Processo nº 252/2024
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data do Acórdão: 12 de Setembro de 2024
ASSUNTO:
- Acto confirmativo
- Irrecorribilidade do acto
- Deficiência da notificação do acto administrativo
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 252/2024
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)
Data: 12 de Setembro de 2024
Recorrente: (A)
Recorrido: Director dos Serviços de Saúde
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso contencioso contra,
Director dos Serviços de Saúde, também, com os demais sinais dos autos,
pedindo que seja o recurso julgado procedente e anulada a decisão de 14 de Agosto de 2023 de homologar o parecer da Junta de Saúde de 8 de Setembro de 2023.
Proferida sentença, foi a Entidade Recorrida absolvida da instância pela irrecorribilidade do acto recorrido.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, a recorrente não pode concordar com a sentença recorrida.
2. No entendimento da sentença recorrida, o despacho do Director dos Serviços de Saúde de 14/08/2023, que homologou o parecer da Junta de Revisão, confirmou a decisão do Director dos Serviços de Saúde proferida em 18/01/2023 que indeferiu o recurso hierárquico necessário da recorrente, o qual é um acto meramente confirmativo. Esta interpretação é errada. Como refere a doutrina sobre acto meramente confirmativo que foi citada pela própria sentença (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, pp. 121 a 122).”
3. Ainda que os dois actos fossem praticados pelo Director dos Serviços de Saúde, os dois destinam-se aos conteúdos diferentes.
4. A decisão de indeferimento feita pelo Director dos Serviços de Saúde em 18/01/2023 é destinada ao recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente contra os pareceres da Junta de Saúde datados de 07/11/2022 e 06/12/2022 que foram homologados pelo Director dos Serviços de Saúde.
5. E o despacho de homologação do Director dos Serviços de Saúde de 08/09/2023 foi proferido destinando-se ao parecer emitido em 14/08/2023 pela Junta de Revisão.
6. A sentença recorrida entende que a recorrente não invocou nova questão na revisão, este entendimento não corresponde à verdade. A recorrente solicitou o reexame à Junta de Revisão porque o relatório mais recente (nº 0127761008 de 29/06/2023) elaborado pelo médico especialista dos Serviços de Saúde indicou expressamente que a incapacidade permanente de trabalho da recorrente foi avaliada conforme o acidente de trabalho. O médico especialista especificou que “de acordo com a Tabela de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais anexa ao DL nº 40/95/M”, preenchendo a al. c) do artº 78º - síndrome ansioso caracterizado, foi-lhe atribuída uma IPP de 45%, a incapacidade de trabalho é permanente.” Pelo dito conteúdo, a recorrente pediu uma revisão.
7. Portanto, a sentença recorrida errou ao entender que a recorrente não invocou nova questão na revisão.
8. Além disso, importa referir que o parecer emitido pela Junta de Revisão é um parecer independente, a sua independência pode ser reflectida em duas vertentes:
9. Na vertente jurídica, estipula o artº 3º (sic), nº 3 do DL nº 81/99/M: “Compete à Junta de Revisão apreciar, mediante requerimento do interessado ou a pedido dos serviços, as deliberações da Junta de Saúde relativas a incapacidades, confirmando-as ou alterando-as.”
10. A lei confere à Junta de Revisão competência para apreciar as deliberações da Junta de Saúde. A Junta de Revisão não só confirma as deliberações da Junta de Saúde, também pode alterá-las.
11. A lei criou a Junta de Revisão para apreciar as deliberações da Junta de Saúde, o que visa, aparentemente, proteger as pessoas que sofram incapacidade de trabalho por doenças ou acidentes, fornecendo-lhes uma camada adicional de proteção legal e, por outro lado, dando fé pública às deliberações de incapacidade.
12. No parecer emitido em 14/08/2023 pela Junta de Revisão dos Serviços de Saúde, lê-se o seguinte: “Conclusão: De acordo com a revisão realizada no dia 14 de Julho de 2023, a Junta entende unanimemente que a Srª (A) sofre transtorno de ansiedade orgânica combinado com síndrome de concussão. A Junta não tem objecções à avaliação clínica da sua incapacidade permanente para o trabalho.”
13. Na vertente operacional, a Junta de Revisão não meramente confirmou as deliberações da Junta de Saúde, necessitava ainda de apreciar de novo os registos médicos (processo clínico) da recorrente e os relatórios feitos pelos médicos especialistas, bem como as manifestações clínicas da recorrente apresentadas no dia da realização da sessão de revisão, para que pudesse determinar se a recorrente sofria ou não uma incapacidade permanente de trabalho, necessitando indicar as doenças que resultam em incapacidade permanente de trabalho.
14. Isso é mesmo o que se refere o ofício nº 1041/SCSD/O/2023 de 27/10/2023 dos Serviços de Saúde. O ofício respondeu à recorrente do seguinte modo: “… a avaliação clínica foi feita pela Junta de revisão após considerado todas as informações médicas de V.Exª e as manifestações clínicas apresentadas por VªExª na sessão da Junta de Revisão realizada no Centro Hospitalar Conde de São Januário em 14/07/2023…”
15. Daí resultou que a Junta de Revisão emitiu o parecer com base nas suas competências, bem como no resultado da revisão realizada em 14/07/2023, o seu parecer é independente.
16. Em segundo lugar, o parecer emitido em 07/11/2022 pela Junta de Saúde dos Serviços de Saúde tem o seguinte teor: “De acordo com a avaliação global dos relatórios médicos, a trabalhadora encontra-se absoluta e permanentemente incapaz para exercer funções públicas.”
17. O parecer da Junta de Saúde dos Serviços de Saúde, emitido em 06/12/2022, tem o seguinte teor: “Após uma avaliação abrangente dos relatórios médicos especializados sobre a trabalhadora, não há dados clínicos que demonstrem a existência de uma relação directa entre a incapacidade permanente absoluta para o exercício das funções públicas da trabalhadora e o acidente ocorrido em 18/11/2019.”
18. Após feita uma comparação, nota-se uma diferença óbvia entre o teor dos pareceres da Junta de Saúde de 07/11/2022 e 06/12/2022 e o do ponto 9 da parte de conclusão referida - parecer da Junta de Revisão, emitido em 04/08/2023.
19. O Tribunal de Última Instância refere o seguinte no acórdão de 06/06/2012 do Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa - processo nº 15/2012: “O acto administrativo meramente confirmativo é o que se limita a confirmar outro acto anterior que seja impugnável, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo, de modo a que o acto meramente confirmativo não tira nem põe nas situações criadas pelo acto confirmado.
E “para haver identidade de decisão importa não apenas a existência de identidade da resolução dada ao caso concreto, mas também identidade da fundamentação da decisão e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão. Se estas várias identidades se não verificarem, o segundo acto já não será simples confirmação do primeiro.””
20. Por isso, o despacho do Director dos Serviços de Saúde que homologou o parecer da Junta de Revisão de 14/08/2023 e a decisão do Director dos Serviços de Saúde de indeferir o recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente contra os pareceres da Junta de Saúde em 07/11/2022 e 06/12/2022 que foram homologados pelo Subdirector dos Serviços de Saúde, não existe identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão entre os dois actos administrativos. O sujeito e a decisão não são idênticos, ou seja, o sujeito de um acto administrativo é o parecer da Junta de Revisão já homologado e o do outro acto administrativo é o parecer da Junta de Saúde já homologado, em particular, não se verifica a identidade da fundamentação.
21. O referido ponto 12 da parte de conclusão - o parecer da Junta de Revisão de 14/08/2023 apenas deliberou que “não tem objecções à avaliação clínica da sua incapacidade permanente para o trabalho” e não “não tem objecções às deliberações da Junta de Saúde sobre a sua incapacidade permanente de trabalho”. Vale a pena notar que a avaliação clínica não é equiparada às deliberações de 07/11/2022 e de 06/12/2022 da Junta de Saúde, o que quer dizer que o Director dos Serviços de Saúde homologou, em 08/09/2023, o parecer da Junta de Revisão, esta decisão administrativa não é equiparada à homologação das deliberações da Junta de Saúde.
22. A Junta de Revisão concorda com a avaliação clínica feita pelos médicos especialistas: “…não tem objecções à avaliação clínica da sua incapacidade permanente para o trabalho”, e a avaliação clínica da sua incapacidade permanente para o trabalho foi feita pelos médicos especialistas baseando-se no DL nº 40/95/M, este é o regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, ou seja, a Junta de Revisão não concorda com a deliberação da Junta de Saúde.
23. A deliberação da Junta de Saúde não é avaliação clínica, sendo apenas a análise simples das informações. E os membros da Junta de Saúde também não possuem qualificação profissional na área de neurologia e psiquiatria para fazer avaliação clínica.
24. Pelo acima exposto, o despacho do Director dos Serviços de Saúde de homologar o parecer emitido em 14/08/2023 pela Junta de Revisão não pode ser considerado um acto meramente confirmativo.
25. Acresce que, como diz o despacho recorrido, “No caso em apreço, a solicitação da intervenção da Junta de Revisão para o reexame da deliberação da Junta de Saúde assim como a consequente homologação do parecer emitido não é um tipo de revisão imposta por lei, sendo por isso de carácter facultativo.” O parecer emitido pela Junta de Revisão em 14/08/2023 tem carácter facultativo, mas não tem efeito vinculativo.
26. Desta forma, depois de o Director dos Serviços de Saúde homologar o parecer da Junta de Revisão, produz logo uma decisão administrativa, ou seja, produz efeitos externos à recorrente, o qual é um acto administrativo recorrível.
27. Ademais, em 01/09/2023 os Serviços de Saúde pronunciaram-se sobre o pedido da recorrente, apontando no ponto 7 da parte de factualidade da Infª 147/GJ/2023 que “Mais se requer ao Director dos Serviços de Saúde que homologue o parecer emitido pela JR e indique expressamente o prazo para interposição de recurso contencioso.” (cfr. fls. 3 a 71 do P.A.)
28. E em 08/09/2023, o Director dos Serviços de Saúde notificou, via ofício nº 0865/SCSD/O/2023, a recorrente da decisão de homologar o parecer da Junta de Revisão, informando-lhe também “Nos termos dos artºs 25º, nº 2, al. a) e 26º do Código do Procedimento Administrativo, VªExª pode, querendo, recorrer contenciosamente junto do Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias, contado da data do recebimento do referido parecer homologado.”
29. Em 15/09/2023, a recorrente recebeu, através de email, a dita notificação nº 0865/SCSD/O/2023.
30. O Gabinete Jurídico, subunidade dos Serviços de Saúde, propôs ao Director dos Serviços de Saúde que indicasse o prazo para interposição de recurso contencioso, além disso, o Director dos Serviços de Saúde notificou a recorrente, mediante o referido ofício, de que podia recorrer contenciosamente da decisão de homologar o parecer. Isso significa que ele próprio entende que é recorrível o acto administrativo da homologação do parecer da Junta de Revisão.
31. Além do mais, caso V.Exªs entendam que o despacho do Director dos Serviços de Saúde de homologar o parecer emitido em 14/08/2023 pela Junta de Revisão seja um acto meramente confirmativo e irrecorrível, vamos apresentar o seguinte.
32. Primeiro, no entendimento da recorrente, o artº 70º do CPA visa informar ao interessado se o acto administrativo é ou não confirmativo, se é contenciosamente recorrível e onde deve ser apresentado o recurso contencioso.
33. No entanto, o Director dos Serviços de Saúde notificou a recorrente, mediante ofício nº 0865/SCSD/O/2023, de que podia recorrer contenciosamente da decisão de homologar o parecer no prazo de 30 dias, contado da data do recebimento da notificação. Caso a dita decisão fosse irrecorrível, induziria a recorrente a crer que poderia recorrer contenciosamente da decisão no prazo de 30 dias após o recebimento da notificação, fazendo com que a recorrente errasse na recorribilidade da decisão.
34. Portanto, no caso de acreditar firmemente no teor do ofício enviado pelo Director dos Serviços de Saúde, o grau de culpa da recorrente é relativamente baixo, sendo um erro desculpável.
35. Diz o artº 111º, nº 6 do CPC: “Os erros e omissões praticados pela secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”
36. No acórdão de 04/04/2019 proferido no recurso jurisdicional em matéria administrativa nº 30/2019, o Tribunal de Última Instância refere o seguinte: “Afigura-se-nos que a mencionada norma do Código de Processo Civil constitui um princípio geral aplicável não só às secretarias judiciais, mas também aos serviços administrativos encarregados das notificações de actos administrativos susceptíveis de impugnação.”
37. Acresce que o recurso foi interposto no prazo legal.
38. Assim, mesmo que a recorrente interpusesse recurso contra um acto irrecorrível por ser induzida em erro pelo Director dos Serviços de Saúde, deveria considerar-se que a recorrente apresentou o recurso contencioso no prazo legal.
39. Não deveria recusar apreciar o recurso interposto simplesmente porque se destinou contra um objecto errado, o que prejudica o particular que intentou recurso contencioso no tempo oportuno por acreditar no teor do dito ofício. Assim levou a que a recorrente perdesse a oportunidade para apresentar recurso contencioso. Isso é, obviamente, irracional.
40. É porque a recorrente não deve ser prejudicada por ser induzida em erro pelo Director dos Serviços de Saúde.
41. Pelo exposto, a sentença recorrida viola o artº 111º, nº 6 do CPC e viola manifestamente o princípio da legalidade previsto no CPA, sendo anulável nos termos do artº 124º do CPA.
Contra-alegando veio o Recorrido Director do Serviços de Saúde apresentar as seguintes conclusões:
1. A Entidade Recorrida apoia e adere à douta Sentença do Tribunal a quo, que julgou procedente a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido e, em absoluta consonância com o parecer do Ministério Público, rejeitou o recurso interposto, tendo, consequentemente, absolvido a Entidade Recorrida da instância.
2. Toda a tese sustentada pela Recorrente encontra-se cabal e lapidarmente rebatida e contrariada na douta Sentença recorrida, porquanto fundada nos factos carreados para o processo e aí dados por provados, em total consonância com a lei aplicável e, logo, imune a qualquer ilegalidade por ela alegada.
3. E fê-lo o Tribunal a quo por considerar, e bem, que, resultando da matéria de facto apurada e provada e da lei aplicável ser o acto recorrida manifestamente irrecorrível, por ser acto meramente confirmativo do acto anterior recorrível, mas não contenciosamente recorrido, outra alternativa não havia que não fosse a sua liminar rejeição.
4. O Digníssimo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer de que, atendendo à excepção suscitada, o recurso não merecia provimento, pelas razões que aduziu a fls. 378 a 379 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, nomeadamente por ser acto meramente confirmativo.
5. Sendo o acto recorrido meramente confirmativo, conforme a factualidade apurada, manda o n.º 1 do artigo 31.º do CPAC que, “O recurso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação administrativa ou contenciosa interposta por aquele”.
6. Entende a Jurisprudência da RAEM que, “o acto meramente confirmativo não é susceptível de recurso contencioso, uma vez que se limita a reproduzir o sentido do acto confirmado – embora por vezes, com argumentação diversa – sendo este impugnável contenciosamente, e visando-se com esta regra impedir que se defraude a norma que fixa prazos peremptórios para o recurso contencioso de actos anuláveis”.
7. Tal é o caso do acto recorrido, ou seja, o acto de homologação de 08/09/2023 (acto confirmativo) do parecer da Junta de Revisão de 14/08/2023, que se limita a confirmar os actos homologatórios (actos confirmados) dos pareceres de 07/11/2022 e 06/12/2022 da Junta de Saúde, nomeadamente no que se refere à incapacidade da Recorrente.
8. Com efeito, o teor do parecer da Junta de Revisão de 14/08/2023, homologado em 08/09/2023 é claro e inequívoco quando nele se refere que, 根據2023年7月14日覆檢,委員會一致認為(A)女士符合器質性焦慮症合併腦震盪症候群,對其長期工作能力喪失的臨床評估無異議” (ou, em português, “De acordo com a revisão efectuada em 2023/7/14, a Junta de Revisão considera, por unanimidade, que a Sra. (A) sofre de Organic Anxiety Disorder superimposed on Post-Concussion Syndrome of Brain, não tem nada a por à avaliação clínica relativa à incapacidade permanente para o trabalho”), o que significa que a Junta de Revisão confirmou os pareceres da Junta de Saúde no que se refere à incapacidade da Recorrente.
9. Entendeu a Sentença ora recorrida que estão preenchidos os requisitos de: i) que o acato confirmado seja definitivo; ii) que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, de modo a poder recorrer-se dele; e iii) que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão”, pelo que bem andou a decisão do Tribunal a quo ao ajuizar tratar-se o acto recorrido de um acto meramente confirmativo de actos anteriores.
10. Deste modo, era inevitável que o recurso contencioso interposto teria de ser rejeitado, dada a manifesta natureza confirmativa do acto recorrido, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPAC e, consequentemente, haveria que absolver a Entidade Recorrida da instância.
11. Em suma, concordando em absoluto com a douta Sentença recorrida, porquanto não se verificou na mesma qualquer dos vícios que lhe foram assacados pela Recorrente, forçoso é concluir que a Sentença recorrida não merece reparo.
12. No mais, reiterando tudo o que foi alegado em excepção na contestação ao recurso contencioso, e acompanhando a douta Sentença recorrida, a Entidade Recorrida oferece o merecimento dos autos.
Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
- A ora Recorrente, técnica superior assessora do Instituto do Desporto, desempenhava função, em regime de comissão de serviço, no Serviços de Apoio à Assembleia Legislativa (conforme os docs. juntos a fls. 23 e fls. 178 dos autos).
- Em virtude do acidente que ocorreu em 18/11/2019, pelas 15h14, a Recorrente sofreu da concussão cerebral, segundo o diagnóstico realizado pelo Hospital Conde de S. Januário (conforme os docs. juntos a fls. 23 a 26 dos autos).
- Na sequência do acidente, a Recorrente ausentava-se do serviço pelas faltas justificadas por motivo de doença nos sucessivos períodos até 25/10/2022.
- No dia 7/11/2022, a pedido do Instituto do Desporto, a Junta de Saúde, com base no que resultou do relatório médico enviado pelo Centro Hospitalar Conde de S. Januário, emitiu o parecer com o seguinte teor: “根據綜合評估醫療報告,該工作人員為長期絕對沒有擔任公共職務的能力。”, o qual foi homologado pelo Subdirector dos Serviços de Saúde, e seguidamente notificado à Recorrente (conforme os docs. juntos a fls. 295 a 306 do processo administrativo, vol. 1).
- No dia 6/12/2022, a pedido de esclarecimento do Instituto do Desporto, a Junta de Saúde convocou a sessão ordinária e emitiu o parecer com o seguinte teor, “綜合評估該工作人員的專科醫療報告,未有臨床資料顯示其長期絕對沒有擔任公共職務的能力與18/11/2019的意外直接相關。”, o qual foi homologado pelo Subdirector dos Serviços de Saúde, e posteriormente foi notificado à Recorrente (conforme os docs. juntos a fls. 307 a 316 do processo administrativo, vol. 1).
- Desse acto homologatório, a Recorrente apresentou reclamações que foram indeferidas (conforme os docs. juntos a fls. 320 a 340 do processo administrativo, vol. 1).
- Para além de ter recorrido hierarquicamente para o Director dos Serviços de Saúde, recurso que também foi indeferido pela decisão desta de 18/1/2023, notificada por ofício n.º 006/JS/OF/2023 (conforme os docs. juntos a fls. 452 a 459 e fls. 462 a 465 do processo administrativo, vol. 2).
- Por carta datada de 12/6/2023 dirigida ao Director dos Serviços de Saúde, a Recorrente veio a solicitar a intervenção da Junta de Revisão a fim de que seja revisto o parecer emitido pela Junta de Saúde sobre a questão da incapacidade permanente (conforme o doc. junto a fls. 467 do processo administrativo, vol. 2).
- Na sequência da revisão realizada em 14/7/2023, a Junta de Revisão, em 14/8/2023, emitiu o parecer com o seguinte teor “結論:根據2023年7月14日覆檢,委員會一致認為(A)女士符合器質性焦慮症合併腦震盪症候群,對其長期工作能力喪失的臨床評估無異議。”, que foi objecto de homologação pelo Director dos Serviços de Saúde, datada de 8/9/2023 (conforme o doc. junto a fls. 95 do processo administrativo, vol. 3).
- Dessa última decisão, a Recorrente recorreu contenciosamente.
b) Do Direito
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Face ao enquadramento supra, entendemos ser de acolher a posição da Entidade Recorrida, quanto à falta da impugnabilidade contenciosa do acto impugnado, por causa da sua mera confirmatividade.
Recapitula-se, desde logo, que o acto aqui impugnado é a homologação pela Director dos Serviços de Saúde do parecer emitido pela Junta de Revisão, no exercício da competência que lhe foi deferida pelo artigo 33.º, n.º 3 do DL n.º 81/99/M, de 15 de Novembro, designadamente, de “apreciar, mediante requerimento do interessado ou a pedido dos serviços, as deliberações da Junta de Saúde relativas a incapacidades, confirmando-as ou alterando-as.”.
Como se sabe, a homologação em sentido próprio, é o acto administrativo que absorve fundamentos e conclusões de uma proposta ou de um parecer apresentado por outro órgão não decisor, em moldes definidos nos termos do artigo 114.º, n.º 2 do CPA. Trata-se portanto do acto contenciosamente recorrível (cfr. neste sentido, Diogo Freita do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pp. 265 a 267, jurisprudência comparada, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0511/02, de 2003/02/12, e a jurisprudência da RAEM, Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 74/2014, de 11/12/2014).
No que respeita ao parecer da Junta de Saúde sobre a aptidão ou inaptidão do trabalhador da função pública para regressar ao serviço, tem-se entendido que tal parecer está sujeito à homologação por força do n.º 7 do artigo 105.º do ETAPM. É por isso acto homologatório que reveste a natureza do acto administrativo recorrível. Nesta linha, “Não constituindo o parecer da Junta de Saúde um verdadeiro acto administrativo, não lhe estão associados os efeitos que são próprios desses mesmos actos, nomeadamente e para o que agora interessa, o chamado efeito vinculativo” (cfr. Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.ºs 343/2021, 10/2021 e 1014/2021).
Portanto, do que se trata aqui é de uma relação típica da homologação, com “a existência entre os dois órgãos – o autor do ato homologatório e o autor do ato homologado – de uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes títulos de legitimidade para a produção dum mesmo resultado. Tal o sentido mais genuíno que a figura pode adquirir: por um lado, a lei pretende que a decisão final não deixe de ser tomada por quem, em virtude da posição que ocupa na estrutura da Administração, lhe pode dar a força e a autoridade que ela reclama; por outro lado, entende circunscrever essa decisão no quadro de opções previamente definido por outro órgão, em homenagem à sua especial competência técnica, às garantias de imparcialidade e independência por ele proporcionadas ou a outras razões análogas” (cfr. o teor do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, citado pelo Ministério Público emitido no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, Processo n.º 1021/2020).
Na situação vertente, o acto homologatório do parecer da Junta de Saúde, de 6/12/2022, apesar de ser de per si contenciosamente recorrível, conforme atrás referido, foi praticado pelo Subdirector dos Serviços de Saúde no exercício do poder delegado através do Despacho n.º 03/SS/2022, e por força da alínea 1) do n.º 2 deste despacho, encontra-se ainda sujeito à impugnação administrativa necessária perante Director dos Serviços de Saúde. Daí, passa a ser o acto do Director dos Serviços de Saúde que decidiu, indeferindo o recurso hierárquico necessário interposto que sendo definitivo, se deve impugnar por via contenciosa, ao abrigo do artigo 28.º, n.ºs 1 e 3 do CPAC.
Quanto ao acto homologatório do parecer da Junta de Revisão, na mesma linha que se caracteriza o parecer da Junta de Saúde nos termos referidos acima, deverá ser também a homologação que se configura como único acto contenciosamente recorrível, não o próprio parecer homologado, de 14/8/2023 – por um lado, tal competência homologatória decorre da norma habilitante prevista no artigo 8.º, n.º 2, alínea f) do DL n.º 81/99/M, e por outro, a norma do artigo 33.º, n.º 3 do referido DL, legitimadora da intervenção da Junta de Revisão apenas permitiu que esta revisse as deliberações da Junta de Saúde. Estando estas sujeitas à homologação por força do artigo 105.º, n.º 7 do ETAPM, o parecer da Junta de Revisão no sentido de confirmar ou alterar aquelas deliberações igualmente carece de ser homologado. Em nosso entender, com a prática do acto secundário, isto é, a homologação do parecer da Junta de Revisão que versa sobre a anterior homologação do parecer da Junta de Saúde, é que é susceptível de influir a situação jurídica subjacente ao primeiro acto homologatório.
Em congruência com este entendimento, diríamos que a relação que existe entre o segundo acto homologatório do Director dos Serviços de Saúde, datada de 8/9/2023, e o acto do Director que indeferiu o recurso hierárquico necessário, por modo a confirmar o primeiro acto homologatório – datado de 18/1/2023, é da mera confirmatividade. Procuremos justificar de forma sucinta.
Segundo definição corrente na doutrina e na jurisprudência, o acto meramente confirmativo é um acto que mantém um acto definitivo anterior, é “aquele que emando da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei” (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, pp. 121 a 122).
No caso em apreço, a solicitação da intervenção da Junta de Revisão para o reexame da deliberação da Junta de Saúde assim como a consequente homologação do parecer emitido não é um tipo de revisão imposta por lei, sendo por isso de carácter facultativo.
É de ainda realçar que conforme a factualidade apurada, a homologação aqui impugnada se limitou a repetir o conteúdo da homologação anterior de 6/12/2022, que foi objecto de confirmação pelo acto do Director dos Serviços de Saúde, em que se confirmou a avaliação sobre a incapacidade permanente e absoluta da trabalhadora para o exercício das funções públicas, com base no que resulta do relatório médico. Ou seja, a última homologação em nada inovou relativamente ao acto anterior. A respeito deste ponto, o contra-argumento trazido pela Recorrente não parece ser acolhível, uma vez que o novo exame cuja realização foi determinada pela Junta de Revisão, se destinava precisamente ao seu exercício do poder de revisão – tal como sucedeu com a realização das diligências complementares a que haja lugar na pendência do recurso hierárquico – a que se refere no artigo 162.º, n.º 2 do CPA. A existência ou não da mera confirmatividade não depende senão do sentido exprimido pelo acto final que se praticaria – confirmação ou alteração do parecer relativo à incapacidade do trabalhador.
Ademais, como acabámos de referir atrás, o acto do Director dos Serviços de Saúde de que decidiu, em 18/1/2023, indeferindo o recurso hierárquico necessário interposto do acto homologatório do Subdirector, é contenciosamente recorrível, de que a ora Recorrente tomou conhecimento por ofício de notificação n.º 006/JS/OF/2023, que lhe foi dirigido.
Assim sendo, conclui-se que o recurso contencioso ora interposto versa sobre um acto meramente confirmativo, inimpugnável e que em virtude dessa inimpugnabilidade do acto, que constitui uma excepção dilatória e obsta ao conhecimento do recurso, deve-se absolver a Recorrida da instância, ao abrigo dos artigos 31.º, n.º 1, 46.º, n.º 2, alínea c) e 62.º, n.º 1 do CPAC.».
Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
«1.
(A), melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso do acto do Directora dos Serviços de Saúde que homologou o parecer da Junta de Revisão de 14 de Agosto de 2023 que nada opôs à avaliação clínica relativa à incapacidade para o trabalho da Recorrente.
O Tribunal Administrativo absolveu a Entidade Recorrida da instância, com fundamento no n.º 1 do artigo 31.º e na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC, por ter considerado que o acto recorrido tem natureza meramente confirmativa.
Inconformada com o dito despacho veio a Recorrente contenciosa interpor o presente recurso jurisdicional.
2.
(i)
Do disposto no n.º 1 do artigo 31.º do CPAC decorre a regra da irrecorribilidade do chamado acto meramente confirmativo, ou seja, de acordo com uma formulação corrente, do acto que emanado da mesma entidade e dirigindo-se ao mesmo destinatário, e com os mesmos fundamentos, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei. O acto meramente confirmativo é, pois, aquele que se limita a reiterar decisões contidas em actos administrativos anteriores. O acto meramente confirmativo não é, sequer, um verdadeiro acto administrativo, uma vez que, «limitando-se a manter a definição jurídica constante de um acto anterior, não tem conteúdo decisório, pelo que não produz efeitos jurídicos inovatórios» (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Reimpressão, Coimbra, 2022, p. 383. Já no mesmo sentido, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, p. 79 e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 172).
É de notar, em todo o caso, que, como também resulta do antes referido inciso legal contido no n.º 1 do artigo 31.º do CPAC, os actos meramente confirmativos podem ser objecto de impugnação contenciosa. Para que tal aconteça é necessário que, com o facto de o autor ter não impugnado o acto confirmado, se cumule uma das seguintes circunstâncias: (i) não ter sido o recorrente notificado do acto anterior ou (ii) não ter sido esse acto (que não carecesse de notificação) sido publicado (nestes termos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Coimbra, 2006, p. 358).
Compreende-se bem a que a lei preceitue a inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos. Visa-se, no essencial, garantir a estabilidade das situações jurídicas, a qual poderia ser posta em causa se se permitisse aos particulares impedir a consolidação dos actos anuláveis provocando novas decisões sobre o mesmo assunto. Aquilo que se pretendeu acautelar com a imposição de prazos para a interposição de recurso contencioso seria, assim, irremediavelmente posto em causa.
(ii)
No caso, a Recorrente contenciosa impugnou no Tribunal Administrativo um acto do Director dos Serviços de Saúde que homologou o parecer da Junta de Revisão.
Vejamos.
Decorre da conjugação das normas legais da alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) que o trabalhador deve ser submetido à Junta de Saúde, solicitada pelo dirigente do serviço, quando atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada nos termos dos artigos anteriores, devendo a Junta de Saúde pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador em regressar ao serviço.
A deliberação da Junta de Saúde pode, mediante requerimento do interessado ou a pedido dos serviços, ser submetida a reapreciação por parte da Junta de Revisão, a qual, no exercício desses poderes de reapreciação, pode confirmar ou alterar aquela deliberação (cfr. artigo 33.º, n.º 3, do Decreto-Lei 81/99/M, de 15 de Novembro). Não prevendo a lei o prazo para dedução do requerimento de reapreciação por parte do interessado, será de considerar que o mesmo é o prazo geral de 15 dias previsto no n.º 2 do artigo 73.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 81/99/M, tanto a deliberação da Junta de Saúde como a da Junta de Revisão estão sujeitas a homologação por parte do Director de Saúde, sendo que, de acordo com o entendimento firmado na nossa jurisprudência, é a homologação do respectivo parecer e não este que reveste a natureza de acto administrativo (neste sentido, veja-se, entre muito outros, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.12.2014, processo n.º 74/2014. O que é típico da homologação é «a existência entre os dois órgãos – o autor do acto homologatório e o autor do acto homologado – de uma espécie de partilha de poderes, fundada no propósito de associar diferentes títulos de legitimidade para a produção dum mesmo resultado. Tal o sentido mais genuíno que a figura pode adquirir: por um lado, a lei pretende que a decisão final não deixe de ser tomada por quem, em virtude da posição que ocupa na estrutura da Administração, lhe pode dar a força e a autoridade que ela reclama; por outro lado, entende circunscrever essa decisão no quadro de opções previamente definido por outro órgão, em homenagem à sua especial competência técnica, às garantias de imparcialidade e independência por ele proporcionadas ou a outras razões análogas»: nestes termos, veja-se o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 39/2012, de 21.3.2013, disponível para consulta em linha).
A ser assim, parece que a norma da alínea f) do n.º 2 do artigo 8.º (aí se preceitua competir ao Directos dos Serviços de Saúde «homologar os pareceres das juntas médicas») deve ser interpretada com alguma habilidade. A nosso ver, a lei não habilita o Director dos Serviços de Saúde a homologar, consecutivamente, a deliberação da Junta de Saúde e a da Junta de Revisão. O que resulta da lei é o seguinte: após a deliberação da Junta de Saúde e na sequência da respectiva notificação ao interessado, uma de duas: ou a reapreciação pela Junta de Revisão é requerida pelo interessado ou pedida pelos serviços, ou tal não acontece. Na primeira situação, a homologação recairá sobre a deliberação da Junta de Revisão; verificando-se, pelo contrário, que a reapreciação, no prazo legal não foi requerida ou pedida, então a homologação recairá sobre a deliberação da Junta de Saúde.
Na verdade, se não for este o entendimento e, pelo contrário, se considerar que a Junta de Saúde está, desde logo, sujeita a homologação, mesmo que, depois venha a ser requerida a intervenção da Junta de Revisão, fica por explicar de que modo é que a deliberação desta pode confirmar ou alterar uma deliberação que já foi objecto de homologação e, portanto, de um acto administrativo praticado pelo Director dos Serviços de Saúde. A revisão, como resulta abertamente da letra da norma do n.º 3 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, incide sobre a deliberação da Junta de Saúde e não sobre o acto homologatório.
(iii)
(iii.1)
No caso em apreço, segundo a matéria provada:
- No dia 7 de Novembro de 2022, a Junta de Saúde, a pedido do Instituto de Desporto, deliberou o seguinte: «Conforme a avaliação global do relatório médico a referida trabalhadora (Recorrente contenciosa) é permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas».
- A mencionada deliberação foi homologada pelo Subdirector dos Serviços de Saúde e, seguidamente, notificada à Recorrente contenciosa.
- No dia 6 de Dezembro de 2022, a Junta de Saúde, a pedido de esclarecimento do Instituto de Desporto, produziu uma deliberação considerando não haver elementos clínicos que demonstrem que a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções da Recorrente contencioso tem directamente a ver com o acidente ocorrido em 18/11/2019.
- Esta deliberação foi homologada pelo Subdirector dos Serviços de Saúde no dia 6 de Dezembro de 2022.
- Na sequência de notificação que lhe foi efectuada, a Recorrente recorreu hierarquicamente para o Director dos Serviços de Saúde do referido acto de homologação, tendo esse recurso sido indeferido por despacho de 18 de Janeiro de 2023.
- O indeferimento do recurso hierárquico foi notificado à Recorrente contenciosa, não constando dessa notificação a indicação de o acto ser ou não susceptível de recurso contencioso.
- Em 12 de Junho de 2023, a Recorrente contenciosa requereu ao Director dos Serviços de Saúde a intervenção da Junta de Revisão a fim de ser revisto o parecer emitido pela Junta de Saúde sobre a questão da incapacidade permanente.
- Em 14 de Agosto de 2023, a Junta de Revisão deliberou nos seguintes termos: «Conforme a revisão feita em 14 de Julho de 2013, a Junta entende por unanimidade que a senhora (A) corresponde ao transtorno de ansiedade orgânica acompanhado de síndrome de concussão cerebral, nada se opondo à avaliação clínica da sua incapacidade permanente de trabalho».
- Em 8 de Setembro de 2023, o Director dos Serviços de Saúde homologou essa deliberação da Junta de Revisão, tendo a Recorrente contenciosa sido notificada, tendo sido expressamente advertida de que podia recorrer contenciosamente para o Tribunal Administrativo.
(iii.2)
A análise desta matéria de facto relevante que se encontra provada permite concluir, em nosso modesto entendimento, que o Meritíssimo Juiz a quo decidiu bem. Pelo seguinte.
Em 18 de Janeiro de 2023, o Director dos Serviços de Saúde, em sede de intervenção hierárquica necessária, manteve o acto de homologação da deliberação da Junta de Saúde de 6 de Dezembro de 2022 que, esclarecendo a sua deliberação de 7 de Novembro do mesmo ano, considerou que a Recorrente contenciosa sofria de incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas e que essa incapacidade não tinha causa directa no acidente que a mesma sofreu em 18 de Novembro de 2019.
Esta acto administrativo do Director dos Serviços de Saúde, que negou provimento ao recurso hierárquico, é o acto que resolveu a questão e que, se fosse o caso, poderia ter sido objecto de recurso contencioso (sobre isto e neste sentido, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Volume I, Coimbra, 1981, pp. 242 e 246). A verdade, todavia, é que não foi impugnado e, desse modo, consolidou-se na ordem jurídica como caso decidido.
Aliás, o pedido da interessada de reapreciação da anterior deliberação da Junta de Saúde pela Junta de Revisão foi manifestamente intempestivo e, como tal, não constituiu, nem a Junta de Revisão nem o Director dos Serviços de Saúde no dever de decidir. Se ainda assim a Junta emitiu parecer que o Director homologou, nem por isso este acto introduziu qualquer inovação na ordem jurídica em relação ao que anteriormente já havia sido decidido.
Em relação ao acto que foi objecto de recurso nos presentes autos, homologatório da deliberação da Junta de Revisão de 14 de Agosto de 2023, a qual, por sua vez, havia confirmado a deliberação da Junta de Saúde anterior no sentido que referimos, de que a Recorrente sofre de uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas, nada acrescentou, limitou-se a, com idênticos fundamentos, reiterar o respectivo conteúdo e sem que tenha havido qual alteração nos pressupostos de facto ou de direito e sem que o reexame fosse imposto por lei. Um acto meramente confirmativo, portanto, e, como tal, irrecorrível.
(iii.3)
Uma nota final a propósito do teor das notificações efectuadas à Recorrente.
A Administração, na notificação à Recorrente contenciosa do acto do Director dos Serviços de Saúde que negou provimento ao recurso hierárquico que a mesma interpôs do acto do Subdirector dos Serviços de Saúde que homologou a deliberação da Junta de Saúde, não procedeu à menção legalmente exigida pelo artigo 70.º, alínea d) do CPA, sendo que esse acto era contenciosamente recorrível.
Estranhamente, a Administração na notificação do acto impugnado nestes autos, que, como vimos, nos parece irrecorrível, fez a menção de que dele cabia recurso para o Tribunal Administrativo.
Apesar destes desacertos nas notificações estamos em crer que um e outro são, no presente contexto, juridicamente irrelevantes.
Na verdade, quanto à insuficiência da primeira notificação, ela não impediu que o acto produzisse os seus efeitos, nomeadamente o de se ter iniciado a contagem do prazo de impugnação contenciosa, face ao disposto nos artigos 26.º, n.º 1 e 27.º, n.º 2 do CPAC, uma vez que se trata de um elemento não essencial da dita notificação.
Quanto à deficiência da segunda notificação, consistente na indicação de um meio de impugnação contenciosa que a lei não admite, é para nós evidente, contrariamente ao defendido pela Recorrente, e com o devido respeito, que daí não pode resultar, contra legem, a possibilidade dessa impugnação.
Andou bem, pois, em nosso muito modesto entender, o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo ao decidir pela absolvição da Entidade Recorrida da Instância.
3.
Deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
Nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, os quais por sua vez já respondem a toda a argumentação usada nas alegações e conclusões de recurso, bem como, aderindo aos fundamentos constantes do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público supra reproduzidos, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 12 de Setembro de 2024
Rui Pereira Ribeiro (Juiz Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng (Procurador-Adjunto do Ministério Público)
252/2024 ADM 1