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 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho punitivo proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança em 21 de Setembro de 2020, que lhe aplicou a pena de demissão.
Por acórdão proferido em 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 242/2022), o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto recorrido.
Inconformado, recorreu A para o Tribunal de Última Instância, pugnando pela nulidade e nenhum efeito do despacho punitivo determinativo da demissão e alegando que, ao não declarar a nulidade do despacho, o TSI fez uma errada interpretação e aplicação do art.º 33.º do DL n.º 81/99/M e dos art.ºs 100.º, 101.º, 104.º e 105.º, todos do ETAPM.
Subidos os autos, proferiu a relatora do processo a decisão sumária no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional, da qual foi apresentada reclamação para a conferência.
Por acórdão proferido em 26 de Janeiro de 2024, foi indeferida a reclamação apresentada pelo recorrente.
Desse acórdão vem agora o recorrente arguir a nulidade, com imputação do vício de omissão de pronúncia a respeito da questão dos “60 dias” a que alude o art.º 104.º, n.º 1, al. a) do ETAPM, alegando que, tendo o recorrente faltado ao serviço apenas por 57 dias, não se verifica o “pressuposto inultrapassável de falta por 60 ou mais dias” para a legitimação jurídica da actuação da Junta de Saúde.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de indeferir a arguição de nulidade.

2. Fundamentação
Na óptica do recorrente, o acórdão posto em causa enferma da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, dado que não foi emitida pronúncia sobre a questão por si colocada, alegadamente com relevância para o desfecho decisório da causa.
Salvo o devido respeito, não se afigura assistir razão ao recorrente.
Vejamos.
Sobre a arguição de nulidade do acórdão, emitiu o Digno Magistrado do Ministério Público o douto parecer com o seguinte teor:
«(i)
O Recorrente, A, apresentou requerimento de arguição de nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia, do douto acórdão da conferência do Tribunal de Última Instância, que manteve a decisão sumária proferida pela Excelentíssima Senhora Relatora e negou provimento ao recurso jurisdicional que aquele interpôs do acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal de Segunda Instância.
Não tem razão, parece-nos. O Tribunal de Última Instância, no douto acórdão reclamado, pronunciou-se sobre todas as questões que estava legalmente vinculado a apreciar. Em síntese, pelo seguinte.
(ii)
(ii.1)
Como já anteriormente referimos, a questão (em rigor, a única questão ... ) que o Recorrente colocou no seu recurso contencioso aqui interposto autos foi, no essencial, a de saber se o acto praticado pela Junta de Saúde e que teria servido, de alguma forma, de fundamentação do acto recorrido, seria nulo por estar ferido do vício de incompetência absoluta, em virtude de aquela Junta ter, substancialmente, revogado os atestados médicos por si apresentados para justificar as suas faltas e, desse modo, «exorbit[ado] manifestamente dos taxativos poderes competenciais que a lei estritamente lhe conferiu» (vejam-se os artigos 10.º, 11.º e 14.º da petição inicial do recurso e o ponto 37 da presente reclamação para a conferência).
O Recorrente, no seu recurso contencioso, não colocou a questão da legalidade da intervenção da Junta de Saúde em virtude de ter faltado por um período inferior a 60 dias, mais concretamente, 57 dias, e, por essa razão, não se verificar o pressuposto de intervenção da Junta a que se refere o artigo 104.º do ETAPM.
No entanto, segundo o Recorrente, foi justamente sobre esta questão que o Tribunal de Última Instância terá omitido pronúncia.
Não é assim.
Essa questão que apenas foi suscitada no recurso jurisdicional é uma questão nova, que não foi suscitada perante o Tribunal de Segunda Instância, como resulta óbvio a partir da simples leitura da douta petição inicial.
Ora, como é pacífico, no nosso sistema processual civil, o recurso serve para suscitar a reapreciação de decisões sobre questões que tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, não já para apreciar questões que sejam pela primeira vez arguidas perante o tribunal de recurso, não podendo, pois, confrontar-se o Tribunal ad quem com as chamadas questões novas (assim, acórdão do Tribunal de Última Instância de 1.6.2022, processo n.º 13/2022, e, na doutrina, por todos, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 119).
Deste modo, em se tratando, como efectivamente se trata de uma questão nova, mesmo admitindo, que o Tribunal de Última Instância não conheceu da mesma, a verdade é que não estava legalmente vinculado a fazê-lo.
(ii.2)
Além disso, a dita questão não é de conhecimento oficioso.
Como sabemos, o tribunal de recurso também conhece de questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, desde que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
Não é o caso, todavia.
É certo que, como já antes dissemos, o vício da incompetência absoluta é gerador da nulidade do acto, nos termos resultantes do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 123.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). No entanto, a questão colocada não é, de todo, susceptível de consubstanciar uma situação de incompetência absoluta da Junta de Saúde, porquanto, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, aquela Junta exerceu poderes que lhe estão legalmente cometidos. Com efeito é à Junta de Saúde que cabe pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, tratando-se, de resto, de uma competência que lhe é deferida pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro: «verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas (...)», O caso não é, pois, manifestamente, de incompetência absoluta, nem se lobriga como possa situação inovadoramente alegada pelo Recorrente nas suas alegações de recurso jurisdicional ser enquadrado em qualquer outro vício gerador de nulidade do acto administrativo contenciosamente recorrido. Deve, por isso, ter-se por irremediavelmente afastado qualquer dever de conhecimento oficioso da questão suscitada por parte do Tribunal de Última Instância.
Assim, uma vez que a sobre a questão em causa é, por um lado, uma questão nova e, por outro lado, não é de conhecimento oficioso, parece-nos manifesto, face ao disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 652.º e 633.º, n.º 1 do mesmo Código e artigo 149.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, que o douto acórdão reclamado não incorreu em qualquer omissão de pronúncia.
(iii)
Pelo exposto, parece ao Ministério Público, salvo melhor opinião, que a presente arguição de nulidade deve ser indeferida.»

Merecem a nossa concordância as doutas considerações acima transcritas, pelo que subscrevemos.
Na realidade, da leitura da petição inicial apresentada pelo recorrente não resulta que ele tenha suscitado a questão de falta de tempo suficiente para justificar a intervenção da Junta de Saúde, sendo certo que, nessa peça processual, o recorrente nem sequer fez referência ao art.º 104.º do ETAPM, muito menos ao seu n.º 1, al. a), segundo a qual o trabalhador dever ser submetido à Junta de Saúde, “quando atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada”.
Daí que, naturalmente, o Tribunal de Segunda Instância não fez abordagem sobre a questão, que não é de conhecimento oficioso.
Se o recorrente colocasse a questão perante o TSI, a sua não pronúncia implicaria a nulidade do acórdão, podendo (e devendo) o recorrente argui-la, o que não sucedeu.
A intervenção da Junta de Saúde foi questionada apenas no recurso jurisdicional interposto do acórdão proferido pelo TSI, tendo o recorrente alegado que, por ter faltado ao serviço por 57 dias, não se verificava o pressuposto inultrapassável de falta por 60 dias ou mais, referido na al. a) do n.º 1 do art.º 104.º do ETAPM (cfr. artigos 26 a 28 das alegações do recurso e pontos 12 e 13 das conclusões das mesmas alegações).
Daí que, mesmo admitindo que se trata duma questão, e não mero argumento para demonstrar a incompetência da Junta de Saúde, estamos perante uma questão nova, não suscitada no recurso contencioso nem apreciada pelo TSI.
Como se sabe, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão proferido pela segunda instância e não para apreciar questão que não foi colocada nem apreciada pelo TSI, a não ser de conhecimento oficioso.
E evidentemente não se trata duma questão de conhecimento oficioso, tal como salienta, e muito bem, o Digno Magistrado do Ministério Público, sendo ainda certo que nem o próprio recorrente chegou a invocar tal natureza.
Resumindo, afigura-se-nos manifesta a sem razão do recorrente, por não se vislumbrar a verificação do vício imputado pelo recorrente de omissão de pronúncia previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC.
Acrescentando, é de dizer que, como o acórdão ora posto em causa foi proferido pela conferência, face à reclamação apresentada pelo recorrente da decisão sumária tomada pela Juíza relatora do processo, em que também não tocou no assunto de falta de tempo suficiente para a intervenção da Junta de Saúde, a questão de nulidade ora arguida pelo recorrente pode, e deve, ser suscitada na referida reclamação, até ao abrigo do princípio de economia processual e de celeridade.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em indeferir a arguição de nulidade do acórdão.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

13 de Março de 2024
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng



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Processo n.º 38/2023