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Processo nº 25/2024(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 05.04.2024, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Jurisdicional a seguinte decisão sumária, (que se passa a transcrever na sua íntegra):

“Ponderando no teor da decisão recorrida, nas “questões” pelo ora recorrente colocadas, e considerando-se que a possibilidade pelo legislador conferida de se decidir sumariamente um recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, entende-se que o presente recurso deve ser objecto de “decisão sumária”; (cfr., art. 149°, n.° 1 do C.P.A.C. e art. 621°, n.° 2 do C.P.C.M., podendo-se também, v.g., ver C. Pinho in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 419, e as “decisões sumárias” proferidas nos autos de recursos jurisdicionais n°s 69/2020, 68/2020, 75/2020, 147/2020, 47/2021, 49/2021, 83/2021, 94/2021, 98/2021, 93/2021, 107/2021, 108/2021, 112/2021, 126/2021, 142/2021, 26/2022, 17/2022, 46/2022, 118/2022, 10/2023, 184/2020, 132/2022, 39/2023, 128/2022, 5/2023, 34/2023, 52/2023, 44/2022, 61/2023, 13/2024, 12/2024 e 65/2023).
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Nesta conformidade, passa-se a decidir do presente recurso.
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Relatório

1. Em sede dos presentes Autos de Execução (para a prestação de facto) que correm por apenso aos Autos de Recurso Jurisdicional registado com o n.° 1157/2020, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte Acórdão que se passa a transcrever na sua íntegra:

“I – RELATÓRIO
A (甲), Exequente, devidamente identificada nos autos, instaurar a presente execução para a prestação de um facto contra o Conselho Superior de Advocacia, alegando que este não deu execução ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido nos autos principais, veio, em 05/05/2023, interpor a execução para prestação de um facto para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 26, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. FACTOS E CRONOLOGIA
1. O exequente foi condenado pelo CSA, por deliberações de 6-Julho-2017 e de 27-Julho-2017 (esta após reclamação da Direcção da AAM), em pena disciplinar suspensa pelo período de três anos, por factos ocorridos e consumados em 12-Agosto-2002 (há 21 anos) [docs. constantes do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requereu no Proc. nº 1157/2020].
2. Foram tempestivamente interpostos recursos daquelas deliberações do CSA, um pela Direcção da AAM (Proc. nº 776/2017), outro pelo ora exequente (Proc. nº 690/2018), os quais se encontram pendentes junto do TSI e TUI [docs. Juntos ao Proc. nº 1157/2020, por requerimento de 29.04.2021].
3. Em 1-Setembro-2020 e, depois, em 1-Novembro-2020, o autor suscitou junto do CSA que decretasse a prescrição do procedimento disciplinar [docs. nºs 1 e 2 da p.i. do Proc. nº 1157/2020].
4. O CSA ignorou os dois pedidos deste seu Colega (exequente), representado por outro seu Colega (o signatário) e não respondeu aos seus pedidos, quer deferindo, quer indeferindo.
5. Em 10-Dezembro-2020, tendo ocorrido o indeferimento tácito, o exequente instaurou acção judicial que deu lugar aos autos nº 1157/2020, formulando o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
Subsidiariamente
2) Que se digne anular o acto de indeferimento tácito do pedido do autor de 1-Novembro-2020.
3) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
6. O TSI, por despacho de 22-Janeiro-2021 (fls. 20 dos autos nº 1157/2020), proferiu despacho de aperfeiçoamento por razão atinente ao facto de o exequente (ali autor) ter feito dois pedidos, (1) um para a prática de acto administrativo legalmente devido, (2) outro de recurso contencioso de anulação.
7. Em 3-Fevereiro-2021, o exequente apresentou nova acção judicial com o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
2) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
8. Em 5-Maio-2022 - após o decurso da acção, que incluiu o chamamento da Direcção da AAM como contrainteressada - o TSI deu integral provimento ao recurso do exequente e proferiu, nestes autos, o Acórdão condenatório com a decisão seguinte:
Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal.
9. O TSI não condenou o autor em custas.
10. O CSA não interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância do Acórdão condenatório, tendo-se conformado com o mesmo.
11. O exequente não interpôs recurso do Acórdão. Nem poderia ter recorrido por falta de legitimidade, dado que foi parte vencedora e não parte (sequer parcialmente) vencida (art. 151º/1 do CPAC): o TSI deu integral provimento ao pedido do autor.
12. Como tal, em 23-Maio-2022, o Acórdão condenatório do TSI transitou em julgado.
13. Decorrido o prazo de 60 dias após o trânsito em julgado do Acórdão - prazo cujo termo ocorreu em 22-Junho-2022 - o CSM não tinha proferido a deliberação ordenada pelo Tribunal, pelo que não deu - por omissão - cumprimento ao Acórdão.
14. Já após o prazo concedido pelo Tribunal, em 5-Agosto-2022, o presidente do CSA notificou ao exequente o extracto de uma deliberação, alegadamente tomada em 26-29-Julho-2022, em que, em lugar de dar cumprimento ao Acórdão do TSI, o CSA deliberou no sentido do não cumprimento do Acórdão, isto é, em sentido contrário ao determinado pelo TSI, informando o exequente de que o CSA havia declarado que o processo disciplinar não tinha prescrito.
15. Desta forma, o CSA negou-se, primeiro por omissão, depois expressamente, a praticar o acto "devido" ordenado pelos juízes do TSI, que acordaram "em julgar procedente a acção", isto é, o pedido do exequente. O TSI salientou, se dúvidas houvesse, o seguinte (ponto 8 supra):
“condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor".
16. O CSA foi condenado a declarar a prescrição, mais precisamente: “a praticar o acto vinculado ... consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar" (ponto 7 supra),
17. Mas, em vez de declarar a prescrição, declarou a não prescrição.
18. O CSA não invocou causa legítima de inexecução (art. 181º do CPAC).
II. MEIO PROCESSUAL ADEQUADO. PRAZO
19. Como o Presidente do CSA confirma no “ASSUNTO” constante do topo da notificação, a deliberação do CSA foi praticada em "Execução do douto Acórdão do [TSI]".
20. Tal é reafirmado pelo CSA no próprio texto, em cujo início de lê “... em cumprimento do douto acórdão do TSI ... ".
21. A deliberação do CSA, notificada por carta de 5-Agosto-2022, constituiu, nas palavras do próprio presidente do CSA, um acto de execução do Acórdão condenatório do TSI.
22. Assim sendo, a informação, constante do final da notificação, de que o exequente pode "recorrer contenciosamente para o [TSI]" é notoriamente incorrecta, pois os actos praticados em execução de um acórdão transitado em julgado não são sujeitos a recurso contencioso de anulação, a submeter à distribuição, nem são recorríveis,
23. Mas, outrossim, são opostos em sede executiva, por requerimento executivo que deve seguir os termos do processo de execução estabelecido no CPAC.1
24. Isto mesmo é expressamente estabelecido por lei (art. 30º/1 do CPAC):
"os actos de mera execução ou aplicação de actos administrativos não são recorríveis".
25. De resto, o art. 21º do CPAC deixa claro que o não cumprimento de um acórdão não constitui fundamento de recurso contencioso de anulação.
26. Assim, o modo de reacção ou oposição ao acto de (não) execução do CSA deve ser efectuado através de requerimento executivo, por via do qual, "o interessado pode pedir ao tribunal competente a sua execução" (art. 180º/1 do CPAC).
27. O requerimento de execução "deve ser apresentado no prazo de 365 dias contado a partir do termo do prazo para o cumprimento espontâneo", termo que ocorrerá em 22-Julho-2023, dado que o Acórdão transitou em julgado em 23-Maio-2022 e o prazo de cumprimento espontâneo é de 60 dias (pontos 8, 12 e 13 supra).
28. Assim, o presente requerimento de execução é o meio processual adequado de reacção à deliberação CSA de (não) execução do Acórdão do TSI,
29. Sendo tempestivo (na verdade, apresentado quase 3 meses antes do termo do prazo).
30. O exequente aguardou que o novo CSA revogasse a sua decisão e proferisse nova decisão que desse cumprimento ao Acórdão, mas concluiu que tal não irá suceder, razão por que não tem alternativa, mas recorrer a esta via litigiosa.
II. NÃO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO
31. O CSA deliberou sobre o objecto da acção após o transido em julgado do Acórdão, como se o TSI não tivesse decidido do objecto da acção, mas de um outro pedido qualquer que não consta da petição.
32. O CSA deliberou sobre a matéria como se o Acórdão não tivesse dado provimento ao pedido do autor (ora exequente) e como se o dito Acórdão não tivesse condenado o CSA a "praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor".
33. O CSA comportou-se como se o Acórdão tivesse ordenado ao CSA que praticasse o acto que achava que deveria ser praticado sobre a questão da prescrição, apesar de todo o processo de prática de acto devido ter-se debruçado, no essencial, precisamente sobre a questão de ter ocorrido, ou não, a prescrição ...
34. Dito de outra forma, o CSA agiu como se não existisse no ordenamento jurídico da RAEM a doutrina do indeferimento tácito, o que não deixa de ser extraordinário para um Conselho Superior da Advocacia.
1. Indeferimento tácito
35. Existindo na RAEM a figura jurídica do indeferimento tácito - relativo, no caso, a um pedido de declaração da prescrição dirigido pelo exequente ao CSA - tal significa que o pedido do exequente foi indeferido pelo CSA.
36. Isto é, o silêncio do CSA face ao pedido do exequente (pontos 1,4 e 5 supra) significa que se considera, de um ponto de vista jurídico, que o CSA declarou o processo disciplinar não prescrito. Mais especificamente, a omissão de decisão tem o efeito jurídico de o pedido (de declaração de prescrição) ser tido como indeferido.
37. Quando, num passado longínquo, não existia a doutrina do indeferimento tácito, nas situações em que a administração não deferia, nem indeferia um pedido, o particular não poderia reagir em Tribunal (contra a omissão e a falta de deferimento) por inexistência de um acto administrativo (de indeferimento).
38. Porém, o direito a que o particular se arrogara continuava sem lhe ser atribuído: o particular continuava sem poder gozar um direito que solicitara lhe fosse concedido. E não tinha como apelar aos tribunais para que reconhecessem aquele direito.2
39. Portanto, se existir doutrina do indeferimento tácito na RAEM, o CSA indeferiu, em Dezembro de 2020, o pedido de declaração da prescrição apresentado pelo exequente.
40. Ora, existe na RAEM, tipificada na lei e reconhecida pela jurisprudência e pela doutrina, a figura do indeferimento tácito:
a. Art. 102º/1 do CPA: “... a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão ... ";
b. CPAC: arts. 25º/2-c), 26/4, 32º, 43º e 103º/1-a), entre outros;
c. Acórdão do TUI, Proc. nº 22/2020, de 29/04/2020: “A falta, no prazo fixado para sua emissão, de decisão sobre uma determinada pretensão dirigida a órgão administrativo competente conduz ao deferimento tácito dessa pretensão quando as leis especiais prevejam tal efeito (art. 101.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo), ou ao indeferimento tácito, caso em que é conferida ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação (artº 102.º n.º 1 do mesmo diploma)."
d. Acórdão do TSI, Proc. nº 681/2021, de 02/06/2022: "o legislador prevê o mecanismo de indeferimento tácito para as situações da falta de resposta dentro do prazo legal por parte da Administração";
e. Acórdão do TSI, Proc. nº 183/2016, de 06/07/2017: "Se se verificarem os pressupostos da prescrição do procedimento disciplinar, tendo o advogado sancionado recorrido judicialmente da aplicação da sanção disciplinar, na sequência do entendimento do tribunal, e requerido a prescrição do procedimento junto do Conselho Superior da Advocacia, mesmo na pendência daquele recurso, há que anular o acto de indeferimento tácito do órgão decisor, relativo ao pedido de prescrição formulado pelo requerente, devendo a entidade recorrida praticar o acto devido de deferimento desse pedido, através da declaração de extinção, por prescrição, do procedimento disciplinar, estando em causa uma actuação vinculada decorrente da aplicação das regras prescricionais respectivas";
f. Acórdão do TSI, Proc. nº 154/2000, de 13/03/2003: "Através da figura do acto tácito, por via normativa, atribui-se à omissão de manifestação da vontade da autoridade administrativa, a partir de dado prazo, um certo sentido, qual seja o do indeferimento da pretensão formulada";
g. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. nº 008395, de 08/07/1971: "O acto tácito consagrado nas nossas leis administrativas (...) é um verdadeiro acto administrativo, resultando do silêncio ou conduta passiva da Administração durante certo prazo a manifestação tácita da vontade de indeferir”;
h. Professor Sérvulo Correia: "O indeferimento tácito é sempre ilegal porque, através da inércia, a Administração rejeita a pretensão do particular, subtraindo-se do mesmo passo ao dever que sobre ela incumbia de, querendo rejeitar, exprimir fundamentos da decisão" (citado em Uno Ribeiro e José Cândido de Pinho, in "Código de Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado", p. 120).
41. Nos termos da lei, do indeferimento tácito cabe:
a. Recurso contencioso: arts. 25º/2-c), 26/4, 32º, a contrario, e 43º do CPAC; ou
b. Acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido: art. 103º/1-a) do CPAC.
42. No caso do recurso contencioso, se o indeferimento foi inválido por violação de lei, o acto tácito é anulado, dando lugar à obrigação pela administração da prática do acto vinculado que seria válido. Ou seja, o Tribunal pronuncia-se sobre o mérito da questão atinente à (i)legalidade do indeferimento (tácito) e anula-o, nascendo da invalidação o dever da administração de praticar o acto vinculado que não teria violado a lei, isto é, o acto de deferimento do pedido do requerente (que a administração indeferiu por via tácita). Se a administração mantiver a inacção, que consubstancia a insistência na manutenção do acto inválido, o requerente poderá fazer uso do processo de execução.
43. No caso da acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, o tribunal pronuncia-se sobre o mérito da questão que foi objecto de indeferimento (tácito) pela administração e condena a administração a praticar o acto vinculado que seria devido nos termos da lei: isto é, o acto de deferimento do pedido que a administração ilegalmente indeferiu (tacitamente). Se a administração não cumprir a ordem judicial, o particular pode fazer uso do processo executivo.
44. A omissão pelo CSA de decisão de deferimento ou de indeferimento do pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar (pontos 1, 4 e 5 supra) constitui um acto de indeferimento tácito do pedido do exequente. Assim, em Dezembro de 2020, para os devidos efeitos, o CSA indeferiu o pedido.
45. Uma acção judicial sobre um acto de indeferimento (como foi o caso) é uma acção que incide sobre o mérito da decisão de indeferimento.
46. Ou seja, o Tribunal pronuncia-se sobre se a pretensão do particular (declaração da prescrição) foi válida ou invalidamente indeferida. Por outras palavras, o Tribunal pronuncia-se sobre se o processo disciplinar prescreveu ou não.
47. A deliberação do CSA notificada em 5-Agosto-2022 assenta na falsa presunção de que o TSI não se pronunciou sobre se o procedimento disciplinar prescreveu ou não, porque (na visão do CSA) não haveria acto de indeferimento da pretensão do exequente (o que, como vimos, está errado).
48. Para o CSA, tudo se teria passado como se o TSI se tivesse limitado a dizer que houve uma omissão de decisão, que dessa omissão não resulta um indeferimento (tácito) e que o único efeito que dela resulta é o dever de praticar um acto omitido, seja ele de deferimento ou de indeferimento.
49. Porém, não só tal viola a doutrina do indeferimento tácito - pois as omissões têm o efeito de indeferir a pretensão do particular -,
50. Como esquece que o dever de decisão já resulta da lei (art. 11º do CPA): não necessita de um processo judicial para o efeito.
51. Mais: caso não tivesse ocorrido indeferimento tácito, o TSI não teria admitido a acção, nem proferido Acórdão condenatório, teria, antes, decretado a absolvição da instância e declarada a acção extinta por falta de um pressuposto processual: a inexistência de indeferimento tácito: art. 103º/1-a) do CPAC (na epígrafe do art. 103º lê-se "Pressupostos").
52. Que o indeferimento tácito é pressuposto da acção em causa consta de fls. 45 (ao fundo) do próprio Acórdão exequendo.
53. Se não tivesse havido indeferimento tácito, não teria existido esta acção, não teria sido proferido este Acórdão, nem teria sido proferida a deliberação do CSA.
54. A acção prevista no art. 103º e ss. do CPAC segue "os termos do processo civil comum de declaração, na sua forma ordinária" (art. 99º/1 do CPAC). A falta de um pressuposto processual consiste em "excepção dilatório", a qual constitui qualquer causa que "[obste] à apreciação do mérito da acção" (arts. 407º/1-b), 111 parte, do CPC) ou "[obste] a que o tribunal conheça do mérito da causa" (art. 412º/2 do CPC), a qual configura, estamos em crer, excepção dilatória inominada - ver art. 413º/1: "entre outras". A excepção dilatória dá lugar à "absolvição da instância" (arts. 230º/1-e) e 412º/2 do CPC).
55. Concluindo, se o TSI tivesse entendido que não ocorreu um indeferimento tácito do pedido do exequente, teria absolvido o CSA da instância da acção prevista no art. 133º do CPAC e não teria conhecido do mérito (menos, ainda, condenando o CSA no pedido).
56. Acresce que, ao admitir a acção (despacho de fls. 35) e ao condenar o CSA no pedido, conhecendo do mérito, a decisão de ter ocorrido indeferimento tácito constitui caso julgado entre as partes: dado que este é um pressuposto da acção (art. 103º/1-a do CPAC) sem cuja verificação o Tribunal não pode conhecer de mérito (arts. 230º/1-e), 407º/1-b), 1ª parte, 412º/2 e 413º/1 do CPC, aplicáveis por remissão do art. 99º/1 do CPAC).
57. Se a omissão do CSA constitui um acto tácito de indeferimento, o processo judicial instaurado pelo exequente contra o indeferimento do seu pedido de declaração de prescrição é um processo que incide sobre o pedido de declaração de prescrição. Ou seja, é um processo em que a questão de mérito sobre a qual o tribunal se pronunciará é a de o procedimento disciplinar ter prescrito ou não.
58. Ora,
a. Se o Acórdão decidiu estar preenchido o pressuposto processual previsto no art. 130º/1-a) do CPAC: indeferimento tácito do pedido do autor;
b. Se esta decisão fez caso julgado entre as partes,
c. Se o preenchimento dos pressupostos processuais obriga o Tribunal a conhecer do mérito da acção (art. 3º da lei nº 10/1999, art. 4º, parte final, da lei nº 9/1999 e art. 7º/2 do Cód. Civil),
d. O Acórdão conheceu do mérito da acção;
e. Se o pedido foi objecto de indeferimento (tácito) em Dezembro de 2022,
f. Se este indeferimento do pedido de declaração da prescrição significa que o CSA declarou a não prescrição,
g. Se o autor pediu a "declaração de prescrição" (ponto 7 supra),
h. Se o Tribunal deu provimento à acção (ao pedido),
i. Se condenou o CSA a "praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor",
j. Se o Autor requerera, como vimos, a "declaração de prescrição",
Conclui-se ser indiscutível que
k. O TSI ordenou ao CSA que declarasse a prescrição do processo disciplinar.
I. Ao declarar que o processo disciplinar não prescreveu, o CSA incumpriu o Acórdão por acto expresso, não respeitando a autoridade judicial.
2. Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva e Cumprimento Espontâneo
59. As decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos - art. 174º/1 do CPAC.
60. O cumprimento dessas decisões judiciais consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética - art. 174º/3, do CPAC.
61. Do exposto resulta desde logo a "noção de imperatividade de cumprimento, que se traduz no dever da entidade recorrida em adoptar todos os actos jurídicos ou operações materiais necessárias à concretização da decisão do tribunal administrativo".3
62. O cumprimento da sentença impõe, também, que seja "tempestivo, integral ou pontual, escrupuloso (feito de boa-fé, sem dilações injustificadas e estando proibida a adopção de quaisquer actos ou operações que mantenham ou dêem por existente a situação sancionada pelo tribunal), efectivo (sendo proibidas quaisquer formas de inexecução indirecta, como sucede com o cumprimento aparente ou fictício, simulado, fraudulento, elusivo) e consistente ou intangível." (ob. cit.).
63. Acresce que "O cumprimento deve ser espontâneo, independente de interpelação judicial e de requerimento de interessado, que não tem qualquer ónus de requerer à Administração a execução da sentença para a colocar em mora" (ob. cit.).
64. Esta noção de cumprimento espontâneo imposto à entidade administrativa constitui uma das garantias dos particulares e espelha o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, previsto no art. 2º do CPAC, que numa das suas vertentes se traduz precisamente no direito à efectividade das sentenças proferidas, ou seja, que a sentença emanada pelo tribunal competente obtenha plena, efectiva e eficaz concretização, satisfazendo cabalmente os interesses materiais de quem obteve vencimento na acção.
65. Ou seja, no caso dos autos, o "direito à efectividade das sentenças" imporia, necessariamente, que o TSI tivesse proferido - como fez - uma decisão efectiva sobre se o processo disciplinar prescreveu ou não. No caso, o TSI ordenou que o CSA emitisse uma "declaração de prescrição". Assim, o TSI deu cumprimento ao direito do particular à "efectividade das sentenças".
66. Se o TSI se tivesse limitado a dizer que o CSA deveria tomar uma decisão em qualquer dos dois sentidos possíveis (prescrição ou não prescrição), quando a quase totalidade do processo - como se vê dos articulados e alegações - incidiu sobre se o processo disciplinar prescreveu ou não, o Acórdão do TSI teria violado o referido princípio da "efectividade das sentenças", pois ter-se-ia limitado a colocar as partes na posição em que estavam em 2020, quando o exequente requereu ao CSA que declarasse a prescrição do processo. Teria sido um Acórdão sem efectividade e praticamente inútil.
67. A interpretação que o CSA quer fazer do Acórdão do TSI é a de um Acórdão que teria violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva, por via da violação do direito à efectividade das sentenças proferidas pelos Tribunais quando lhes é pedido que dirimam um conflito entre as partes (art. 3º da lei nº 10/1999, art. 4º, in fine, da lei nº 9/1999 e art. 7º/2 do Cód. Civil).
68. O conflito era o seguinte: o processo disciplinar prescreveu ou não?
69. Se o TSI tivesse dirimido este conflito condenando o CSA a dizer se o processo disciplinar prescreveu ou não, teríamos voltado ao ponto zero, à casa da partida, sem que o conflito tivesse sido dirimido pelo Tribunal e sem que o Acórdão tivesse qualquer efectividade, tudo em violação, quer do art. 2º do CPAC (princípio da tutela jurisdicional efectiva), que do art. 3º da lei nº 10/1999 e do art. 4º, parte final, da lei nº 9/1999 e art. 7º/2 do Cód. Civil (dever de dirimir conflitos).
70. Como é evidente, nada disto sucedeu. O Acórdão do TSI dirimiu o conflito (declarando que o processo prescreveu) e teve efectividade (ordenando ao CSA que emitisse uma "declaração de prescrição").
71. Ainda a propósito da execução da sentença proferida no âmbito de processos do contencioso administrativo, João Caupers refere que se trata de um "dever do órgão autor do acto recorrido extrair da sentença todas as suas consequências, o que resulta na obrigação de reconstituir a situação actual hipotética, isto é, da situação que se verificaria à data da execução da sentença se não tivesse sido praticado o acto cujos efeitos foram destruídos pela sentença, onde se inclui a substituição do acto destruído por outro acto, válido, sobre o mesmo assunto."4
72. Este entendimento coincide com o de Freitas do Amaral,5 o qual, todavia, e no que respeita à situação menos protectora do contencioso de anulação, expõe duas dificuldades decorrentes do dever de executar sentença administrativa: "a primeira, porque apesar de o tribunal se limitar a anular o acto, sem dizer como deve ser executada a sentença, compete ao órgão recorrido extrair todas as competências decorrentes da decisão, designadamente para protecção efectiva do particular que venceu o recurso; a segunda, porque é a administração que perdeu o recurso que terá de o executar contra ela própria, de boa-fé e boa vontade."
73. Ora, se num mero recurso de anulação, em que o Tribunal nada diz sobre qual o acto a proferir em lugar do acto anulado, a entidade administrativa deve cumprir a sentença de anulação, proferindo um acto sobre que incidiu o mérito do recurso de anulação,
74. Na acção - mais específica e protectora - para a prática de acto legalmente devido, dúvidas não existem de que, numa acção em que em o Tribunal tem o dever de identificar o acto legalmente devido a praticar, a entidade administrativa pela entidade administrativa tem o dever de o praticar.
75. É exactamente para isso que foi criada a acção do art. 130º e ss.: para conferir mais direitos aos particulares e assegurar de forma mais efectiva os seus direitos. O CSA quer fingir que este tipo de acção para pouco ou nada serve, e que o Acórdão do TSI para pouco ou nada serviu. Nada mais errado.
3. Finalidade da acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido
76. Neste tipo de acção, a condenação no pedido constitui uma ordem judicial à autoridade administrativa de deferimento do pedido que lhe fora feito pelo requerente (sempre que se tratar de um acto vinculado): art. 104º/2 do CPAC.
77. A finalidade da acção prevista nos arts. 103º e ss. é resolver a disputa, não empurrar o assunto com a barriga e adiar a sua resolução obrigando à prática inútil de novos actos administrativos e novas acções judiciais futuras. Quando assenta num acto administrativo de indeferimento do pedido (quer tácito, quer de recusa), o resultado visado pela acção é o deferimento (ou indeferimento) do pedido, não o de voltar à "casa da partida" e reiniciar do zero, logo após a conclusão da acção judicial, uma disputa administrativa e judicial sobre o mérito do pedido.
78. Doutra forma, ao concluir estarem preenchidos os pressupostos processuais, sendo a acção contra uma decisão de indeferimento, tendo o autor pedido o deferimento do pedido que o CSA indeferiu (tacitamente), se o Tribunal não tivesse deferido ou indeferido o pedido, conhecendo do mérito, estaria a violar a lei (dever de conhecer de mérito) e o dever de decisão (dever de julgar e dirimir as disputas entre as partes).
79. Daí chamar-se "acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido" e não" acção para determinação da prática de acto administrativo omitido" ... O objecto da acção é identificar precisamente qual o acto (de deferimento ou de indeferimento) que a lei impõe à administração: qual é o acto “legalmente devido".
80. É por isso que nestas acções se discute sempre o mérito do pedido administrativo do requerente (neste processo nº 1157/2020 discutiu-se detalhadamente se o processo disciplinar prescreveu ou não: foi esse o objecto principal da acção, basta lê-lo ... ).
81. Se fosse como o CSA quer fazer supor, a acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido teria tido - unicamente - por objecto determinar se a administração tinha de responder ao pedido (art. 11º do CPA) e se respondeu ou não respondeu (se praticou ou não praticou um acto).
82. Isto é, se o que estivesse em questão neste tipo de acção fosse somente ordenar à administração que praticasse um acto (omitido) em qualquer sentido (deferindo ou indeferindo), e não no sentido determinado pelo Tribunal - o acto "legalmente devido" - a acção seria inusitadamente simples: discutir-se-ia a questão de facto de ter sido praticado ou omitido um acto (nada mais simples ... ) e a questão jurídica do dever de decisão (que, sabemos, existe: art. 11º CPA). Tal seria um absurdo.
83. Como vimos, aliás, na secção anterior, se o CSA indeferir um pedido do requerente (por via tácita), obviamente que a acção judicial subsequente incidirá sobre se o pedido deveria ter sido deferido (ou se foi correctamente indeferido). Não sobre se foi ou não omitido o acto, questão incontrovertida que não justificaria uma acção judicial,
84. E porque a lei impõe o indeferimento tácito, tal significa que já não se fala propriamente em omissão de decisão, mas sim em decisão tácita de indeferimento.
85. Assim, o CSA está a procurar desvirtuar:
a. o conceito legal de indeferimento (tácito),
b. o trânsito em julgado da decisão que considerou estar preenchido o pressuposto processual do art. 103º/1-a) do CPAC (verificação do indeferimento tácito),
c. o objecto, a natureza e a finalidade da acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido,
d. o sentido da decisão do TSI: deu provimento à acção e condenou o CSA no pedido.
4. Acto vinculado
86. o acto administrativo que o CSA deveria ter praticado é um acto vinculado.
87. A actividade vinculada respeita à "mera interpretação da lei, com base nos instrumentos da ciência jurídica", pelo que "Logo que se apure qual a interpretação correcta da norma (...) o aplicador da lei tem de a seguir necessariamente" (Ac. TSI, Proc. nº 38/2017, de 11/04/2017, citando o Ac. TSI, Proc. nº 9/2000). Neste caso, nada mais resta ao decisor que "juntar a lei aos factos, (...) porque a administração está vinculada aos critérios que a lei determinou", a qual "vincula a administração a uma só hipótese legal" (Tiago Duarte, "Direito Administrativo", por Inês Guerreiro, FDUNL, 2017, pp. 35,43).
88. Contrariamente a esta, na actividade discricionária, “ao autor do acto é conferida a liberdade de conformar o conteúdo da decisão como entender dentro dos limites da lei, sendo o poder discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular; deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere" (Ac. TSI, Proc. nº 8/2021, de 19/03/2021, p. 15, citando Freitas do Amaral e Marcello Caetano).
89. Como é também jurisprudência em Portugal, entende-se que a "discricionariedade" se define como "uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre várias soluções possíveis aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público", ou seja, "será a liberdade conferida à Administração de decidir no quadro das limitações fixadas por lei." [Ac. do TCAN, Recurso nº 00643/01, de 6.06.2007].
90. Um acto que incida sobre se uma determinada infracção prescreveu ou não é um acto vinculado, pois basta-se com o juízo de subsunção ou actividade interpretativa: aplicação da lei (através da actividade de interpretação) aos factos. Desta actividade interpretativa ínsita no processo de aplicação da lei (aos factos) resulta que o CSA está vinculado a seguir "uma só hipótese legal". Não tem "liberdade de decisão" ou de "escolha de entre várias soluções possíveis", pois, se a lei for respeitada, só existe uma única solução possível.
91. Esta é, aliás, a jurisprudência da RAEM: "Se se verificarem os pressupostos da prescrição do procedimento disciplinar, (...) e requerido a prescrição do procedimento junto do Conselho Superior da Advocacia" deve o CSA declarar a "extinção, por prescrição, do procedimento disciplinar, estando em causa uma actuação vinculada decorrente da aplicação das regras prescricionais respectivas" (Acórdão do TSI, Proc. nº 183/2016, de 06/07/2017).
5. Sentido da condenação (decisão de mérito)
92. A natureza vinculada do acto releva para o modo de actuação do Tribunal numa acção para determinação da prática do acto legalmente devido.
93. Como notou Tiago Duarte, "Esta atuação é diferente consoante o ato devido seja vinculado ou discricionário. No caso das decisões vinculadas, o tribunal diz exatamente qual é o ato a cumprir e a administração não tem opção. No caso dos atos discricionários, o tribunal não pode dizer exatamente qual é a decisão concreta que a administração tem de cumprir, mas pode afunilar as opções para a tomada de decisão e exigir a fundamentação devida." (ob. cit., p. 55).
94. É por isso que o art. 104º do CPAC tem dois números (nº 2 e 3) somente sobre o acto discricionário, mas não sentiu necessidade (tal como em Portugal não se sentiu) de explicitar o modo como o Tribunal deverá actuar no caso de um acto vinculado - porque nesse caso só há uma hipótese correcta: a que resulta da lei após mero juízo jurídico de subsunção.
95. De resto, e se dúvidas houvesse, resulta, a contrario, dos nºs 2 e 3 do art. 104º, que, tendo sido omitida a prática de um acto vinculado, o acto "legalmente devido" é um acto com o teor que o acto expresso (omitido) deveria ter tido: ou seja, implica uma decisão de mérito de deferimento ou indeferimento do pedido de declaração da prescrição.
96. Não é a condenação a praticar um acto com um teor qualquer,
97. Nem é a condenação da administração na prática de um acto expresso de uma forma tal que esta "disponha de margem de livre apreciação".
98. Não o é, entre outras razões, por falta de habilitação legal: não existe para o acto vinculado uma norma equivalente à que os nº2 e 3 do art. 114º contêm para o acto discricionário.
99. De facto, só se tratando de um acto que envolva juízos de discricionariedade é que a condenação não impõe o sentido que o acto omitido deverá ter. E, mesmo nestes casos, o Tribunal pode "formular directivas de juridicidade do «iter» valorativo e cognoscitivo que conduz ao acto administrativo, sem fixar o seu concreto conteúdo" (art. 104º/3).
100. Já no caso do acto vinculado, o Tribunal deve "fixar o seu concreto conteúdo" na sentença em que condene o requerido a praticar o acto legalmente devido.
101. E foi isso que o TSI fez: condenou o CSA a "praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor", o qual requerera que o CSA declarasse a "prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA" (pontos 7 e 8 supra)
102. Por isso, nem é necessário ao exequente "especificar os actos e operações em que, no entender do interessado, a execução deve consistir" (art. 180º/2 do CPAC), pois já foram "fixados na decisão" do TSI: este condenou o CSA a declarar a prescrição do procedimento disciplinar ("nos termos requeridos pelo Autor”).
103. Ou seja, a execução deve consistir em ordenar ao CSA que pratique o acto expresso que o TSI o condenou a praticar: a declaração de prescrição do procedimento disciplinar, tal como requerido pelo exequente (em acção a que foi dado integral provimento).
104. Caso contrário, o TSI teria decidido dar provimento à acção em parte e negar provimento à acção em parte. Não teria escrito: "acordam em julgar procedente a acção" e "condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor".
105. Nem teria isentado o exequente do pagamento de custas. O facto de não ter condenado o exequente no pagamento de taxa de justiça confirma o sentido da decisão: foi dado (integral) provimento à acção.
106. Ou seja, o TSI condenou o CSA a declarar que o procedimento disciplinar prescreveu.
107. Doutro modo - se o TSI tivesse deferido em parte e indeferido em parte o pedido do autor - este teria interposto recurso, recurso que não poderia, obviamente, interpor, por ilegitimidade, num processo em que o Tribunal dê provimento à acção e condene o réu no pedido (não existindo decisão desfavorável de que pudesse ser interposto recurso).
108. A deliberação do CSA notificada em 5-Agosto-2023 tem implícita, pois, entre outras, as ideias falsas e/ou erradas seguintes:
a. Que o TSI entendeu haver uma omissão de decisão do CSA, mas não entendeu ter ocorrido um indeferimento tácito;6
b. Que o TSI negou parcialmente provimento à acção - o autor pediu a condenação do CSA a declarar a prescrição do processo e o Tribunal não o teria feito;
c. Que omitiu essa decisão (de improcedência parcial da acção) ao autor, não o dizendo no segmento decisório do Acórdão (onde se diz inequivocamente: “os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor");
d. Que privou, assim, o autor do direito de recurso (pois tendo o Tribunal julgado procedente a acção nos termos requeridos pelo autor, este é parte integralmente vencedora e não poderia recorrer por falta de legitimidade para o efeito);
e. Que não condenou o autor em custas na parte em que foi negado provimento à acção.
Nada disto faz qualquer sentido.
109. Basta ver a decisão final do Acórdão e a natureza da decisão judicial numa acção para a determinação da prática de acto administrativo (vinculado) legalmente devido: um Tribunal que declara que o órgão administrativo indeferiu o pedido, não iria mandar o órgão administrativo decidir de novo se defere ou indefere o pedido que ... já indeferiu.
110. Sugerir que o Tribunal violou todas estas regras elementares constitui uma falta de respeito pelo Tribunal de Segunda Instância.
6. Caso julgado material e ónus de interpor recurso
111. É de conhecimento comum que só se forma caso julgado material sobre o segmento decisório da sentença (não há caso julgado sobre os fundamentos da sentença).
112. Na acção a que esta execução se refere, como vimos, o segmento decisório é:
"acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor”
113. É esta decisão que constitui caso julgado material.
114. Uma vez que o autor requereu na petição inicial a declaração da prescrição (em reacção ao indeferimento do pedido pelo CSA), ao julgar procedente a acção e condenar o CSA a praticar o acto requerido pelo autor, o TSI condenou o CSA a declarar prescrita a acção.
115. O CSA não interpôs recurso de um Acórdão que deu provimento à acção contra ele movida e que o condenou a praticar o acto que o autor pediu o CSA fosse condenado a praticar.
116. Se o CSA discordava da decisão, deveria ter interposto recurso. 
117. Se o CSA entendesse que o Acórdão não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão condenatória, deveria ter interposto recurso nos termos do art. 571º/1-b) do CPC (aplicável por remissão do art. 99º do CPAC).
118. Se o CSA entendesse que os fundamentos estão em oposição com a decisão (o supra referido segmento decisório), deveria ter interposto recurso com base em oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 571º/1-c) do CPC,
119. Pois foi parte (integralmente) vencida no segmento decisório e - é sabido - é o segmento decisório que faz caso julgado material.
120. Ou seja, se o CSA não se tivesse conformado com a decisão do Acórdão - (i) por discordar da decisão do TSI, (ii) por entender que o Acórdão não estava fundamentado, ou (iii) por entender que a decisão estava em oposição com os fundamentos - era o CSA, parte vencida na decisão, que tinha o ónus de interpor recurso.
121. O autor, ora exequente, não tinha interesse, nem legitimidade, para interpor recurso da decisão mesmo que discordasse de algum dos fundamentos, pois não se pode interpor recurso de fundamentos precisamente porque os fundamentos não fazem caso julgado.
122. Ao não ter interposto recurso, qualquer vício que o CSA entendesse ser imputável ao Acórdão condenatório já se sanou.
7. Incumprimento do Acórdão condenatório
123. Nos termos do art.174º/1 do CPAC, "as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos".
124. O cumprimento espontâneo "consiste na prática de todos os actos jurídicos (...) que sejam necessários (...) à reintegração efectiva da ordem jurídica violada" (art. 174º/3).
125. No caso, o cumprimento espontâneo do Acórdão consistiria em declarar o procedimento disciplinar prescrito. O CSA declarou-o não prescrito. Como tal, não deu cumprimento ao Acórdão do TSI.
126. De facto, tendo o autor requerido que o TSI ordenasse ao CSA que declarasse o processo disciplinar prescrito e tendo o TSI decretado que o CSA o deveria fazer "nos termos requeridos pelo Autor”, é patente que o CSA não praticou o "acto devido", mas antes um acto indevido.
127. Aliás, o CSA praticou em 5-Agosto-2023 por acto expresso decisão com sentido idêntico à que já tinha decidido por acto tácito: indeferimento do pedido do autor.
128. Isto é, condenado pelo Tribunal a deferir o pedido de declaração da prescrição, o CSA indeferiu um pedido que já havia indeferido, cujo indeferimento defendeu junto do TSI e que o TSI o condenou a deferir.
129. Não só o CSA parece defender uma inexistente tese jurídica da obrigatoriedade de duplo indeferimento,
130. Como praticou um acto frontalmente oposto à decisão do TSI, após uma acção judicial, que perdeu, em que o CSA alegou aquilo que agora deliberou, com cuja decisão se conformou, da qual não recorreu e que transitou em julgado.
131. Não tendo o CSA cumprido espontaneamente o Acórdão do TSI (art. 174º/2 e 3 do CPAC), nem tendo alegado causa legítima de inexecução (arts. 175º e 180º/3), estamos perante um caso de inexecução ilícita da decisão do Tribunal (art. 187º/1), cabendo ao exequente, no prazo legal para o efeito (art. 180º/2), "pedir ao tribunal competente a sua execução" (art. 180º/1), consistente na prática do acto devido determinado pelo Tribunal - declaração de prescrição do procedimento disciplinar -, a fim de repor a ordem jurídica violada, como concluído no Acórdão que deu provimento à acção (art. 174º/3), com a consequente nulidade da deliberação do CSA notificada no dia 5-Agosto-2023, nos termos dos arts. 184º/2 e 187º/1-a) do CPAC.
132. Em face do incumprimento inexplicável da decisão condenatória, e sem prejuízo do disposto no art. 187º, nº 1, als. b) e c), e nº 2, do CPAC, o Tribunal deverá aplicar a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 186º do CPAC.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas suprirão, deverá ser dado integralmente provimento a esta acção executiva para prestação de facto, consistente na condenação do CSA à prática do acto administrativo (vinculado) devido ordenado no Acórdão condenatório de 5 de Maio de 2022, ordenando o seguido:
1. Admitir esta petição executiva;
2. Ordenar que a mesma seja processada por apenso aos autos de acção de prática de acto administrativo legalmente devido que correu termos nesse TSI sob o nº 1157/2020;
3. Condenar o CSA a declarar a prescrição do processo disciplinar identificado nos autos a que esta execução corre apensa no prazo de trinta (30) dias,
[não sendo necessário especificar aqui os actos e operações em que a execução deve consistir dado tal ter sido fixado na decisão do Acórdão de 5 de Maio de 2022: "praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor", o qual requereu "Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA"];
4. Declarar a nulidade da deliberação do CSA tomada nas sessões de dias 26 e 29 de Julho de 2022, referidas na notificação do Presidente do CSA ao exequente, de dia 5 de Agosto (doc. nº 1, em anexo);
5. Condenar os membros do CSA (excepto os membros que tenham votado a favor daquele cumprimento pontual e tenham feito registar em acta esse voto, bem como aqueles que, encontrando-se ausentes da votação, tenham comunicado por escrito ao presidente a sua vontade no sentido do cumprimento) em sanção pecuniária compulsória desde dia 22 de Julho de 2022 ("termo do prazo para cumprimento espontâneo da decisão"), fixando o seu montante diário, indicando que produz efeitos a partir de dia 22 de Julho de 2022 e especificando os nomes dos seus destinatários (os membros do CSA), nos termos dos nºs 1, 2, 3, 5, al. a), e 10 do art. 186º do CPAC;
6. Que ordene ao CSA a junção a estes autos de execução da deliberação do CSA tomada nas sessões de dias 26 e 29 de Julho de 2022, referidas na notificação do Presidente do CSA ao exequente, de dia 5 de Agosto (doc. nº 1, em anexo);
7. Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna.
*
Conselho Superior da Advocacia (律師業高等委員會), Entidade Executada, ofereceu a resposta constante de fls. 51 e 52, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O requerimento executivo assenta na interpretação de que o douto Acórdão que decidiu o pedido formulado nos autos principais, quando condenou o CSA (ali designado por Réu) a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, impôs ao CSA não apenas que praticasse o acto devido, que consistia em decidir um pedido de declaração de prescrição do procedimento disciplinar relativo ao Requerente, mas também que praticasse o acto com o conteúdo pretendido pelo Requerente, a saber, o de que o procedimento estava prescrito.
2. Em síntese, o sentido do segmento "nos termos requeridos pelo Autor” da parte decisória do referido Acórdão, significaria "com o conteúdo pretendido pelo Autor”.
3. Essa interpretação não tem cabimento e é abusiva.
4. Com efeito, o dito Acórdão foi tirado por maioria dos Senhores Juízes que, em conferência, julgaram a acção e tem voto de vencido do Juiz Relator, residindo o dissenso na oportunidade duma pronúncia directa material sobre a prescrição do procedimento criminal.
5. Entendeu - no que ficou vencido - o Senhor Juiz Relator que o Tribunal devia, logo em sede da acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, conhecer da prescrição invocada pelo Autor; diversamente, entenderam os outros Senhores Juízes - fazendo vencimento - que a oportunidade desse conhecimento pertencia, em primeira instância, ao CSA, quando viesse a praticar o acto devido (decidir o pedido que o Requerente lhe fizera no processo disciplinar e que consistia em que o CSA declarasse a prescrição do procedimento), não devendo o Tribunal substituir-se ou antecipar-se ao CSA, precludindo esse poder-dever do órgão, a exercer dentro do próprio processo disciplinar.
6. Várias são as passagens da exposição da tese vencedora que indicam esta orientação.
7. Citamos do Acórdão, a título exemplificativo:
a) pág. 48 (seguindo a numeração em pé de página) -
"Ora, nestes termos, perante o pedido do Autor, não resta dúvida que o Réu deve formar o seu juízo valorativo e ditará a sua justiça do caso concreto. Esta ideias já vêm proclamadas pelo venerando TUI quando decidiu situações semelhantes em vários processos:
- "Acórdãos do TUI proferidos nos processos nºs 37/2015 e 49/2015, em que se defende que o pedido de declaração de prescrição deve ser feito perante a entidade administrativa, não perante o Tribunal ( ... ).
- ''No Ac. do TSI proferido no processo nº 183/2016, o TUI suspendeu a instância no âmbito do processo nº 49/2015 para que fosse decidido do pedido de declaração da prescrição do procedimento disciplinar.
"Seguido este raciocínio, não resta dúvida que o Réu deve apreciar o pedido do Autor e decidir em conformidade com os fundamentos respectivos.
"A propósito desta acção, anotou-se ( ... ):"
b) pág. 49:
- "( ... ). A Administração tem que dar resposta ao pedido, tem que dizer qualquer coisa, eventualmente sim ou não ao requerimento, e fundamentar a resposta.
c) pág. 50:
- "Valem estas ideias, mutatis mutandis, para o caso dos autos.
"Tal como se refere anteriormente, em sede de contestação o Réu veio a Invocar vários argumentos para tentar justificar a sua não actuação perante o requerimento do Autor, ex.: o argumento de que como existem recursos jurisdicionais no TUI e estes têm efeito suspensivo, o Réu fica impedido de tomar qualquer decisão nesta matéria; o argumento de que o prazo máximo da prescrição no caso seria 25 anos e meio ( e não 18 anos como o Autor defende!), estes argumentos só podem ser apreciados pelo Tribunal em sede de recurso contencioso e não nesta acção, razão pela qual ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
"Pelo expendido, por se verificarem os pressupostos legalmente exigidos, deve o Réu ser condenado a praticar o acto devido no prazo de 60 dias, contados a partir do trânsito em julgado desta decisão, atendendo às pretensões em tempo formuladas pelo Autor.
"Vai assim atendido o pedido do Autor, julgando-se assim procedente a acção em causa."
d) pág. 51:
- "( ... ) o órgão administrativo (no caso, o Conselho Superior de Advocacia) competente para aplicar sanções tem a obrigação legal de apreciar o pedido e tomar a respectiva decisão, sob pena de violar o dever de decidir (cfr. artigo 11º do CPA) e assim o particular (Requerente) está legitimado para lançar mão de mecanismo de uma acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido nos termos previstos no artigo 103º e seguintes do CPAC."
8. As passagens transcritas permitem apenas um sentido à expressão "nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias": o de que, quando se escreveu "nos termos requeridos pelo Autor” se quis significar o mesmo que "atendendo às pretensões em tempo formuladas pelo Autor", escrita antes no mesmo Acórdão.
9. O Tribunal ordenou assim ao CSA que, conforme tempestivamente lhe fora solicitado pelo Requerente, tomasse uma decisão sobre a prescrição do procedimento disciplinar.
10. Outro sentido, concretamente, o de que o CSA ficou obrigado a decidir que o procedimento disciplinar prescreveu, redundaria em dar razão ao voto de vencido do Juiz Relator e contrariar a exposição de motivos da tese vencedora.
11. Um absurdo, portanto, sendo que acreditar na sua possibilidade não abona a favor da imagem que se tem da Justiça.
12. O CSA deu cumprimento ao Acórdão, praticando o acto administrativo legalmente devido, como se prova pelo Doc. 1 junto ao requerimento executivo.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 61 a 64, pugnando o seguinte:
“Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que a presente execução ser julgada improcedente, absolvendo-se o Executado do pedido.”
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

1. O exequente foi condenado pelo CSA, por deliberações de 6-Julho-2017 e de 27-Julho-2017 (esta após reclamação da Direcção da AAM), em pena disciplinar suspensa pelo período de três anos, por factos ocorridos e consumados em 12-Agosto-2002 (há 21 anos) [docs. constantes do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requereu no Proc. nº 1157/2020].
2. Foram tempestivamente interpostos recursos daquelas deliberações do CSA, um pela Direcção da AAM (Proc. nº 776/2017), outro pelo ora exequente (Proc. nº 690/2018), os quais se encontram pendentes junto do TSI e TUI [docs. Juntos ao Proc. nº 1157/2020, por requerimento de 29.04.2021].
3. Em 1-Setembro-2020 e, depois, em 1-Novembro-2020, o autor suscitou junto do CSA que decretasse a prescrição do procedimento disciplinar [docs. nºs 1 e 2 da p.i. do Proc. nº 1157/2020].
4. O CSA ignorou os dois pedidos deste seu Colega (exequente), representado por outro seu Colega (o signatário) e não respondeu aos seus pedidos, quer deferindo, quer indeferindo.
5. Em 10-Dezembro-2020, tendo ocorrido o indeferimento tácito, o exequente instaurou acção judicial que deu lugar aos autos nº 1157/2020, formulando o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
Subsidiariamente
2) Que se digne anular o acto de indeferimento tácito do pedido do autor de 1-Novembro-2020.
3) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
6. O TSI, por despacho de 22-Janeiro-2021 (fls. 20 dos autos nº 1157/2020), proferiu despacho de aperfeiçoamento por razão atinente ao facto de o exequente (ali autor) ter feito dois pedidos, (1) um para a prática de acto administrativo legalmente devido, (2) outro de recurso contencioso de anulação.
7. Em 3-Fevereiro-2021, o exequente apresentou nova acção judicial com o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
2) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
8. Em 5-Maio-2022 - após o decurso da acção, que incluiu o chamamento da Direcção da AAM como contrainteressada - o TSI deu integral provimento ao recurso do exequente e proferiu, nestes autos, o Acórdão condenatório com a decisão seguinte:
Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal.
9. O TSI não condenou o autor em custas.
10. O CSA não interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância do Acórdão condenatório, tendo-se conformado com o mesmo.
11. O exequente também não interpôs recurso do Acórdão.
12. Em 23-Maio-2022, o Acórdão condenatório do TSI transitou em julgado.

* * *
IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pela Exequente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, veio, nos termos do disposto no artigo 180.º do CPAC, por apenso aos autos de recurso contencioso n.º 1157/2020, instaurar a presente execução para a prestação de um facto contra o Conselho Superior de Advocacia, alegando que este não deu execução ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido nos autos principais.
O Executado, na sua resposta veio alegar que executou espontânea e integralmente o julgado anulatório pelo que concluiu no sentido de o pedido de execução ser julgado improcedente.
2.
(i.)
(i.1.)
Sabemos que, de acordo com o que resulta das normas contidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» e que «as leis de processo regulam os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determinam as sanções que devam ser aplicadas aos responsáveis pela sua inexecução».
Em consonância com o que antecede, a lei processual administrativa dedica um dos seus capítulos ao chamado «processo executivo», cuja norma introdutória, a do artigo 174.º do CPAC, consagra o dever de a Administração, no prazo máximo de 30 dias, cumprir espontaneamente as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo quando transitadas em julgado Tal cumprimento, de acordo com o n.º 3 do artigo 174.º do CPAC, consiste «na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética» (de referir que a norma em causa, como, de resto, sucede com a norma do artigo 175.º do CPAC, apesar de incluída na lei de processo, tem natureza procedimental, porquanto trata do cumprimento espontâneo da sentença por iniciativa da Administração, em momento prévio, portanto ao da própria existência um processo judicial. Neste sentido, J. M. SÉRVULO CORREIA, A Execução das Sentenças Proferidas em Recurso Contencioso pelo Tribunal Administrativo de Moçambique, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor André Gonçalves Pereira, Coimbra Editora, 2006, p. 456 e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 2007, p. 927).
(i.2.)
Embora a questão não seja inteiramente pacífica, parece que, em bom rigor, o processo de execução de sentenças proferidas em processo do contencioso administrativo, excepção feita àquelas das quais resulte um dever para a administração de pagar quantia certa, tem uma natureza essencialmente declarativa (já neste sentido, a propósito do chamado processo de «execução de julgado», JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, Coimbra, 1998, p. 119). Através dele, o tribunal limita-se, se e quando necessário, a especificar os actos e as operações em que a execução deve consistir e os respectivos prazos e, eventualmente, a impor uma medida compulsória de natureza pecuniária.
Portanto, podemos dizer que o processo executivo administrativo, com ressalva, como dissemos, do processo de execução para pagamento de quantia certa, não tem a natureza de um verdadeiro processo executivo pois que, através dele, e ao contrário do sucede em processo civil, o Tribunal não se substitui ao devedor que se encontra em incumprimento para satisfazer o direito do credor [em processo civil, como ensina JOSÉ LEBRE DE FREITAS, «através da acção executiva, o exequente pode obter resultado idêntico ao da realização da própria prestação que, segundo o título executivo, lhe é devida (execução específica), quer por meio directo, (apreensão e entrega da coisa ou quantia devida; prestação do facto devido por terceiro); quer por meio indirecto (apreensão e venda de bens do devedor e subsequente pagamento), ou, em sua substituição, um valor equivalente do património do devedor (execução por equivalente)». Cfr. A Acção Executiva, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 14].
(ii.)
(ii.1.)
A nossa lei processual prevê, expressamente, duas formas de processo executivo em função da finalidade da execução: o processo de execução para pagamento de quantia certa (artigos 178.º e 179.º do CPAC) e o processo de execução para entrega de coisa certa ou para prestação de um facto (artigos 180.º a 185.º do CPAC), sendo este último aquele que se mostra adequado quando esteja em causa uma pretensão fundada numa sentença proferida em acção para a determinação da prática de acto administrativo legalmente devido. O dever de praticar um acto administrativo legalmente devido é um dever que tem por objecto a prestação de um facto jurídico (sobre isto, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário…, pp. 955-956).
No caso em apreço, a Exequente, lançou mão, justamente, da execução para prestação de facto para ver satisfeita a sua pretensão e a questão essencial que se discute nos presentes autos, se bem vemos, é a de saber se existiu ou não inexecução da sentença, é dizer, saber se existiu ou não incumprimento de dever de executar por parte da Administração, uma vez que é por referência a esse dever que, em contencioso administrativo, se define o objecto do processo de execução (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Reinstrução do procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, Maio/Junho 1997, p. 17).
Cremos que não. Em breves termos, pelo seguinte.
(ii.2.)
Na acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos que correu termos nos autos principais, o agora Exequente pediu que fosse determinado que o Conselho Superior de Advocacia praticasse o acto consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar n.º 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
A douta sentença ali proferida julgou a acção procedente e condenou o Réu «a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias contados a partir da data do trânsito em julgado [da] decisão (…)».
Na sequência da prolação desta decisão, o Conselho Superior de Advocacia, invocando expressamente que o fazia tendo em vista a execução do acórdão proferido nos autos principais, deliberou no sentido de considerar que o procedimento cautelar não prescreveu.
Considera o Exequente que, através de tal deliberação, o Executado não cumpriu o dever de executar uma vez que, segundo diz, tal dever impunha que o executado não só decidisse, como, além disso, o fizesse no sentido por si pretendido, ou seja, no sentido de declarar a prescrição do procedimento disciplinar.
No entanto, apesar de aceitarmos sem dificuldade que a formulação do segmento decisório da douta sentença recorrida permite uma leitura no sentido proposto pelo Exequente, a verdade é que, à luz interpretativa da respectiva fundamentação, nos parece relativamente fácil concluir, salvo o devido respeito, que a decisão exequenda, contrariamente ao que vem defendido pelo Exequente, se limitou a condenar o Executado a decidir sobre a pretensão do Exequente no sentido de ver declarada a prescrição do procedimento disciplinar, dado que, anteriormente, o não havia feito, sem que, no entanto, se possa dizer que a mesma tenha determinado qual devia ser o sentido dessa decisão. Pelo contrário, aliás. A decisão é expressa, na sua fundamentação, a considerar que, «perante o pedido do Autor, não resta dúvida que o réu deve formar o seu juízo valorativo e ditará a sua justiça do caso concreto» e, mais adiante, que «(…) não resta dúvida que o Réu deve apreciar o pedido do Autor e decidir em conformidade com os fundamentos respectivos» (os destacados não constam do original). Significa isto, portanto, ter o Tribunal entendido que, em primeiro grau, cabia à Administração apreciar a questão da prescrição e que o único incumprimento que havia a sancionar e que acabou por justificar a procedência da acção era o incumprimento de dever de decidir que consubstanciou o indeferimento tácito da pretensão de extinção do procedimento disciplinar com fundamento em prescrição que o Exequente antes deduzira perante o Executado. De resto, o acórdão exequendo, diferentemente do que aconteceu com o Meritíssimo juiz que votou vencido, não se pronunciou, de nenhuma forma, sobre a concreta questão da prescrição. Ora, a nosso modesto ver, o sentido dessa falta de pronúncia sobre essa questão crucial só pode ser, no concreto contexto da decisão em apreço, o de que se intendeu remeter para a Administração, em primeira linha, a resposta à dita questão, não implicando, pois, uma qualquer nulidade da sentença que o Executado estivesse onerado a invocar, mas, antes, uma intencional abstenção de decisão sobre a questão com base no entendimento de que, nessa matéria, a intervenção do tribunal é necessariamente de segundo grau no confronto com uma anterior decisão administrativa expressa.
Isto que vimos de dizer não contraria o entendimento, pacífico, de que a eficácia do caso julgado apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, é dizer, a injunção do tribunal a um certo comportamento por parte do réu, não se estendendo aos fundamentos da sentença, porquanto é também ponto assente na doutrina o de que esses fundamentos podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão coberta pelo caso julgado (nestes termos, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 2004, p. 715) e, além disso, a vinculação à decisão resultante do caso julgado, «é sempre uma vinculação à decisão no contexto do seu fundamento» (é a formulação que se colhe em JOÃO DE CASTRO MENDES/MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, Volume I, Lisboa, 2022, p. 655).
Por tudo isto, é manifesto, pelo menos para nós, e com todo o respeito pelo entendimento diverso do Exequente, que do caso julgado formado sobre a decisão proferida nos autos principais não resultou uma injunção judicial ao Executado no sentido de declarar a prescrição do procedimento disciplinar.
Assim, fixado nos termos que antecedem o exacto alcance do caso julgado que se formou com a decisão proferida nos autos principais, parece-nos seguro concluir que a Administração observou o dever de execução espontânea que resulta do n.º 1 daquele artigo 174.º do CPAC, faltando, por isso, fundamento para a pretensão agora deduzida pelo Exequente, uma vez que a procedência da pretensão executivo pressupõe o incumprimento do falado dever.
(ii.3.)
Questão diversa, mas que nesta sede processual se não pode discutir, é a de saber se a questionada deliberação do Executado apreciou ou não a questão da prescrição do procedimento disciplinar em conformidade com a lei. Dizemos que não se pode discutir em virtude, justamente, do antes por nós afirmado cumprimento por parte da Administração do dever de executar a decisão. Com efeito, no processo de execução apenas se pode aprecia a legalidade de actos desconformes com a sentença, e com esse fundamento, o que não sucede quando não ocorre inexecução. Aliás, a lei di-lo expressamente no n.º 2 do artigo 184.º do CPAC.
Deste modo, a entender-se que a deliberação do Conselho Superior de Advocacia constitui um autêntico acto administrativo, não temos dúvidas em afirmar que o Exequente, entendendo, como parece entender, que o mesmo sofre de violação de lei, estava obrigado a impugná-lo através de recurso contencioso autónomo.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que a presente execução ser julgada improcedente, absolvendo-se o Executado do pedido.”
*
Quid Juris?

É um caso “estranho”! Costuma dizer-se que a lentidão da justiça representa uma injustiça, o presente caso pode constituir um dos exemplos paradigmáticos.
Antes de tudo, importa recapitular o que se passou antes.
“(…)
1. O exequente foi condenado pelo CSA, por deliberações de 6-Julho-2017 e de 27-Julho-2017 (esta após reclamação da Direcção da AAM), em pena disciplinar suspensa pelo período de três anos, por factos ocorridos e consumados em 12-Agosto-2002 (há 21 anos) [docs. constantes do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requereu no Proc. nº 1157/2020].
2. Foram tempestivamente interpostos recursos daquelas deliberações do CSA, um pela Direcção da AAM (Proc. nº 776/2017), outro pelo ora exequente (Proc. nº 690/2018), os quais se encontram pendentes junto do TSI e TUI [docs. Juntos ao Proc. nº 1157/2020, por requerimento de 29.04.2021].
3. Em 1-Setembro-2020 e, depois, em 1-Novembro-2020, o autor suscitou junto do CSA que decretasse a prescrição do procedimento disciplinar [docs. nºs 1 e 2 da p.i. do Proc. nº 1157/2020].
4. O CSA ignorou os dois pedidos deste seu Colega (exequente), representado por outro seu Colega (o signatário) e não respondeu aos seus pedidos, quer deferindo, quer indeferindo.
5. Em 10-Dezembro-2020, tendo ocorrido o indeferimento tácito, o exequente instaurou acção judicial que deu lugar aos autos nº 1157/2020, formulando o seguinte pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
Subsidiariamente
2) Que se digne anular o acto de indeferimento tácito do pedido do autor de 1-Novembro-2020.
3) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
(…)”.

Na sequência, por este TSI foi proferida em 05/05/2022 a seguinte decisão (Proc. nº 1157/2020):
“(…)
Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal.
(…)”.

Ora, é de ver que é muito clara a decisão, cujo conteúdo está sempre indexado ao conteúdo do pedido formulado pelo Recorrente/Exequente!
Agora, neste processo executivo, a execução é justamente: “consistir na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética.” (cfr. artigo 174º/3 do CPAC).

A Entidade executada voltou a suscitar a questão da suspensão da prescrição neste processo executivo.
Em rigor das coisas, é uma questão “falsa”, visto que quando este TSI condenou a Entidade executada para praticar os actos devidos, esta questão já foi resolvida e ultrapassada, senão não haveria lugar àquela condenação!
Pois, de frisar:
a) - O instituto da prescrição dos direitos sancionatórios (penal e disciplinar) tem por finalidade acelerar a atividade do Poder Público no exercício da ação penal ou disciplinar e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, a partir do qual ficarão libertos da respetiva responsabilidade.
b) - Com a prescrição extingue-se o “ius puniendi” do Poder Público, extinção resultante da falta de diligência dos órgãos judiciários ou disciplinares no procedimento que lhes incumbe levar a cabo.
c) - O procedimento disciplinar é a atividade desenvolvida pelos órgãos disciplinares competentes, tendo em vista eventual acusação, julgamento e decisão relativamente a uma infração disciplinar indiciada.
d) - Da prescrição do procedimento disciplinar há que distinguir duas situações que lhe estão próximas.
i) - Uma, que a antecede, é a prescrição do direito a instaurar o procedimento disciplinar, que, em rigor, assume a natureza de prazo de caducidade do exercício desse direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do fato gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo.
ii) - Outra, que lhe sucede, é a prescrição da pena disciplinar, que ocorre quando, entre o trânsito em julgado da decisão que aplica a pena disciplinar e o momento em que esta vai ser executada, medeia um período de tempo superior ao indicado na lei.
e) - O procedimento disciplinar corre desde a instauração do processo até à decisão final condenatória ou absolutória. A prescrição do procedimento disciplinar ocorre se é excedido o prazo máximo fixado pela lei entre um momento e outro.

Nesta matéria, é de citar o artigo 289º do ETAPM, que consagra:
(Prescrição do procedimento disciplinar)
1. O procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.
2. Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal.
3. Se antes do decurso do prazo prescricional referido no n.º 1 for praticado relativamente à infracção qualquer acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto.
4. Suspendem o prazo prescricional a instauração dos processos de sindicância e de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.
Ora, conforme o que ficou consignado e admitido pelo próprio CSA (cfr. documento elaborado pelo CSA – fls. 28 dos autos), o Exequente foi condenado criminalmente em última instância por acórdão do TSI de 14/07/2016 na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por factos praticados em 2002!

Daí se pode ver que de lá para cá já passaram mais de 20 anos!
O prazo máximo da prescrição do procedimento penal é de 20 anos conforme o que está estipulado no artigo 110º do CPM!
Pergunta-se, que dificuldade que o CSA pode ter para não dar cumprimento ao ordenado por este TSI? Não encontramos motivos juridicamente plausíveis para este efeito.
Mais, uma vez instaurado um processo executivo, de acordo com o disposto nos artigos 174º e 175º do CPAC, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias, estipulando tais normativos:
(Cumprimento espontâneo)
1. Excepto quando ocorra falta de verba ou cabimento orçamental ou causa legítima de inexecução, na ausência de normas específicas previstas no presente Código, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias.
2. Na ausência de norma específica, o cumprimento deve ser ordenado pelo órgão que tenha praticado o acto recorrido ou, tratando-se de acções ou outro meio processual ou procedimento, pelo principal órgão dirigente da pessoa colectiva pública em causa ou por aquele que tenha ficado concretamente obrigado pela decisão.
3. O cumprimento consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética.
4. Quando a entidade recorrida tenha extraído de acto juridicamente inexistente consequências lesivas dos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, a decisão que declare aquela inexistência é cumprida nos termos do número anterior.
Artigo 175.º
(Causa legítima de inexecução)
1. Apenas constitui causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e definitiva de execução e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão.
2. A causa legítima de inexecução pode respeitar a toda a decisão ou a parte dela.
3. A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respectivos fundamentos, no prazo previsto para cumprimento da decisão.
4. Não pode ser invocada causa legítima de inexecução das decisões cuja execução se traduza no pagamento de quantia certa, nem grave prejuízo para o interesse público no cumprimento das que defiram as seguintes espécies de pedidos:
a) Intimação de órgão administrativo para prestar informação, facultar a consulta de processo ou passar certidão;
b) Suspensão de eficácia dos actos administrativos e das normas;
c) Declaração de ineficácia, para efeitos de suspensão, dos actos de execução indevida;
d) Intimação de órgão administrativo, particular ou concessionário para adoptar ou se abster de certo comportamento;
e) Produção antecipada de prova;
f) Decretamento de providência preventiva ou conservatória não especificada.

É de sublinhar que o legislador utiliza a expressão de “Apenas constitui causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e definitiva de execução e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão, ” ou seja, tem de ser uma situação da IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA E DEFINITIVA E GRAVE PREJUÍZO PARA O INTERESSE PÚBLICO, o que aconteceu neste processo é que a Entidade executante pretende fugir aos termos judicialmente fixados, invocando os termos da suspensão ou não suspensão do prazo em causa, ora, neste ponto, tal como se refere, tais questões foram ultrapassadas muito antes! Esta tese, se vingar, estaríamos desviar o objecto deste processo executivo!
Nestes termos, “não há voltas a dar-se”, efectivamente a Entidade competente não cumpriu o que este TSI anteriormente ordenou!
Não tendo o CSA cumprido espontaneamente o Acórdão do TSI (art. 174º/2 e 3 do CPAC), nem tendo alegado causa legítima de inexecução (arts. 175º e 180º/3), estamos perante um caso de inexecução ilícita da decisão do Tribunal (art. 187º/1), cabendo ao exequente, no prazo legal para o efeito (art. 180º/2), "pedir ao tribunal competente a sua execução" (art. 180º/1), consistente na prática do acto devido determinado pelo Tribunal - declaração de prescrição do procedimento disciplinar -, a fim de repor a ordem jurídica violada, como concluído no Acórdão que deu provimento à acção (art. 174º/3), com a consequente nulidade da deliberação do CSA notificada no dia 5 de Agosto de 2023, nos termos dos arts. 184º/2 e 187º/1-a) do CPAC.
Relativamente à medida compulsória (indemnização diária) pedida pelo Exequente, o pedido formulado não pode ser acolhido nos termos peticionados, já que agora é que o Tribunal vai fixar o quantum e esta decisão só vale para o futuro, ou seja, para depois de o CSA saber do ora ordenado. O que decorra da lógica das coisas e também do princípio da previsibilidade da decisão enquanto padrão de conduta, principalmente em matéria de imposição de alguns deveres.

Assim, é de julgar procedente esta acção executiva para prestação de facto, consistente na condenação do CSA à prática do acto administrativo (vinculado) devido ordenado no Acórdão condenatório de 5 de Maio de 2022, ordenando-se assim o seguinte:
   1) - Condenar o CSA a declarar a prescrição do processo disciplinar identificado nos autos no prazo de trinta (30) dias;
   2) - Declarar nulas as deliberações do CSA tomadas nas sessões de dias 26 e 29 de Julho de 2022, referidas na notificação do Presidente do CSA ao Exequente, de dia 5 de Agosto;
   3) - Condenar os membros do CSA, caso não seja cumprido o ordenado no ponto 1 acima indicado, (excepto os membros que tenham votado a favor daquele cumprimento pontual e tenham feito registar em acta esse voto, bem como aqueles que, encontrando-se ausentes da votação, tenham comunicado por escrito ao presidente a sua vontade no sentido do cumprimento) em pagar uma sanção pecuniária compulsória calculada desde o 31º dia referido no ponto 1 ("termo do prazo para cumprimento espontâneo da decisão") até ao cumprimento voluntário e integral do ora determinado, fixando-se o montante diário de 10% do montante correspondente ao índice 100 da tabela indiciária de vencimento dos trabalhadores da Administração Pública nos termos do disposto no artigo 186º do CPAC;
4) - Que o CSA deva juntar aos autos documentos comprovativos da execução do ora ordenado no prazo de 50 dias, contado a partir do trânsito em julgado deste acórdão.
*
Síntese conclusiva:
I – Nos termos do disposto no artigo 174º do CPAC, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias. A execução em processo jurídico-administrativo consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética” (cfr. artigo 174º/3 do CPAC).
II – Em processo executivo administrativo só se discute, em princípio, a existência (ou não) da causa legítima de inexecução, que consiste na impossibilidade absoluta e definitiva de execução e no grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão nos termos previstos no artigo 175º/1 do CPAC.
III – Conforme a factualidade assente constante dos autos, o acto que constitui infracção disciplinar foi cometido e consumado em 12/08/2002, de lá para cá já passaram mais de 20 anos (mesmo no crime o prazo máximo é de 20 anos – artigo 110º do CPM), e, à luz do acórdão anteriormente proferido por este TSI, o CSA foi condenado na prática do acto requerido pelo Exequente, que consiste na declaração da prescrição do procedimento disciplinar, não tendo o CSA dado cumprimento espontâneo ao ordenado, é de acionar, neste processo executivo, o mecanismo preceituado no artigo 186º do CPAC.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a presente acção executiva e condenar o CSA nos termos acima fixados.
*
Sem custas por isenção subjectiva.
*
Notifique e Registe.
(…)”; (cfr., fls. 69 a 90 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, vem o CONSELHO SUPERIOR DA ADVOCACIA, (律師業高等委員會), recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando, a final, as seguintes conclusões:

“a) o Acórdão de 8 de Novembro de 2023, ora recorrido, baseia-se numa interpretação errónea do acórdão de 5 de Maio de 2022, proferido nos autos principais, de que os presentes são apenso;
b) consiste essa interpretação em entender que o acórdão de 5 de Maio de 2022 condenou o CSA a declarar a prescrição do procedimento disciplinar que moveu ao Recorrido pelo seu Processo Disciplinar n.o 22/2010/CSA;
c) tal interpretação é errónea porque, não obstante a letra do segmento dispositivo do acórdão de 5 de Maio de 2022, não é possível extraí-la do texto, considerado sintacticamente e à luz das regras da hermenêutica das sentenças e despachos judiciais;
d) é também errónea porque o sentido que propugna pressuporia uma análise e decisão própria do Tribunal sobre a questão substantiva da prescrição que fora invocada pelo Recorrido, o que o Tribunal não fez em absoluto;
e) ainda que o Tribunal houvesse remetido para os argumentos do Recorrido, isso seria sempre processualmente inadmissível e não sanaria a falta de fundamentação do julgado;
f) a dita interpretação é ainda errónea porque o texto do acórdão comporta o sentido – o verdadeiro sentido – de que o CSA foi tão só condenado a declarar se, sim ou não, se verificou a dita prescrição e expõe as razões por que o CSA deve ser condenado só nesses termos estritos;
g) o verdadeiro sentido do acórdão de 5 de Maio de 2022, acabado de referir e professado pelo CSA, é o mesmo que lhe foi já atribuído pelo Tribunal de Última Instância que sobre esse aresto se pronunciou no seu acórdão de 7 de Junho de 2023, proferido no Processo n.o 131/2019;
h) chamado a pronunciar-se, também o Ministério Público interpretou assim, em parecer incorporado que está nos presentes autos;
i) o CSA louva-se nos termos em que o Tribunal de Última Instância e o Ministério Público apreciaram o acórdão de 5 de Maio de 2022;
j) o CSA executou espontaneamente a condenação que lhe foi imposta, ao pronunciar-se expressamente sobre a prescrição do procedimento disciplinar e declará-lo não prescrito;
k) o Tribunal de Segunda Instância errou ao julgar procedente o pedido executivo, por via disso condenando o CSA a executar uma declaração de prescrição do procedimento disciplinar, declarando nulas as deliberações do CSA de 26 e 29 de Julho de 2022, e condenando os membros do CSA numa sanção compulsória até que este execute aquela declaração;
l) atento o verdadeiro sentido do acórdão de 5 de Maio de 2022 em que a presente execução se baseou, o Tribunal recorrido devia, ao invés de dar seguimento ao requerimento executivo, ter declarado extinta a instância por falta de objecto ou impossibilidade originária, como o CSA alegou na sua contestação;
m) reflectindo sobre este ponto, é talvez preferível falar-se de falta de título executivo do que de falta de objecto, visto que a decisão que foi dada a execução não condenou o CSA a declarar a prescrição do procedimento disciplinar – precisamente aquilo que se pretende obrigá-lo a executar;
n) o Acórdão de 8 de Novembro de 2023 violou assim o disposto no artigo 174.o, n.o 1, a contrario, do CPAC, e no artigo 677.o, a), do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 1.o do CPAC.
o) de qualquer modo, se outro for, porém, o douto entendimento do Tribunal de Última Instância quanto às normas de direito adjectivo (e ou substantivo) violadas, deverá por elas julgar-se provado e procedente este recurso, revogando-se sempre totalmente o Acórdão de 8 de Novembro de 2023”; (cfr., fls. 99 a 106).

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Na sequência das contra-alegações do agora recorrido pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 119 a 141), vieram os autos a este Tribunal.

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer mantendo o antes opinado; (cfr., fls. 156 e 156-v).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

2. Pelo Conselho Superior da Advocacia vem interposto recurso do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado e que atrás se deixou integralmente transcrito, onde, (nomeadamente), se decidiu: “Condenar o CSA a declarar a prescrição do processo disciplinar identificado nos autos no prazo de trinta (30) dias; (…)”.

Ora, sem prejuízo do muito respeito por melhor opinião, cremos que a referida decisão assenta em manifesto equívoco derivado de deficiente entendimento sobre o (verdadeiro) sentido e alcance do que (efectivamente) se decidiu no (anterior) Acórdão do mesmo Tribunal de Segunda Instância, datado de 05.05.2022, proferido na acção pelo ora recorrido então contra o ora recorrente proposta para a “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”, (no mesmo Tribunal registada com o n.° 1157/2020, e), à qual, os presentes “Autos de Execução” correm por apenso.

Com efeito, para julgar procedente o pedido pelo ora recorrido nestes autos deduzido, (no sentido de se condenar o ora recorrente, Conselho Superior da Advocacia, “a declarar a prescrição do processo disciplinar identificado nos autos no prazo de 30 dias”; cfr., ponto 3° do pedido a fls. 25), considerou o Tribunal de Segunda Instância que, no seu já referido anterior Acórdão de 05.05.2022, tinha-se emitido pronúncia em tal (idêntico) sentido, ou seja, explicitando-se que verificada estava tal “prescrição (do dito processo disciplinar)”, e que, não tinha o ora recorrente dado voluntária observância ao assim deliberado.

Porém, como de forma evidente resulta de uma leitura ao “teor” e “dispositivo” do aludido Acórdão de 05.05.2022, assim não foi, sendo de se consignar (e salientar) que, com o dito aresto, tão só se determinou que o ora recorrente se pronunciasse sobre a aludida – “questão” da eventual – “prescrição”, sem que qualquer referência se tivesse efectuado relativamente ao sentido da pronúncia que deveria emitir.

Aliás, em sede dos Autos de Recurso Jurisdicional deste Tribunal de Última Instância n.° 131/2019, tivemos já oportunidade de nos referir a tal “circunstancialismo”, tendo-se, então, consignado, (nomeadamente), o que segue:

«Como se sabe, (…), “A determinação do âmbito do caso julgado de uma decisão judicial pressupõe a respectiva interpretação, não bastando na sua concretização do seu sentido considerar a parte decisória da mesma, cumprindo tomar em consideração também a respectiva fundamentação e a relação desta com o dispositivo, visando garantir a harmonia e a coerência entre estas duas partes, devendo atender-se ainda a todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de Portugal de 03.12.2014, Proc. n.° 177/03).
Ora, no dito Acórdão proferido no Proc. n.° 1157/2020 diz-se, claramente, o seguinte:
“(…)
Nesta acção as Partes vieram a suscitar várias questões de natureza diversa, sendo uma de natureza substantiva, cuja apreciação não se situa nesta sede. Porém, importa frisar aqui que a questão nuclear reside em saber se o Réu (Conselho Superior da Advocacia) tem ou não obrigação legal de decidir a pretensão formulada pelo Autor: apreciar a prescrição do procedimento administrativo e a das penas, caso se entenda que se verifiquem todos os requisitos legais.
Independentemente das posições que se defenda, parece-nos que é de admitir um dado comum neste ponto: quer no processo disciplinar, quer no processo penal, há de ter o “terminus” do respectivo procedimento, este nunca pode durar eternamente! Muito menos este tem efeitos perpétuos. (…)
Ora, nestes termos, perante o pedido do Autor, não resta dúvida que o Réu deve formar o seu juízo valorativo e ditará a sua justiça do caso concreto. Estas ideias já vêm proclamadas pelo venerando TUI quando decidiu situações semelhantes em vários processos (…)
Seguido este raciocínio, não resta dúvida que o Réu deve apreciar o pedido do Autor e decidir em conformidade com os fundamentos respectivos. (…)
Tal como se refere anteriormente, em sede de contestação o Réu veio a invocar vários argumentos para tentar justificar a sua não actuação perante o requerimento do Autor, ex.: o argumento de que como existem recursos jurisdicionais no TUI e estes têm efeito suspensivo, o Réu fica impedido de tomar qualquer decisão nesta matéria; o argumento de que o prazo máximo da prescrição no caso seria 25 anos e meio (e não 18 anos como o Autor defende!), estes argumentos só podem ser apreciados pelo Tribunal em sede de recurso contencioso e não nesta acção, razão pela qual ficamos dispensados de tecer mais considerações nesta ordem.
(…)”.
E, em face do assim consignado, evidente se nos apresenta que no dito Proc. n.° 1157/2020, o Tribunal de Segunda Instância não apreciou – e muito menos, emitiu pronúncia sobre – a questão de saber se o processo disciplinar movido ao aqui recorrente estava, ou não, prescrito, tendo-se (tão só) limitado a determinar que o C.S.A. tomasse posição sobre o requerimento que lhe foi dirigido pelo ora recorrente, (mas sem fixar o conteúdo concreto do acto a praticar), pois que, aliás, como ali se diz, expressamente, a “natureza substantiva da questão não se situa nesta sede…”»; (cfr., decisão do ora relator de 07.06.2023, no referido Proc. n.° 131/2019).

Ora, nada se tendo entretanto alterado, e, apresentando-se-nos agora inteiramente aplicável, justo e válido o que atrás se deixou transcrito sobre o “sentido” da decisão ínsita no Acórdão de 05.05.2022, visto está que dispensadas, (porque ociosas), se devem considerar mais alongadas considerações para se concluir que a decisão recorrida não se pode manter, havendo pois que se reconhecer razão ao ora recorrente, com a revogação do Acórdão recorrido e com a necessária decisão de improcedência do pedido pelo ora recorrido nestes autos de execução deduzido.

Decisão

3. Em face do que se deixou expendido, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, nos exactos termos consignados.

Custas, em ambas instâncias pelo recorrido, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 158 a 177 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Notificado do assim decidido, veio o recorrido A reclamar para a Conferência, pugnando pela revogação da referida decisão sumária; (cfr., fls. 181 a 212).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando pela “falta de fundamento da pretensão impugnatória agora deduzida pelo Reclamante”; (cfr., fls. 217).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Vem o recorrido nos presentes autos de recurso jurisdicional reclamar da “decisão sumária” pelo ora relator proferida e que atrás se deixou (integralmente) transcrita.

Porém, reponderando o que se decidiu, o que agora pelo ora reclamante vem alegado, (e com todo o respeito por melhor entendimento), cremos que nenhuma razão se lhe mostra de reconhecer, apresentando-se-nos que a decisão ora reclamada identificou adequadamente a “questão” a conhecer, e com clara e suficiente fundamentação, chegou à solução que se tem como justa e acertada, sendo, por isso, de confirmar.

Compreende-se – e respeita-se – o inconformismo do ora reclamante, que – com a sua (extensa) reclamação apresentada, onde faz um apreciável esforço argumentativo – tenta, a todo o custo, justificar o seu ponto de vista, apresentando, contudo, uma “situação” que não se mostra ser a que os autos realmente demonstram, e, assim, dando-se aqui como reproduzido o que se fez constar na decisão ora reclamada, muito não se mostra de dizer para se concluir pela necessária improcedência da pretensão em questão.

Com efeito, (e indo ao que aqui interessa), insiste o recorrido ora reclamante com o seu entendimento, afirmando que com o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido em 05.05.2022 se conheceu da “prescrição do procedimento disciplinar” que contra si corria termos no Conselho Superior de Advocacia, e que, assim, declarada (já) estava tal prescrição.

Porém, e como cremos que na decisão sumária proferida e ora reclamada se deixou (claramente) exposto, tal não corresponde à verdade, padecendo o entendimento do ora reclamante – como também já o referimos da aludida decisão sumária – de equívoco de interpretação sobre o “sentido” e “alcance” do que decidido foi no referido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 05.05.2022.

Na verdade, (e como igualmente se deixou consignado na decisão agora reclamada), com o dito veredicto tão só se emitiu pronúncia no sentido de dever o Conselho Superior de Advocacia proferir decisão sobre a alegada prescrição, ou seja, decidir se estava, ou não, verificada.

Admite-se, que de uma menos atenta leitura unicamente feita ao “dispositivo” do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância em questão se poderá ficar, eventualmente, com a ideia que outro foi o sentido do que aí se decidiu.

Porém, e como sabido cremos ser, importa, também – e no caso, essencialmente – atentar no que em sede de “fundamentação” se ponderou e consignou.

Tal como a água que sai de uma torneira tem necessariamente a sua “fonte” (noutro sítio), também as decisões, e sejam elas quais foram, tem as suas “razões”.

No caso dos autos, apresenta-se-nos claro e incontroverso que com o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 05.05.2022 “nada se declarou quanto à referida prescrição”, pois que, (como oportunamente e bem se notou no douto Parecer do Ministério Público de fls. 61 a 64-v), este o sentido do que se expôs em sede de fundamentação, consignando-se aí, expressamente, que “perante o pedido do Autor, não resta dúvida que o réu deve formar o seu juízo valorativo e ditará a sua justiça do caso concreto”, acrescentando-se, mais adiante, que “(…) não resta dúvida que o Réu deve apreciar o pedido do Autor e decidir em conformidade com os fundamentos respectivos”.

Aliás, vale a pena ter também presente que o dito Acórdão foi tirado por vencimento, e que, o primitivo Juiz Relator votou vencido – precisamente – porque era de opinião que em sede da decisão a proferir se devia conhecer da dita prescrição …; (cfr., fls. 179 a 204-v do Apenso).

Nesta conformidade, e evidente sendo o sentido do que decidido foi pelo mencionado Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 05.05.2022, tem-se como adequada a seguinte e derradeira nota.

Conhece-se o provérbio que diz que a água é mole e a pedra dura, e que aquela, tanto que bate até que fura…

Porém, situações (diferentes) existem em que eventuais equívocos, e lapsos, não fazem com que o que possa parecer acabe por ser!

Tudo visto e dito, resta pois decidir como segue.

Decisão

III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 29 de Maio de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

1 A deliberação do CSA constituiu um acto praticado em execução do Acórdão, mas não um acto de execução do Acórdão, uma vez que a deliberação do CSA decidiu em sentido, não só diferente, como oposto ao decidido pelo TSI, num caso raro de desrespeito pelos tribunais e pela função judicial. Tratou-se de um acto praticado já em fase materialmente executiva (por ter sido praticado após o trânsito em julgado do Acórdão condenatório e, nas palavras do presidente do CSA, visando executar o Acórdão) e não em fase declarativa da acção (dado que o Acórdão já tinha transitado em julgado). Porém, apesar de ser um acto materialmente praticado em fase pós-declarativa, consistiu em acto que não deu execução ao Acórdão que condenara o CSA, antes contrariou a ordem judicial transitada em julgado. Primeiro, o CSA incumpriu o Acórdão por omissão (não declaração da prescrição), depois, já após o prazo, incumpriu o Acórdão por acção (declaração de não prescrição).
2 A omissão de decisão é por vezes entendida com um reflexo de prepotência da administração. No caso de um Conselho Superior da Advocacia, perante um requerimento de um colega, poderia, inclusivamente, em abstracto, exprimir falta de cortesia profissional e incumprimento do Código Deontológico.
3 Rodrigo Esteves de Oliveira, in "Processo Executivo: Algumas Questões", Boletim da Faculdade de Direito - Universidade de Coimbra, p. 251.
4 João Caupers, in "Direito Administrativo I", Guia de Estudo, Notícias Editorial, p. 125.
5 Freitas do Amaral, in "Direito Administrativo", Vol. IV, p. 230.
6 A existência de indeferimento tácito significa, como vimos, que houve indeferimento. E, se o pedido administrativo foi indeferido, obviamente que a acção não pode ser sobre a inexistência de deferimento ou de indeferimento, mas sim sobre o facto de o pedido ter sido indeferido. O que por sua vez significa que o mérito da acção consiste em determinar se o processo prescreveu ou não prescreveu: não em determinar se foi ou não omitida decisão de deferimento ou indeferimento, pois a admissão e o provimento da acção implica necessariamente que o Tribunal considerou estar preenchido o pressuposto do art. 103º/1-a) do CPAC, ou seja, que o CSA indeferiu o pedido. Logo, o que cabia ao Tribunal decidir era se o processo prescreveu ou não.
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