Processo nº 928/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 19 de Setembro de 2024
ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Processo disciplinar
- Punição
- Dever de obediência
- Dever de Zelo
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 928/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 19 de Setembro de 2024
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 20.11.2023 que rejeitou o recurso hierárquico necessário e manteve a decisão que lhe aplicou a sanção de repreensão escrita emitido pelo Director da DSC em 14 de Setembro de 2023, formulando as seguintes conclusões:
1. O Recorrente foi condenado a uma repreensão escrita no âmbito do processo disciplinar n.º 0047-PDD/DSC/2022, por alegada violação dos deveres de zelo e obediência previstos no artigo 279.º, n.º 2, alíneas b) e c), do “ETAPM”;
2. O Recorrente apresentou o recurso hierárquico necessário contra o despacho de determinação, que foi subsequentemente rejeitado pelo Secretário para a Segurança, que efectuou três correcções ao despacho de determinação;
3. Tendo em conta os numerosos vícios do acto recorrido, o Recorrente alega que o acto recorrido deve ser declarado nulo ou anulado;
Deveres de zelo e obediência
4. O despacho recorrido indicou que o Recorrente, na sua qualidade de funcionário do Instituto de Menores, foi informado de que o serviço tinha afixado na sala de amamentação as “Observações sobre a utilização da sala de amamentação”, como orientação para a utilização da sala, o que era suficiente para servir de aviso público a quem entrasse na sala, e que o Recorrente, que tinha estado várias vezes na sala de amamentação e tinha tomado conhecimento da existência dos documentos relevantes, não tinha prestado atenção aos pormenores dos documentos, sendo um sinal da sua falta de zelo.
5. No entanto, o Recorrente não concordou com o conteúdo indicado no despacho recorrido em que “a sua entrada na sala de amamentação em violação dos regulamentos relevantes constituía uma violação do dever de zelo e dever de obediência”.
6. Através das alegações suplementares e da contestação escrita do Recorrente à acusação no processo disciplinar, bem como das subsequentes alegações do recurso hierárquico necessário contra o despacho de determinação, podemos condensar a réplica em relação aos factos do Recorrente da seguinte forma: 1) entrou na sala de amamentação com o objectivo de verificar o estado da sala de amamentação; 2) as “Observações” na sala de amamentação não tinham sido divulgadas de forma alguma aos funcionários e não tinham conhecimento da existência e do conteúdo das “Observações” na sala de amamentação.
7. Em primeiro lugar, que, com base no comportamento do Recorrente, o simples facto de as gravações de vídeo no exterior da porta da sala de amamentação, a hora a que o Recorrente entrou na sala de amamentação, o tempo que aí permaneceu, os objectos que levou para o interior e as roupas que vestiu indicavam que era impossível provar que o Recorrente estava a realizar uma inspecção. Além disso, salientou que não havia provas de que o Recorrente tivesse entrado na sala de amamentação no exercício das suas funções.
8. O processo disciplinar segue os princípios do direito penal, segundo os quais a parte acusadora tem de encontrar provas suficientes de que o autor do crime cometeu o acto em questão para que este possa ser punido. Quanto ao respectivo parecer podem ver o Acórdão n.º 205/2000 do TSI.
9. O acto recorrido do Recorrente limitou-se a salientar que não existiam provas de que o Recorrente tivesse entrado na sala de amamentação no exercício das suas funções, em vez de salientar que os factos apurados provavam que o Recorrente não estava no exercício das suas funções e que a conclusão do acórdão só foi alcançada por inferência, ou seja, a possibilidade de o Recorrente ter feito um exame não pode ser excluída de todo e já não é um pressuposto para provar os factos para além de uma dúvida.
10. Em segundo lugar, a explicação do Recorrente sobre as razões que o levaram a entrar na sala de amamentação foi registada no despacho de determinação dos factos provados. O Recorrente declarou que a razão para entrar na sala de amamentação era inspeccionar o ambiente e o equipamento da sala de amamentação e apresentou várias razões e justificações para entrar na sala de amamentação para inspecção.
11. No entanto, o facto de o instrutor, quando confrontado com os diferentes argumentos apresentados pelo presidente e pelo Recorrente, não ter aprofundado o apuramento dos factos relevantes ou, pelo menos, não ter exigido que as partes se confrontassem para fazer as determinações relevantes, também violou os princípios de investigação do processo disciplinar.
12. Tal como afirmado pela testemunha, Directora do Instituto, B, tenha dito que só pediu uma vez ao Recorrente que entrasse na sala de amamentação para uma inspecção, porque uma colega se tinha queixado do problema do odor dentro da sala.
13. No entanto, por uma questão de senso comum e regra geral de experiência, se for detectado um problema após uma inspecção efectuada, este terá de ser rectificado e reinspeccionado numa data posterior antes de se poder determinar se o problema foi ou não resolvido.
14. Também foi mencionado nas alegações do Recorrente (ponto 2.10 das alegações suplementares) que não era possível pedir-lhe que entrasse na sala de amamentação apenas uma vez, e que a colega que se queixou do odor na sala de amamentação voltou a queixar-se depois de o Recorrente ter sido informado de que precisava de fazer uma inspecção, e que isto tornou necessário que o Recorrente voltasse a inspeccionar a situação na sala de amamentação.
15. É evidente que a versão do Recorrente é a mais convincente e coerente com a regra geral.
16. Por outro lado, tal como demonstrado através das informações constantes do processo, em particular como estabelecido no artigo 10.º da acusação constante do processo, no ponto 3.4 do despacho de determinação e como mencionado nos testemunhos da Directora, B e de C, a sala de amamentação foi concluída e colocada em funcionamento no final de 2018, mas a Directora apenas deu instruções, B, para colocar as “Observações” na sala de amamentação no período da segunda metade de Maio de 2019.
17. É duvidoso que a Directora do Instituto tenha dado instruções ao Recorrente, então chefe funcional da área dos rapazes, para coordenar a criação de uma sala de amamentação, mas o documento foi feito sem o conhecimento do Recorrente e afixado por um funcionário que não estava encarregado daquele trabalho.
18. Como são elaborados os conteúdos dos documentos relevantes? Quem decide sobre as regras neles contidos? De que modo foram comunicadas ao pessoal? Como é que o conteúdo do documento que a Directora pediu ao pessoal para a fixação pode ser conhecido ou ter efeitos sobre outras pessoas, uma vez que nunca foi feito qualquer anúncio, aviso ou circulação no serviço? Não há análise de nenhum deste acto recorrido.
19. De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, al. 4), o artigo 3.º e artigo 20.º, n.º 6, do Regulamento Administrativo n.º 27/2015 - Organização e funcionamento da Direcção dos Serviços Correccionais, podemos ver que o IM é um organismo dependente da Direcção dos Serviços Correccionais e que a autoridade para prescrever requisitos de funcionamento interno e instruções a serem seguidas pela organização é investida no Director e quaisquer regras e regulamentos internos do IM devem ser aprovados pelo Secretário para a Segurança.
20. No entanto, uma vez que as “Observações” envolvidas no presente caso não foram formuladas através da competência do Director da DSC nem aprovadas pelo Secretário para a Segurança.
21. Das informações constantes do processo e das alegações do Recorrente, verificou-se que as “Observações” não estavam assinadas por nenhuma autoridade competente, nem havia qualquer sinal que indicasse a organização que as produziu, mas estavam simplesmente afixadas numa das paredes da sala de amamentação.
22. Nestas circunstâncias, as “Observações” foram efectuadas em violação dos requisitos acima referidos e não deve produzir efeitos.
23. E se é verdade, como indicado no acto recorrido, que produzia um aviso público, então porque é que o serviço ainda precisava de enviar um aviso interno e pedir a todos o pessoal que o assinasse para tomar conhecimento dele em 24 de Maio de 2022, depois de o processo disciplinar ter sido instaurado?
24. De acordo com a prática anterior do IM da DSC, quando o pessoal é notificado da necessidade de cumprir vários requisitos ou assuntos, estes são também registados no caderno de registo de transferência de turno ou no livro de registo, ou notificados ao pessoal através de avisos internos, e quando são estabelecidas regras pormenorizadas, estas requerem normalmente as assinaturas dos seus colegas para indicar que têm conhecimento das regras.
25. Comparando as “Observações” com as “Directrizes padrão de equipamentos e gestão da sala de amamentação” dos Serviços de Saúde, emitidas pelos Serviços de Saúde de Macau, verificamos que existem discrepâncias óbvias entre o conteúdo e a localização as “Observações” e a afixação exigida pelos Serviços de Saúde.
26. De acordo com as “Directrizes” dos Serviços de Saúde de Macau, não encontrámos nenhuma diretriz que exija que os homens não sejam autorizados a entrar na sala de amamentação, e o conteúdo desta parte não se baseia nas “Directrizes” dos Serviços de Saúde, mas é o resultado do seu próprio trabalho, e não se sabe por que razão ou por quais motivos foi necessário acrescentar a cláusula em causa.
27. Na realidade, é frequente vermos pais do sexo masculino a acompanharem as mães à sala de amamentação para as ajudarem a amamentar, ou pais a entrarem na sala de amamentação para darem o biberão aos seus bebés, a fim de lhes proporcionar um ambiente tranquilo para consumirem o leite materno que lhes foi preparado.
28. As “Observações” neste caso são claramente injustas para os homens na sua formulação e ignoram o facto de que, na realidade, há homens que precisam de utilizar sala de amamentação.
29. Em 28 de Novembro de 2023, a DSC de Macau reeditou na intranet do serviço novas “Directrizes padrão de utilização e gestão da sala de amamentação”, nas quais se indica claramente a entidade que emitiu as directrizes e os vários requisitos, tendo sido eliminado das instruções e regulamentos sobre a utilização da sala de amamentação o requisito de “não ser permitida a entrada de homens”.
30. É evidente que as autoridades em causa, conscientes das inexactidões e da comunicação inadequada a todo o pessoal aquando da elaboração e da publicação das “Observações” em 2019, reorganizaram e republicaram as orientações sobre o trabalho na intranet para que o pessoal as distribuísse e assinasse.
31. De acordo com o ponto 2.15 das “Directrizes” emitidas pelos SSM: “*Instruções de uso da sala de amamentação colocadas na porta”, o que indica claramente que as instruções de utilização devem ser afixadas na placa da porta da sala de amamentação e não no interior da sala.
32. Uma vez que a porta é o caminho necessário para uma pessoa entrar na sala, e se se espera que a pessoa que entra na sala cumpra as regras da sala, deve ser informada das mesmas antes de entrar e ter a liberdade de escolher se quer ou não entrar.
33. Se o requisito de acesso é um requisito que deve ser aprendido após a entrada, então é evidente que o requisito não pode servir qualquer objectivo, uma vez que é necessário quebrar o requisito para saber que o quebrou.
34. Exigir que o Recorrente ou outros funcionários tenham conhecimento da exigência e considerar que deveria ter sido dada publicidade à mesma não é manifestamente de boa fé e de bom senso, nem se coaduna com a situação de um funcionário público que recebe uma ordem do seu superior hierárquico ou uma diretriz do serviço que tem efeitos para todo o pessoal.
35. O facto de o Recorrente apenas ter verificado o equipamento e se ter assegurado de que a sala estava vazia antes de entrar, é evidente que a sua entrada não teve quaisquer consequências indesejáveis.
36. Entendeu se que as empregadas de limpeza entravam para fazer o seu trabalho e, como no caso em apreço, o Recorrente tinha-se assegurado de que a sala de amamentação estava vazia antes de entrar nela e que tinha entrado com o objectivo de fazer o que pensava ser o seu trabalho, pelo que era razoável que a regra fosse aceite, mesmo que tivesse sido violada.
37. Por conseguinte, com base nas arguições anteriores e no carácter defeituoso do acto recorrido, o Recorrente alega que não houve qualquer violação dos deveres de zelo e de obediência que incumbem a um funcionário público.
38. O Recorrente alega que ou a decisão do Secretário no processo disciplinar ou o Secretário para a Segurança interpretaram incorretamente as duas obrigações acima referidas, e assim aplicaram incorretamente a lei ao tomar a decisão.
39. O Recorrente considerou que o seu dever profissional era gerir a segurança da área dos rapazes do IM e que era responsável pela coordenação da instalação da sala de amamentação por ordem do seu supervisor, e que tinha estado activamente envolvido na resolução dos problemas e na realização de inspecções contínuas das instalações por sua própria iniciativa, em resposta a queixas sobre o ambiente da sala.
40. Apesar de o seu superior hierárquico ter indicado que o Recorrente só tinha sido convidado a entrar uma vez e que não devia ser autorizado a fazê-lo novamente, ou seja, o seu superior hierárquico também considerou que não fazia parte das funções do Recorrente inspeccionar o ambiente e as instalações da sala de amamentação, o Recorrente continuava a fazer um trabalho que não fazia parte das suas funções nem das instruções do seu superior hierárquico e continuava a participar activamente na resolução do problema quando este foi detectado.
41. Foi precisamente isso que o Recorrente fez por zelo de serviço, e é precisamente isso que o Recorrente fez por zelo que lhe é agora imputado como violação do dever de zelo.
42. O comportamento do recorrente não pode ser considerado ilegal na medida em que viola uma diretriz que não foi elaborada ao abrigo de uma autorização legal, que não foi devidamente publicada, notificada e que não tem força de publicidade.
43. O Recorrente não satisfez as características da ilegalidade e não cometeu qualquer omissão culposa, uma vez que não agiu no âmbito das funções que estava obrigado a desempenhar. Por conseguinte, o Recorrente não violou o dever de zelo.
44. Os supervisores do Recorrente não tinham autoridade e não os notificaram do conteúdo das “Observações” de forma adequada, e as “Observações” não cumpriam a premissa prevista no artigo 279.º, n.º 5 do “ETAPM” de que “os supervisores deram uma ordem para o trabalho de acordo com a lei”, pelo que o acto do Recorrente praticado sem cumprir esta premissa não deve ser considerado como uma violação do dever de obediência.
Vício da falta de fundamentação
45. “O Recorrente, na qualidade de funcionário do IM, tinha afixado as “Observações de utilização da sala de amamentação” como orientação para a utilização das instalações, o que foi suficientemente publicitado para quem entrava na sala, ….”, afirmado pelo acto recorrido.
46. Neste caso, a entidade recorrida limitou-se a declarar que “Observações” tinham produzido publicidade, mas não indicou qualquer base jurídica para explicar por que razão a publicidade tinha sido produzida e não explicou por que razão era importante que o Recorrente tivesse conhecimento do conteúdo das “Observações”.
47. O dever de fundamentação está previsto nos artigos 114.º e 115.º do CPA.
48. No seu acórdão do TSI, proc. n.º 128/2003, foi indicado os requisitos da fundamentação.
49. O conteúdo do acto recorrido não contém qualquer explicação das razões do efeito de publicidade e não cita qualquer autoridade válida. A entidade recorrida limita-se a indicar as conclusões pertinentes, tendo em conta a violação do dever de fundamentação.
Vícios de violação de direito: investigação insuficiente e violação do princípio do “in dubio pro reo”
50. Não se deve ignorar que o Recorrente nega os factos relevantes e os explica e justifica, quer na contestação escrita da acusação, quer no recurso administrativo (ou seja, no recurso hierárquico necessário) contra a orientação da decisão.
51. Quanto aos pontos do Recorrente na contestação, o instrutor poderia ter confirmado as alegações ditas pelo Recorrente através de uma série de investigações.
52. Por exemplo, no caso presente, apenas foram examinadas duas semanas antes e depois da data da denúncia anónima, mas, de acordo com o Recorrente, ele tinha inspeccionado a sala de amamentação de tempos a tempos desde que recebeu queixas sobre problemas de ventilação e humidade, etc. na sala de amamentação, pelo que deveria ter podido examinar o vídeo de vigilância para ver se o Recorrente tinha realmente praticado o comportamento relevante de tempos a tempos, e não apenas as três vezes em que entrou na sala de amamentação, como alegado no acto recorrido. O Recorrente só tinha entrado na sala de amamentação em três ocasiões, como alegado no acto recorrido.
53. Outro exemplo é o facto de, perante a afirmação do Recorrente de que só após a primeira queixa de D sobre o odor é que voltou a queixar-se e que o Recorrente foi novamente à sala de amamentação para o verificar, os factos poderiam ter sido apurados através de nova inquirição das testemunhas.
54. Outro exemplo é o facto de, quando o guarda de segurança testemunha indicou que as três pessoas entraram na sala de amamentação para utilizar o frigorífico para ter acesso a alimentos, mas o Recorrente negou, por que razão não foi combinado que o Recorrente confrontasse o guarda de segurança com o Recorrente? E como é que os guardas de segurança podem ter a certeza de que o objectivo da entrada deles é utilizar o frigorífico? Terá sido por os terem visto a segurar outros objectos? Ou viram-nos a pôr coisas lá dentro? Por que razão os guardas de segurança abriram a porta ao Recorrente, quando sabiam que este tinha entrado na sala de amamentação para utilizar o frigorífico? Mas alegaram que o estavam a fazer por motivos de trabalho?
55. O instrutor não investigou nem voltou a investigar os factos relevantes. O instrutor nem sequer investigou e analisou a forma como as “Observações” foram feitas e como teriam efeito no pessoal.
56. O instrutor, a fim de formar convicção contra o que precede, deve tentar adoptar medidas adicionais de prova para chegar à verdade dos factos.
57. O princípio do inquisitório está previsto no artigo 85.º e seguintes do CPA, no artigo 329.º, n.ºs 1 e 2, do “ETAPM”;
58. Relativamente ao princípio do inquisitório, o TSI fez esta opinião perspicaz no Acórdão do proc. n.º 193/2000;
59. Este foi igualmente esclarecido pelo Tribunal no mesmo Acórdão, independentemente do contributo destas, a entidade instrutora tem o dever de perseguir todos os elementos que possam contribuir para o esclarecimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo da infracção imputada ao arguido, e reiterou que a livre apreciação das provas não é totalmente isenta de limitações.
60. Por conseguinte, na ausência de outras provas objectivas, o instrutor não devia ter optado por rejeitar o Recorrente simplesmente com base na incoerência entre o depoimento da testemunha e o do Recorrente. Para além de violar o princípio do inquisitório devido à falta de iniciativa na investigação de outras provas possíveis, é também uma violação do princípio do “in dubio pro reo” não considerar que existe dúvida apenas na presença de duas versões diferentes.
61. A violação, pelo instrutor, do princípio do inquisitório e do princípio do “in dubio pro reo” na recolha e na formação da convicção conduziu ao acto recorrido que fazia a decisão para o recurso hierárquico necessário do despacho de determinação, enferma dos mesmos vícios, devendo o acto recorrido ser anulado nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
Vícios de violação de direito: falta de análise sobre a possibilidade de suspensão da sanção
62. A sanção de repreensão escrita é abrangida pelo artigo 300.º, n.º 1, alínea a), do “ETAPM” e, por conseguinte, preenche as condições formais para uma suspensão da execução, nos termos do artigo 317.º, n.º 1 do “ETAPM”.
63. No entanto, a entidade recorrida não analisou a possibilidade de suspensão da execução, pelo que se verificou uma aparente omissão de apreciação.
Vícios da violação lei: violação do princípio do contraditório
64. A entidade recorrida fez três correcções ao teor do despacho de determinação.
65. Antes de efectuar as correcções factuais, a entidade recorrida nunca notificou o Recorrente das correcções para que esta pudesse comentar as alterações factuais nelas introduzidas.
66. A acusação de infracção disciplinar e o despacho de determinação fazem parte integrante do acto recorrido, devendo todos eles ter sido notificados ao Recorrente nos termos do artigo 333.º, n.º 1, do “ETAPM”.
67. Trata-se de salvaguardar o direito de defesa do Recorrente, que é um direito fundamental num processo disciplinar.
68. Uma vez que o conteúdo da decisão do recurso hierárquico (acto recorrido) é agora definitivo para o Recorrente, deve também ser a decisão final para o Recorrente, partindo do pressuposto de que a acusação inicial e a direção da decisão constituem a base da decisão do Recorrente.
69. Se os pressupostos de facto forem alterados, é proferida uma decisão final sem que o Recorrente seja notificado para exercer a sua defesa como deveria ter feito, o que equivale a uma falta de protecção da defesa do Recorrente, tal como exigido pela disposição acima referida.
70. Trata-se de uma violação total do princípio do contraditório que deve estar presente nos processos disciplinares.
71. Nos termos do artigo 277.º do “ETAPM”, do artigo 4.º do Código de Processo Penal, do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, do artigo 339.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, após a aplicação das referências múltiplas, podemos constatar que no presente acto recorrido, deve ser concedido ao Recorrente o tempo necessário para preparar a sua defesa, nos termos do artigo 339.º do Código de Processo Penal, tendo em conta as alterações factuais do despacho de determinação.
72. A conclusão acima é provada pelo acórdão do TUI, proc. n.º 77/2019.
73. Nos termos do artigo 298.º, n.º 1 do “ETAPM”: “1. É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos preceitos legais infringidos, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”
74. Além disso, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea d) do CPA, “2. São, designadamente, actos nulos: d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;”
75. Nesta base, o Recorrente alega que o acto recorrido deve ser declarado nulo por estar viciado pelo vício de nulidade previsto na disposição acima referida.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando a seguintes conclusões:
1. Os fundamentos do presente recurso apresentados pelo recorrente judicial contra o Despacho n.º 087/SS/2023 feito pelo Secretário para a Segurança de Macau, datada de 20 de Novembro de 2023, incluem o seguinte: dever de zelo e dever de obediência; falta de fundamentação; violação de direito: investigação insuficiente e violação do princípio do “in dubio pro reo”; violação de direito: falta de análise sobre a possibilidade de suspensão da sanção; violação de direito: violação do princípio do contraditório.
2. Quanto à violação dos deveres disciplinares do recorrente judicial, o recorrente judicial considerou que não foi apurado se ele entrava na sala de amamentação com objectivo de executar a função, indicando que a conclusão do despacho recorrido só tirada por inferência.
3. Contudo, isso não é verdade, no despacho recorrido já se considerou suficientemente todos os dados constantes nos autos, e confirmou que o recorrente judicial entrou na sala de amamentação cujo objectivo não é execução da função.
4. Para além do conteúdo referido no art.º 14.º da petição inicial, é também indicado no despacho recorrido que “No recurso hierárquico, o recorrente afirmou que a entrada na sala de amamentação durante o referido período foi feita conforme as instruções da Directora do Instituto de Menores para inspecção, mas não foi apresentada qualquer prova. De acordo com as informações constantes do processo, a Directora do Instituto de Menores declarou que, depois de o pessoal ter assinalado o odor e a sujidade após a utilização da sala de amamentação, o recorrente foi instruído para ir à sala de amamentação para a verificar apenas uma vez e não foi instruído para continuar a inspeccionar a sala, e que o recorrente não elaborou nem apresentou qualquer relatório sobre o acesso à sala de amamentação para inspeccionar a sala. ...”
5. De acordo com o ponto 3.22 do despacho de sanção do Director dos Serviços Correccionais, de 14 de Setembro de 2023: “De acordo com o testemunho da Directora do IM, B, a funcionária D reflectiu o odor e a falta de limpeza na sala de amamentação depois de ter utilizado a sala durante o seu período de amamentação no mês de Maio de 2019, e ela deu instruções ao arguido, A, para ir ao vestiário da área dos rapazes e raparigas e à sala de amamentação para o verificar. Após a inspecção, A informou-a de que havia manchas de água no chão do frigorífico da sala de amamentação. A funcionária, C, foi então instruída para se deslocar àquela sala para dar seguimento ao processo. A Directora do IM, B, recordou que tinha dado instruções a A para ir à sala de amamentação apenas uma vez para a inspecção e que não tinha dado instruções a A para continuar a inspeccionar a sala de amamentação, e que a entrada continuada de A na sala de amamentação não lhe tinha sido comunicada;” (fls. 78, 79 e 341 do processo).
6. Além disso, os actos pelos quais o recorrente judicial foi sancionado ocorreram, respectivamente, em 26 de Abril, 27 de Abril e 11 de Maio de 2022.
7. O recorrente judicial indicou que entrou na sala de amamentação durante o período acima referido para efectuar inspecções e, de acordo com o mapa de turnos de trabalho constante no processo, durante o período acima referido foi o horário normal de expediente do recorrente judicial (ver fls. 33 e 34 do processo).
8. De acordo com o registo da reexaminação das gravações de vídeo contidas no processo (ver fls. 35 a 45 do processo, e o disco que contém as gravações de vídeo relevantes está anexado ao processo a fls. 82), os períodos de tempo durante os quais o recorrente judicial entrou na sala de amamentação, tal como acima descrito, foram antes ou depois do seu horário de trabalho no dia em questão. De acordo com o vídeo de vigilância, o recorrente judicial entrou na sala de amamentação às 8h32 em 26 de Abril de 2022, em traje civil, segurando um saco de plástico com um objecto, e saiu cerca de 27 segundos depois segurando apenas o saco de plástico, que já não continha qualquer objecto; às 8h46 do mesmo dia, o recorrente judicial voltou a entrar na sala de amamentação, uniformizado e com um objecto na mão, tendo saído cerca de 14 segundos depois sem mais objectos na mão; o recorrente judicial entrou na sala de amamentação às 8h30 de 27 de Abril de 2022, em traje civil, com um saco de um estabelecimento de comidas (que continha objectos), e saiu cerca de 50 segundos depois apenas com o saco na mão, que já não continha objectos; às 17h46 do mesmo dia, o recorrente judicial entrou na sala de amamentação, em traje civil, e saiu da sala cerca de 18 segundos depois com um objecto extra na mão, após o que foi a picar o cartão de ponto; o recorrente judicial entrou na sala de amamentação às 8h43 de 11 de Maio de 2022, em traje civil, com uma mochila às costas, e saiu cerca de 59 segundos depois; às 13h00 do mesmo dia, o recorrente judicial, em traje civil, entrou na sala de amamentação e saiu da sala cerca de 24 segundos depois com comida e bebidas na mão, tendo ido picar o cartão de ponto e saiu do serviço.
9. A entidade recorrida tinha considerado o conteúdo das gravações de vídeo acima descritas e afirmou no despacho recorrido que “com base na hora de entrada na sala de amamentação, conforme descrito acima, a duração da estadia, os itens trazidos e as roupas usadas pelo recorrente judicial, etc., não é possível comprovar, por experiência comum, que o recorrente judicial estivesse a realizar uma inspecção.”.
10. Em suma, a entidade recorrida considera que os factos foram suficientemente apurados e que não é necessária qualquer investigação suplementar.
11. No que diz respeito às “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” afixadas nas salas de amamentação, de acordo com as fotografias contidas no processo (ver fls. 7 e 8; 15 a 17 do processo). Tendo em conta os diferentes pontos de vista, a entidade recorrida considerou que as “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” foram afixadas de forma a ser facilmente visível por todas as pessoas que entram na sala de amamentação.
12. De facto, o recorrente judicial também declarou que tinha conhecimento das “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” afixadas na parede da sala de amamentação, mas não prestou atenção aos pormenores do documento (ver fls. 50 do processo).
13. Como se salienta no despacho recorrido, “De acordo com as informações constantes do processo, o recorrente indicou que a sala de amamentação foi coordenada e criada por ele sob a direcção da Directora do IM, e que o recorrente tinha perfeito conhecimento de que a sala de amamentação era uma instalação do IM, e que a afixação pelo serviço das “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” como orientação para a utilização da instalação era suficiente para dar publicidade a quem entrasse na sala. Conforme salientado no despacho recorrido, a prática está em consonância com o ponto 5.4(sic.) referente a “Afixar o regulamento de uso da sala de amamentação para cumprimento pelos utentes.” das “Directrizes padrão de equipamentos e gestão da sala de amamentação” dos Serviços de Saúde. O facto de o recorrente ter entrado na sala de amamentação em várias ocasiões e ter conhecimento da existência do respectivo documento, mas não ter prestado atenção aos pormenores do documento, é um sinal da sua falta de zelo.”
14. Por outro lado, é evidente que as “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” não estão relacionadas com a organização e o funcionamento do IM e não precisam de ser, nem devem ser reguladas por regulamentos internos.
15. De acordo com o artigo 279.º, n.º 4 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho.
16. De acordo com o artigo 279.º, n.º 5 do referido ETAPM, o dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal.
17. O recorrente judicial estava bem ciente de que a sala de amamentação era uma instalação do IM, e que a afixação pelo Serviço das “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” como um regulamento de utilização da instalação era suficiente para servir de aviso público para aqueles que entravam na sala. Ao entrar várias vezes na sala de amamentação, sabendo que os documentos relevantes estavam afixados na parede da sala, mas sem nunca os ler nem os cumprir, o recorrente judicial violou indubitavelmente o dever de zelo e o dever de obediência, tal como estipulado no artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
18. O aviso interno enviado ao pessoal pelo IM em 24 de Maio de 2022, na sequência da recepção da queixa, foi mais um lembrete para que o pessoal cumprisse as respectivas Observações (ver fls. 54 do processo).
19. Quanto à razoabilidade do conteúdo das “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação”, o destaque vai para o facto de os homens não poderem entrar “arbitrariamente” (ver fls. 8 do processo).
20. Através de uma simples leitura e do senso comum, é possível compreender que a entrada com o objectivo de exercer as suas funções, pois, claramente, não é uma entrada “arbitrária”.
21. No entanto, com base nos factos apurados, o recorrente judicial entrou na sala de amamentação não para o exercício das suas funções.
22. Quanto à falta de fundamentação, o recorrente judicial alega que no despacho recorrido não apresentam qualquer base jurídica que explique por que razão produzia o efeito de publicidade.
23. O “efeito de publicidade” referido no despacho recorrido não é um conceito jurídico, mas um edital público, ou seja, uma notificação pública do conteúdo das “Observações sobre a utilização da Sala de Amamentação” a todas as pessoas que entram nas salas de amamentação. Por conseguinte, não há falta de fundamentação, como alegado na petição inicial.
24. No que se refere à “investigação insuficiente e violação do princípio do “in dubio pro reo’ referida na petição inicial, como se refere nos artigos 2.º a 10.º supramencionados, o despacho recorrido tinha plenamente em conta todos os elementos constantes do processo e reconhecia que o recorrente judicial entrou na sala de amamentação não para o exercício das suas funções, tendo a entidade recorrida considerado que os factos estavam suficientemente apurados, não foi necessária qualquer outra investigação adicional.
25. Além disso, o despacho recorrido não teve em conta o testemunho dos guardas de segurança, uma vez que não estava relacionado com os acontecimentos de 26 de Abril, 27 de Abril e 11 de Maio de 2022.
26. Relativamente à “falta de análise sobre a possibilidade de suspensão da sanção” referida na petição inicial, respeitando as diferentes opiniões, a entidade recorrida considerou que só era necessário fundamentar no despacho se se considerasse que a sanção podia ser suspensa, nos termos do artigo 317.º do ETAPM, não sendo necessária qualquer fundamentação especial quando se considerasse inadequado fazê-lo. Contudo, tal não significa que a entidade recorrida não tenha analisado a disposição do artigo 317.º do ETAPM.
27. Além disso, foi claramente afirmado no despacho recorrido que “após ter examinado e analisado o processo, os procedimentos instrutórios foram conduzidos de acordo com a disposição legal, atendendo à natureza e à gravidade da conduta do recorrente, ao grau de culpa, à personalidade e outras circunstâncias tanto a favor do recorrente como contra ele, a sanção aplicada ao recorrente é adequada e proporcional.”.
28. No que respeita à “violação dos princípios do contraditório” indicada na petição inicial, esta refere-se especificamente ao facto de a entidade recorrida ter apreciado o conteúdo do recurso hierárquico e do processo disciplinar, ter corrigido parte do despacho sancionatório proferido pelo Director dos Serviços Correccionais em 14 de Setembro de 2023 no despacho recorrido.
29. Nos termos do artigo 161.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente para conhecer do recurso pode, sem sujeição ao pedido do recorrente, salvas as excepções previstas na lei, confirmar ou revogar o acto recorrido; se a competência do autor do acto recorrido não for exclusiva, pode também modificá-lo ou substituí-lo.
30. Entre as correcções do despacho recorrido figuram:
1) Não se reconheceu que o recorrente judicial e dois outros arguidos tivessem guardado comidas no frigorífico da sala de amamentação e tirando-lhos;
2) “Tanto a convenção como o depoimento das dezasseis testemunhas no Instituto acima referido, de que os homens e outras mulheres não lactantes não estão autorizados a entrar na sala de amamentação à vontade ….”, conteúdo do qual foi corrigido para ler-se: “Todos os arguidos sabiam perfeitamente que a sala de amamentação era uma instalação do Instituto de Menores e que o departamento tinha afixado na sala as ‘Observações de utilização da sala de amamentação’ como regra para a utilização da instalação, o que era suficiente para servir de publicidade às pessoas que entravam na sala, e que todos os arguidos tinham entrado na sala mais do que uma vez.”
31. O facto de “o recorrente judicial e dois outros arguidos tivessem guardado comidas no frigorífico da sala de amamentação e tirando-lhos”, é facto que foi acusado e contestado, o despacho recorrido não deu reconhecimento tal facto, sem prejuízo do direito de defesa do recorrente judicial.
32. As palavras “Tanto a convenção como o depoimento das dezasseis testemunhas no Instituto acima referido, de que os homens e outras mulheres não lactantes não estão autorizados a entrar na sala de amamentação à vontade ….”, passam a ter a seguinte redação, “Todos os arguidos sabiam perfeitamente que a sala de amamentação era uma instalação do Instituto de Menores e que o departamento tinha afixado na sala as ‘Observações de utilização da sala de amamentação’ como regra para a utilização da instalação, o que era suficiente para servir de publicidade às pessoas que entravam na sala, e que todos os arguidos tinham entrado na sala mais do que uma vez.”. Esta parte destina-se a rectificar uma parte do ponto 3.30 do despacho de sanção do Director dos Serviços Correccionais e o conteúdo corrigido é coerente com o conteúdo da parte do ponto 3.29 do despacho de sanção do Director dos Serviços Correccionais, e o facto de que “Todos os arguidos sabiam perfeitamente que a sala de amamentação era uma instalação do Instituto de Menores” consta da acusação e não ultrapassa o conteúdo da mesma, bem como é o facto toda a gente sabe.
33. Por conseguinte, o despacho recorrido não violou o princípio do contraditório.
Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambos silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando para que se julgasse procedente o recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Dos autos consta a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
1. Pelo Senhor Secretário para a Segurança em 20.11.2023 foi indeferido o recurso hierárquico necessário interposto pelo Recorrente da decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar, com a seguinte fundamentação:
«(…)
O Recorrente face ao despacho de aplicação da sanção de repreensão escrita emitido pelo Director da DSC em 14 de setembro de 2023, veio dele interpor recurso. A sansão supracitada baseou-se no facto de o Recorrente nas datas de 26 de abril de 2022 às 8h31 e 8h46, 27 de abril de 2022 às 8h29 e 17h46 e 8h43. Às 13h00 de 11 de maio de 2022, ter pedido ao guarda de segurança que abrisse a porta da sala de amamentação do Instituto de Menores para lhe deixar entrar e colocar ou retirar coisas do frigorífico, a conduta relevante não cumpriu as orientações sobre “excepto para armazenamento temporário de leite materno, o frigorífico não pode ser usado para colocação de outros objectos” e “mães que não dão de amamentação e indivíduos do sexo masculino não podem entrar arbitrariamente na sala de amamentação” constantes nas Instruções para Utilização da Sala de Amamentação, posto isto reconheceu que ele violou o artigo 279.º, n.º 2, alíneas b) e c) do "ETAPM” ", o dever de zelo e o dever de obediência.
Parte do teor do recurso hierárquico não pertence fundamento do recurso, pelo que não é aqui mencionado.
No recurso hierárquico, o Recorrente alega que entrou na sala de amamentação durante o período acima mencionado para proceder a inspecção conforme indicação da Directora do Instituto de Menores, mas não apresentou qualquer prova. De acordo com os dados constantes no processo, a Directora do Instituto de Menores afirmou que após ter havido queixa do pessoal de que aquando da utilização da sala de amamentação sentia-se um cheiro esquisito e falta de higiene, deu apenas uma vez indicação ao Recorrente para ir à sala de amamentação verificar, e não deu mais indicação ao Recorrente para continuar a inspecionar a sala de amamentação. Além disso, o Recorrente aquando entrou na sala de amamentação para inspecionar, foi antes ou depois do horário de trabalho, de acordo com o vídeo de vigilância, o Recorrente às 8h32 do dia 26 de abril 2022, vestido à paisana entrou na sala de amamentação segurando um saco de plástico com coisas no interior e saiu após cerca de 27 segundos segurando somente um saco de plástico vazio; Às 8h46 do mesmo dia, o Recorrente vestido de uniforme entrou novamente na sala de amamentação segurando um objecto e saiu após cerca de 14 segundos sem nada nas mãos; às 8h30 do dia 27 de abril de 2022, o Recorrente vestido à paisana segurando um saco de restaurante (contendo coisas no saco) entrou na sala de amamentação, e saiu cerca de 50 segundos depois, segurando somente um saco de plástico vazio; às 17h46 do mesmo dia, o Recorrente vestido à paisana entrou na sala de amamentação, e saiu cerca de 18 segundos depois, segurando com mais um objecto nas mãos, em seguida picou o cartão e saiu do trabalho; Às 8h43 do dia 11 de maio de 2022, o Recorrente vestido à paisana entrou na sala de amamentação, levando uma mochila, e saiu cerca de 59 segundos depois; às 13h00 do mesmo dia, o Recorrente vestido à paisana entrou na sala de amamentação, e cerca de 24 segundos depois saiu com alimentos e bebidas nas mãos, depois picou o cartão e foi embora. Com base no período de tempo em que o Recorrente entrou e permaneceu na sala de amamentação, os objectos por si levados e vestuário usado, segundo as regras de experiência, não se conseguiu provar que o Recorrente estava a proceder a inspecção.
Além disso, de acordo com o depoimento do guarda de segurança responsável na altura, o Recorrente frequentemente nas horas de entrada e saída do serviço levava saco na mão, e mandava-o abrir a porta da sala de amamentação, bem como colocava os objectos dentro do frigorífico dessa sala.
Pelo exposto, não houve evidências a comprovar que o Recorrente no período acima mencionado entrou na sala de amamentação para cumprir as suas funções.
Em relação às “Instruções sobre Utilização da Sala de Amamentação” afixadas nessa sala, o Recorrente afirmou ter conhecimento da existência do documento pertinente, mas não prestou em atenção aos pormenores do seu conteúdo. De acordo com os elementos constantes no processo, o Recorrente alega que a sala de amamentação foi criada sob indicação da Directora do Instituto de Menores, o Recorrente tinha perfeito conhecimento que a sala de amamentação pertence às instalações do Instituto de Menores, e o departamento afixou dentro da sala as "Instruções sobre Utilização da Sala de Amamentação" como regras de utilização do espaço, que são suficientes para produzir o efeito de publicidade a quem entra na sala de amamentação, tal como indica no despacho recorrido, a prática pertinente está em consonância com o nº 5.4 das “Orientações sobre Utilização dos Equipamentos e Padrões de Gestão das Salas de Amamentação” emitidas pelos Serviços de Saúde, que estabelecem “os utentes devem seguir as instruções e as regras de utilização das salas de amamentação fixadas”. O Recorrente entrou várias vezes na sala de amamentação e tinha conhecimento da existência do documento relevante, contudo não reparou o conteúdo detalhado do documento, o que demonstra a sua falta de atenção.
Embora, de acordo com as informações contidas nos autos, não tenha sido cabalmente comprovado que o Recorrente tenha colocado alimentos e bebidas no frigorífico da sala de amamentação durante o período acima referido, mas o Recorrente sendo funcionário do Instituto de Menores ao entrar na sala de amamentação violou as regras do Instituto, o que constitui violação do dever de zelo e o dever de obediência previsto no artigo 279.º, n.º 2, alíneas b) e c) do “ETAPM”.
Após leitura e análise dos autos, constatou-se que o processo de instrução foi legal, e depois de considerar a natureza e gravidade da conduta do Recorrente, o grau da sua culpa, a sua personalidade e outras circunstâncias a si favoráveis e desfavoráveis, a sanção aplicada ao Recorrente foi adequada e proporcional.
Com base no exposto, o Exmº Sr. Secretário para a Segurança no exercício do poder conferido pelo RA n.º 182/2019, veio nos termos do artigo 341.º, n.º 3 do “ETAPM” e artigo 161.º do CPA, rejeitar o recurso interposto, mantendo a sanção aplicada, mas quanto ao ponto 3.30 do despacho sobre: “………… bem como, quer seja da prática estabelecida, ou do depoimento das supracitadas dezasseis testemunhas da direcção, todos entendem que “mães que não dão de amamentação e indivíduos do sexo masculino não podem entrar arbitrariamente na sala de amamentação……” rectifica-se para: “todos os suspeitos têm perfeito conhecimento que a sala de amamentação pertence às instalações do Instituto de Menores, e o departamento afixou dentro da sala as “Instruções para Utilização da Sala de Amamentação” como regras de utilização do espaço, que são suficientes para produzir o efeito de publicidade a quem entra na sala de amamentação, e os suspeitos entraram na sala de amamentação mais de uma vez”; e no ponto 3.30 do despacho sobre: “... mas os três não cumpriram as “Instruções” estipuladas, entraram diversas vezes na sala de amamentação e utilizaram o frigorifico da sala para colocar e retirar alimentos;” rectifica-se para: “…… No entanto, os três não cumpriram as “Instruções” estipuladas, entraram várias vezes na sala de amamentação, tendo a suspeita E utilizado o frigorífico da sala para colocar e retirar alimentos;” e no ponto 6 do despacho sobre “............mas ele sob o pretexto de inspecionar a sala de amamentação, entrava e saía muitas vezes da sala, usando o frigorifico para colocar e retirar alimentos……” rectifica-se para: “Mas ele sob o pretexto de inspecionar a sala de amamentação entrou e saiu várias vezes da sala de amamentação.”
Notifique o Recorrente, inconformado com o presente despacho pode interpor recurso contencioso ao TSI no prazo de 30 dias.
(…)» .
– cf. fls. 82v e 83 traduzido a fls. 94 a 99 -;
b) Do Direito
É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs o presente recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Segurança, de indeferimento do recurso hierárquico da decisão do Director dos Serviços Correccionais que o puniu com a pena disciplinar de repreensão escrita, pedindo a respectiva anulação.
Foi apresentada douta contestação pela Entidade Recorrida na qual se concluiu no sentido da improcedência do recurso.
2.
(i)
O primeiro fundamento do presente recurso contencioso consiste na alegação por parte do Recorrente de que a sua conduta não violou nem o dever de zelo nem o dever de obediência, não consubstanciando, por isso, a infracção disciplinar que esteve na base da aplicação da medida punitiva cuja anulação agora peticiona.
É este, pois, o primeiro fundamento do recurso sobre o qual nos iremos pronunciar.
(i.1)
Comecemos por referir os factos que a Administração considerou constituírem a infracção disciplinar aqui em causa, é dizer, integrativos da violação, por parte do Recorrente, dos deveres funcionais de zelo e de obediência. Tais factos são, no essencial, os seguintes:
- No dia 26 de Abril de 2022, pelas 8 horas e 31 minutos e pelas 8 horas e 46 minutos, no dia 27 de Abril de 2022, pelas 8 horas e 29 minutos, pelas 8 horas e 43 minutos e pelas 17 horas e 46 minutos, e no dia 11 de maio, pelas 13 horas, o Recorrente pediu ao guarda de segurança que lhe abrisse a porta da sala de amamentação existente nas instalações do Instituto de menores e aí entrou.
- Numa parede dessa sala de amamentação estavam afixadas as chamadas «Regras sobre a Utilização da Sala de Amamentação», nos termos que melhor constam da fotografia que se encontra a fls. 7 do processo administrativo apenso.
- Segundo o n.º 11 dessas «Regras», era «proibida a entrada [na sala] de pessoas que não amamentam e homens na sala (em caso especial pode-se consultar o guarda de segurança em serviço)».
- Essas «Regras» não se mostram assinadas por quem quer que seja nem, por qualquer outra forma, delas resulta a sua proveniência ou a respectiva autoria.
(i.2)
Sendo estes os factos relevantes, olhemos agora para o seu enquadramento jurídico-disciplinar na perspectiva que aqui interessa, que é a da aferição da legalidade do acto punitivo recorrido. Esse acto, como já vimos, considerou que tais factos constituíram a violação, pelo Recorrente, dos deveres de zelo e de obediência que estão previstos nas alíneas b) e c) do Estatuto dos trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, e, portanto, integravam infracção disciplinar que, concretamente, foi punida com a pena de repreensão escrita (segundo o disposto no artigo 281.º do ETAPM, «considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado»).
(i.2.1)
Comecemos pelo dever de zelo.
De acordo com o preceituado no n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM, o dever de zelo «consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir a aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho», podendo dizer-se, a partir da leitura interpretativa dessa norma, que dela resulta, inequivocamente, a existência de um nexo de instrumentalidade entre o dever de zelo e o exercício ou desempenho das funções por parte do trabalhador. É por isso que se tem entendido que este dever se assume como um dever de diligência, de competência, de aplicação e de brio profissional no concreto desempenho e execução dessas funções, e que a sua violação ocorre quando a conduta funcional do trabalhador se afasta do padrão pressuposto, mormente, por não utilização do empenho, dos conhecimentos e meios apropriados ou por subversão dos fins estabelecidos no estrito exercício das funções (nestes termos, pode ver-se o ac. Tribunal Central Administrativo Norte de 19.11.2015, processo n.º 2287/10.1BEPRT que segue de perto o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 23.01.2013, processo n.º 042/12 e, no mesmo sentido, o ac. STA de 15.10.2020, processo n.º 02207/10.3BEPRT). Deste modo, parece-nos correcto dizer-se que, para aferir do cumprimento ou não do dever de zelo, há, pois, que tomar como referência a actividade funcional desempenhada pelo trabalhador.
De salientar, ainda, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Última Instância, importa também considerar que, implicando o dever de zelo conhecer as normas legais e regulamentares, constitui violação de dever de zelo a não aplicação dessas normas legais e regulamentares (veja-se o ac. do Tribunal de Última Instância de 18.12.2013, processo n.º 77/2013). Em todo o caso, parece-nos, por interpretação do doutamente decidido nesse acórdão pelo nosso mais alto Tribunal, a partir do concreto contexto decisório em que operou, que essas normas legais ou regulamentares têm de respeitar ao exercício das funções, por isso que o dever de zelo, na formulação textual da lei, «consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento» (o destacado é nosso). Além disso, também nos parece que o Tribunal de Última Instância deixou de fora do âmbito do dever de zelo a não aplicação das instruções de superiores hierárquicos que reservou para a violação do dever de obediência (cfr. p. 29 do citado acórdão).
(i.2.2)
Ora, no caso em apreço, parece-nos, salvo o devido respeito, que a conduta do Recorrente aqui em questão e que esteve na base da aplicação da medida punitiva contenciosamente impugnada, não constituiu uma violação de dever de zelo.
Isto, na exacta medida em que essa conduta não consubstancia, por parte do Recorrente, um exercício de funções com falta de empenho ou ineficiente. Designadamente, não se vê nessa conduta uma inobservância de quaisquer normas legais ou regulamentares ou instruções que respeitem ao desempenho das suas funções, visando, nomeadamente a eficiência, correcção, adequação e competência nesse desempenho. Na verdade, estamos em crer que, mesmo a considerar-se que o Recorrente infringiu, ou não aplicou, as chamadas «Regras sobre a utilização da sala de amamentação» existente nas instalações do Instituto de Menores, onde o mesmo trabalha - e já veremos, a propósito da violação de dever de obediência, que se não demonstra que essas «regras» provenham dos legítimos superiores hierárquicos do Recorrente, o que, face ao disposto no n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM sempre lhes retiraria relevância na perspectiva da existência de violação do dever de zelo - não se pode vislumbrar aí a conexão funcional que antes vimos ser indispensável à afirmação da existência de uma contravenção ao dever de zelo disciplinarmente relevante, uma vez que o conteúdo de tais «Regras», como é manifesto, não estava vocacionado, na perspectiva teleológica que aqui interessa, para se projectar, de alguma forma, num desempenho eficiente, correcto, competente das tarefas que integravam a concreta posição funcional do Recorrente enquanto trabalhador da Direcção dos Serviços Correcionais. Para além de que, como antes dissemos, na interpretação feita pelo Tribunal de Última Instância das normas do n.º 4 do artigo 279.º do ETAPM, a falta de aplicação intencional de instruções dos superiores hierárquicos por parte do trabalhador é susceptível de integrar violação do dever de obediência, mas não do dever de zelo.
(i.3)
(i.3.1)
Viremos a nossa atenção, agora, para o dever de obediência.
O dever de obediência, consiste, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 279.º do ETAPM, «em acatar e cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal», podendo, pois, dizer-se que a afirmação, em concreto, de um dever de obediência cuja eventual violação possa justificar uma intervenção disciplinar exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) a existência de uma ordem; (ii) dada pelo legítimo superior hierárquico; (iii) em objecto de serviço; (iv) na forma legal. Concretizemos.
A existência de uma ordem pressupõe que ao trabalhador seja transmitido um comando de fazer ou de não fazer, impondo-lhe, portanto, a concretização de um comportamento activo ou omissivo.
Além disso, essa ordem tem de provir ou emanar do legítimo superior hierárquico do trabalhador, devendo considerar-se como tal todos aqueles que, numa dada estrutura organizatória, ocupem uma posição que lhes confira um poder de direcção, isto é, um poder de dar ordens e instruções a subalternos (sobre este ponto, o ac. do Tribunal de Segunda Instância de 22.09.2016, processo n.º 235/2015).
A ordem tem de ser dada «em objecto de serviço», o que significa ela tem de se inserir no quadro de atribuições e competências do serviço, o que pressupõe que ela se destine a realizar uma finalidade que compita ao serviço prosseguir, tem de ser dada em serviço e deve estar em conformidade com as habilitações ou capacidades do trabalhador.
Finalmente, a ordem constitui o trabalhador na obrigação de a cumprir e de lhe obedecer se tiver sido efectuada na forma legal pelo que só não haverá dever de obediência a ordens verbais se a lei impuser a forma escrita (seguimos de muito perto, PAULO VEIGA MOURA/CÁTIA ARRIMAR, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º volume, Coimbra, 2014, pp. 301-302. A jurisprudência portuguesa perante uma norma com conteúdo idêntico à do n.º 5 do artigo 279.º do nosso ETAPM, tem decidido que a violação do dever de obediência pressupõe o incumprimento de uma ordem concreta e individualizada que seja dada por um superior hierárquico: neste sentido, veja-se o ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 7.1.2016, processo n.º 545/15).
(i.3.2)
No caso, com todo o respeito pelo entendimento contrário, não nos parece que estejam preenchidos os requisitos legais que vimos serem indispensáveis para se poder afirmar a existência de uma violação de dever de obediência a partir dos pressupostos de facto que o acto recorrido deu por demonstrados.
Com efeito, não se vê, a partir da factualidade relevante, que tenha o Recorrente tenha infringido ou inobservado qualquer ordem ou instrução proveniente ou emanada pelos seus legítimos superiores hierárquicos. Não nos parece que o ponto 11 das «Regras sobre a Utilização da Sala de Amamentação» que estavam afixadas na parede da sala de amamentação existente no Instituto de Menores possa ser considerado como tal. Isto, pela simples razão de que se desconhece quem é o autor dessas «Regras», as quais, a esse propósito, são completamente omissas. Resulta, por isso, inviável afirmar que aquele ponto 11 corresponda, como parece ter entendido a Administração, a uma ordem ou instrução proveniente de um legítimo superior hierárquico do Recorrente. Isto basta, a nosso humilde ver, para afastar a existência da violação do dever de obediência que foi imputada ao Recorrente e que justificou a aplicação da sanção disciplinar aqui em causa (esta conclusão, sempre se diga, torna desnecessário que entremos na apreciação da questão, de outro modo relevante, de saber se o ponto 11 das faladas «Regras» constitui uma ordem «em objecto de serviço» tal como vimos ser exigido pelo n.º 5 do artigo 279.º do ETAPM).
(i.4)
Não sendo a conduta do Recorrente enquadrável jurídico-disciplinarmente nem como infracção do dever de zelo nem como infracção de dever de obediência, parece-nos impor-se a conclusão de que o acto administrativo recorrido sofre do vício de violação de lei implicante da respectiva anulabilidade face ao disposto no artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (segundo a doutrina, a violação de lei, «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis», abrangendo, portanto, entre outras situações, «o erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas»: assim, por todos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3.ª edição, Coimbra, 2017, pp. 345-347).
Com a conclusão que antecede, e tendo em conta o disposto no artigo 74.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 5 a contrario do CPAC, ficará, ao que nos parece, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado procedente com a consequente anulação do acto administrativo recorrido.».
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei, pelo que, nos termos do artº 124º do CPA implica a anulabilidade do mesmo, sendo de conceder provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso anula-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
Registe e Notifique.
RAEM, 19 de Setembro de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1º Adjunto)
Ho Wai Neng
(2º Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
928/2023 REC CONT 1