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Processo nº 35/2024(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 24.04.2024, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Jurisdicional a seguinte decisão sumária, (que se passa a transcrever na sua íntegra):

“Ponderando no teor da decisão recorrida, nas “questões” pela ora recorrente colocadas, e considerando-se que a possibilidade pelo legislador conferida de se decidir sumariamente um recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, entende-se que o presente recurso deve ser objecto de “decisão sumária”; (cfr., art. 149°, n.° 1 do C.P.A.C. e art. 621°, n.° 2 do C.P.C.M., podendo-se também, v.g., ver C. Pinho in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 419, e as “decisões sumárias” proferidas nos autos de recursos jurisdicionais n°s 69/2020, 68/2020, 75/2020, 147/2020, 47/2021, 49/2021, 83/2021, 94/2021, 98/2021, 93/2021, 107/2021, 108/2021, 112/2021, 126/2021, 142/2021, 26/2022, 17/2022, 46/2022, 118/2022, 10/2023, 184/2020, 132/2022, 39/2023, 128/2022, 5/2023, 34/2023, 52/2023, 44/2022, 61/2023, 13/2024, 12/2024, 65/2023 e 25/2024).
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Nesta conformidade, passa-se a decidir do presente recurso.
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Relatório

1. A, de nacionalidade indonésia, e com os restantes sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS de 27.02.2023 que lhe indeferiu o recurso hierárquico da decisão que lhe revogou a sua autorização de residência temporária em Macau; (cfr., fls. 2 a 39 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, por Acórdão de 11.01.2024, (Proc. n.° 313/2023), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 102 a 121).

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Inconformada, traz agora a mesma recorrente o presente recurso, em sede do qual produz as conclusões seguintes:

“I - A recorrente formulou perante a Administração um pedido de autorização de residência em Macau através do mecanismo do investimento imobiliário através da compra de um bem imóvel sito na R.A.E.M., deferido em 14 NOV 2012 e, após 2012 e até 2019, por duas vezes foi renovado.
II - Cada uma dessas renovações foi deferida pela Administração após junção pela recorrente tão-somente dos respectivos comprovativos de: i) depósito em banco de Macau; e ii) do cumprimento do ónus de inalienabilidade do imóvel que tinha adquirido em 2013.
III - Após ter pedido a 3.ª renovação em 2019, por decisão do Presidente do I.P.I.M. de 2 MAR 2022, foi negada a autorização de residência sob a invocação, pela primeira vez, de que a recorrente não permaneceu em Macau senão por um reduzido número de dias e, pois, isso, não satisfez o requisito da residência habitual em Macau.
IV - O período compreendido entre 2012 e 2019 – contado da fixação inicial da autorização de residência até ao pedido da 3.ª renovação - foi já conhecido, aferido e acolhido por parte da Administração através de actuações e operações procedimentais que, por 2 vezes, culminaram em encadeados e sucessivos actos administrativos de renovação da autorização de residência e, logo, cada um dos 2 intercalares actos administrativos de renovação assentou, pressupôs e como que irreversivelmente confirmou e validou tudo quanto havia sido já lógica, cronológica e antecedentemente objecto de processamento administrativo de acertamento e validação.
V - Os despachos que aprovaram a 1.ª e a 2.ª renovações da autorização de residência são actos decisórios finais em que culminou toda uma anterior actuação administrativa de verificação quanto à subsistência dos requisitos e pressupostos da autorização de residência inicialmente conferida à requerente desde 14 NOV 2012 e re-aferidos aquando da 1.ª renovação e da 2.ª renovação e, assim, tais actos administrativos de 1.ª renovação e de 2.ª renovação valem como títulos jurídico-administrativos de atestação de que a situação fáctica e o respectivo enquadramento jurídico satisfizeram (ou continuaram a satisfazer) os normativos legais aplicáveis.
VI - Mais, tais títulos jurídico-administrativos configuram momentos de estrita e inescapável auto-vinculação da Administração.
VII - Nunca a Administração anteriormente ao projecto de decisão desfavorável notificado na sequência do pedido da 3.ª renovação estipulou, quantificou ou minimamente exigiu um período anual mínimo imperativo de dias durante os quais a recorrente devesse estar adentro de fronteiras, isto é, em Macau, situação essa que, querendo-o a Administração, o ordenamento jurídico da R.A.E.M. claramente lhe teria permitido, bastando apor à outorga inicial ou a alguma das 2 renovações um dos elementos acessórios a que alude o art. 111.º do C.P.A.: condição ou modo.
VIII - Nem a outorga inicial nem as 2 renovações foram praticadas pela Administração com aposição de tal cláusula de condição ou de modo, traduzida em dever a recorrente permanecer na R.A.E.M. durante um período mínimo de certos dias por ano sendo, aliás, que a recorrente sempre primou pela máxima e inteira transparência quanto à sua situação e localização geográfica ao longo de todo o período em que tem estado juridicamente relacionada com a R.A.E.M. após lhe ter sido conferida em 2012 a autorização de residência, tendo sempre e ab initio informado a Administração que morava quer na Malásia quer na Indonésia e que o domicílio para efeitos de notificação e comunicação entre a recorrente e a Administração era e sempre foi um domicílio sito fora de Macau.
IX - Informação que, chegada ao conhecimento da Administração logo desde 2012, desta não suscitou qualquer reação, reserva, ressalva, aviso, cominação, nada!
X - Não poderia posteriormente vir o I.P.I.M. – ou um outro órgão, ainda que hierarquicamente cimeiro ou superior, da Administração - pretender re-apreciar ou re-aferir uma decisão que já havia adquirido, interna e externamente, força de caso decidido e que, pois, obrigava e obriga inelutavelmente a Administração e esta perante terceiros, mormente os destinatários dos seus actos.
XI - A actuação dos entes públicos deve assentar e ir “caminhando” segundo critérios, modelos ou padrões de actuação certos, apreensíveis, seguros, previsíveis e expectáveis, isto mesmo (senão mesmo sobretudo!) em sede do exercício de poderes discricionários, em que não deve – não pode – a Administração agir sem considerar tudo quanto antes projectou em determinado procedimento, devendo sempre actuar em termos estanques e bem compartimentalizados, lógica e cronologicamente.
XII - Acaso passe a existir um novo entendimento, interpretação e aplicação do Direito, delas jamais se deve extrair o poder de “afastamento ou desligamento retroactivo” de tudo quanto antes houver sido vertido no procedimento pela própria Administração e, por essa via, ficado “arrumado” e “intangível”.
XIII - Vertido no procedimento no duplo sentido tanto daquilo que a Administração haja trazido para o procedimento – v.g., o que determinou, negou, condicionou ou restringiu – mas também no sentido daquilo que a Administração, podendo-o ter feito, NÃO haja trazido para o procedimento – v.g., o que não determinou, não negou, não condicionou ou não restringiu, sendo que ambas tais dimensões, positiva e negativa, enformam o corpus procedimental que responsabiliza a Administração e que esta, por razões que se prendem com a sua adstrição ao princípio do Estado-de-Direito e aos seus subprincípios da certeza, da segurança jurídica e da previsibilidade, não se pode ou deve legitimamente afastar.
XIV - E de que se não deve legitimamente afastar sobretudo quando, conforme in casu, aja ao abrigo de poderes discricionários, inteiramente ablativos ou meramente restritivos que sejam, de posições jurídicas favoráveis de particulares com quem já tenha iniciado e configurado (pela “positiva” e pela “via omissiva”) uma relação jurídico-procedimental.
XV - Ao não ter assim entendido e ao ter, pois, colocado em causa e, na prática, destruído juridicamente todo o período em que tinha sido outorgada e por duas vezes renovada a autorização de residência – com base numa inovatória exigibilidade pretensamente retroactiva de certo número inquantificado de dias por ano em Macau, nunca antes cominada à recorrente até 2019 -, violou o despacho proferido pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças o princípio da legalidade acolhido no art. 3.º, n.º 1, do C.P.A., desde logo na dimensão da auto-vinculação da Administração ao seu próprio agir procedimental perante a recorrente, pelo que o acórdão recorrido, ao ter coonestado tal despacho proferido pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, fez, salvo o muito e justamente devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do art. 3.º, n.º 1, do C.P.A., o que se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.as.
XVI - O fim e desiderato do subjacente instituto jurídico – outorga administrativa de autorização de residência a quem fizesse um investimento imobiliário relevante – era a captação de dinheiro adveniente do exterior tendo em vista a dinamização do mercado imobiliário de Macau e também a cobrança de impostos pelas Finanças de Macau, dúvidas não existindo de que a recorrente “fez a sua parte”, isto é, fez e financiou um investimento imobiliário relevante em Macau há já mais de 10 anos, deixando dentro das fronteiras de Macau o respectivo pagamento do preço, que, ademais, como não poderia deixar de ser, foi taxado e tributado de acordo com a lei e, com isso, fez entrar capital em Macau vindo do exterior, dinamizou o mercado local de imobiliário e permitiu a captação de impostos pelas entidades de administração tributária da R.A.E.M.
XVII - Sendo que como contrapartida ou sinalagma de tal investimento imobiliário feito pela recorrente, a Administração conferiu-lhe o título jurídico de autorização de residência e, por duas vezes, renovou-lhe tal título.
XVIII - Contrapartida ou sinalagma esse que foi, pois, sempre respeitado e observado pela Administração até 2019 e que, após, veio a culminar no despacho proferido pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, entretanto mantido e coonestado pelo T.S.I.
XIX - A Administração sempre soube, logo desde o pedido inicial e em cada uma das 2 renovações, que a recorrente vivia e habitava fora de Macau, não obstante a autorização jurídico-legal para residir adentro da R.A.E.M. que lhe fora conferida e renovada e, sabendo isso - que a recorrente vivia, morava ou habitava fora de Macau desde o início -, se a Administração conferiu essa autorização de residência originária e se a renovou por 2 vezes, tal significa que a Administração reconheceu a recorrente como pessoa com “residência habitual” em Macau no sentido normativo específico e diferenciado que tal conceito jurídico sempre teve e tem face a um “investidor imobiliário”, seja nos quadros do DL 50/83/M de 17 DEZ – cfr. o seu art. 2.º, al. a) -, do DL 3/84/ de 28 JAN – cfr. o seu art. 2.º, al. a) -, do DL 15/95/M de 27 MAR – cfr. o seu art. 2.º, n.º 1, al. e) – ou, por fim, do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR – cfr. o seu art. 1.º, al. 4).
XX - Não está em causa a atribuição de autorização de residência para prestação de trabalho presencial em Macau, para presencialmente se coabitar com o cônjuge ou algum familiar nem sequer para efeitos de reagrupamento familiar, sendo que, nestes casos, muito naturalmente (“necessariamente” e pela “lógica das coisas”!), se exige, pressupõe e faz pleno sentido que o beneficiário dessa autorização deva efectivamente viver e habitar – isto é, efectivamente residir no sentido vulgar ou leigo da expressão - dentro das fronteiras de Macau.
XXI - In casu, trata-se, diferentemente, de uma autorização de residência de tipo e natureza diversa, destinada a captar e trazer capital exterior para Macau, a dinamização do mercado de imobiliário e tributação em prole das Finanças da R.AE.M. sendo com base nessa ratio legis que subjaz ao instituto que se pode iluminar e compreender por que motivo a recorrente, de tudo tendo informado a Administração – logo ab initio e aquando de cada uma das 2 renovações -, tenha visto a Administração deferir quer o pedido inicial quer cada uma das 2 sucessivas renovações, sem qualquer reserva, ressalva, condição, modo ou cominação!
XXII - Realce-se que não ocorreu qualquer facto superveniente nem adveio qualquer circunstância ou vicissitude posterior à autorização inicial de 14 NOV 2012, ou a cada uma das 2 renovações que permitisse, ou mesmo e aliás impusesse, à Administração, a partir de 2019, trazer inovatoriamente à colação e como que exigir, inovatória e retroactivamente, um requisito nunca antes por si comunicado, exigido ou cominado como sendo de verificação obrigatória para o efeito do deferimento inicial ou de cada uma das 2 renovações.
XXIII - Não ocorreu, pois, nos subjacentes autos procedimentais qualquer alteração ou modificação objectiva e superveniente que permitisse ou impusesse a adopção do cancelamento praticado em sede do acto decisório proferido pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças e mantido no acórdão a quo.
XXIV - Sabendo a Administração que a recorrente vivia e habitava fora de Macau logo desde o pedido inicial e continuando a saber que a recorrente continuava a viver e habitar fora de Macau aquando das 2 sucessivas renovações, não poderia a Administração, sob pena de venire contra facto próprio e, pois, violação do princípio da boa fé, invocar ou alegar qualquer só então conhecimento superveniente de tais elementos de facto, sempre desde há mais de 10 anos do seu conhecimento e sempre por si aceites e acolhidos (ao menos tácita ou implicitamente senão mesmo explicitamente) em cada uma das 3 referidas decisões administrativas.
XXV - Qualquer autorização ou modificação ao standard decisório – mormente no “meio” de uma relação procedimental já iniciada e em curso - apenas pode ocorrer quando lei prévia assim o permita (ou porventura imponha), o que não ocorre in casu, sendo que, caso a lei o permita (ou imponha), sempre tal novo standard decisório terá de vigorar apenas para o futuro e para procedimentos administrativos futuros, ou seja, sempre terão de ser ressalvadas e salvaguardadas as relações administrativas ou os efeitos das relações administrativas iniciadas antes dessa nova lei e standard.
XXVI - Sobretudo, deve tal novo standard decisório ser impreterivelmente levado ao conhecimento do seu destinatário em tempo útil, comunicando-lhe em termos cominatórios mas prospectivos qual a consequência para si desvantajosa de, a partir de determinado momento em diante, não satisfazer ou cumprir o que quer que de adverso ou desfavorável resulte para si ex novo desse novo standard.
XXVII - Doutro modo, existirão decisões-surpresa, conforme ocorreu in casu, que trazem rupturas imprevistas em relações jurídicas em curso, como aconteceu na situação vertente e que deveria ter sido repudiado pelo T.S.I.
XXVIII - Foi a própria Administração que sempre deu sinais expressos - pelo menos entre 2012 e 2019 - de que o facto de a recorrente viver, morar ou habitar fora de Macau, quer aquando do pedido inicial quer nas 2 renovações, não valeria (tanto que não valeu!) como obstáculo ao deferimento ab initio da autorização de residência e das suas renovações segundo e ao abrigo do conceito jurídico-normativo, finalisticamente determinado no quadro e economia do Regulamento Administrativo 3/2005, de residente habitual (exclusiva e assumidamente) com base em investimento imobiliário.
XXIX - Nenhuma das sucessivas “leis da residência por investimento imobiliário” em vigor no então Território de Macau e, entretanto, na R.A.E.M. - DL 50/83/M de 17 DEZ, DL 3/84/ de 28 JAN, DL 15/95/M de 27 MAR e Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR - menciona qualquer número mínimo de dias para necessariamente o investidor estar presencial e geograficamente adentro de Macau, a que acresce que, quer no pedido inicial quer nas 2 renovações, nunca foi mencionado, formal ou informalmente, à recorrente a condição para ficar determinado número de dias em Macau para lhe ser administrativamente reconhecida ou renovada a autorização de residência.
XXX - As regras relevantes para o investimento imobiliário apenas poderiam ser alteradas após mudança de lei e mediante decisão administrativa expressa e com cominação prospectiva, isto é, destinada a apenas a vigorar para o futuro, nunca para relações em curso e, sobretudo, com efeitos ablatórios totais e pretensamente retroactivos.
XXXI - Conforme se lê no ponto VI do acórdão tirado pelo T.S.I. em 2 JUL 2020 no processo 473/2019: «(…) VI – O Recorrente, desde o primeiro momento em que pediu a fixação de residência temporária em Macau, declarava que residia em Zhuhai por várias razões, e mantinha as mesmas declarações nas posteriores renovações de tal autorização, nunca lhe foi suscitado qualquer obstáculo, porém, na última vez de pedido de renovação da fixação de residência temporária em Macau, foi indeferido o seu pedido, com base no simples facto de ele não residir em Macau, não obstante o relatório de registo de entradas e saídas de fronteiras mencionar que o Recorrente no ano de 2018 permanecia mais de 183 dias em Macau, decisão esta que a Entidade Recorrida tomou, para além de prejudicar a expectativa do Recorrente, constitui uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8º do CPA, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida. (…)»
XXXII - A recorrente sustenta e pugna que, contrariamente ao decidido pelo T.S.I. na decisão aqui recorrida, a conduta da Administração violou o princípio da boa-fé e da tutela da confiança na vertente de venire e que, pois, ao reter e omitir pelo menos de 2012 a 2019 a aposição de termo ou modo, ou ao nunca indicar expressamente um prazo mínimo de dias para, daí em diante, permanência na R.A.E.M., a Administração fez-se incorrer no instituto jurídico que vale como um dos remédios operativos face à violação da boa-fé, ou seja, a suppressio, cabendo a este propósito citar na doutrina portuguesa a Professora ANA GOUVEIA MARTINS in “Responsabilidade da Administração com fundamento na declaração de nulidade ou revogação de atos inválidos”, pg. 67 e 68: «(…) apesar de a boa-fé não ter, em geral, por efeito neutralizar a ilegalidade cometida, convalidando o acto ilegal, tem-se admitido a título excepcional que quando a administração considerou, «durante um longo espaço de tempo, uma dada situação conforme ao direito (apesar de ilegal), mas pretender agora, porque a manutenção dela já não lhe aproveita, invocar a sua nulidade», que a boa-fé obste à declaração dessa nulidade. Com efeito, o princípio da boa-fé proíbe actuações que consubstanciem um «venire contra factum proprium (ou proibição de comportamento contraditório) – de acordo com a qual se veda (ou impõe) o exercício de uma competência ou de um direito, quando tal exercício (ou não exercício) entra em flagrante e injustificada contradição com o comportamento anterior do titular, por este ter suscitado na outra parte uma fundada e legítima expectativa de que já não seriam (ou o seriam irreversivelmente) exercidas – a supressio ou verwirkung (que da anterior se distingue pelo facto de a dimensão temporal ganhar uma relevância autónoma), etc. Com efeito, em determinadas e circunscritas constelações de casos o princípio da boa-fé pode obstar à revogação ou à declaração da nulidade de actos administrativos ilegais por consubstanciar um exercício inadmissível de direitos. Nomeadamente é possível invocar a figura da supressio que determina a paralisação ou redução do conteúdo de certas posições jurídicas em função do seu não exercício durante um amplo lapso temporal, in casu, uma supressão de competências (…)».
XXXIII - Assim, nunca na outorga inicial ou nas 2 renovações tendo sido a recorrente informada ou cominada quanto à necessidade de permanecer em Macau certo número anual de dias – e bem sabendo a Administração, sempre e desde o início, que a recorrente morava e oferecera até domicílio para comunicação fora de Macau – a decisão a quo feriu o princípio da boa-fé e da tutela da confiança na sua dimensão de venire e, por conseguinte, deveria o T.S.I. ter judicialmente anulado o despacho prolatado pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças por violação do art. 8.º do C.P.A., devendo também o T.S.I. ter julgado que havia ficado suprimido o poder da Administração de cancelar o por si anteriormente decidido e, ao não ter assim interpretado e aplicado o art. 8.º do C.P.A., o T.S.I., ao coonestar o despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, fez, salvo o muito e justamente devido respeito, dele uma errada interpretação e aplicação, o que se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.as.
XXXIV - Pese embora se mencione em diversos segmentos da informação do I.P.I.M. em que que, por remissão, se fundamentou o despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças a aplicabilidade do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, o certo é que o acto recorrido alude e invoca o regime da nova Lei 16/2021 de 16 AGO, concretamente o seu art. 43.º, n.º 2, al. 3).
XXXV - A Lei 16/2021 de 16 AGO entrou em vigor a 17 NOV 2021, isto nos termos do seu art. 106.º e tendo em conta que foi publicada no Boletim Oficial de 16 AGO 2021 sendo que, no elenco taxativo dos diplomas revogados pela Lei 16/2021 de 16 AGO – cfr. o seu art. 105.º - não consta o Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, constando aliás, por fim, do art. 104.º da Lei 16/2021 de 16 AGO a expressa ressalva de que o Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR continuará a produzir todos os seus efeitos jurídicos até que, por via de “diplomas legais” – que não de “interpretação administrativa” nem também, aliás, “judicial” -, venha a ser alterado, suspenso ou revogado.
XXXVI - Assim, por esdrúxula essa invocação da Lei 16/2021 de 16 AGO em sede do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, deveria o T.S.I. tê-la julgado em violação de lei e, logo, anulado atento esse segmento da sua fundamentação de direito em que se louvou no regime sediado no art. 43.º, n.º 2, al. 3) da Lei 16/2021 de 16 AGO, errónea interpretação e aplicação de lei, sempre ressalvando o devido e justo respeito, que aqui se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.as.
XXXVII - E, por assim ser, a disciplina jurídica chamada a regular a situação jurídica deveria ter sido julgada ser (apenas dever ser), além do regime do C.P.A., aquela que consta do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, de acordo com o princípio tempus regit actum.
XXXVIII - Mudando de entendimento a Administração quanto ao por si antes decidido, pelo menos entre 2012 e 2019, tal modificação de entendimento viria a corresponder na esfera da recorrente a um eventual e superveniente decaimento dos requisitos originalmente aceites e exigidos à mesma, pelo que, perante tal novo entendimento – possivelmente conducente ao decaimento da situação juridicamente relevante na base da autorização de residência -, caberia legalmente ao I.P.I.M. – com o que o T.S.I. não concordou - ter fixado, informado e cominado a recorrente de qual o prazo para que, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005, constituísse uma nova situação que sustentasse o seu direito de residência: «(…) A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o recorrente se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo IPIM ou a alteração for aceite pelo órgão competente. (…)»
XXXIX - Tal reconstituição seria, in casu, o ónus de passar a recorrente, desse momento em diante, a permanecer determinado lapso temporal de dias por ano em Macau, sendo que, contudo, nunca o I.P.I.M. notificou a recorrente para que, a partir de determinado momento, passasse cominatoriamente a permanecer em Macau certo quantum de dias por ano.
XL - Considerando a omissão desse trâmite essencial colocado pela lei a cargo do I.P.I.M. - de fixação de um prazo para reconstituição de nova situação atendível -, esta mesma actuação procedimental omissiva do I.P.I.M. deveria ter sido enquadrada na segunda parte do citado n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR: «(…) A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o recorrente se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto para a Promoção do Investimento e Comércio de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente. (…)» (sublinhado nosso)
XLI - Apenas quando a recorrente foi notificada em 2019 para efeitos de audiência prévia, é que tomou pela primeira vez conhecimento de que o I.P.I.M. considerava a sua situação como desfavorável e que, como tal, a 3.ª renovação da sua autorização de residência outorgada em 2012 estaria em risco por não permanecer (nem antes ter permanecido!) certo número de dias por ano em Macau.
XLII - Tal fundamento, apontado pelo I.P.I.M. em sede de projecto de decisão de 2019, contrariou por completo a anterior conduta omissiva e silente do I.P.I.M. que, desde 14 NOV 2012 nunca lhe fixou qualquer prazo ou data para esta constituísse uma nova situação atendível (de permanência anual mínima), isto apesar de tal dever de fixação resultar da lei, apud n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR.
XLIII - Deveres de actuação procedimental esses que estão enquadrados na lei, indo ao encontro da primeira e da segunda partes do indicado n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR, não devendo, por isso, ter sido revogada à recorrente a sua autorização de residência.
XLIV - A recorrente está e sempre esteve de boa-fé, sempre tudo comunicando e informando ab initio ao I.P.I.M. – mormente que morava e tinha até domicílio para comunicação fora de Macau -, respeitando todas as suas obrigações.
XLV - Tal como já foi decidido pelo T.U.I. nos seus Acórdãos de 6 ABR 2011, tirado no Processo n.º 55/2010, e de 27 NOV 2013, tirado no Processo n.º 63/2013, tendo em ambos sido seu Juiz Relator o Exm.º Dr. VIRIATO LIMA, no regime do DL 14/95/M de 27 MAR (que continha norma idêntica à sediada na primeira parte do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 de 4 ABR): «(…) A alteração da situação jurídica do interessado não determina logo a perda da autorização de residência, pois isso depende de o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível pelo IPIM no prazo fixado por este. (…)» (Acórdão de 27 NOV 2013)
XLVI - A decisão ora recorrida, ao ter coonestado o despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, fez – salvo o muito justo e devido respeito - errada interpretação e aplicação quer da primeira quer da segunda parte do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento Administrativo 3/2005 e, consequentemente, atentos esses vícios de violação de lei, a decisão a quo deverá ser revogada por V. Ex.as”; (cfr., fls. 134 a 170).

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Respondendo, pugna a entidade administrativa pela integral confirmação do Acórdão recorrido; (cfr., fls. 174 a 179).

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Em sede de vista, e em douto Parecer – como já em sede do anterior recurso contencioso no Tribunal de Segunda Instância já tinha opinado – considerou (também) o Exmo. Representante do Ministério Público que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 190 e 190-v).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância indicou como “provada” a seguinte matéria de facto:

“1. Por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 27.02.2023, foi indeferido o recurso hierárquico interposto do despacho de indeferimento do pedido de renovação de autorização de residência, nos termos e com os fundamentos da Proposta nº PRO/00823/AJ/2022 elaborada pela IPIM, a qual consta de fls. 42 a 48 e traduzida a fls. 64 a 78 e com o seguinte teor:
«Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Despacho:
Nos termos da competência conferida pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta, indeferindo o recurso hierárquico necessário e mantém-se a mesma decisão.
O Secretário para a Economia e Finanças
(ass. e carimbo - vide originais)
B
27 de Fevereiro de 2023
Parecer:
Concordo com o conteúdo da presente proposta e submetê-la à apreciação e à aprovação do Secretário para a Economia e Finanças.
(ass.-vide original)
O Presidente, subst.º/ C
20.05.2022
Concordo com o conteúdo da presente proposta e submetê-la à apreciação do Presidente do Conselho de Administração, subst.º.
(ass.-vide original)
O Vogal Executivo/ D
20.05.2022
Concordo com o conteúdo da presente proposta. Analisado o presente recurso hierárquico necessário, e tendo revisto o processo, considera-se que o despacho proferido em 2 de Março de 2022 pelo Presidente do Conselho de Administração do IPIM é legal e adequado, pelo que se propõe a Vossa Excelência, Secretário para a Economia e Finanças, que exerça os poderes conferidos pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, para indeferir o recurso hierárquico necessário e manter o acto administrativo recorrido.
À consideração superior.
(ass.-vide original)
Dra. E/
Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
19 de Maio de 2022
Assunto: Sugestão de indeferimento do recurso hierárquico necessário (proc. n.º 0290/2008/03R)
Proposta n.º PRO/00823/AJ/2022
Data: 16/05/2022

Exma. Dra. E, Directora do Dept.º Jurídico e de Fixação de Residência
1. À recorrente, A, foi concedida, pela primeira vez, em 14 de Novembro de 2012, uma autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com base na aquisição de bem imóvel, e a respectiva autorização de residência temporária foi renovada em 17 de Setembro de 2019 até 11 de Março de 2022.
2. Como a recorrente não residia habitualmente na RAEM durante a duração de autorização de residência temporária, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM, no exercício dos poderes subdelegados pelo Secretário para a Economia e Finanças, fez o despacho em 2 de Março de 2022. Nos termos do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente o disposto na alínea 2) do artigo 42.º e na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, revogou a autorização de residência temporária concedida à recorrente A, válida até 11 de Março de 2020.
3. Em relação à decisão acima referida, este IPIM notificou, em 2 de Março de 2022, a recorrente, através do ofício n.º OF/00715/DJFR/2022, que foi entregue com sucesso em 10 de Março de 2022, de acordo com o registo de assinaturas dos Serviços de Correios e Telecomunicações (ver Doc. 1).
4. Nos temos do artigo 3.º do Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 68/2020, “Dos actos praticados no uso da competência ora subdelegada, cabe recurso hierárquico necessário.” Em resposta à decisão acima referida, a recorrente, através de advogado autorizado, apresentou o presente recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Economia e Finanças em 11 de Abril de 2022 (ver Doc. 2).
5. Em conformidade com o n.º 1 do 155.º do Código do Procedimento Administrativo, é de trinta dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário. o registo da assinatura e da recepção dos documentos relevantes mostra que a data de apresentação do recurso hierárquico necessário respeitou o prazo legal.
6. O principal conteúdo deste recurso hierárquico necessário é o seguinte:
1) Foi concedida à recorrente a autorização de residência temporária com base na aquisição de bem imóvel. Um dos objectivos legislativos deste regime jurídico é atrair investimento para Macau, promover o desenvolvimento do mercado imobiliário em Macau e aumentar as receitas fiscais de Macau. A recorrente obteve a autorização de residência temporária em Macau pelo facto de ter adquirido um imóvel em Macau e de ter pago os impostos de acordo com a lei, o que é diferente do sistema de concessão de autorização de residência para trabalhar em Macau ou para reunir com familiares;
2) No seu pedido inicial e nos pedidos de renovação subsequentes, a requerente informou a Autoridade Administrativa de que o seu local de residência habitual era na Indonésia ou na Malásia, ou seja, a Autoridade Administrativa tinha conhecimento de que a requerente sempre residiu fora de Macau. O facto de a Autoridade Administrativa também ter aprovado o pedido de renovação da recorrente significa que este foi reconhecido como “residente habitual” da recorrente em Macau;
3) Que não houve qualquer alteração dos factos supervenientes ou da situação jurídica da recorrente após a primeira concessão da autorização de residência temporária e as renovações dos pedidos, nem houve qualquer alteração ou aditamento aos requisitos de apreciação para a concessão da autorização de residência temporária durante o período, e que nunca houve qualquer menção nos regulamentos administrativos relevantes de um número mínimo ou obrigatório de dias de permanência em Macau, e que a recorrente não foi informada do número de dias de permanência ou do requisito de residência habitual em Macau no momento da concessão da autorização de residência temporária e no momento da renovação do pedido;
4) Para citar o ponto VI do extracto do acórdão do TSI, no proc. n.º 473/2019: “VI - O Recorrente, desde o primeiro momento em que pediu a fixação de residência temporária em Macau, declarava que residia em Zhuhai por várias razões, e mantinha as mesmas declarações nas posteriores renovações de tal autorização, nunca lhe foi suscitado qualquer obstáculo, porém, na última vez de pedido de renovação da fixação de residência temporária em Macau, foi indeferido o seu pedido, com base no simples facto de ele não residir em Macau, não obstante o relatório de registo de entradas e saídas de fronteiras mencionar que o Recorrente no ano de 2018 permanecia mais de 183 dias em Macau, decisão esta que a Entidade Recorrida tomou, para além de prejudicar a expectativa do Recorrente, constitui uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CPA, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida.” (O Recorrente, desde o primeiro momento em que pediu a fixação de residência temporária em Macau, declarava que residia em Zhuhai por várias razões, e mantinha as mesmas declarações nas posteriores renovações de tal autorização…. porém, na última vez de pedido de renovação da fixação de residência temporária em Macau, foi indeferido o seu pedido, com base no simples facto de ele não residir em Macau, não obstante o relatório de registo de entradas e saídas de fronteiras mencionar que o Recorrente no ano de 2018 permanecia mais de 183 dias em Macau, decisão esta que a Entidade Recorrida tomou, para além de prejudicar a expectativa do Recorrente, constitui uma violação do princípio da boa fé previsto no artigo 8.º do CPA, o que é razão bastante para anular a decisão recorrida. - esta tradução foi feita por nós)
5) Nesta base, é contrário ao princípio da boa fé que a Autoridade Administrativa revogou a autorização de residência temporária com base no facto de a recorrente não residir habitualmente em Macau;
6) Além disso, havia pelo menos cinco membros da família num caso semelhante ao da recorrente, mas a autorização de residência temporária não foi revogada, o que demonstra que a Autoridade Administrativa tomou decisões diferentes em situações semelhantes, em clara violação do princípio da igualdade;
7) Em conclusão, o acto administrativo recorrido é contrário aos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 16/2021, aos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 8/1999 e ao artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que solicita a Vossa Excelência, Senhor Secretário, a revogação da decisão e a manutenção da autorização de residência temporária da recorrente.
7. O recurso hierárquico necessário é analisado como segue:
1) Relativamente à pretensão de que a “residência habitual” não se aplica aos requerentes de autorização de residência temporária com base no investimento em bens imóveis, importa referir que o artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 prevê expressamente que “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau.” e que este Regulamento Administrativo não exclui a aplicação do regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau no que respeita à disposição de residência habitual. A recorrente do presente processo obteve uma autorização de residência temporária nos termos do regulamento administrativo acima referido e é uma interessada regida por esse regulamento, pelo que a Lei n.º 16/2021, o , através das disposições acima referidas, é aplicada subsidiaramente aos interessados com autorização de residência temporária, pelo que não é inadequado que a Autoridade Administrativa determine se a interessada tem residência habitual em Macau, nos termos do disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da referida Lei e nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999;
2) Além disso, o TUI e o TSI de Macau esclareceram repetidamente nos seus acórdãos que o requisito de autorização de residência (residência habitual), tal como estipulado no n.º 3 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, é aplicável ao Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, tal como estipulado nos artigos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 (vide acórdão do TUI, no proc. n.º 182/2020 e os acórdãos do TSI, no proc. n.º 738/2020, n.º 727/2020 e n.º 866/2020);
3) 儘管第16/2021號法律生效而廢止第4/2003號法律,但根據第16/2021號法律第102條(準用)的規定“其他法规準用現廢止的法例的规定,視為準用大法律或上條所指的補充法规的相應规定。第3/2005號行政法規第23條補充適用第16/2021號法律的相關規定,並參照上述司法見解,第16/2021法律第43條第2款(三)項有關通常居住的規定適用於本個案; Não obstante a entrada em vigor da Lei n.º 16/2021 que revoga a Lei n.º 4/2003, em conformidade com o artigo 102.º (remissão) da Lei n.º 16/2021 “As remissões existentes em outros diplomas para as disposições da legislação ora revogada consideram-se feitas para as correspondentes disposições da presente lei ou dos diplomas complementares referidos no artigo anterior”. O artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que é aplicável subsidiaramente o disposto na Lei n.º 16/2021 e, com referência à jurisprudência acima mencionada, alínea iii) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativo à residência habitual, é aplicável no presente caso;
4) Em suma, os requerentes que requeiram autorização de residência temporária ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, seja com base em investimento imobiliário, seja na qualidade de gestores e técnicos com qualificações especiais, devem, para além de manter os requisitos da situação jurídica em consideração no momento da sua concessão (cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 18.º e no n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005), satisfazer ainda os requisitos do artigo 23.º, que é aplicável, subsidiaramente, a disposição na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativos à residência habitual, sob pena de as consequências jurídicas da respectiva autorização de residência temporária serem desfavoráveis;
5) Por conseguinte, não pode ser procedente a pretensão do advogado autorizado da parte contrária.
6) Relativamente à alegação do advogado autorizado de que a Autoridade Administrativa tinha informado a recorrente da sua residência fora de Macau desde que pediu a residência temporária, a Autoridade Administrativa ainda aprovou o pedido de renovação da autorização de residência temporária da recorrente, mas a Autoridade Administrativa acrescentou a “residência habitual” como requisito de aprovação em 2022 sem qualquer base jurídica, e nunca informou a recorrente do número mínimo de dias que tinha de permanecer em Macau, citando o ponto VI do extracto do Acórdão do TSI, proc. n.º 473/2019, que argumentou que o acto administrativo recorrido era contrário ao princípio da boa fé;
7) Deve notar-se que o artigo n.º 23 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que é aplicável subsidiariamente o disposto na alínea 3) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, relativo à residência habitual em Macau, é regulamentado por lei e não pode ser aditado ou alterado por decisão da Autoridade Administrativa;
8) Independentemente de o pedido de renovação de uma autorização de residência temporária estar ou não a ser tratado ou aprovado, a Autoridade Administrativa continua a ser obrigada a investigar se a interessada cumpriu todos os requisitos legais, incluindo o facto de ter residência habitual em Macau, e a tomar medidas administrativas em conformidade com a lei se se provar que a interessada violou os requisitos legais pertinentes;
9) Em segundo lugar, o acórdão do TSI, no proc. n.º 550/2018 declarou que “Por não existir, por parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência temporária sobre o significado do conceito de residência habitual, não se pode dizer violado o princípio da boa-fé se o IPIM nunca chegou, antes da declaração de caducidade da autorização de residência, a esclarecer ao interessado aquele conceito.” Verifica-se que não existe qualquer obrigação legal por parte da Administração de informar a requerente de autorizações de residência temporária sobre a sua “residência habitual”;
10) Note-se que a Autoridade Administrativa nunca tinha confirmado a residência habitual da recorrente em Macau antes da prática do acto recorrido, pelo que a Autoridade Administrativa não tinha dado à recorrente uma expectativa razoável da sua residência habitual em Macau, pelo que não deve ser interpretada como violando o princípio da boa fé quando a Autoridade Administrativa examina a residência habitual da recorrente em Macau em conformidade com a lei e tomou uma decisão relevante sobre os factos contra a interessada.
11) Quanto à citação pelo advogado autorizado do ponto VI do extracto do acórdão do TSI, no proc. n.º 473/2019 em apoio da sua argumentação; para além do devido respeito, invoca o acórdão do TUI, proc. n.º 182/2020, que anulou o Acórdão do Tribunal Colectivo do TSI acima referido, “Verificada não estando a “residência habitual” na R.A.E.M. do requerente de uma renovação da sua autorização de residência temporária, necessária é a decisão do seu indeferimento por parte da Administração, nenhuma violação ao “princípio da boa fé” ocorrendo com tal decisão.”
12) Por conseguinte, o acto administrativo recorrido não violou o princípio da boa fé.
13) O facto de o advogado autorizado ter indicado a violação do princípio da igualdade ao afirmar que a Autoridade Administrativa tinha tomado decisões diferentes em circunstâncias semelhantes;
14) A recorrente não comprovou os factos da sua alegação (disposto no n.º 1 do art. 87.º do Código do Procedimento Administrativo) e não há vício de violação do princípio da igualdade, uma vez que a recorrente não comprovou a existência de uma situação em que tenha sido concedida residência temporária a um interessado na mesma situação, enquanto o seu pedido não foi aprovado.
15) Note-se que a premissa factual de cada caso administrativo é diferente e, no caso em apreço, a premissa factual do caso foi examinada pela Autoridade Administrativa em conformidade com a lei e a decisão relevante foi tomada em conformidade com a lei, o que constitui uma manifestação dos princípios da legalidade e do interesse público.
16) Por conseguinte, não se considerou que o acto administrativo recorrido violasse o princípio da igualdade.
17) É importante sublinhar que a Autoridade Administrativa determina se a recorrente tem residência habitual em Macau nos termos do n.º 3 do artigo 4.º e do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, “relevam as circunstâncias pessoais e da ausência, nomeadamente: 1) O motivo, período e frequência das ausências; 2) Se tem residência habitual em Macau; 3) Se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; 4) O paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores.”
18) No caso em apreço, a Autoridade Administrativa identificou, através dos registos de entrada e saída fornecidos pelo Corpo da Polícia de Segurança Pública, que o número de dias que a recorrente permaneceu em Macau entre 2013 e 31 de Janeiro de 2022 foi de 14, 9, 0, 0, 6, 0, 5, 0, 0, 0 e 0 dias, respectivamente, tornando claro que esteve ausente de Macau durante um longo período de tempo;
19) O recurso hierárquico necessário não indicou os motivos da ausência da recorrente de Macau durante o referido período, limitando-se a mencionar na resposta que esteve ausente de Macau devido à cirurgia pós-natal e ao novo coronavírus em 2020, tendo este motivo sido considerado e analisado em conformidade na proposta do acto recorrido;
20) Daí que se cita o acórdão do TUI, proc. n.º 182/2020 que, “a qualidade de ‘residente habitual’, implica, necessariamente, uma ‘situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, na medida em que aquela pressupõe também um ‘elemento de conexão’, expressando uma ‘íntima e efectiva ligação a um local’ (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência.” Daí que se mostre de exigir não só o “corpus” de uma “permanência” da interessada num determinado território, mas que seja esta acompanhada de “animus” de uma verdadeira “intenção de se tornar residente” deste mesmo território.”
21) Tal como referido pelo advogado autorizado, a recorrente tem residido fora de Macau desde a concessão da autorização de residência temporária e é evidente, através dos registos de entrada e saída, que não possui o dito “corpus” de residência habitual. Mesmo que a recorrente tenha adquirido um imóvel em Macau, não estabeleceu uma residência habitual em Macau. A julgar pelos assuntos pessoais e da vida quotidiana da recorrente, é difícil reflectir que estabeleceu laços reais e estreitos com Macau, e não existe qualquer “animus” da sua intenção de se tornar residente de Macau.
22) Em conclusão, a Autoridade Administrativa concluiu que a recorrente não residiu habitualmente em Macau durante o período da autorização de residência temporária, com base no reduzido número de dias que permaneceu em Macau durante o período da autorização de residência temporária, e com base em várias informações, tendo em conta as várias circunstâncias referidas no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999;
23) Nestes termos, a decisão do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, de 2 de Março de 2022, de revogar a autorização de residência temporária da recorrente, válida até 11 de Março de 2022, não é ilegal nem é imprópria, nem indicou a violação de qualquer regulamento e princípio legal.
8. Em conclusão, após análise do recurso hierárquico necessário e revisão do presente processo, o Despacho do Presidente do Conselho de Administração do IPIM, datado de 2 de Março de 2022, é legal e adequado, pelo que se propõe solicitar a Vossa Excelência, Secretário para a Economia e Finanças, que exerça os poderes conferidos pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 3/2020, para indeferir o recurso hierárquico necessário e manter o acto administrativo recorrido
As referidas opiniões são submetidas à vossa apreciação e aprovação.
A técnica auxiliar,

(ass.-vide original)
F
16 de Maio de 2022
A Gerente da Divisão dos Assuntos Jurídicos,
(ass. e carimbo-vide originais)
G
17 de Maio de 2022»
”; (cfr., fls. 109 a 117).

Do direito

3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, vem A recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.01.2024, com o qual se lhe negou provimento ao anterior recurso contencioso em sede do qual peticionava a revogação da decisão do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS que indeferiu a renovação da sua autorização de residência temporária em Macau.

Da análise e reflexão que sobre o que dos presentes autos consta assim como do que agora vem alegado, cremos que não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Vejamos.

No seu Acórdão, e aderindo ao douto Parecer do Ministério Público, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do indeferimento do recurso hierárquico que dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças do acto do proferido pelo Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) que revogou a autorização de residência temporária da Recorrente na RAEM.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual, pronunciando-se sobre cada um dos fundamentos invocados pela Recorrente, pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
Começa a Recorrente por alegar que o acto administrativo violou o princípio da legalidade naquilo que designa como «a dimensão da auto-vinculação da administração ao seu próprio agir procedimental perante a recorrente».
Salvo o devido respeito, não nos parece que assim seja.
É certo, como assinala a Recorrente, que a sua autorização de residência temporária na RAEM foi renovada por duas vezes, antes da renovação da autorização que foi revogada pelo acto recorrido. Contudo, daí não decorre, contrariamente ao que vem alegado, que a Administração tenha violado qualquer caso decidido – que não existe – nem que tenha violado o princípio da legalidade. Pelo contrário, aliás. A Administração actuou no cumprimento das normas legais que considerou aplicáveis à situação, sem prejuízo, claro está, de se poderem discutir os termos da interpretação e a aplicação dessas normas, nomeadamente, se a mesma foi ou não correcta.
De resto, a Recorrente parece incorrer num equívoco. A chamada auto-vinculação da Administração não é, como bem se compreende, uma dimensão do princípio da legalidade, mas, antes, uma decorrência do princípio da igualdade e do princípio da boa fé na dimensão da protecção da confiança e a essa luz deve ser apreciada. É o que faremos de seguida.
(ii.)
(ii.1.)
A operatividade da tutela da confiança, a que a nossa lei dá guarida expressa na norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do Código do Código Procedimento (CPA), a qual impõe à Administração a consideração «da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa», depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, embora em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos. Com efeito, a Recorrente não alegou qualquer conduta da Administração, no momento da autorização de residência e bem assim nos momentos das renovações subsequentes que tivessem sido ou sequer pudessem ter sido criadoras de expectativas quanto à irrelevância do local da sua residência habitual para a manutenção e para a renovação da autorização de residência.
Não cremos que se possa afirmar, como faz a Recorrente no artigo 35.º da sua douta petição inicial que a Administração a reconheceu como residente habitual. Importa notar que, na proposta que serviu de fundamentação ao acto recorrido, a Administração, expressamente afirma que, antes desse acto, nunca tinha confirmado a residência habitual da Recorrente em Macau (cfr. fls. 74 dos presentes autos), de modo que, sempre ficaria por provar a alegação constante do artigo 43.º da petição inicial de que a Administração sabia que a Recorrente vivia e habitava fora de Macau. No limite, teria havido uma conduta omissiva da Administração, a qual, em todo o caso, sempre seria de reputar como legalmente indevida e, portanto, insuficiente para fundar uma confiança legítima. A simples inércia da Administração no exercício das competências que a lei lhe defere não é bastante, segundo cremos, para fundar na esfera do particular expectativas dignas de tutela jurídica no sentido de que tais competências não serão exercidas em momento posterior.
De resto, também nos parece que não foi alegado nem está demonstrado qualquer investimento de confiança por parte da Recorrente que justifique a tutela, isto é, um nexo de causalidade entre qualquer confiança criada pela Administração e a falta de residência habitual da Recorrente em Macau. O que aconteceu foi que, a Recorrente não residiu habitualmente em Macau porque, erradamente, como justificaremos de seguida, estava convencida de que a manutenção do seu estatuto de residente não dependia dessa circunstância. Isto não corresponde, porém, a um investimento de confiança.
(ii.2.)
O ponto é este. Contrariamente ao que é alegado pela Recorrente, a norma do 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, segundo a qual, «é subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau», é aplicável a todas as autorizações de residência temporária deferidas ao abrigo daquele Regulamento, independentemente do respectivo fundamento. Por isso, também nas situações em que o fundamento da autorização de residência foi a concretização de investimentos imobiliários nas RAEM, a lei exige, como condição da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, que os interessados residam habitualmente na RAEM. Tem sido essa a interpretação seguida reiteradamente pelos nossos Tribunais (assim, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020, embora, nesse caso, não estivesse em causa uma situação de autorização de residência com fundamento em investimento e, no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos nos processos com os nºs 993/2021, 1053/2021 e 17/2022).
Compreende-se, aliás, a uma certa luz, o sentido daquela exigência atinente à residência habitual. Com efeito, a autorização de residência temporária é concedida na perspectiva da futura aquisição do estatuto da residência permanente por parte dos interessados e esta, como resulta do disposto no artigo 24.º da Lei Básica e do artigo 1.º das Lei n.º 8/1999, depende de que tenha havido residência habitual em Macau durante, pelo menos, sete anos consecutivos.
Assentando nisto, a consequência lógica que daí decorre é a de que a Administração, por imposição do princípio da legalidade, não podia deixar de proceder à verificação do pressuposto da manutenção da autorização de residência temporária respeitante à residência habitual em Macau. Já o devia ter feito, é certo, mas nada a impedia, bem pelo contrário, de o fazer, como efectivamente fez, através do acto administrativo agora em crise.
(ii.3.)
Além disso, também se não vê o fundamento legal para exigir à Administração que tivesse informado a Recorrente de que estava obrigada a residir habitualmente em Macau, uma vez que, como vimos, se trata de um pressuposto de manutenção da autorização de residência que se encontra legalmente previsto. Pelo mesmo motivo e contrariamente ao alegado pela Recorrente, não encontramos razão legal que impusesse à Administração a aposição de uma cláusula acessória, fosse uma condição, fosse um modo, ao acto recorrido e da qual pudesse resultar para a Recorrente a referida obrigação de residir habitualmente em Macau.
(iii.)
A Recorrente também alega que a disciplina que regula a situação é a do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e não a da Lei n.º 16/2021 e que, por isso, também haveria violação de lei. Com todo o respeito, esta alegação não tem qualquer fundamento que a suporte.
A Administração aplicou, como se impunha, o Regulamento Administrativo n.º 3/2005. O que acontece é que este, como antes vimos, no seu artigo 23.º, remete para a aplicação subsidiária do regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau, o qual consta da Lei n.º 16/2021, em vigor no momento da prática do acto. Não há, portanto, qualquer aplicação indevida deste diploma legal.
(iv.)
A Recorrente termina a douta petição inicial do seu recurso contencioso invocando a violação do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Em seu entender, essa norma impunha à Administração o dever, que esta não teria observado, de fixar um prazo à Recorrente para constituir nova situação que sustentasse o seu direito de residência (artigo 66.º da petição inicial), nomeadamente, permanecendo em Macau por um certo número de dias.
Também neste ponto se nos afigura que o recurso não pode proceder.
Desde logo, porque, o acto que determinou a revogação da residência temporária da Recorre se não fundamentou na norma do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e, como sabemos, o Tribunal aprecia a legalidade do acto em função da respectiva fundamentação.
Depois, porque ainda que assim não fosse, a verdade é que essa norma não é aplicável à situação em apreço. O que dela resulta é que «o interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização» (artigo 18.º, n.º 1) e que «a autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente» (artigo 18.º, n.º 2). Ora, como facilmente se constata, não é isto o que aqui está em causa. A Recorrente manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da residência, já que manteve o investimento que fez em Macau, e daí que, como parece óbvio, se não justificasse a notificação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 18.º do citado Regulamento.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».

Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.

No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004”; (cfr., fls. 117 a 120-v).

Expostas que assim ficaram as “razões” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a negar provimento ao anterior recurso contencioso da ora recorrente, pouco se mostra de acrescentar, já que, sendo aquelas claras, e dando cabal resposta às questões pela recorrente colocadas, necessária não se apresenta uma abundante fundamentação para se chegar à solução que temos como adequada.

Com efeito, em face da factualidade considerada assente e atrás retratada e dos motivos de (facto e de) direito já expostos, cabe perguntar: qual o “vício” pela entidade administrativa cometido que poderia, (eventualmente), justificar uma diversa decisão do Tribunal de Segunda Instância em sede do recurso contencioso aí interposto?

Ora, (compreendendo-se, certamente, o inconformismo da ora recorrente, e sem prejuízo do muito respeito por melhor opinião), temos para nós que a resposta é que não se incorreu em “nenhum vício” de “violação de Lei” pela ora recorrente imputado, (ou outro), que pudesse dar lugar à pretendida declaração de invalidade – nulidade ou anulação – do acto administrativo então objecto do recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

Vejamos.

Antes de mais, vale a pena aqui atentar no que segue.

Este Tribunal de Última Instância tem vindo a considerar que:

“Se num recurso jurisdicional de decisão do Tribunal de Segunda Instância proferida em recurso contencioso, o recorrente se limita a repetir a argumentação utilizada no anterior recurso contencioso, não impugnando os fundamentos utilizados pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância para julgar improcedente o recurso contencioso, a decisão do recurso jurisdicional limita-se a negar provimento a este recurso, sem necessidade de conhecer do mérito da argumentação utilizada”; (cfr., v.g., os Acs. de 25.05.2016, Proc. n.° 10/2016, de 20.05.2020, Proc. n.° 33/2020 e de 19.10.2022, Proc. n.° 84/2022).

No caso do presente recurso jurisdicional, e, em bom rigor, cremos que limita-se a ora recorrente a reproduzir as “questões” e “considerações” antes já colocadas e expostas nas “conclusões” que produziu em sede do seu anterior recurso contencioso apresentado no Tribunal de Segunda Instância, nada acrescentando de novo.

E, dest’arte, vista se nos apresenta a solução a adoptar.

Ponderando, porém, que “São atribuições dos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, (cfr., art. 4° da Lei n.° 9/1999), cabendo-lhes também o dever de proporcionar não só uma “paz jurídica”, mas, igualmente, uma “paz social”, não se deixa de consignar o que segue.

Relativamente à matéria em litígio nos presentes autos – ou seja, quanto a decisões sobre a “renovação de autorização de residência” em Macau – já teve este Tribunal oportunidade de considerar que:

«A “residência habitual” é um “conceito indeterminado”, sindicável pelos Tribunais, implicando, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, que pressupõe um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência”, sendo de se ponderar “não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social.
A mera “ausência temporária” de uma pessoa a quem tenha sido concedida autorização para residir em Macau não implica a necessária conclusão que tenha deixado de “residir habitualmente” em Macau.
De facto, nos termos do art. 43°, n.° 5 da (nova) Lei n.° 16/2021:
“(…) não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”.
Verificando-se porém que no período de vários anos o interessado tão só manteve uma “escassa permanência” em Macau, e sem que nada mais resulte dos autos, viável não é considerar-se que tem “residência habitual”»; (cfr., v.g., os Acs. de 27.01.2021, Proc. n.° 182/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 190/2020, de 12.10.2022, Proc. n.° 143/2021, e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 10.02.2023, Proc. n.° 10/2023 e de 28.02.2024, Proc. n.° 13/2024).

In casu, por motivos de “investimento”, em 14.11.2012, à ora recorrente foi concedida “autorização de residência temporária em Macau”, ao abrigo do estatuído no Regulamento Administrativo n.° 3/2005; (cfr., ponto 1°, n.° 1 da matéria de facto).

E, após “uma renovação”, veio-se a verificar que nos vários anos em que tal “autorização” se manteve, a ora recorrente “não residiu habitualmente em Macau”, indeferindo-se, então, em 02.03.2022, o pedido de uma nova – segunda – renovação pela mesma apresentado, (visto estando que foi o assim decidido “confirmado” pelo Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância, e que outra solução não se vislumbra que pudesse adoptar).

Com efeito, atento o estatuído no art. 23° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005 – onde se preceitua que “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau” – dúvidas não parece que possam existir que, a “residência permanente em Macau”, constitui pressuposto legal (necessário) de todas as “situações” de renovação da autorização de residência – cfr., art. 9°, n.° 3 da Lei n.° 4/2003, onde se estatui que “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência”, o mesmo sucedendo com o art. 43°, n.° 2, alínea 3) da Lei n.° 16/2021, que revogou a anterior Lei n.° 4/2003 – e, por isso, também à ora recorrente aplicável.

E, nesta conformidade, e ainda que se nos mostre de dizer que, efectivamente, melhor seria que a referida “falta de residência habitual da ora recorrente em Macau” tivesse sido objecto de tempestiva ponderação e apreciação, (aquando da “primeira renovação”, e, assim, há muito que resolvida estaria a situação), cabe consignar que, de tal “omissão”, (ou “inércia”, ainda que assente em eventual equívoco), não resulta nenhuma razão ou justificação legal para se poder considerar que a favor da mesma se constituiu uma “expectativa legítima, juridicamente reconhecida e exigível”, no sentido de – em frontal e expressa colisão com o estatuído no regime legal sobre a matéria aplicável – se lhe dever ser, ou passar a ser, (para sempre), dispensada a exigência de tal pressuposto da “residência habitual em Macau”, (para efeitos de renovação da sua autorização de residência).

Na verdade, não se pode olvidar que a referida “conduta administrativa” antes adoptada relativamente à situação da ora recorrente, até mesmo porque nunca lhe foi – expressamente – declarado e reconhecida a isenção de tal “pressuposto”, não integra nenhuma “situação” (ainda que equiparável à) de “caso julgado” ou de “direito adquirido”, não constituindo também, e de forma alguma, qualquer tipo de “auto-vinculação administrativa”, (ou outro obstáculo à decisão adoptada), da mesma não se podendo extrair, (para além do que já se referiu), a mais pequena razão justificativa para se considerar como existente uma cometida “ilegalidade”, censura (jurídico-legal) não se podendo fazer assim a decisão administrativa que, com base na constatada “ausência de residência habitual” da ora recorrente, acabou por não acolher a pretensão de renovação da sua autorização de residência em Macau, o mesmo se mostrando de dizer relativamente ao Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância que decidiu nos termos já relatados.

Por fim, e em abreviada síntese, uma última observação.

Bate-se ainda a recorrente, invocando o estatuído no art. 18°, n.° 2 do Regulamento Administrativo n.° 3/2005.

Ora, preceitua-se neste comando legal que:

“A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente”.

E, como – muito bem – nota o Ministério Público, a norma em questão, não é aplicável à situação dos autos, pois que a recorrente não deixou de manter o “investimento” que efectuou em Macau, esta sendo a “situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização” no mesmo preceito legal referida, e, não, a (posterior) “residência permanente em Macau” que, para o caso, devia ser, o (verdadeiro) “fim” com aquela pretendido, e que, pelos vistos, não era, nem foi, desejado e observado.

E, assim, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Nos termos do que se deixou exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 192 a 211-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificada do assim decidido, veio a recorrente reclamar para a Conferência, alegando – em síntese – que a decisão proferida padecia de “erro de julgamento” por “errada aplicação da lei”, insistindo no entendimento que em sede da motivação do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 215 a 257).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Vem a recorrente dos presentes autos reclamar da “decisão sumária” pelo ora relator proferida e que atrás se deixou (integralmente) transcrita.

Porém, sem embargo do muito respeito por opinião em sentido distinto, e, (re)ponderando nos motivos de facto e de direito da dita “decisão”, assim como nas “razões” pela mesma recorrente apresentadas na sua reclamação agora em questão, evidente se nos mostra que não se pode reconhecer qualquer mérito à sua pretensão.

Na verdade, a decisão sumária agora reclamada (e atrás transcrita), apresenta-se clara e isenta de qualquer obscuridade ou ambiguidade, com a mesma se dando cabal resposta a todas as “questões” colocadas, mostrando-se, igualmente, acertada quanto à “solução” a que se chegou, encontrando-se, aliás, em total harmonia com o entendimento que esta Instância tem vindo a assumir (nos Acórdãos já referidos) perante idênticas situações.

Porém, volta a recorrente ora reclamante a insistir no seu ponto de vista, afirmando que a decisão administrativa em questão viola o “princípio da legalidade”, agindo em sentido contrário à sua própria auto-vinculação, violando também o “princípio da boa fé e da tutela da confiança”, e que, as decisões judiciais que assim não entenderam, como é o caso da decisão sumária ora reclamada, fizeram uma errada interpretação e aplicação da Lei.

Ora, compreendendo-se – e respeitando-se – o inconformismo da ora reclamante, mas constatando-se que a mesma se limita a repetir (integralmente) os mesmos “argumentos” que foram objecto de apreciação na decisão sumária agora reclamada, que como se viu, deu cabal e adequada resposta às questões suscitadas, mostrando-se de aqui sublinhar que uma (mera) anterior conduta omissiva da Administração, que sempre se devia de considerar inadequada e indevida, se nos apresenta manifestamente insuficiente e irrelevante para justificar qualquer confiança ou legítima expectativa do administrado na sua repetição, não se vislumbrando assim nenhum dos vícios pela ora reclamante imputados.

Dest’arte, nenhuma censura merecendo a decisão sumária em questão, e sendo de aqui se confirmar e dar como integralmente reproduzida, visto está que se terá de decidir pela improcedência da presente reclamação, imperativa sendo a deliberação que segue.

Decisão

III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Pagará a reclamante a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 29 de Maio de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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