Processo nº 8/2024
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Nos presentes autos de processo especial emergente de “acidente de trabalho” – no Tribunal Judicial de Base registado com a referência LB1-22-0017-LAE – proferiu o Mmo Juiz Presidente do Colectivo sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando:
“1) a R. “B”, (“乙”), a pagar:
- a título de “despesas médicas”, aos 1ª, 2° e 3° AA., a quantia de MOP$6.771,74, respectivamente;
- a título de “indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho”, aos mesmos 1ª, 2° e 3° AA., o montante de MOP$3.025,93, respectivamente;
- a título de “indemnização pelo dano morte”, a quantia de MOP$171.000,00 para a 1ª A., MOP$35.625,00 para os 2° e 3° AA., respectivamente, e MOP$21.375,00 para os 4° e 5ª AA., respectivamente; e,
- a título de “despesas de funeral”, ao 4° A., a quantia de MOP$4.697,22.
2) a Interveniente, empregadora do trabalhador sinistrado, “C”, (“丙”), a pagar:
- a título de “despesas médicas”, aos 1ª, 2° e 3° AA., a quantia de MOP$18.889,59, respectivamente;
- a título de “indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho”, aos 1ª, 2° e 3° AA., o montante de MOP$8.440,74, respectivamente;
- a título de “indemnização pelo dano morte”, a quantia de MOP$477.000,00 para a 1ª A., de MOP$99.375,00 para os 2° e 3° AA., respectivamente, e de MOP$59.625,00 para os 4° e 5ª AA, respectivamente; e,
- a título de “despesas de funeral”, ao 4° A., a quantia de MOP$13.102,78.
(…)”; (cfr., fls. 283 a 291-v).
*
Inconformada, a referida Interveniente – “C” – recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 07.12.2023, (Proc. n.° 785/2023), julgou procedente o recurso, revogando a decisão na parte que toca às compensações a título de “indemnização pelo dano morte” e “despesas de funeral”, passando-se a condenar:
“- a interveniente, C, no pagamento aos autores do montante de MOP168.000,00 a título de prestação por morte. O montante será dividido entre os autores da seguinte forma:
♦ 1ª autora: MOP100.800,00;
♦ 2º e 3º autores: MOP21.000,00, cada;
♦ 4º e 5ª autores: MOP12.600,00, cada.
- A interveniente pagará ao 4º autor MOP8.300,00 a título de despesas de funeral.
- A ré, B, pagará aos autores MOP912.000,00 a título de prestação por morte. O montante será dividido entre os autores da seguinte forma:
♦ 1ª autora: MOP547.200,00;
♦ 2º e 3º autores: MOP114.000,00, cada;
♦ 4º e 5ª autores: MOP68.400,00, cada.
- A ré pagará ao 4º autor MOP9.500,00 a título de despesas de funeral.
(…)”; (cfr., fls. 345 a 350-v).
*
Do assim decidido, vem agora a referida R. “B” recorrer para este Tribunal de Última Instância, alegando para concluir nos termos seguintes:
“1- Por Acórdão proferido em 7 de Dezembro de 2023, foi julgado procedente o recurso interposto pela C, passando a condenar-se a, ora recorrente, no pagamento de uma indemnização no montante total de MOP$912.000,00 repartida da seguinte forma:
-MOP$547.200,00 para o 1° A.
-MOP$114.000,00 para os 2° e 3° AA.
-MOP$68.400,00 para os 4° e 5° AA.
MOP$9.500,00 a título de despesas de funeral ao 4° A.
2- O douto acórdão recorrido proferido pelo Tribunal de Segunda Instância considerou, na sua fundamentação, que: "A posição do tribunal a quo (exigir que a entidade empregadora seja responsável pelo pagamento na proporção dos danos/compensações no caso de a remuneração do trabalhador declarado ser inferior à remuneração real) não só não é apoiada pelo texto da lei (o Decreto-Lei n° 40/95/M não utiliza a palavra "na proporção"), como também contraria o objectivo da legislação acima referido, ao transferir para a entidade empregadora a parte dos danos/compensações que é da responsabilidade da companhia de seguros (que proporciona maior protecção aos trabalhadores feridos/falecidos em acidentes de trabalho ou às suas famílias). Se a empregadora não tiver capacidade para pagar, o trabalhador lesado/falecido ou os seus familiares não poderão obter a protecção a que têm direito."
3- A ora recorrente insurge-se com esta decisão pois, de acordo com a interpretação feita pelo, aliás, douto acórdão proferido pelo tribunal de Segunda Instância a seguradora aparece como "a entidade responsável com a obrigação de pagar" não importando se a entidade patronal declarou ou não com exactidão os salários que pagava aos seus trabalhadores.
4- Esta interpretação da lei não está minimamente correcta e apenas favorece a prevaricação por parte das entidade patronais que podem declarar o salário que desejarem (e evitar, assim, o pagamento do prémio do seguro correcto e adequado) bastando-lhes, em caso de sinistro, pagar a diferença da indemnização atribuída (bem sabendo estas entidade patronais que as indemnizações a atribuir por motivo de acidente de trabalho têm um tecto que limita consideravelmente o seu montante e, por esse motivo, nunca teriam que pagar um valor elevado).
5- Ou seja, se por um lado se compreende que a seguradora tenha, em teoria, maior capacidade económica do que as entidades patronais, também não se pode onerar esta com a responsabilidade de efectuar os pagamentos das indemnizações da mesma forma caso a entidade patronal tenha declarado os verdadeiros salários quer pagava aos trabalhadores e assim pago um prémio de seguro correcto como no caso oposto em que a entidade patronal deliberadamente MENTIU nos salários que paga e pagou, por isso, um prémio de seguro muito inferior ao que seria correcto.
6- Não é esta, de facto, nem nunca poderia ser a intenção do legislador.
7- Como resulta dos factos provados, a retribuição base diária da vítima no momento da ocorrência do acidente é de MOP$1.200,00, ou seja, MOP$36.000,00 por mês, porém quando o contrato de seguro foi renovado, só foi declarada a retribuição-base mensal do produtor de publicidade local no valor de MOP$9.500,00.
8- Nos termos do artigo 63° n° 2 do Decreto-lei n° 40/95/M e do artigo 12° da Portaria n° 237/95/M sendo caso de insuficiência da importância segurada, a Ré e a interveniente têm de pagar as indemnizações na proporção de 9.500/36.000 e 26.500/36.000 aos autores nos presentes autos."
9- Aliás, é tem sido sempre neste sentido que têm vindo a ser decididos todos os litígios nos Tribunais de Macau referentes a acidentes de trabalho nos casos em que a entidade patronal declara um salário à companhia de seguros inferior ao salário real do trabalhador pois, não obstante ser verdade que o seguro de acidentes de trabalho existe para proteger os trabalhadores, vitimas de um acidente de trabalho e as suas famílias, não existe para desresponsabilizar as entidades patronais e fazê-las prevaricar.
10- Ou seja, um patrão tem que assumir com honestidade as suas obrigações e, ou segura os seus trabalhadores com os salários que efectivamente lhes paga ou, caso contrário, tem que ser responsável pelas suas falsas declarações e pagar a parte que lhe compete.
11- Na verdade, o artigo 12° da Portaria n° 237/95/M deve ser lido na sua totalidade e não com "quebras" como parece ser o entendimento do acórdão recorrido.
12- E o que o artigo 12° estabelece é que o segurado responde pela diferença (entre o valor que declarou e o valor real da remuneração) na respectiva proporção.
13- De acordo com o disposto no artigo 63° do Decreto-Lei n° 40/95/M de 14 de Agosto, a seguradora apenas é responsável na proporção do que estiver declarado na apólice face ao valor real dos salários declarados, cabendo à entidade patronal o pagamento da diferença das prestações.
14- Motivo porque se considera que o acórdão recorrido deverá ser revogado e se deverá manter a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância”; (cfr., fls. 362 a 376).
*
Respondendo, pugnam o Ministério Público e a Interveniente pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 382 a 385-v e 402 a 403).
*
Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. O Tribunal Judicial de Base considerou provados os seguintes “factos”, (que, em sede do anterior recurso, foram integralmente confirmados pelo Acórdão agora recorrido):
“1) O sinistrado, A, foi contratado pela C (vd. fls. 74 dos autos), para trabalhar sob as instruções e direcção da segunda, auferindo, na data do acidente, uma retribuição-base diária de MOP1.200. (A)
2) No dia 08/09/2021, pelas 18h05, o sinistrado enquanto estava a colocar uma folha de celofane no [Edifício(1)], situado no Lote CN6a na Avenida de Vale das Borboletas, Seak Pai Wa, Coloane, Macau, perdeu o equilíbrio por errar o degrau ao subir e descer um escadote de altura de cerca de 2 metros e caiu junto com o escadote, ficando com ferimentos na cabeça. (B)
3) Na sequência do acidente, o sinistrado foi transportado logo ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para receber tratamento médico. Após ter sido internado por 43 dias, faleceu no dia 21 de Outubro de 2021. (C)
4) O sinistrado faleceu por causa da lesão craniocerebral sofrida (hematoma subdural agudo frontotemporoparietal direito com hérnia cerebral, lesão de tronco cerebral) na sequência da aludia queda de escadote, cuja incapacidade temporária absoluta foi 43 dias (09/09 a 21/10/2021). (D)
5) A ré era a seguradora da obra mencionada, mediante a apólice nº AMC/ECI/21-XXXXXXXX, válida de 12/03/2021 a 11/03/2022. (E)
6) As despesas médicas decorrentes do acidente do sinistrado perfizeram um valor total de MOP76.984, que tinham a ver com o internamento do sinistrado no Centro Hospitalar Conde de S. Januário. (F)
7) O 4º autor pagou as despesas com o funeral do sinistrado no valor de MOP109.020. (G)
8) O sinistrado nasceu em 16 de Outubro de 1985. (H)
9) A vítima iniciou as suas funções na C no dia 08 de Setembro de 2021. (I)
10) A entidade patronal tinha pagado a D, irmão mais velho do sinistrado, um montante de MOP50.000, a título de subsídio por morte. (J)
11) O sinistrado trabalhava como produtor e instalador de publicidade. (1º)
12) Os 1º a 5º autores são os familiares do sinistrado:
A 1ª autora é a esposa do sinistrado;
O 2º autor é o filho do sinistrado, nascido em 25 de Janeiro de 2005, era sustentado pelo sinistrado;
O 3º autor é o filho do sinistrado, nascido em 09 de Fevereiro de 2006, era sustentado pelo sinistrado;
O 4º autor é o pai do sinistrado, nascido em 27 de Outubro de 1953, era sustentado pelo sinistrado;
A 5ª autora é a mãe do sinistrado, nascida em 07 de Março de 1954, era sustentada pelo sinistrado. (2º)
13) A entidade patronal C não avisou a R., da entrada ao seu serviço da vítima. (3º)
14) O acidente de trabalho no caso vertente ocorreu no exterior do local de trabalho. (5º)
15) Devido à alta taxa de rotatividade de pessoal no sector publicitário, para evitar que a rotatividade dos trabalhadores afectasse a sua protecção, a interveniente adquiriu o seguro de trabalho ao portador. (6º)
16) No dia em que ocorreu o acidente, apenas dois trabalhadores locais de produção de publicidade prestavam serviços para a interveniente, nomeadamente o sinistrado e E. (7º)
17) Na companhia da interveniente, os trabalhos de produção, postagem e instalação não são divididos. Os cargos dos trabalhadores locais não têm denominações específicas. O conteúdo funcional de um produtor publicitário inclui todas as actividades tais como produção, instalação até à produção final. (8º)
18) Em Abril de 2021, a entidade patronal C diminuiu para 15 o número dos seus trabalhadores. (9º)”; (cfr., fls. 284 a 285, 347-v a 348-v e 15 a 18 do Apenso).
Do direito
3. Com o presente recurso insurge-se a R. “B” contra a decisão ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que, (alterando a decisão do Tribunal Judicial de Base), determinou a sua condenação no pagamento aos AA. de quantias várias nos termos atrás já referidos, como reparação dos danos emergentes do (infeliz) acidente de trabalho que os presentes autos dão conta.
Para melhor – ou cabal – compreensão da “matéria” e “questão” em apreciação, adequado se apresenta de se recordar as razões que levaram o Tribunal de Segunda Instância a decidir pela aludida alteração.
Tem o Acórdão recorrido – na parte que agora interessa – o seguinte teor:
“A interveniente, C (recorrente) entende que, de acordo com o nº 2 do artº 63º do DL nº 40/95/M, Ordem Executivo nº 27/2020 e nº 3 do artº 12º da Portaria nº 237/95/M, no caso de ser insuficiente a importância segurada devido à remuneração declarada pela entidade patronal, esta reponde apenas pela diferença das prestações, respondendo também pelas prestações em espécie previstas no DL nº 40/95/M na respectiva proporção. Quanto à indemnização por morte, como foi confirmado que a interveniente adquiriu seguro para o trabalhador com base no valor de MOP9.500,00, a ré Seguradora deve pagar aos familiares do sinistrado a indemnização por morte no valor de MOP912.000,00 (MOP9.500,00 * 96) e ela paga MOP168.000,00 (MOP1.080.000,00 – MOP912.000,00), ou seja, a diferença entre o valor da dita indemnização e o valor máximo da indemnização fixado por lei. Além disso, deve pagar apenas MOP8.300,00 (MOP17.800,00 – MOPMOP9.500,00) a título de subsídio de funeral.
No tocante à referida questão, decidiu o Tribunal a quo que:
“…
“A nosso ver, a interveniente não tem razão nenhuma. Se tal entendimento seja considerado certo – como o legislador fixou o valor máximo da indemnização por morte, como neste caso, o sinistrado tinha 35 anos na data do acidente (a indemnização é equivalente a 96 vezes a retribuição-base mensal), basta a empregadora responder pela retribuição-base mensal declarada para efeitos do prémio de seguro no valor de MOP11.250 (1.080.000,00/96), independentemente do valor real da retribuição-base mensal – isso, aparentemente, não é a intenção legislativa porque pode incentivar que os empregadores apresentem declarações incorrectas, a fim de reduzir o prémio do seguro que lhes cabe pagar.
Nada mais a dizer, é improcedente esta pretensão da interveniente.
…”
Salvo melhor entendimento, não concordamos com o entendimento do Tribunal a quo.
Dispõe o nº 2 do artº 63º do DL nº 40/95/M que no caso de a remuneração declarada ser inferior à remuneração real, a entidade patronal responde pela diferença das prestações.
Por outro lado, preceitua o nº 1 do artº 12º da Portaria nº 237/95/M, elaborada com base no artº 72º do Decreto Lei citado:
“1. Quando a remuneração declarada para efeitos do prémio de seguro for inferior à real, a Seguradora só é responsável em relação àquela remuneração, respondendo o Segurado, neste caso, pela diferença, e pelas despesas previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 3º na respectiva proporção.” (o negrito e sublinhado são nossos)
Vale a pena notar que o legislador emprega apenas o termo “diferença” no nº 2 do artº 63º do DL nº 40/95/M, não utilizando a expressão “na proporção”. Mas no nº 1 do artº 12º da Portaria nº 237/95/M, utiliza as expressões “diferença” e “pelas despesas previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 3º na respectiva proporção.”
As despesas indicadas na alínea b) do nº 1 do artigo 3º da Portaria nº 237/95/M compreendem:
- A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;
- Assistência farmacêutica;
- Serviços de enfermagem;
- Internamento hospitalar;
- Fornecimento de aparelhos de prótese e ortopedia, sua renovação e reparação;
- Reabilitação funcional.
Como se vê, as despesas acima listadas não abrangem a prestação por morte e as despesas de funeral, mas são iguais às prestações em espécie listadas no nº 1 do artº 28º do DL nº 40/95/M.
O legislador emprega as expressões “diferença” e “na proporção” no nº 1 do artº 12º da Portaria nº 237/95/M, o que mostra que ele sabia bem a diferença entre o termo “diferença” e o termo “na proporção”.1
Acresce que, é do nosso entendimento que o legislador obriga, através do DL nº 40/95/M, as entidades patronais a adquirir o seguro de acidentes de trabalho para os seus empregados, como o objectivo de melhor proteger os direitos e interesses dos trabalhadores, garantindo que, mediante a intervenção das companhias de seguros, os trabalhadores lesados ou os familiares dos trabalhadores falecidos no acidente de trabalho podem obter indemnizações/compensações, evitando que eles não consigam exercer os seus direitos por falta de capacidade financeira dos empregadores (a estrutura industrial e comercial de Macau é dominada por pequenas e médias empresas).
A posição do Tribunal a quo (exigir à entidade patronal que responda proporcionalmente pela diferença das prestações quando a retribuição declarada for inferior à real) não só não é sustentada na letra da lei (não se utiliza o termo “na proporção” no DL nº 40/95/M), como contraria a intenção legislativa acima mencionada, transferindo à entidade patronal a parte da indemnização/compensação originalmente suportada pela companhia seguradora (melhor proteger os trabalhadores lesados ou os familiares dos trabalhadores falecidos no acidente de trabalho). Se a entidade patronal não tenha capacidade para pagar as prestações, o trabalhador lesado ou os familiares do trabalhador falecido não poderão obter a devida protecção.
Pelo exposto, é de julgar procedente o recurso da recorrente, devendo ser revogada a decisão do Tribunal a quo na parte relativa ao cálculo da prestação por morte e das despesas de funeral.
No caso de a companhia seguradora ser responsável pelo pagamento do montante de MOP912.000,00 (MOP9.500,00 * 96), conforme o disposto no nº 2 do artº 63º do mesmo Decreto Lei, a interveniente apenas deve pagar a diferença no valor de MOP168.000,00 (MOP1.080.000,00 - MOP912.000,00). O montante será dividido entre os autores da seguinte forma:
♦1ª autora: MOP100.800,00 (MOP168.000,00 * 60%);
♦2º e 3º autores: MOP21.000,00, cada (168.000,00 * 12,5%);
♦4º e 5ª autores: MOP12.600,00, cada (168.000,00 * 7,5%).
A fundamentação e a forma de cálculo acima expostas também são aplicáveis ao cálculo das despesas de funeral, o que quer dizer que a interveniente apenas deve pagar ao 4º autor a diferença no valor de MOP8.300,00 (MOP17.800,00 – MOP9.500,00)”; (cfr., fls. 348-v a 350 e 18 a 23 do Apenso).
Aqui chegados, vejamos de que lado está a razão.
Antes de mais, cabe salientar que com o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido julgou-se procedente o recurso da Interveniente, agora recorrida, revogando-se – tão só – a “decisão do Tribunal a quo na parte relativa ao cálculo da prestação por morte e das despesas de funeral”, este sendo o “segmento decisório” que constitui o “âmbito” do presente recurso, dúvidas não existindo assim quanto às “questões” sobre as quais foi este Tribunal de Última Instância chamado a emitir pronúncia.
Isto dito, recordemos o sentido das decisões das Instâncias recorridas em tal “matéria”.
No que toca à “indemnização pelo dano morte”, condenou o Tribunal Judicial de Base a ora recorrente e a Interveniente nos montantes (totais) de MOP$285.000,00 e MOP$795.000,00, e, a título de “despesas de funeral”, nos montantes de MOP$4.697,22 e MOP$13.102,78, respectivamente.
Por sua vez, no Acórdão agora recorrido, e com base numa diferente interpretação ao “regime legal” aplicável à matéria e “acidente de trabalho” dos autos, (em especial, do previsto no art. 63°, n.° 2 do D.L. n.° 40/95/M e do art. 12°, n.° 1 da Portaria n.° 237/95/M), condenou o Tribunal de Segunda Instância a mesma recorrente e Interveniente a pagar a título de “indemnização pelo dano morte” os valores de MOP$912.000,00 e MOP$168.000,00, e pelas ditas “despesas de funeral”, os de MOP$9.500,00 e MOP$8.300,00, respectivamente, no quadro que segue se tentando demonstrar as diferenças das decisões das Instâncias recorridas:
Reparação a título de:
quantia
(total):
TJB
TSI
Seguradora1
Empregadora2
Seguradora
Empregadora
“indemnização pelo dano morte”
1.080.000,003
285.000,00
795.000,00
912.000,00
168.000,00
“despesas de funeral”
17.800,004
4.697,22
13.102,78
9.500,00
8.300,00
Nota:
1. correspondendo a 26.39%, (=9500/36000);
2. correspondendo a 73.61%, (=26500/36000);
3. cfr., art. 50°, n.° 1, al. e) e n.° 4 do D.L. n.° 40/95/M e Ordem Executiva n.° 27/2020;
4. cfr., art. 51° do D.L. n.° 40/95/M e Ordem Executiva n.° 27/2020.
Ora, visto estando que a verdadeira “questão” a decidir consiste em saber se a responsabilidade pelo pagamento das referidas quantias – totais – de MOP$1.080.000,00 e MOP$17.800,00, a título de “indemnização pelo dano morte” e “despesas de funeral” – devem ser repartidas pela ora recorrente e Interveniente com base no critério da “proporção” (utilizado pelo Tribunal Judicial de Base), ou, como fez o Tribunal de Segunda Instância, com o critério da “diferença” entre a remuneração mensal “declarada” para efeitos de prémio do seguro, e a efectivamente “paga” ao trabalhador vítima do acidente de trabalho dos presentes autos, (as MOP$9.500,00 declaradas, e as MOP$36.000,00 efectivamente pagas), eis o que se mostra de considerar.
Antes, porém, de entrarmos na apreciação e interpretação dos referidos comandos legais dos art. 63°, n.° 2 do D.L. n.° 40/95/M e do art. 12°, n.° 1 da Portaria n.° 237/95/M, pertinente se apresentam (ainda) as seguintes (breves) considerações sobre o “objecto” dos diplomas legais em que os mesmos vem previstos.
Ora, resultando do até aqui relatado que com a acção proposta no Tribunal Judicial de Base se reclamavam montantes indemnizatórios para os AA., familiares do trabalhador da Interveniente que faleceu em consequência de um “acidente de trabalho”, vale a pena recordar que com o D.L. n.° 40/95/M se estabelece (precisamente) o “regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho (e doenças profissionais)”, (cfr., art. 1°), que neste mesmo diploma se prevê que “O direito à reparação compreende prestações em espécie e prestações em dinheiro”; (cfr., art. 27°, explicitando-se, no art. 28° e seguintes, o conteúdo e pagamento das “Prestações em espécie”, e no art. 46° e seguintes se tratando do conteúdo e pagamento das “Prestações em dinheiro”, aqui se incluindo as agora discutidas “indemnização e as despesas de funeral em caso de morte”).
E, recordando ainda que nos termos do n.° 1 do art. 62° do aludido D.L. n.° 40/95/M se prevê que “Os empregadores são obrigados a transferir a responsabilidade pelas reparações previstas no presente diploma para seguradoras autorizadas a explorar o ramo de seguro de acidentes de trabalho na RAEM”, debrucemo-nos, agora, sobre o pelas Instâncias recorridas aplicado art. 63° que, (na parte agora relevante), prescreve que:
“1. As prestações a pagar pela seguradora são calculadas sobre a remuneração declarada para efeitos do seguro.
2. No caso de a remuneração referida no número anterior ser inferior à remuneração real, a entidade patronal responde pela diferença das prestações, incluindo as previstas no artigo 28.º
(…)”.
Neste mesmo art. 28°, que como já se deixou relatado se refere ao “Conteúdo e pagamento das prestações em espécie”, prescreve-se que:
“1. As prestações em espécie visam o restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e compreendem:
a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários;
b) A assistência medicamentosa;
c) Os cuidados de enfermagem;
d) O internamento hospitalar;
e) O fornecimento de aparelhos de prótese e ortopedia, sua renovação e reparação;
f) A reabilitação funcional;
g) Os transportes previstos no artigo 14.º
2. As prestações em espécie ficam sujeitas aos seguintes limites pecuniários máximos:
a) Até 3 150 000,00 patacas, por cada trabalhador vítima de acidente de trabalho ou doença profissional;
b) Até trezentas patacas diárias, por consulta fora dos estabelecimentos de saúde, incluindo nesse valor o custo dos elementos de diagnóstico e de tratamento prestados na consulta.
3. Quando o custo das prestações em espécie ultrapassar o limite máximo estabelecido na alínea a) do número anterior, a vítima passa a receber a assistência médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar nos termos do regime legal de acesso aos cuidados de saúde.
4. Os limites previstos no n.º 2 devem ser avaliados anualmente e, por ordem executiva, podem ser actualizados tendo em conta o desenvolvimento social, os valores da inflação e os pareceres da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e da Autoridade Monetária de Macau.
5. As prestações em espécie são pagas quinzenalmente à vítima pela entidade responsável, a contar da data em que recebe o documento comprovativo relativo a essas prestações à vítima”.
E, por sua vez – e, (já agora), para se ficar na posse de todos os elementos invocados nas decisões recorridas – vale a pena referir ainda que com a atrás aludida Portaria n.° 237/95/M se aprovou o “modelo de apólice uniforme do seguro de acidentes de trabalho (e doenças profissionais)” referido no art. 72° do aludido D.L. n.° 40/95/M para efeitos de transferência para as seguradoras das responsabilidades que no mesmo diploma recaem sobre as entidades patronais, estatuindo-se no seu art. 3° que:
“1. A responsabilidade transferida para a Seguradora respeita:
a) Às indemnizações em caso de morte, incluindo despesas de funeral, e às indemnizações por incapacidade permanente ou temporária;
b) Às prestações em espécie de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar, necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho da vítima à sua recuperação para a vida activa, as quais têm por conteúdo:
- Assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;
- Assistência farmacêutica;
- Serviços de enfermagem;
- Internamento hospitalar;
- Fornecimento de aparelhos de prótese e ortopedia, sua renovação e reparação;
- Reabilitação funcional.
2. Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior:
a) Consideram-se prestações em espécie os transportes para observação, tratamento ou comparência perante as autoridades públicas nos termos previstos na legislação em vigor para o seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
b) Salvo nos casos expressamente referidos na lei, a Seguradora tem o direito de designar o médico assistente do sinistrado.
3. A responsabilidade da Seguradora é assumida nos termos da legislação em vigor para o seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais e limitada aos valores e forma de indemnização nela estabelecidos, excepto se, por comum acordo, forem estabelecidos na apólice montantes superiores para as prestações indemnizatórias”.
Ocorrendo no caso dos autos uma situação em que o valor da “remuneração” mensal do trabalhador sinistrado pela Interveniente “declarado” para efeitos de prémio à Seguradora – de MOP$9.500,00 – era inferior à efectivamente “paga” – e que, no caso, era de MOP$36.000,00 – entendeu-se que aplicável era o estatuído no art. 12°, onde no seu n.° 1 se prescreve que:
“Quando a remuneração declarada para efeitos do prémio de seguro for inferior à real, a Seguradora só é responsável em relação àquela renumeração, respondendo o Segurado, neste caso, pela diferença, e pelas despesas previstas na alínea b) do n.° 1 do artigo 3.° na respectiva proporção”.
E, com a “interpretação” a que já se fez referência – assente no critério da “proporção”, (ou “percentagem”), e da “diferença” – chegou-se aos valores em que pelo Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância foram a ora recorrente e Interveniente respectivamente condenadas a pagar a título de “indemnização por morte” e “despesas de funeral” do infeliz trabalhador sinistrado.
Insurgindo-se contra o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, e batendo-se pela revogação do Acórdão recorrido e pela confirmação da decisão do Tribunal Judicial de Base, diz a ora recorrente, (Seguradora), que:
- “o artigo 12° da Portaria n° 237/95/M deve ser lido na sua totalidade e não com "quebras" como parece ser o entendimento do acórdão recorrido”;
- “o artigo 12° estabelece é que o segurado responde pela diferença (entre o valor que declarou e o valor real da remuneração) na respectiva proporção”; e que,
- “De acordo com o disposto no artigo 63° do Decreto-Lei n° 40/95/M de 14 de Agosto, a seguradora apenas é responsável na proporção do que estiver declarado na apólice face ao valor real dos salários declarados, cabendo à entidade patronal o pagamento da diferença das prestações”; (cfr., concl. 11ª a 13ª).
Ora, sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, cremos porém que bem andou o Tribunal de Segunda Instância.
O “contrato de seguro”, como qualquer outro contrato, deve ser negociado e celebrado de “boa fé”, e ser “pontualmente cumprido”; (cfr., art. 399° e 400° do C.P.C.M.).
Porém, (infelizmente), nem sempre assim é.
Acautelando tal possibilidade – e tendo especialmente presente a “natureza” ou “modalidade da reparação”, se em “espécie”, ou em “dinheiro” – consagrou o legislador o regime constante do atrás referido (e transcrito) art. 63°, n.° 2 do D.L. n.° 40/95/M e, especialmente, do art. 12°, n.° 1 da Portaria n.° 237/95/M, do qual, em nossa opinião, se extrai que:
- quando a retribuição declarada para efeito do prémio do seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela (mesma) retribuição;
- respondendo, neste caso, a entidade empregadora, pela “diferença”, (ou seja, pelo “excedente”); e,
- relativamente às “despesas previstas na alínea b) do n.° 1 do art. 3°”, (ou seja, quanto às “prestações em espécie”), respondem, seguradora e empregadora, na respectiva “proporção” da “remuneração declarada” e “efectivamente paga”; (o que, aliás, é precisamente o que corresponde ao prescrito na cláusula 12ª da “Uniform Policy of Employees’ Compensation Insurance” pela ora recorrente junto com a sua contestação, a fls. 219 e segs.).
In casu, e não estando as “reparações” em questão – relativa a “indemnização pelo dano morte” e “despesas de funeral” – incluídas nas aludidas “despesas previstas nesta alínea b) do art. 3°”, visto está que acertada foi a decisão do Tribunal de Segunda Instância que decidiu em conformidade com o que se deixou exposto, (aliás, se o contrato de seguro celebrado entre a ora recorrente e Interveniente teve como referência a “remuneração mensal declarada” de MOP$9.500,00, motivos não nos parecem existir para que, por força do mesmo contrato, não deva a seguradora responder em conformidade com o que, e nos termos do que se obrigou, e está, comprovadamente, inscrito na própria apólice).
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.
Registe e notifique.
Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 05 de Abril de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
1 Ainda que a Portaria nº 237/95/M exija que quando a remuneração declarada para efeitos do prémio de seguro for inferior à real, responde a entidade patronal pelas despesas previstas na alínea b) do nº 1 do artigo 3º na respectiva proporção, ou seja, as prestações em espécie listadas no nº 1 do 28º do DL nº 40/95/M, salvo o devido respeito por opinião diversa, é nosso entendimento que, como o nº 2 do artº 63º do DL nº 40/95/M estabelece que “responde pela diferença das prestações”, assim, a Portaria nº 237/95/M, sendo o regulamento administrativo complementar do DL nº 40/95/M, o seu valor é inferior ao do decreto lei, não podendo contrariar ou alterar as disposições do decreto lei. Neste sentido, deve ser paga a diferença relativa às prestações em espécie listadas no nº 1 do 28º do DL nº 40/95/M e não só na proporção.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Proc. 8/2024 Pág. 28
Proc. 8/2024 Pág. 27