudência comparada a propósito da “não realização oficiosa de uma perícia”, cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 18.10.2018, Proc. n.° 1295/11).
Porém, seja como for, e independentemente da posição que se venha a ter sobre a matéria, cremos que este Tribunal de Última Instância não pode apreciar esta questão.
Com efeito, e como igualmente nota o Prof. Alberto dos Reis:
“Como já acentuámos, o poder de requisição tem um limite: Que os documentos ou elementos requisitados sejam necessários para o esclarecimento da verdade. Limite subjectivo, é certo, atenta a frase «que considere»; mas limite ainda assim, pois que o critério subjectivo do tribunal de 1.ª instância está sujeito à censura da Relação.
E também à do Supremo?
O ac. do S.T.J. de 2-1.º-937 (Rev. de Leg. 70.º, pág. 92), depois de assinalar que o poder conferido pelo n.º 5 do art. 15.º do Dec. n.º 21 287 compete não só à 1.ª instância, como também à Relação, permitiu-se apreciar se o tribunal de 2.ª instância havia feito bom uso desse poder, isto é, se no caso sub judice o documento era ou não indispensável ao esclarecimento da questão. Quer dizer, entendeu que o exercício do poder legal em causa está sujeito à censura do Supremo.
Estamos de acordo em que compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar se o poder de requisição, consignado no art. 555.º, foi exercido em conformidade com a lei, quer dizer, se o exercício está contido dentro dos limites objectivos fixados no texto legal; não podemos aceitar que seja da competência do Supremo decidir se foi respeitado o limite subjectivo exarado no artigo. É que verificar se o documento, planta, etc. deve reputar-se necessário para o esclarecimento da verdade, é resolver uma questão de facto, estranha à competência do Supremo.
Quanto ao mais, está certa a jurisprudência estabelecida no acórdão citado: o poder estabelecido no n.º 5 do art. 15.º do Dec. n.º 21 287 (hoje art. 555.º do Código) não é discricionário, pois que cabe recurso do despacho que o exercer; tal poder compete tanto à 1.ª instância, como à Relação; desde que o documento satisfaça à condição de ser necessário, o tribunal pode requisitá-lo a todo o tempo e mesmo à parte que devia tê-lo juntado”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. IV, pág. 53 e 54, podendo-se ainda ver, no mesmo sentido, o Ac. do S.T.J. de 23.10.1991, Proc. n.° 2987, onde se reafirmou este entendimento do Prof.
Alberto dos Reis, consignando-se que: “Aquele ilustre tratadista, na ob. e loc. cit., dá o seu acordo a que compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar se o poder da requisição, consignado, hoje, no artigo 535.º do Código de Processo Civil, foi exercido em conformidade com a lei, quer dizer, se o exercício está contido dentro dos limites objectivos fixados no texto legal, mas já não aceita que seja da competência do Supremo decidir se foi respeitado o limite subjectivo exarado no artigo. É que verificar se o documento deve reputar-se necessário para o esclarecimento da verdade é resolver uma questão de facto estranha à competência do Supremo (cfr. artigos 722.º, n.º 2, e 729.º do Código de Processo Civil)”, in B.M.J., 410°-651).
Afigurando-se-nos também constituir esta a melhor posição sobre a matéria, e não obstante a situação de facto, não deixar de gerar algumas “dúvidas”, a verdade é que, aqui, em sede dos presentes autos, se terá de atender, unicamente, aos elementos de facto que foram apurados e considerados provados.
E, dest’arte, necessária é a improcedência do recurso trazido a esta Instância.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça individual que se fixa em 15 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 22 de Maio de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Segundo Viriato Lima, in Manual de Direito Processual Civil, 3ª edição, pág. 522, “Tem-se entendido que a sanção para a decisão exorbitante, isto é, para a decisão que não se mantenha dentro da matéria articulada pelas partes, é a que está prevista no artigo 549º, n.º 4, por analogia: considera-se não escrita a resposta exorbitante.”
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Proc. 27/2021 Pág. 28
Proc. 27/2021 Pág. 27