Processo nº 49/2024(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
I. Aos 17.05.2024, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Jurisdicional a seguinte decisão sumária, (que se passa a transcrever na sua íntegra):
“Ponderando no teor da decisão recorrida, nas “questões” pela ora recorrente colocadas, e considerando-se que a possibilidade pelo legislador conferida de se decidir sumariamente um recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, entende-se que o presente recurso deve ser objecto de “decisão sumária”; (cfr., art. 149°, n.° 1 do C.P.A.C. e art. 621°, n.° 2 do C.P.C.M., podendo-se também, v.g., ver C. Pinho in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 419, e as “decisões sumárias” proferidas nos autos de recursos jurisdicionais n°s 69/2020, 68/2020, 75/2020, 147/2020, 47/2021, 49/2021, 83/2021, 94/2021, 98/2021, 93/2021, 107/2021, 108/2021, 112/2021, 126/2021, 142/2021, 26/2022, 17/2022, 46/2022, 118/2022, 10/2023, 184/2020, 132/2022, 39/2023, 128/2022, 5/2023, 34/2023, 52/2023, 44/2022, 61/2023, 13/2024, 12/2024, 65/2023, 25/2024, 35/2024 e 44/2024).
*
Nesta conformidade, passa-se a decidir do presente recurso.
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Relatório
1. A (甲), e a sua esposa B (乙), devidamente identificados nos autos, recorreram para o Tribunal de Segunda Instância da decisão do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS datada de 20.01.2023 que lhes indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária; (cfr., fls. 2 a 34 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.01.2024, (Proc. n.° 188/2023), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 413 a 425).
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Inconformados, trazem os mesmos recorrentes o presente recurso jurisdicional, insistindo nos mesmos argumentos que apresentaram no seu anterior recurso contencioso; (cfr., fls. 441 a 451).
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Respondeu a entidade administrativa pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido, (cfr., fls. 458 a 464), e remetidos os autos a esta Instância, foram os mesmos com vista ao Exmo. Representante do Ministério Público que, em douto Parecer, considera igualmente que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 474 e 474-v).
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Nada obstando, cumpre conhecer.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:
“Parecer do Secretário para a Economia e Finanças
Conforme as competências delegadas pela Ordem Executiva n.º 3/2020, concordo com a análise da presente proposta, e nos termos do disposto no artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, subsidiariamente aplicável por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefiro o pedido de renovação da autorização de residência temporária do Requerente e do seu membro do agregado familiar ao qual é extensiva a autorização de residência temporária.
O Secretário para a Economia e Finanças
(Ass.: Vide o original)
Lei Wai Nong
20/01/2023
Assunto: Apreciação do pedido de autorização de residência temporária
Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência:
1. Dados de identificação dos interessados:
N.
Nome
Relação
Documento de identificação /número
Documento de identificação
válido até
Autorização de residência temporária válida até
Data do pedido de extensão pela primeira vez
1
A
Requerente
Passaporte da China
XXXXXXXX
2026/08/10
2021/02/25
Não aplicável
2
B
Cônjuge
Passaporte da China
XXXXXXXX
2026/08/10
2021/02/25
2013/12/02
2. Em 08/08/2014, foi concedida, pela primeira vez, ao Requerente A a autorização de residência temporária.
3. Os elementos do processo revelam que existe relação conjugal entre o Requerente A e o cônjuge B (cfr. fls. 15 a 19).
4. Conforme os elementos do processo, não se verifica qualquer infracção penal do Requerente A e do cônjuge B (cfr. fls. 20 e 24).
5. Em 08/08/2014, foi concedida ao Requerente, pela primeira vez, a autorização de residência temporária, os fundamentos da autorização são os seguintes (cfr. 416 a 421):
Designação comercial:
[Empresa(1)]
Capital registado:
100.000,00 patacas
Registo da constituição:
05/08/2010
Proporção das acções:
50%, equivalente a $50.000,00 patacas
Data de início da actividade:
05/08/2010
Objecto social:
Comércio de exportação e importação por grosso e a retalho de mobílias e materiais de construção, angariação de clientes em representação de proprietários, gestão de mobílias e materiais de construção e a sua exploração na qualidade de representante, gestão de condomínios, tratamento de formalidades administrativas na qualidade de representante, edição, distribuição e publicação de jornais e revistas
Endereço da operação:
1.) [Endereço(1)]1
2.) [Endereço(2)], Macau (arrendamento)
6. Segundo o plano de investimento e os respectivos documentos apresentados pelo Requerente para o efeito de pedido pela primeira vez de autorização de residência temporária, o valor total do projecto de investimento do Requerente foi de MOP$4.440.890,00, e conforme o mapa-guia de pagamento das contribuições para o Fundo de Segurança Social do segundo trimestre de 2014, a referida Companhia contratou 14 trabalhadores locais, é distribuidora de várias marcas internacionais no âmbito do referido projecto de investimento e estabeleceu o “[Centro de Compras de One Stop]” que visa prestar serviços de one stop da venda de mobílias, acessórios, artigos domésticos e materiais de construção, de modo a melhorar a antiga forma de venda independente das mobílias e materiais de construção de Macau, trazer competitividade para a indústria e ajudar o desenvolvimento económico geral de Macau. Através dos referidos documentos, comprovou-se que o valor de investimento da Companhia foi aceitável, dando certas contribuições ao mercado laboral de Macau, pelo que, o referido investimento foi considerado interesse para Macau e em consequência foi concedida ao Requerente a autorização de residência temporária em 08/08/2014, com a validade até 08/02/2016 (cfr. fls. 416 a 421).
7. Em 11/12/2015, o Requerente apresentou, pela primeira vez, o pedido de renovação da autorização de residência temporária (n.º 0650/residência/2013/01R) a este Instituto. Após a análise dos documentos comprovativos de investimento apresentados pelo Requerente para o efeito de renovação, comprovou-se que o Requerente ainda mantinha a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, a Companhia já cumpriu as obrigações de apresentar as declarações financeiras e pagar os respectivos impostos por mais de um ano e o referido investimento já foi determinado no pedido, pela primeira vez, de autorização de residência temporária, pelo que, tendo em conta que o referido projecto de investimento era relevante, foi dada uma proposta positiva ao pedido de renovação da autorização de residência temporária. Em 07/01/2017, a autorização de residência temporária do Requerente foi renovada até 25/02/2018 (cfr. fls. 422 a 425).
8. Posteriormente, em 12/09/2017, o Requerente apresentou, pela segunda vez, o pedido de renovação da autorização de residência temporária a este Instituto (n.º 0650/residência/2013/02R). O investimento do Requerente em Macau já foi determinado na concessão da autorização de residência temporária pela primeira vez e foi concretizado na RAEM desde então. Analisando os documentos comprovativos de investimento apresentados pelo Requerente para efeito de renovação, comprovou-se que o Requerente tinha as condições relevantes que fundamentaram a concessão da autorização de residência temporária e a referida Companhia já cumpriu as obrigações de declarar e pagar os impostos, pagou as contribuições para o Fundo de Segurança Social e não se verificou sinal de a Companhia ter cessado o funcionamento ou deixar de funcionar, pelo que, foi dada uma proposta positiva ao pedido de renovação da autorização de residência temporária. Em 28/02/2018, a autorização de residência temporária do Requerente foi renovada até 25/02/2021 (cfr. fls. 426 a 430).
9. Para a renovação desta vez, o Requerente apresentou a este Instituto os referidos documentos comprovativos de investimento que revelam os seguintes dados (cfr. documentos de fls. 27 a 150 e 318 a 415):
Designação comercial:
[Empresa(1)]
Capital registado:
100.000,00 patacas
Proporção das acções:
50%, equivalente a $50.000,00 patacas
Objecto social:
Comércio de exportação e importação por grosso e a retalho de mobílias e materiais de construção, compra, venda e arrendamento das lojas em representação de proprietários, prestação de serviços de gestão e exploração na qualidade de representante, gestão de condomínios, tratamento de formalidades administrativas na qualidade de representante, edição, distribuição e publicação de jornais e revistas, angariação de clientes em representação de proprietários, prestação de serviços de internet
Endereço da operação:
1.) [Endereço(1)]2
2.) [Endereço(2)] (uso gratuito, cfr. fls. 9)
10. Conforme o formulário para o “pedido de autorização de residência temporária na RAEM por categorias (investimentos relevantes/projectos de investimento relevantes)” apresentado pelo Requerente em 29/10/2020 (cfr. fls. 8), o Requerente declarou que o valor investido em 2019 e o valor estimado para o investimento em 2020 da Companhia foram, respectivamente, de MOP$19.938.663,00 e de MOP$20.150.000,00, prevendo contratar 104 trabalhadores locais nos dois anos. Conforme o relatório dos auditores independentes emitido pela Sociedade de Contabilistas G, apresentado pelo Requerente (cfr. fls. 59 a 78 512 a 527), o rendimento da Companhia em 2019 e 2020 foi de MOP$19.254.959,00 e de MOP$21.033.964,00, respectivamente. As despesas com pessoal (MOP$18.087.122,00) e outras despesas de exploração (MOP$1.851.540,00) em 2019 foram totalmente de MOP$19.938.662,00, as despesas com pessoal (MOP$19.484.930,00) e outras despesas de exploração em 2020 (2.189.909,00) foram totalmente de MOP$21.674.839,00, sendo que os valores investidos nesses dois anos não foram inferiores aos previstos. Segundo os recibos do pagamento de contribuições para o Fundo de Segurança Social apresentados, a Companhia contratou 116 trabalhadores locais no 3.º mês do 3.º trimestre do ano de 2020 (cfr. fls. 147 a 148), o que foi mais ou menos do que o previsto. Os referidos dados revelam que a Companhia ainda estava em operação, o valor investido pelo Requerente em 2020 (MOP$21.674.839,00*50%=MOP$10.837.419,50) e o número de trabalhadores locais contratados em 2020 (116*50%=58) não foram inferiores aos que fundamentaram a concessão da autorização de residência temporária (MOP$4.440.890,00 e 14*50%=7 trabalhadores locais). Dado que houve perdas em 2019 e 2020, a Companhia não precisou de pagar o imposto complementar de rendimentos.
11. Para verificar a situação da operação da Companhia, este Instituto realizou inspecção à sede da pessoa colectiva da “[Empresa(1)]” e ao seu estabelecimento que respectivamente se situam na “[Endereço(1)], Macau” e na “[Endereço(2)], Macau”. Conforme o relatório de inspecção, a Companhia tem sinais de operação (cfr. fls. 431 a 453).
12. Além disso, o investimento do Requerente já foi determinado no pedido pela primeira vez de autorização de residência temporária, os documentos apresentados para o pedido de renovação desta vez e o relatório de inspecção revelam que a “[Empresa(1)]” ainda está em operação e o número de trabalhadores locais por si contratados não é inferior ao número original, o que demonstra que o Requerente mantém a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária.
13. Para apurar se os interessados residem habitualmente em Macau durante o período de residência temporária autorizada, este Instituto, através do ofício n.º OF/00458/DJFR/2021, de 28/01/2021, solicitou ao CPSP para fornecer os registos de entrada e saída dos interessados e os referidos dados são os seguintes (cfr. fls. 465 a 470):
Período (Requerente A)
Número de dias de permanência em Macau
1/1/2015 a 31/12/2015
15
1/1/2016 a 31/12/2016
8
1/1/2017 a 31/12/2017
13
1/1/2018 a 31/12/2018
8
1/1/2019 a 31/12/2019
0
1/1/2020 a 31/12/2020
0
1/1/2021 a 31/12/2021
4
Período (cônjuge B)
Número de dias de permanência em Macau
1/1/2015 a 31/12/2015
17
1/1/2016 a 31/12/2016
10
1/1/2017 a 31/12/2017
18
1/1/2018 a 31/12/2018
16
1/1/2019 a 31/12/2019
4
1/1/2020 a 31/12/2020
0
1/1/2021 a 31/12/2021
4
14. Os números de dias de permanência em Macau acima referidos e os registos de entrada e saída demonstram que o Requerente e o cônjuge permaneceram muitos poucos dias em Macau durante o período de residência temporária autorizada, apenas uma dezena de dias ou número de um dígito, o Requerente mesmo não teve qualquer registo de entrada em Macau em todo o ano de 2019 e de 2020, o período de permanência em Macau mais longo foi de 6 dias e o mais curto foi de cerca de 5,5 horas, e durante o período de residência temporária autorizada acima referido, o seu cônjuge não teve qualquer registo de entrada em Macau em todo o ano de 2020, o período de permanência em Macau mais longo foi de 6 dias e o mais curto foi de cerca de 18 horas, factos esses são difíceis revelar que os interessados tinham o centro da vida em Macau durante o período de residência temporária autorizada e tinham residência habitual em Macau.
15. Os interessados não tinham residido habitualmente na RAEM, o que não é favorável ao seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
16. Assim sendo, em 02/03/2021, através dos ofícios n.º OF/00501/DJFR/2021 e n.º OF/00524/DJFR/2021, este Instituto notificou aos interessados a realização da audiência escrita (cfr. fls. 471 a 481).
17. Posteriormente, os interessados apresentaram a resposta, cujo conteúdo é, essencialmente, o seguinte (cfr. fls. 482 a 500):
(1) Dado que o titular de investimento relevante não pode pedir a extensão ao seu ascendente, o Requerente não pode deixar de cuidar dos seus ascendentes idosos no interior da China;
(2) Ao apresentar, pela primeira vez, o pedido de autorização de residência temporária, o Requerente tomou conhecimento deste Instituto que o investidor não pode trabalhar em Macau, senão, a autorização de residência temporária será cancelada, pelo que, não têm condição de ter o centro da vida em Macau; aliás, os investimentos do Requerente não se limitam apenas em Macau, pelo que, o Requerente não pode permanecer estavelmente em Macau; e devido ao impacto da pandemia causada pelo novo tipo de coronavírus nos últimos dois anos, a sua entrada em Macau foi limitada;
(3) O Requerente referiu que ao apresentar o pedido de autorização de residência temporária, ele nunca foi notificado por via verbal ou escrita que devia residir em Macau 183 dias por ano e isto não é exigido no pedido de autorização de residência temporária por aquisição de imóvel, pelo que, duvidou por que é assim exigido no pedido de autorização de residência temporária por investimento relevante para Macau;
(4) Caso a residência em Macau seja a condição necessária à manutenção da autorização de residência temporária, o Requerente cumprirá tal condição com certeza após a renovação, para já não falar de que o Requerente já decidiu residir permanentemente em Macau após a renovação da autorização de residência temporária e estabeleceu em Macau a “[Empresa(2)]”;
(5) A Companhia do Requerente tem uma boa equipa, e através da tecnologia de comunicação e sob o seu comando, o Requerente tem o centro em Macau para desenvolver e gerir diariamente as actividades da Companhia, criando não só uma marca famosa e exclusiva “Support” para Macau, como também postos de trabalho para os residentes de Macau. Crê-se que os residentes de Macau não põem em causa o valor e a escala do investimento do Requerente só por causa de o Requerente não ter residido 183 dias em Macau;
(6) O Requerente salientou que o seu projecto de investimento já foi concretizado conforme exigidos, tendo interesse para a vida da população, captando para Macau mais de cem empresas, os valores investidos por tais empresas excederam muito mais o valor investido pelo Requerente, pelo que, o Recorrente crê que isso também pode ser considerado como contribuição do Requerente.
18. Quanto à aludida resposta, a análise é a seguinte:
(1) O Requerente referiu já ter concretizado o plano de investimento conforme exigidos, cujos valor e escala nunca foram duvidados, o seu investimento também contribuiu para o emprego local e a entrada dos capitais, pelo que, a sua autorização de residência temporária não deve ser afectada por não ter residido 183 dias em Macau por ano;
(2) É de referir que foi concedida ao Requerente a autorização de residência temporária nos termos do artigo 1.º alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e ao abrigo dos artigo 18.º n.º 1 e artigo 19.º n.º 2 do mesmo Regulamento Administrativo, durante todo o período de residência temporária autorizada, o Requerente, para além de manter a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, também deve cumprir a norma imperativa da residência habitual na RAEM, o que conferido à Administração é o poder vinculado em que não tem margem para optar.
(3) Para assegurar o cumprimento das normas legais por parte do interessado, quer durante a apreciação do pedido de renovação de autorização de residência temporária, quer após a sua renovação, a Administração ainda tem obrigação de investigar se o interessado mantém os requisitos previstos na lei e praticar o acto administrativo de não indeferir o pedido de renovação nos termos legais quando se comprova que o interessado tenha violado as referidas normas legais; no caso em apreço, a Administração nunca provou a residência habitual em Macau dos interessados;
(4) A residência habitual em Macau dos interessados não deve ser determinada meramente com base no número de dias de permanência em Macau mas sim na ponderação sintética das situações mencionadas no artigo 4.º n.º 3 e n.º 4 da Lei n.º 8/1999, incluindo o motivo, período e frequência das ausências; se tem residência habitual em Macau; se é empregado de qualquer instituição sediada em Macau; o paradeiro dos seus principais familiares, nomeadamente cônjuge e filhos menores;
(5) Os dados da entrada e saída de Macau demonstram que durante o período de residência temporária autorizada entre 1/1/2015 e 31/1/2021, o Requerente e o seu cônjuge permaneceram muitos poucos dias em Macau por ano, apenas uma dezena de dias ou número de um dígito, o Requerente mesmo não teve qualquer registo de entrada em Macau em todo o ano de 2019 e de 2020, o período de permanência em Macau mais longo foi de 6 dias e o mais curto foi de cerca de 5,5 horas, e durante o período de residência temporária autorizada acima referido, o seu cônjuge não teve qualquer registo de entrada em Macau em todo o ano de 2020, o período de permanência em Macau mais longo foi de 6 dias e o mais curto foi de cerca de 18 horas, factos esses mostram que os interessados se ausentaram de Macau por longo período de tempo e só permaneceram ocasional ou temporariamente em Macau, o número de dias da sua permanência em Macau não pode demonstrar que os interessados têm a estabilidade necessária e indispensável a radicar um centro de vida que sustenta os si próprios e a sua família;
(6) Segundo o pedido de autorização de residência temporária, o Requerente e o seu cônjuge declararam residir na [Endereço(3)], Macau, porém, tal como acima exposto, os interessados permaneceram muitos poucos dias em Macau por ano, e nos autos não existem documentos que demonstrem que os interessados têm centrado em Macau o seu quotidiano pessoal, daí é difícil consubstanciar que eles têm a residência habitual na fracção acima referida;
(7) Mais ainda, conforme o pedido de autorização de residência temporária, o Requerente desempenhava as funções de presidente do conselho de administração na [Empresa(3)] desde 1998 a 2020 e o seu cônjuge desempenhava as funções de administradora da [Empresa(4)] desde 2006 a 2020, ambos não foram contratados pelo empregador local por longo período de tempo, e nos autos não existem documentos que demonstrem que os interessados têm o centro da vida em Macau para desenvolver os assuntos quotidianos;
(8) Na sua resposta, os interessados referiram que por ter outros projectos de investimento fora de Macau, eles escolheram não permanecer em Macau. Daí pode-se ver que eles escolheram não ter o centro da vida e do trabalho em Macau por vontade própria, o local que funciona como núcleo estável das suas ligações vivenciais e existenciais mais relevantes não é Macau;
(9) Os interessados também referiram que devido ao impacto da pandemia causada pelo novo tipo de coronavírus, a entrada em Macau foi limitada, porém, antes da pandemia, eles já se tinham ausentado de Macau, pelo que, não se vislumbra que existe uma conexão entre a sua ausência de Macau e a pandemia causada pelo novo tipo de coronavírus, e durante a pandemia, o Chefe do Executivo nunca publicou qualquer despacho que proibiu a entrada em Macau dos residentes de Macau, tendo os interessados condições de regressar a Macau para viver e desenvolver os assuntos quotidianos;
(10) Os interessados mais apontaram ter conhecido deste Instituto que o investidor não pode trabalhar em Macau, pelo que, não têm condições de ter o centro de vida em Macau, porém, os interessados não forneceram informações concretas para provar as suas alegações nos termos do artigo 87.º (ónus da prova) n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo; de facto, depois de lhe foi concedida a autorização de residência temporária, os interessados gozam da liberdade de escolha de profissão e de emprego conferida pelo artigo 35.º da Lei Básica da RAEM, pelo que, ao alegarem que não viviam em Macau por não poderem trabalhar em Macau, a explicação dos interessados não é razoável;
(11) Na sua resposta, os interessados alegaram que desde a apresentação pela primeira vez do pedido de residência temporária até à renovação dessa autorização, não lhes foi exigida a residência habitual em Macau ou lhes foi notificada tal exigência.
(12) Aqui, vamos citar o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 550/2018: “Por não existir, por parte do IPIM, a obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência sobre o significado do conceito de residência habitual, não se pode dizer violado o princípio da boa-fé se o IPIM nunca chegou, antes da declaração de caducidade da autorização de residência, a esclarecer ao interessado aquele conceito.”, conforme o qual, este Instituto não tem obrigação legal de elucidar os requerentes de autorização de residência sobre o significado do conceito de residência habitual;
(13) Mais ainda, desde a apresentação pela primeira vez do pedido de autorização de residência temporária até ao último pedido de renovação dessa autorização, o Requerente declarou, em todos os formulários, tomar conhecimento de que “desde o dia da apresentação do pedido até o período de residência temporária autorizada, deve cumprir o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e demais dispostos legais”, incluindo os da residência habitual em Macau;
(14) A “residência habitual em Macau” estabelecida no artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 8/1999 deve ser integrada por dois elementos constitutivos: o “corpus” consubstancia uma residência efectiva externamente visível e o “animus” consubstancia uma mentalidade e vontade de ter casa em Macau – o Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo n.º 182/2020 referiu que: “Daí que, muitas vezes – e em nossa opinião, adequadamente – se mostre de exigir não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de ser tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social …”;
(15) No caso em apreço, entre 2015 e 31/01/2021, os interessados permaneceram muitos poucos dias em Macau, pelo que, eles não têm o “corpus” da residência habitual, podendo aferir com base nos seus aspectos pessoal, familiar e quotidiano que eles não tinham o centro da vida em Macau;
(16) Com base na aludida análise, considerando sinteticamente todas as situações previstas no artigo 4.º n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 8/1999 e conforme os registos de entrada e saída, os motivos da sua ausência de Macau e o paradeiro do seu familiar, reconhece-se que o centro de vida dos interessados não é em Macau e daí se conclui que eles não tinham residência habitual em Macau;
19. Concluída a apreciação. Conforme os registos de entrada e saída e os elementos constantes dos autos, revela-se que os interessados não estavam em Macau na maior parte do tempo, e ponderando sinteticamente todas as situações previstas no artigo 4.º n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 8/1999, reconhece-se que os interessados não tinham residido habitualmente em Macau durante o período de residência temporária autorizada. Após a audiência, propõe-se que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de residência temporária do Requerente A e do cônjuge B nos termos do artigo 43.º n.º 2 alínea 3) e n.º 3 da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005”; (cfr., fls. 358 a 383 e 418-v a 421-v).
Do direito
3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, vêm A e B recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.01.2024, com o qual se lhes negou provimento ao anterior recurso contencioso em que peticionavam a revogação da decisão administrativa que lhes indeferiu a renovação da autorização da sua residência temporária em Macau.
Porém, da análise e reflexão sobre o decidido e ao que pelos ora recorrentes foi, e vem alegado, cremos que nenhuma razão se lhes pode reconhecer, evidente se nos apresentando a improcedência do presente recurso.
Vejamos.
Antes de mais, para boa – cabal – compreensão das “razões” do pelo Tribunal de Segunda Instância decidido, vale a pena começar por se atentar no que no referido Acórdão agora recorrido se consignou, (acolhendo-se o pelo Ministério Público considerado no seu Parecer), e que, na parte que agora releva, tem o teor seguinte:
“(...)
1.
A e B, melhor identificados nos autos, vieram instaurar o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o pedido de renovação que os autorizou a residir temporariamente na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM) pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i.)
Está em causa no presente recurso contencioso o indeferimento do pedido dos Recorrentes de renovação da autorização da sua residência temporária na RAEM.
Baseou-se o acto recorrido na consideração, por parte da Administração, de que os Recorrentes não tiveram residência habitual na RAEM e na aplicação subsidiária das normas da alínea 3) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
(ii.)
Começam a Recorrente por alegar violação de lei em virtude considerarem que nunca deixaram de ter a sua residência habitual em Macau.
Sem razão, parece-nos.
(ii.1.)
Antes da entrada em vigor da Lei n.º 16/2021, os nossos Tribunais tenderam a construir o conceito de residência habitual (o qual, sempre se diga, sendo um conceito jurídico indeterminado, não confere, segundo o entendimento pacífico da nossa jurisprudência, margem de livre apreciação à Administração), a partir da norma do artigo 30.º do Código Civil, fazendo-o coincidir com o lugar onde determinada pessoa fixou com carácter estável e permanente o seu centro de interesses vitais, o centro efectivo da sua vida, constituindo, portanto, o local em torno do qual gravitam as respectivas ligações existenciais. Deste modo, sempre se afastou do conceito o local que serve de mera passagem, ou aquele no qual uma pessoa está por curtos e intermitentes períodos de tempo (veja-se, por exemplo, neste sentido, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 182/2020).
Todavia, através da norma do n.º 5 do artigo 46.º da Lei n.º 16/2021, o legislador veio ampliar o conceito de residência habitual relevante, explicitando que, enquanto pressuposto da manutenção e da renovação da autorização de residência temporária, não se exige, contrariamente ao que vinha sendo decidido, que Macau constitua o local onde se encontra radicado o centro de interesses, o centro efectivo da vida pessoal e familiar do interessado, que aqui nem sequer precisa de ter a sua habitação. Na verdade, resulta expressamente daquela norma que «não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial», pelo que, ao lado das pessoas que em Macau fixaram com carácter estável e permanente o seu centro de interesses, o centro efectivo da sua vida, e que, por isso residem habitualmente em Macau, também em relação às pessoas que aqui apenas exercem uma actividade, seja académica, seja profissional, seja empresarial, ainda que aqui não vivam, se tem de considerar, face ao critério legal, que aqui residem habitualmente, desde que aqui se desloquem «regular e frequentemente» para exercer tais actividades.
Como se vê, a lei procedeu a uma definição de residente habitual para efeitos de manutenção e de renovação da autorização de residência que é bem mais ampla do que aquela que vinha sendo decantada pelos Tribunais: à luz da lei é também residente habitual quem em Macau exerce uma actividade académica, profissional ou empresarial e que, por causa do exercício dessa actividade, aqui se desloca regular e frequentemente.
Este último requisito necessário ao preenchimento do conceito legal de residente habitual é caracterizado pela respectiva imprecisão e indeterminação, embora não nos pareça que, através da respectiva utilização, o legislador tenha pretendido conferir discricionariedade à Administração. Com efeito, julgamos não se poder dizer que o tipo de valoração que o conceito suscita faça apelo à experiência e a apreciações que são próprias da Administração, nem a um saber específico da Administração, nem a uma especial preparação técnico-científica do órgão administrativo ou a uma legitimação especial da autoridade responsável pela decisão, nem, finalmente, a um juízo de prognose ou de avaliação prospectiva associado à descrição do núcleo típico de competências de determinada autoridade administrativa (sobre este ponto, PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 2020, pp. 257-258). Significa isto, pois, que na densificação casuística do conceito não caberá à Administração a última palavra, podendo os tribunais, em sede contenciosa, sindicar com plenitude o modo como a Administração actuou.
(ii.2.)
Face aos elementos de facto que fluem dos autos e que constituíram os pressupostos de facto do acto recorrido, parece-nos legítimo concluir que, como a Administração também concluiu, os Recorrentes, no período relevante, não tiveram residência habitual em Macau.
Com efeito, resulta daqueles elementos que, entre 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2021, os Recorrentes permaneceram em Macau num total de 48 dias (Recorrente A) e num total de 69 dias (Recorrente B). Além disso, também está provado que os Recorrentes exerciam o essencial das suas actividades empresariais/ profissionais em empresas com sede em Shanghai e era no Interior da China que viviam e tinham o centro da sua vida.
A partir desta factualidade, facilmente podemos dizer que os Recorrentes não fizeram de Macau o centro permanente dos seus interesses mais relevantes, uma vez que é evidentemente incompatível com uma conclusão nesse sentido, o facto de os mesmos aqui terem permanecido por tão pouco tempo e, pelo contrário, viverem no Interior da China.
Além disso, também se não demonstra que os Recorrentes se deslocassem a Macau com regularidade e frequência, e, portanto, não se mostra preenchido um dos requisitos do conceito legal de residência habitual plasmado no n.º 5 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021.
Improcede, pois, em nosso modesto entender, o primeiro vício imputado ao acto recorrido.
(iii.)
O segundo fundamento do recurso consiste numa alegada violação, do princípio da proporcionalidade e da boa fé na dimensão da protecção da confiança.
Também neste ponto nos parece que os Recorrentes estão sem razão.
(iii.1.)
A mobilização do princípio da proporcionalidade, consagrado expressamente no artigo 5.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) como parâmetro de controlo das actuações restritivas da Administração tem essencialmente a ver com uma comparação, com uma ponderação ou valoração de alternativas restritivas, sendo orientada ao apuramento da existência de um eventual excesso ou desproporcionalidade entre benefícios pretendidos e sacrifícios impostos aos particulares.
Por outro lado, não releva a uma qualquer violação daquele princípio, mas apenas a violação que seja intolerável, flagrante, evidente do mesmo (assim, por exemplo, Ac. do TUI de 19.11.2014, processo n.º 112/2014 e Ac. do TUI de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
Nestes termos, parece-nos claro que a actuação da Administração, ao indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária, não impôs aos Recorrentes um sacrifício intolerável ou excessivo, pelo que se não pode falar de violação do princípio da proporcionalidade.
(iii.2.)
Quanto à violação do princípio da boa fé, acolhido expressamente no artigo 8.º do CPA, na dimensão da protecção da confiança, a conclusão não será diferente.
Com efeito, é consensual que a operatividade desse princípio depende de diversos pressupostos, a saber: a conduta de um sujeito criadora de confiança, sem violação de deveres de cuidado que ao caso caibam; uma situação, justificada objectivamente, de confiança baseada em elementos do caso que lhe atribuam razoabilidade; um investimento de confiança consistente no sujeito confiante ter assentado actividades jurídicas claras sobre as expectativas criadas, um nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro e a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou (na jurisprudência comparada, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, processo n.º 753/11, disponível para consulta em linha e na doutrina, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 222-223 e ainda, em termos não inteiramente coincidentes, PEDRO MONIZ LOPES, Princípio da Boa fé e Decisão Administrativa, Coimbra, 2011, pp. 279-286).
Ora, no caso, parece-nos que se não verificam os enunciados pressupostos.
Com efeito, os Recorrentes não alegaram nem demonstraram qualquer conduta da Administração, no momento da autorização de residência ou da respectiva renovação, que tivesse sido ou sequer pudesse ter sido criadora de expectativas quanto à irrelevância do local da residência habitual dos Recorrentes para a manutenção e para a renovação da autorização de residência. No limite, teria havido uma conduta omissiva da Administração, a qual, em todo o caso, sempre seria de reputar como legalmente indevida e, portanto, insuficiente para fundar uma confiança legítima. Do mesmo modo, não foi alegado nem está demonstrado qualquer investimento de confiança por parte dos Recorrentes. Pelo contrário, aliás. Como se sabe, aquele investimento traduz-se no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade com base no facto da Administração gerador da confiança, de tal modo que que a destruição dessa actividade pela actuação contraditória com essa confiança se traduziria numa injustiça clara. Ora, no caso em apreço, são os próprios Recorrentes que alegam que residiam fora de Macau por razões outras que não a de terem confiado em que o podiam fazer em virtude de qualquer indicação da Administração nesse sentido. Dizendo de outro modo: os Recorrentes não residiam habitualmente no Interior da China por causa de qualquer comportamento omissivo da Administração, mas, antes, porque era ali que estava o centro das suas ligações familiares, empresariais, pessoais. Não pode, pois, vislumbrar-se um nexo de causalidade entre qualquer confiança criada pela Administração e a falta de residência habitual dos Recorrentes.
Não ocorre, pois, a nosso ver, violação do princípio da boa fé na vertente da protecção da confiança.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso em análise.
*
Síntese conclusiva:
I – De acordo com o disposto no artigo 19.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a renovação de autorização de residência temporária, que deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo, o que pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
II – Nessa situação, cabe à Administração Pública apreciar discricionariamente se, face aos novos pressupostos, é ou não de deferir o requerimento de renovação. É uma apreciação discricionária do mesmo tipo daquela que é feita nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, quando a Administração é chamada a decidir se aceita ou não a alteração dos chamados fundamentos em que se baseou a concessão da autorização e que, em rigor, partilha também da mesma natureza da apreciação que é feita no momento da concessão da autorização de residência.
III – Neste contexto, cabe à Administração, e só a ela, avaliar, no caso concreto, se a nova situação profissional do Recorrente revestia ou não, na perspectiva do interesse público, relevância no sentido de justificar a renovação da autorização de residência, por se tratar de um quadro dirigente ou técnico especializado de particular interesse para a RAEM (cfr. o artigo 1.º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005).
IV – Neste tipo de situações, ao Tribunal apenas caberia intervir, anulando o acto administrativo praticado, se o mesmo se tivesse traduzido uma actuação ostensivamente errónea ou manifestamente desacertada e inaceitável, o que, no caso, de todo se não verifica, o que constitui razão bastante para julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente.
(…)”; (cfr., fls. 422 a 425).
Aqui chegados, e em face do que se deixou consignado, pouco se nos mostra de acrescentar para se demonstrar da carência de qualquer razão dos ora recorrentes.
Vejamos.
Como por este Tribunal de Última Instância tem sido (repetidamente) afirmado em sede de idênticos recursos:
«A “residência habitual” é um “conceito indeterminado”, sindicável pelos Tribunais, implicando, necessariamente, uma “situação de facto”, com uma determinada dimensão temporal e qualitativa, que pressupõe um “elemento de conexão”, expressando uma “íntima e efectiva ligação a um local” (ou território), com a real intenção de aí habitar e de ter, e manter, residência”, sendo de se ponderar “não só uma “presença física” como a (mera) “permanência” num determinado território, (a que se chama o “corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma (verdadeira) “intenção de se tornar residente” deste mesmo território, (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do quotidiano pessoal, familiar, social e económico, e que indiquem, uma “efectiva participação e partilha” da sua vida social.
A mera “ausência temporária” de uma pessoa a quem tenha sido concedida autorização para residir em Macau não implica a necessária conclusão que tenha deixado de “residir habitualmente” em Macau.
De facto, nos termos do art. 43°, n.° 5 da (nova) Lei n.° 16/2021:
“(…) não deixa de ter residência habitual o titular que, embora não pernoite na RAEM, aqui se desloque regular e frequentemente para exercer actividades de estudo ou profissional remunerada ou empresarial”.
Verificando-se porém que no período de vários anos o interessado tão só manteve uma “escassa permanência” em Macau, e sem que nada mais resulte dos autos, viável não é considerar-se que tem “residência habitual”»; (cfr., v.g., os Acs. de 27.01.2021, Proc. n.° 182/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 190/2020, de 12.10.2022, Proc. n.° 143/2021, e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 02.05.2024, Proc. n.° 44/2024).
In casu, por motivos de “investimento” aos ora recorrentes foi concedida “autorização de residência temporária em Macau”.
E, verificando-se que nos vários anos que tal “autorização” se manteve “não residiram habitualmente em Macau” – basta olhar para os dias que aqui permaneceram ao longo dos anos sem qualquer justificação provada e atendível – outra solução não se vislumbra que se pudesse adoptar.
Com efeito, atento o estatuído no art. 23° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005 – onde se preceitua que “É subsidiariamente aplicável aos interessados que requeiram autorização de residência temporária nos termos do presente diploma o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência na Região Administrativa Especial de Macau” – dúvidas não parece que possam existir que, a “residência permanente em Macau”, constitui pressuposto legal (necessário) de todas as “situações” de renovação da autorização de residência – cfr., art. 9°, n.° 3 da Lei n.° 4/2003, onde se estatui que “A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência”, o mesmo sucedendo com o art. 43°, n.° 2, alínea 3) da Lei n.° 16/2021, que revogou a anterior Lei n.° 4/2003 – e, por isso, também aos ora recorrentes aplicáveis; (no mesmo sentido, cfr., v.g., a Decisão Sumária deste T.U.I. de 24.04.2024, Proc. n.° 35/2024).
Dest’arte, adequada sendo a decisão recorrida, igualmente, no que toca aos imputados vícios de violação do “princípio da proporcionalidade” e “boa fé”, que aqui se subscreve na sua íntegra, e motivos não havendo para não se manter o que se considerou relativamente ao conceito de “residência habitual”, que se apresenta totalmente válido e aplicável ao caso dos autos, mais não se mostra de dizer para se concluir pela manifesta improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 476 a 488-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Notificados do assim decidido, vieram os recorrentes reclamar para a Conferência, alegando – em síntese – que a decisão proferida padecia de “erro de julgamento” por “errada aplicação da lei”, insistindo no entendimento que em sede da motivação do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 492 a 500).
*
Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
II. Vêm os recorrentes dos presentes autos reclamar da “decisão sumária” pelo ora relator proferida e que atrás se deixou (integralmente) transcrita.
Porém, sem embargo do muito respeito por opinião em sentido distinto, e, (re)ponderando nos “motivos de facto” e de “direito” da dita “decisão”, assim como nas “razões” pelos referidos recorrentes apresentadas em sede do seu recurso assim como na sua reclamação agora em questão, evidente se nos mostra que não se pode reconhecer qualquer mérito à sua pretensão.
Na verdade, a decisão sumária agora reclamada (e atrás transcrita), apresenta-se clara e isenta de qualquer obscuridade ou ambiguidade, com a mesma se identificando adequadamente e dando-se cabal resposta a todas as “questões” colocadas, mostrando-se, igualmente, acertada quanto à “solução” a que se chegou, encontrando-se, aliás, em total harmonia com o entendimento que esta Instância tem vindo a assumir (nos Acórdãos já referidos) perante idênticas situações.
Porém, voltam os recorrentes, ora reclamantes, a insistir no seu “ponto de vista”, afirmando que a decisão administrativa em questão viola o “princípio da legalidade”, constituindo decisão em sentido contrário à auto-vinculação pela própria administração, com a mesma violando-se também o “princípio da boa fé e da tutela da confiança”, e que, as decisões judiciais que assim não entenderam, como é o caso da decisão proferida pelo Colectivo do Tribunal de Segunda Instância e da decisão sumária ora reclamada, fizeram uma errada interpretação e aplicação da Lei.
Ora, compreendendo-se – e respeitando-se – o inconformismo dos ora reclamantes, mas constatando-se que se limitam a repetir, (integralmente), os mesmos “argumentos” que foram objecto de apreciação na decisão sumária agora reclamada, (que como se viu, deu cabal e adequada resposta às questões suscitadas), mostra-se-nos de aqui sublinhar que uma (mera) anterior conduta omissiva da Administração, que, ética, (e quiçá, moralmente), se poderia ou devia considerar “inadequada” e “indevida”, apresenta-se-nos manifestamente insuficiente e irrelevante para poder justificar qualquer reclamada confiança ou legítima expectativa do administrado na sua repetição, (cabendo sublinhar que não chegou a haver sequer qualquer tomada de posição pela Administração), não se vislumbrando assim nenhum dos vícios pelos ora reclamantes imputados.
Dest’arte, nenhuma censura merecendo a decisão sumária em questão, e sendo de aqui se confirmar e dar como integralmente reproduzida, visto está que se terá de decidir pela improcedência da presente reclamação, imperativa sendo a deliberação que segue.
Decisão
III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.
Pagarão os reclamantes a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 03 de Julho de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Conforme as Informações Escritas de Registo Predial, a referida propriedade foi adquirida por C, a sua esposa D, A e a sua esposa B mediante registo, cujo valor não inclui no valor de investimento do pedido pela primeira vez de autorização de residência temporária do Requerente, pelo que, o direito de propriedade dessa não é a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária do Requerente (cfr. documentos de fls. 151 a 317 e 419).
2 Idem (cfr. Documentos de fls. 151 a 317 e 419).
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Proc. 49/2024-I Pág. 10
Proc. 49/2024-I Pág. 11