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Processo n.º 480/2024
(Autos de recurso laboral)

Data: 19/Setembro/2024

Descritores:
- Descanso semanal
- Repouso no oitavo dia
- Compensação


O Relator,

________________
Tong Hio Fong


Processo n.º 480/2024
(Autos de recurso laboral)

Data: 19/Setembro/2024

Recorrente:
- A (autor)

Recorrida:
- YYY Resorts, S.A. (ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A (autor) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da YYY, S.A. no pagamento do montante total de MOP407.483,75, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP138.194,93 acrescida de juros legais a contar da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal.
     2. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, mostra-se em violação ao disposto no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e dos artigos 42º e 43º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
     Em concreto,
     3. Entendeu o Tribunal a quo condenar a Ré a pagar ao Autor apenas ao correspondente ao valor de um salário em singelo no que respeita ao trabalho prestado em dia de descanso semanal durante todo o período da relação laboral, a liquidar em execução de sentença.
     4. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder à condenação da Ré apenas em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
     5. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, para além do valor relativo ao próprio dia de trabalho prestado.
     6. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo Tribunal de Segunda Instância, onde se entende que a fórmula correcta para compensar o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser a seguinte: (salário diário X n.º de dias devidos e não gozados X 2).
     7. Resultando provado que, desde o início da relação de trabalho até 31/12/2008, o Autor prestou para a Ré um total de 46 dias de trabalho efectivo – correspondente a 7 dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal (46/7 dias) – deve a Recorrida (YYY) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$2.566,67 a título do dobro do salário – e não só apenas MOP$1.283,33 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise – acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
     Do mesmo modo,
     8. Resultou provado que:
     - De 16/11/2008 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
     - A que se seguir um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (9º)
     (…)
     - Entre 01/01/2009 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias …(12º)
     - Entre 01/01/2009 e 31/03/2021, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13º)
     9. Ora, não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal entre o período de 01/01/2009 a 28/02/2018, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois,
     10. E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória.
      11. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito.
     12. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (YYY) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$167.958,98, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal – e não só de apenas MOP$22.864,97, conforme parece resultar da douta Sentença.
     13. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
     Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual formulados pelo Autor:
     - Condenando a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$2.566,67 a título do dobro do salário – e não apenas MOP$1.283,33;
     - E condenando a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$167.958,98, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal – e não apenas MOP$22.864.97;
     Assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a ré nos seguintes termos conclusivos:
      “I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita à formula de cálculo seguida pela douta decisão recorrida quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, por entender que, nesse particular, a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e ainda do artigo 42º e 43º da Lei n.º 7/2008.
     II. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal nada há a apontar à Decisão Recorrida, que mais não é do que a fórmula que é sufragada pelo Tribunal de Última Instância.
     III. Nos termos do preceituado no artigo 17º, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei n.º 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
     IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
     V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
     VI. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
     VII. E, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, de cujo sumário se aprende que “Não obstante, o trabalhador obrigado a trabalhar no dia de descanso deve auferir, para além do seu salário normal outro tanto equivalente àquele dia.”
     VIII. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base.
     IX. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284).
     X. Por entender que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, por ter condenado a Ré YYY, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$1.283,33, e que deveria ter sido o montante de MOP$2.566,67, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho).
     XI. E ainda, por entender que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 43º da Lei n.º 7/2008 por ter condenado a Ré YYY, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$22.864,97 e que deveria ter sido o montante de MOP$167.958,98, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal durante o período de 01/01/2009 a 31/03/2021, alegando que não obstante a matéria de facto provado o Tribunal a quo: “(…) seguiu o outro raciocínio: dividiu o número total dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o mesmo havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor (apenas) terá direito a auferir a diferença entre os dois.”
     XII. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória – é actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino.
     XIII. Nem se diga que pela matéria dada como provada na resposta aos quesitos 12º, 13º e 14º da sentença pois bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 7º, 12º e 24º da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo o Autor Recorrente gozava um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da fundamentação na resposta dada à matéria de facto.
     XIV. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 01/01/2009 a 31/03/2021, não poderia ter sido calculado de modo diferente pois no que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor em 01/01/2009 da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, isto é: «O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.»
     XV. No caso dos autos e como supra se referiu, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitavo dia como descanso semanal nos termos do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008.
     XVI. Ora, conforme o alegado pela YYY, ora Recorrida, nos artigos 40º e 41º da Contestação, por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem como, em função da natureza do sector de actividade da Recorrida – Casino – que é de laboração contínua, poderá o empregador ter a necessidade de fixar e atribuir esses dias de descanso semanal não ao sétimo dia, mas num outro dia do mês.
     XVII. Nesta medida, verificando-se no caso sub judice uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 42º da Lei n.º 7/2008 e resultando da matéria de facto dado como provada que o Recorrente gozou o descanso compensatório ao 8º dia, bem andou o douto Tribunal a quo no apuramento do montante indemnizatório, devendo, por isso, improceder também aqui o Recurso a que ora se responde.
     XVIII. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
     Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
De 16/11/2008 A 20/07/2022, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
A Ré sempre fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (B)
O Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (C)
De 16/11/2008 a 31/10/2021, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (D)
Período
Dias de férias e/ou de ausência
2009
24
21/05/2010 a 31/05/2010
24
26/06/2011 a 09/07/2011
24
26/11/2012 a 10/12/2012
24
15/11/2013 a 29/11/2013
24
02/04/2014 a 17/04/2014
24
23/05/2015 a 08/06/2015
24
28/05/2016 a 16/06/2016
20
29/10/2016 a 31/10/2016
3
06/07/2017 a 27/07/2017
24
21/12/2018 a 31/12/2018
24
01/04/2019 a 19/04/2019
19
26/08/2019 a 04/09/2019
10
2020
24
2021
24
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (E)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
De 16/11/2008 a 31/10/2021, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal e subsídio de alojamento e correspondente remuneração de base mensal: (2º)
De
A
Salário de base mensal
Subsídio de alojamento
16-11-2008
31-12-2008
$5,500.00
$0.00
01-01-2009
31-01-2011
$5,500.00
$1,000.00
01-02-2011
31-07-2011
$5,775.00
$1,000.00
01-08-2011
31-12-2011
$6,275.00
$500.00
01-01-2012
31-01-2013
$6,903.00
$500.00
01-02-2013
31-12-2013
$7,318.00
$500.00
01-01-2014
31-12-2014
$7,684.00
$500.00
01-01-2015
31-07-2018
$8,069.00
$500.00
01-08-2018
31-03-2019
$10,000.00
$500.00
01-04-2019
31-10-2021
$10,600.00
$500.00
Desde o início da relação de trabalho até 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4º)
Entre 16/11/2008 a 31/10/2021, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo dos dias em que o Autor não prestou trabalho. (5º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (6º)
A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (7º)
De 16/11/2008 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno. (9º)
Entre 16/11/2008 e 31/12/2008, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (10º)
Entre 16/11/2008 e 31/12/2008, a Ré não concedeu ao Autor qualquer um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado excepto os dias referidos na resposta dada ao quesito 9º. (11º)
Entre 01/01/2009 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (12º)
Entre 01/01/2009 e 31/03/2021, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13º)
Entre 01/01/2009 e 31/03/2021, a Ré não concedeu ao Autor qualquer um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado excepto os dias referidos na resposta dada ao quesito 9º. (14º)
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M
Entende o autor ora recorrente que o trabalho prestado em dias de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma maioritária neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que aufiram salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No que toca ao número de dias em que o autor deixou de gozar descanso semanal, provado ficou que entre 16.11.2008 e 31.12.2008, descontados os períodos em que o autor esteve de férias, a ré não fixou ao autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, nem pagou ao autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo.
No caso vertente, o autor prestou desde 16/11/2008 até 31/12/2008, 7 dias de trabalho em dias de descanso semanal.
Nesta conformidade, por o autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP2.566,70 (MOP5.500/30 x 7 dias x 2), devida a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito da Lei n.º 7/2008
Alega o autor que prestou trabalho desde 1.1.2009 até 31.3.2021 e não tendo a entidade patronal, ora ré, fixado o período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, tendo apenas gozado descanso no oitavo dia, daí que entende ter direito a receber uma compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal conforme o mapa de apuramento consagrado nas alegações de recurso.
A ré defende que a sentença recorrida não está inquinada por qualquer erro de cálculo.
Em boa verdade, a questão ora levantada foi objecto de apreciação por este tribunal superior em acórdãos similares, mas reiteradamente decidida em sentido contrário pela primeira instância.
O trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas consecutivas por semana. Esta é a regra e que está prevista no n.º 1 do artigo 42.º da Lei das Relações de Trabalho.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Ao mesmo tempo o legislador admite excepção que consta do n.º 2 do mesmo artigo 42.º.
Diz o n.º 2 do artigo 42.º do mesmo diploma legal que o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável.
Face à norma citada, afigura-se-nos que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, podendo, em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, ser gozado em outro dia.
No caso dos autos, em vez de gozar um dia (ou seja, vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, provado está que o trabalhador só gozou o repouso semanal no oitavo dia.
Mais precisamente, ficou provada nos autos a seguinte matéria:
- De 16/11/2008 a 31/03/2021, o autor prestou a sua actividade de segurança para a ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos;
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia, que antecedia a mudança de turno;
- Entre 1/1/2009 e 31/3/2021, a ré não fixou ao autor em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias (…);
- Entre 1/1/2009 e 31/3/2021, a ré nunca pagou ao autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
Ora bem, face à matéria de facto acima descrita, verifica-se que o autor prestou trabalho ao sétimo dia e apenas gozou o descanso no oitavo dia, não se vislumbrando acordo a esse respeito entre autor e ré.
E não se diga que a natureza da actividade da ré tornava inviável a concessão de descanso semanal no sétimo dia. Na verdade, apesar de a actividade da ré ser contínua (24 horas por dia), esta não logrou demonstrar por que razão não podia conceder aos seus trabalhadores descanso semanal no sétimo dia e necessariamente no oitavo dia, pelo que, na falta de prova dessa pretensa inviabilidade, como sendo entidade patronal a ré violou o direito ao repouso semanal do autor, passando este a ter direito à compensação pelo trabalho prestado no sétimo dia.
Determina a alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008 que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório e auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Ora bem, tendo o trabalhador ora autor gozado repouso no oitavo dia, somos a entender que esse dia de descanso remunerado no oitavo dia após a prestação de sete dias consecutivos de trabalho deve ser entendido como dia de descanso compensatório.
Em consequência, considerando que, entre 1.1.2009 e 31.3.2021, a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, o autor tem direito a receber a respectiva compensação pecuniária (acréscimo de um dia) prevista nos termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008, no montante de MOP166.875,80, nos termos a seguir discriminados:
- entre 1.1.2009 e 31.1.2011 --- 102 dias (713 : 7) x MOP216,67 = MOP22.100,34;
- entre 1.2.2011 e 31.7.2011 --- 22 dias (157 : 7) x MOP225,83 = MOP4.968,26;
- entre 1.8.2011 e 31.12.2011 --- 22 dias (153 : 7) x MOP225,83 = MOP4.968,26;
- entre 1.1.2012 e 31.1.2013 --- 53 dias (373 : 7) x MOP246,77 = MOP13.078,81;
- entre 1.2.2013 e 31.12.2013 --- 44 dias (310 : 7) x MOP260,60 = MOP11.466,40;
- entre 1.1.2014 e 31.12.2014 --- 49 dias (341 : 7) x MOP272,80 = MOP13.367,20;
- entre 1.1.2015 e 31.7.2018 --- 177 dias (1237 : 7) x MOP285,63 = MOP50.556,51;
- entre 1.8.2018 e 31.3.2019 --- 31 dias (219 : 7) x MOP350,00 = MOP10.850,00;
- entre 1.4.2019 e 31.10.2021 --- 96 dias (672 : 7) x MOP370,00 = MOP35.520,00.

Desta forma, procedem as razões aduzidas pelo autor, sendo revogada a sentença quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP169.442,50(MOP166.875,80+MOP2.566,70), devida a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, em consequência, revogar a sentença na parte respeitante à quantia devida pela ré a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, nos termos acima consignados, confirmando a sentença em tudo o mais.
Custas pela ré, nesta instância, e pelas partes na proporção do decaimento, em primeira instância.
Registe e notifique.
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RAEM, 19 de Setembro de 2024

Relator
Tong Hio Fong
(Vencido apenas quanto à questão do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M. A meu modesto ver, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que, na minha opinião, consistiria na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 16/11/2008 e 31/12/2008 o autor já recebeu da ré YYY o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá apenas o direito a receber mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor estará a receber 4 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula aplicada pelo tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.)

Primeiro Juiz-Adjunto
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong

1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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Recurso Laboral 480/2024 Página 1