Processo nº 422/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 19 de Setembro de 2024
ASSUNTO:
- Marcas
- Imitação
- Identidade de ideia associada à marca
- Recusa
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 422/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Setembro de 2024
Recorrente: (A)
Recorridas: Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico e
(B)生物技術有限公司 (parte contrária)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
veio interpor recurso judicial da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico que deferiu o registo da marca N/186879 à parte contrária, pedindo que seja revogado o despacho e recusar o pedido de registo da marca em crise.
Cumprido o disposto no artº 278º do RJPI veio a DSEDT a remeter ao tribunal o processo administrativo referente ao pedido de registo de marca a que se reportam os autos.
Pelo Tribunal recorrido foi proferida sentença negando provimento ao recurso judicial interposto.
Não se conformando com a sentença proferida veio o Recorrente interpor recurso daquela decisão apresentando as seguintes conclusões:
A. O Recorrente discorda do entendimento do Tribunal a quo, por consistir a marca registanda numa imitação da marca “” do Recorrente e a sua concessão facilitar actos de concorrência desleal que irão causar prejuízos graves à reputação do Recorrente.
B. Como a DSEDT e o Tribunal a quo reconhecem, é incontestável que o primeiro e segundo requisitos de imitação previsto no artigo 215.º do RJPI estão preenchidos.
C. Enquanto ao terceiro requisito da imitação, o Recorrente não pode concordar com a análise da DSEDT e do Tribunal a quo, visto que conceptualmente, nominativamente e ainda foneticamente a marca registanda consiste numa cópia quase perfeita da marca “” que pertence ao Recorrente.
D. Não existe dúvida de que, para avaliar a existência da imitação, “o que releva é a semelhança que resulte do conjunto de elementos das marcas em causa e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma, vistos isoladamente ou em separado” .
E. Como facilmente se verifica, a marca registanda “” é nominativa, fonética e conceptualmente semelhante à marca “” do Recorrente.
F. Enquanto às primeiras duas palavras, o Tribunal a quo entende que “no nosso modesto entendimento parece-nos as palavras “小金” tratam-se de prefixos que se traduzem em grau diminutivo da qualidade de coisa dourada do objecto. Assim, “” traduz-se em “pequeno feijão dourado”, e “” em “pequena missanga dourado” e “por isso os prefixos “小金” não são susceptível de protecção” nos termos do art. 199.º n.º 1 do RJPI. (sublinhado e negrito nosso)
G. Salvo o devido respeito, o Recorrente entende que o art. 199.º do RJPI tem de ser lido junto com os assinalados produtos da marca registanda na respectiva classe, e não para quaisquer produtos.
H. Ora, tendo em conta com os produtos assinalados pela marca registanda e a do Recorrente, os prefixos “小金” não descrevem a natureza dos produtos, nem designam a característica, espécie, qualidade quantidade, destino, valor proveniência geográfica ou época de produção dos respectivos produtos.
I. Assim, não se pode concluir que os prefixos “小金” não são susceptíveis de proteção.
J. Em termos conceptuais, verifica-se que a marca registanda é evocativa da marca do Recorrente - a componente distintiva da marca registanda é composta por palavras idênticas às da marca do Recorrente.
K. Além disso, o último caracter chinês de cada marca (豆 e 珠) pode ser entendido com o mesmo significado, representando ambos “pequenas contas” ou “pequenas bolinhas”.
L. Assim “pequenas missangas de ouro” e “pequenos feijões dourados” pretendem representar a mesma realidade, isto é, produtos vitamínicos para consumo com a aparência de “pequenas contas douradas”.
M. Em termos nominativos e fonéticos, são idênticos em 2/3.
N. Esta semelhança - nominativa, fonética e conceptual - irá induzir o consumidor em erro, compreendendo um risco de associação da marca registanda com a marca anterior do Recorrente.
O. Conclui-se então que as marcas em questão são manifestamente semelhantes entre si, havendo fortes indícios de que os consumidores irão facilmente confundir as marcas, os produtos que assinalam e a respectiva origem comercial, havendo, portanto, forte possibilidade de confusão entre a marca registanda e a marca anterior do Recorrente.
P. Pelo exposto supra, o terceiro requisito cumulativo para que se verifique imitação de marca anterior constante do art. 215º nº1, alínea c) do RJPI também se encontra preenchido, pelo que o registo da marca registanda deverá ser recusado.
Q. Acrescenta ainda que, a 國家知識產權局 (em português “Administração Nacional da Propriedade Intelectual da China” e em Inglês “China National Intellectual Property Adrninistration” ou “CNIPA”) concluiu pela existência da semelhança entre as marcas “” e “”.
R. Salvo devido respeito, parece-nos que ao Tribunal a quo faltou analisar a questão da má-fé, que o Recorrente invocou.
S. A determinação da existência de má-fé da Parle Contrária reveste, neste caso em concreto, urna importância enorme para a decisão, uma vez que, como se explana adiante, tem sido confirmado em inúmeras decisões judiciais, em Macau, na China e em Hong Kong, que a Parte Contrária não tem os vários direitos que se arroga, e que a sua actuação tem sido, e continua a ser contrária à lei.
T. A apresentação a registo da presente marca não foi coincidência, mas mais uma manobra pela Parte Contrária para se aproveitar do conceito de “bolinhas douradas” lançado pelo Recorrente.
U. A marca “” (que a Parte Contrária arroga sua) é utilizada pelo Recorrente nos mercados de língua chinesa com referência aos Produtos ChildLife (sobretudo os Produtos Childlife Pure DHA).
V. Em 2013, foi celebrado o acordo de distribuição entre o Recorrente e a Parte Contrária por um prazo de 5 anos. No final do Acordo de Distribuição de 2013, a 1 de Janeiro de 2018, o Recorrente, através da sua empresa (C), LLC (CHILDLIFE ESSENTIALS), e a Parte Contrária celebraram dois novos acordos de distribuição, um dos quais cobria a China continental e o outro Hong Kong e Macau.
W. “Propriedade Intelectual” encontra-se definida no Acordo de Distribuição de 2013 como “deve incluir, mas não se limita a todas as marcas, nomes comerciais, palavras ... utilizadas em e relacionadas com a publicidade, promoção, venda e/ou distribuição dos Produtos em inglês e quaisquer traduções dos mesmos ou outras versões dos mesmos em outras línguas que não o inglês”.
X. Por sua vez, “Propriedade Intelectual” encontra-se definida nos Acordos de Distribuição de 2018 como incluindo todas as patentes, marcas, nomes comerciais, palavras, desenhos, indicações geográficas, direitos de autor, marcas, insígnias, slogans, segredos comerciais e as suas várias aplicações e registos utilizados para qualquer fim, incluindo, mas não se limitando à publicidade, promoção, venda e/ou distribuição dos Produtos ChildLife em inglês e quaisquer traduções dos mesmos ou outras versões dos mesmos em outras línguas que não o inglês.
Y. Assim, a marca “”, enquanto tradução ou versão chinesa do nome Pure DHA, enquadra-se exactamente na definição de “Propriedade Intelectual” no âmbito dos Contratos de Distribuição de 2013 e 2018.
Z. Os Acordos de Distribuição de 2018 foram rescindidos em Março de 2021 após a descoberta de várias violações graves por parte da Parte Contrária.
AA. Resumidamente, verificou-se que a Parte Contrária e as suas empresas subsidiárias tinham registado e/ou pedido o registo de uma série de marcas, incluindo as Marcas ChildLife e a “” em diferentes jurisdições em todo o mundo, sem o consentimento e autorização do Recorrente. Verificou-se ainda que a Parte Contrária infringiu outros termos dos Acordos de Distribuição de 2018.
BB. Olhando em retrospectiva, é agora claro que a Parte Contrária planeou, desde o início, um esquema para enganar o Recorrente e locupletar-se com as marcas do Recorrente para proveito próprio.
CC. É igualmente evidente a actuação de má-fé e intenção fraudulenta da Parte Contrária ao apresentar o presente pedido de registo de marca “”, procurando criar uma ilusão de associação entre ambas as entidades, ou de que os Produtos ChildLife são seus.
DD. De tudo o exposto e nos termos acima explanados, é assim evidente que o pedido de registo da marca em apreço constitui um acto de concorrência desleal e configura um aproveitamento da reputação empresarial do Recorrente, nos termos dos artigos 158.º e 159.º do Código Comercial e 9.º, n.º l, al. c) do RJPI,
EE. Adicionalmente, o Recorrente está, de momento, a conduzir diversos processos de anulação, revogação e/ou oposição aos vários registos e pedidos de registo de marca que a Parte Contrária pediu ou obteve na China e em Hong Kong.
FF. A Administração Nacional da Propriedade Intelectual da China (“CNIPA”) decidiu a favor do Recorrente sobre um pedido de nulidade de marca, baseado no acto desonesto da TNSG (a Parta Contrária) de solicitar o registo da marca sem a autorização do Dr. X.
GG. Além disso, a TNSG solicitou registo de mais de 200 marcas na China. Algumas das marcas são semelhantes às marcas detidas por outros, tendo esses pedidos da TNSG sido rejeitadas pela CNIPA. A TNSG não prestou explicações razoáveis para justificar o pedido de registo dessas marcas, nem apresentou provas que demonstrassem a sua intenção de utilizar essas marcas.
HH. Adicionalmente, a CNIPA chegou a conclusão de que a TNSG tem a intenção de se aproveitar ilicitamente da reputação de outras entidades para obter lucros ilegais. Os actos da TNSG também violaram o princípio da boa-fé e perturbaram a justa concorrência no mercado.
II. Nestes termos, é evidente a intenção fraudulenta e a má-fé da Parte Contrária (confirmada, de forma inequívoca, por decisões noutras jurisdições) ao tentar registar uma marca que não lhe pertence, tratando-se de uma clara tentativa de aproveitamento de parte do acervo comercial de outrem e procurando criar uma ilusão de associação entre si e as outras entidades, pelo que o pedido de registo da marca N/186879 deverá ser recusado nos termos do artigo 214.º n.º 1 alínea a), 214.º n.º 2, b) ex vi 215.º n.º 1 e do artigo 9.º, n.º alínea c), todos do RJPI.
Notificadas a DSEDT e a parte contrária das alegações de recurso veio a DSEDT oferecer o merecimento dos autos.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
Da sentença sob recurso consta a seguinte factualidade:
1) A Parte Contrária solicitou em 23/08/2021 o registo da marca N/186879 para “ ”.
2) A marca registanda destina-se a assinalar os seguintes produtos na classe 5: “人用藥;維生素製劑;膳食纖維;魚肝油;醫用營養品;醫用營養食物;人和動物用微量元素製劑;嬰兒食品;礦物質食品補充劑;營養補充劑。 ”.
3) Por despacho n.º 490/DPI/DRM/2022, de 25/10/2022, da Exma. Senhora Chefe da DRM, concedeu registo à marca número N/186879 à parte contrária.
4) O Recorrente solicitou em 06/05/2021 o registo da marca N/182285 que consiste em 小金珠 para a classe 5, cujo recurso jurisdicional ainda está em curso.
Nos termos do artº 566º do CPC adita-se o seguinte facto:
5) Na acção referida em 4) que seguiu termos neste tribunal sob o nº 274/2024 foi proferido Acórdão em 06.06.2024 a conceder a marca N/182285, tendo transitado em julgado em 24.06.2024 – facto publicado no BO nº 32 de 07.08.2024 -.
b) Do Direito
Estes autos versam sobre a marca N/186879 constituída por para a classe 5.
A decisão recorrida concluiu que não havia imitação entre a marca N/182285 constituída por 小金珠 para a classe 5 e a marca N/186879 constituída por para a classe 5.
Como resulta da factualidade apurada a marca N/182285 foi pedida em 06.05.2021, isto é, em data anterior à marca N/186879 pedida em 23.08.2021.
No processo que correu termos neste Tribunal sob o nº 274/2024 conclui-se que a marca N/186879 constituída por não gozava de notoriedade e a ali Recorrente e Requerente da marca N/186879 não gozava ainda do registo da marca nem de prioridade sobre a marca N/182285 cujo registo havia sido pedido antes.
Pese embora a Requerente da marca a que estes autos respeitam - N/186879 - aqui nada tenha alegado, era a Recorrente no processo que correu termos neste Tribunal sob o nº 274/2024 – em que estava em causa a marca N/182285 - ali sustentando a semelhança entre uma marca e outra.
Note-se contudo que no processo 274/2024 o verdadeiro fundamento da decisão consiste em que a marca que a ali Recorrente invocava ter não gozar de notoriedade e não estando ainda registada e nem o registo ter sido requerido antes da marca objecto daqueles autos, não podia a ali Recorrente se opor à concessão daquela outra.
Aqui chegados, estando já concedida a marca N/182285 por decisão transitada em julgado, e gozando esta de prioridade do registo, estamos agora no momento de finalmente conhecer da semelhança entre as marcas em causa.
Como já se dizia na decisão recorrida as marcas ora em discussão têm as seguintes características:
小金豆
SIO KAM TAO- Pequenos feijões (legume) dourados
小金珠
SIO KAM CHU- Pequenas contas (missangas) de ouro
Como podemos observar os dois últimos carateres são diferentes: “豆” indica feijão e “珠” missangas.
Com base na diferença fonética e gráfica do último caracter até agora a conclusão tem vindo a ser de não haver semelhança entre as duas marcas.
Não acompanhamos a decisão recorrida no que concerne à inexistência de semelhança entre as marcas em causa.
A marca não se constitui só pelo elemento fonético e gráfico fazendo também dela parte a ideia que transmite ao público.
A própria tradução do caracter “豆” pode ser feita para feijão ou grãos que na prática é aquilo que os feijões são: uma espécie de grãos. Grãos e contas são a imagem que uma pessoa normal associa a estes dois nomes. Sendo os outros dois caracteres iguais uma pessoa média fica com a ideia que o nome da marca são os grãos dourados, sendo fácil assumir que o elemento “feijão” ou “contas” foi um erro seu ao ler o nome.
Face à inexistência de qualquer outro elemento distintivo o que releva nestas marcas é o elemento escrito constituído pelos 3 caracteres e o fonético, sendo o elemento relevante que há “uns grãos que são dourados”.
O consumidor não vai com o nome da marca escrito para verificar a identidade de todos os elementos mas com a “memória do nome” e a “memória fotográfica da embalagem e do desenho da marca”.
Na ausência de outro elemento distintivo, sendo ambas as marcas para a mesma classe de produtos é perfeitamente possível que alguém que pretende adquirir o produto com a designação “contas douradas” ao chegar a um estabelecimento e encontrar o produto “feijões/grãos dourados”, dada a semelhança e tratando-se num caso e noutro de pequenos “grãos” que pense que havia memorizado mal o nome do produto e adquira o produto da concorrência em vez daquele que pretendia adquirir.
Note-se que no caso em apreço não há qualquer outro elemento distintivo, tal como cor ou desenho envolvente da parte gráfica.
Reza o artº 215º do RJPI o seguinte:
1. A marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2. Considera-se reprodução ou imitação parcial de marca, a utilização de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada, ou somente do aspecto exterior do pacote ou invólucro com as respectivas cores e disposição de dizeres, medalhas e recompensas, de modo que pessoas analfabetas os não possam distinguir de outras adoptadas por possuidor de marcas legitimamente utilizadas.
Ora face a todo o exposto impõe-se concluir que a semelhança nominativa das duas marcas em questão dada a imagem que transmitem é susceptível de induzir facilmente o consumidor médio em erro ou confusão, pelo que, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de concluir pela semelhança entre estas duas marcas.
Aliás, idêntica conclusão sustentava a Requerente da marca objecto destes autos, quando como Recorrente no processo que correu termos sob o nº 274/2024 alegava a semelhança entre as duas marcas.
Pelo que, respeitando aquele processo aos mesmos sujeitos processuais e marcas que estes autos que agora nos ocupam, desnecessário se torna aduzir mais argumentação sobre a matéria.
Por fim, ambas as marcas se destinam à mesma classe de produtos e a marca do Recorrente goza de prioridade de registo.
Destarte, impõe-se concluir estarem preenchidos os requisitos do artº 215º do RJP, isto é, pela imitação de marca.
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 2 do artº 214º do RJPI a marca deve ser recusada quando for imitação de marca anteriormente registada por outrem podendo induzir em erro ou confusão o consumidor, situação que no caso em apreço face ao exposto pode acontecer.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações se impõe conceder provimento ao recurso recusando o registo da marca N/186879.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida e em consequência nega-se o registo da marca N/186879.
Sem custas uma vez que a Entidade Recorrida está delas isenta e a parte contrária não contestou nem contra-alegou em ambas as instâncias.
Registe e Notifique.
RAEM, 19 de Setembro de 2024
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng (Segundo Juiz-Adjunto)
422/2024 CÍVEL 1