Processo nº 107/2023
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Sob acusação do Ministério Público e em audiência colectiva no Tribunal Judicial de Base responderam A (甲), B (乙), e C (丙), (1°, 2° e 3°) arguidos com os restantes sinais dos autos.
A final, realizado o julgamento decidiu-se condenar:
–– o (1°) arguido A como autor material da prática em concurso real de:
- 1 crime de “produção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 7°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão;
- 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão; e,
- 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 5 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão.
–– os (2° e 3°) arguidos B e C, como cúmplices da prática de 1 crime de “produção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 7°, n.° 1 e 14°, n.° 2 da Lei n.° 17/2009, (na redacção resultante da Lei n.° 10/2016), em conjugação com o art. 26°, n.° 1 e 2 e 67°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M., na pena individual de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 1006 a1044 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Do assim decidido, os (1°, 2° e 3°) arguidos – A, B e C – recorreram para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 12.10.2023, (Proc. n.° 646/2023), negou provimento aos ditos recursos, absolvendo, oficiosamente, o (1°) arguido A da prática do crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), fixando-se-lhe a pena única de 9 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 1343 a 1385).
*
Inconformados com o referido Acórdão, do mesmo recorreram o Ministério Público e os ditos (1°, 2° e 3°) arguidos; (cfr., fls. 1435 a 1441-v, 1455 a 1464-v, 1442 a 1454 e 1465 a 1497).
*
Em sede de exame preliminar, e em face do estatuído em matéria de “recorribilidade” para este Tribunal de Última Instância, (cfr., art. 390°, n.° 1, al. g) do C.P.P.M.), por despacho do ora relator decidiu-se não admitir os recursos pelos (2° e 3°) arguidos, B e C, apresentados; (cfr., fls. 1565 a 1571-v).
*
Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre agora decidir dos recursos pelo Ministério Público e (1°) arguido A trazidos a este Tribunal de Última Instância.
A tanto se passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os seguintes factos, (que foram integralmente confirmados pelo Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância):
“1. No momento do incidente, o 1º arguido A, o 2º arguido B e o 3º arguido C eram antigos colegas de escola e amigos, o 2º arguido e a 10ª arguida D têm relação de casal e vivem juntos no 3º andar C do [Endereço(1)], Macau.
*
[Quanto à parte da plantação ilícita da droga]
2. Pelo menos a partir de junho de 2021, o 1º arguido adquiriu alguns esporos de "canábis" e, conforme as informações da internet, plantou a droga "canábis" na sua residência sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau.
3. Com vista a plantar a droga “canábis”, o 1º arguido adquiriu e utilizou equipamentos e materiais necessários para que a droga “canábis” possa crescer normalmente na referida residência, incluindo terra e materiais de jardinagem.
4. Após a plantação pelo 1º arguido, a droga “canábis” conseguiu com sucesso ser plantada e colhida na referida residência.
5. Com vista a plantar mais droga "canábis", a partir de março de 2022, o 1º arguido arrendou a fracção sita no 14º do edifício industrial [Endereço(3)], Macau, pela renda mensal no valor de quinze mil dólares de Hong Kong (HKD$15.000,00), e transferiu a droga “canábis” para o referido edifício industrial, continuando com a plantação (vide contrato de arrendamento de fls. 121 a 122 dos autos).
6. Face a isto, o 1º arguido adquiriu mais equipamentos necessários para que a droga “canábis” possa crescer normalmente, incluindo tendas, exaustores, dutos de ventilação, prateleiras e materiais de iluminação.
7. Dado que era difícil de ser uma pessoa sozinha a deslocar e instalar os equipamentos acima mencionados, o 1º arguido falou com os 2º e 3º arguidos sobre a plantação da droga "canábis" no referido edifício industrial, bem como referiu que precisava da ajuda dos 2º e 3º arguidos, incluindo o transporte e instalação dos tais equipamentos, e tendo prometido que como recompensa iria fornecer-lhes gratuitamente a droga "canábis". Os 2º e 3º arguidos concordaram.
8. Desde então, o 1º arguido sem autorização e com a ajuda dos 2º e 3º arguidos, começou a plantar a droga “canábis” na fracção do referido edifício industrial, a fim de concretizar o objectivo dos 1º, 2º e 3º arguidos de obter vantagens ilícitas.
9. Pelo menos a partir de julho a setembro de 2022, os 1º, 2º e 3º arguidos transportaram várias vezes, os equipamentos acima mencionados adquiridos pelo 1º arguido para a fracção do referido edifício industrial, a fim de aí montarem conjuntamente a tenda grande, exaustores, dutos de ventilação e prateleiras.
10. Os 2º e 3º arguidos sabiam perfeitamente que os equipamentos acima referidos eram ou seriam usados para plantar a droga “canábis”.
11. No qual, a câmara filmou que em 2 e 7 de setembro de 2022, os 1º, 2º e 3º arguidos transportaram os referidos equipamentos adquiridos pelo 1º arguido para a fracção do tal edifício industrial; ao mesmo tempo, a câmara filmou que em 2 de setembro de 2022, o 1º arguido entregou a chave da fracção do referido edifício industrial ao 2º arguido (vide fls. 309 a 348 dos autos).
12. Após a plantação pelo 1º arguido, e dos equipamentos transportados e instalados conjuntamente por ele, os 2º e 3º arguidos, a droga “canábis” conseguiu ser plantada e colhida com sucesso na fracção do referido edifício industrial (vide também os factos constantes nos artigos 33.º e 42.º da acusação).
*
[Quanto à parte do tráfico ilícito e detenção indevida de utensílio ou equipamento]
13. Pelo menos em dezembro de 2021 a setembro de 2022, o 1º arguido sem autorização, através da supracitada forma de plantação, detinha a droga “canábis”, e parte foi vendida, oferecida ou prestes a ser vendida a outros para consumo, e parte para consumo pessoal, a fim de concretizar o seu objectivo de obter vantagens ilícitas.
14. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social (2)], vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 4º arguido E com tel. nº XXXXXXXX (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 584 a 586 dos autos e os registos de mensagens de fls. 1 a 7 do Anexo 1).
15. O 4º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
16. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social (2)], vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 5º arguido F com tel. nº XXXXXXXX (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 607 a 613 dos autos e os registos de mensagens de fls. 8 a 10 do Anexo 1).
17. O 5º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
18. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social] (conta “XXXXXXXX”), vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 6º arguido G (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 559, 644 a 646 dos autos e os registos de mensagens de fls. 12 a 23 do Anexo 1).
19. O 6º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
20. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social] (conta “XXXXXXXX”), vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 7º arguido H (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 561, 655 a 657 dos autos e os registos de mensagens de fls. 54 a 57 do Anexo 1).
21. O 7º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
22. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social (2)], vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 8º arguido I com tel. nº XXXXXXXX, (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 664 a 665 dos autos e os registos de mensagens de fls. 11 do Anexo 1).
23. O 8º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
24. Durante o ano de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, através da [Aplicação de Rede Social] (conta “XXXXXXXX”), vendeu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, ao 9º arguido J, (vide relatório de transcrições telefônicas de fls. 560, 696 dos autos e os registos de mensagens de fls. 27 A 30 do Anexo 1).
25. O 9º arguido tinha plena consciência de que a substância vendida pelo 1º arguido era a droga “canábis”, a sua obtenção e posse era para consumo pessoal.
26. Pelo menos em julho a setembro de 2022, o 1º arguido sem autorização, por várias vezes, forneceu gratuitamente aos 2º e 3º arguidos e a 10ª arguida, a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial, cuja quantidade se desconhece, para eles consumirem dentro da fracção do referido edifício industrial.
27. Os 2º e 3º arguidos e a 10ª arguida tinham plena consciência de que a substância oferecida pelo 1º arguido era a droga “canábis”.
28. Posteriormente, a droga “canábis” fornecida gratuitamente pelo 1º arguido foi levada à residência do 2º arguido e da 10ª arguida sita no 3º andar C do [Endereço(1)], Macau. O 2º arguido e a 10ª arguida obtiveram e tinham na posse a referida droga “canábis” para consumo pessoal (vide também factos nos pontos 39 e 42 da acusação).
29. Durante o ano de 2022, o 1º arguido, por várias vezes, consumiu em Macau a supracitada droga “canábis” plantada na fracção do referido edifício industrial e na sua residência.
30. Com vista a esmagar a droga “canábis” para consumo, o 1º arguido através de meio desconhecido, obteve uma garrafa de plástico transparente branco com espinhos que guardou na sua residência sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau (vide também apreendido constante nos factos do ponto 34, al. 6 da acusação).
31. Com vista a consumir a droga “canábis”, o 1º arguido através de meio desconhecido, obteve uma garrafa de vidro transparente com duas bocas, bem como atou um tubo por cima e guardou-a na sua residência sita no 17º andar B do [Endereço(2)]. (vide também apreendido constante nos factos ponto 34, al. 8 da acusação).
*
32. Em 8 de setembro de 2022, a polícia recebeu denúncia de incêndio na fracção do referido edifício industrial, tendo assim descoberto o facto e interceptado o 1º arguido.
33. Durante a investigação, o pessoal da PJ foi à fracção arrendada pelo 1º arguido sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau para busca domiciliária (vide auto de busca e apreensão nas fls. 16 a 17 e a planta nas fls.18 dos autos, cujo teor se dá-se aqui por integralmente produzido):
No quarto do 1º arguido foi encontrado e apreendido:
1) 1 balança eletrônica de cor preta e prateada imprimidas as letras “XXXXXXXX”;
2) 1 tenda preta de tamanho (comprimento: 120 cm, altura: 150 cm, profundidade: 60 cm);
Depois de desmontar a referida tenda preta, os componentes são:
3) 19 suportes metálicos longos brancos;
4) 1 escape branco conectado a um tubo de alumínio;
5) 1 painel cinzento com luz LED de 30CM * 25CM (conectado com transformador e fios eléctricos);
Na gaveta para guardar conjunto de chá da mesa de jantar da sala da referida fracção, foram encontrados e apreendidos:
6) 6 caixas de papelão castanho imprimidas as letras “XX”, na superfície das mortalhas também estavam imprimidas as letras “XX”;
7) 1 pequeno frasco metálico preto imprimidos os números “XX”, contendo uma pequena quantidade de substância filamentosa castanha;
8) 1 cachimbo de madeira castanha gravadas as letras “XX” (tipo três em um);
9) 1 cachimbo de madeira castanha (ambas as pontas são douradas), uma das pontas conectada a uma ponta de plástico cinzento;
No sofá da sala da referida fracção, foram encontrados e apreendidos:
10) 1 cachimbo de plástico castanho imprimidas as letras “XX” e conectado a um tubo de vidro castanho;
No local entre o sofá da sala e a prateleira do lado esquerdo da referida fracção, foram encontrados e apreendidos:
11) 1 balde de plástico de cor-de-rosa contendo plantas no interior, com peso líquido de cerca de 78g;
12) 1 balde de plástico verde contendo no interior uma planta embrulhada com saco preto, com peso líquido aproximado de 154g;
13) 1 balde de plástico verde contendo plantas no interior, com peso líquido de cerca de 114g;
Na prateleira do lado esquerdo do sofá da sala da referida fracção foram encontrados e apreendidos o seguinte:
14) 1 bolsa de náilon preta imprimidas as letras "XX XX", dentro da bolsa foram encontradas 15 caixas de papelão castanho imprimidas as letras "XX", na superfície das mortalhas também estavam imprimidas as letras “XX”;
15) 1 telemóvel cinzento da marca: XX;
Na área de plantação da referida fracção foram encontrados e apreendidos:
16) 8 tendas pretas, respectivamente 7 grandes tendas pretas [designadas por "Tenda A", "Tenda B", "Tenda C", "Tenda D", "Tenda F", "Tenda G", "Tenda" respectivamente) H"; os tamanhos são (comprimento: 245 cm, altura: 200 cm, profundidade: 120 cm)]; e 1 pequena tenda preta designada como "Tenda E", o tamanho é (comprimento: 100 cm, profundidade: 120 cm) Altura: 200 cm, profundidade: 100 cm);
17) 8 conjuntos de suportes de metal branco longos, nomeadamente 29, 29, 23, 29, 24, 19, 24 e 30 (no total 207);
18) 1 ventilador elétrico preto, 3 garrafas de fertilizante químico branco (contendo no interior uma pequena quantidade de líquido), 5 tubos de escape brancos, 1 tubo de escape branco conectado a 1 tubo de alumínio e 1 painel de luz LED branco de 60CM * 50CM (Conectado com transformador e fios eléctricos), 4 painéis de luz LED branca de 60 CM * 24 CM (conectados com transformador e fios eléctricos), um painel de luz LED cinza de 30 CM * 25 CM (conectado com transformador e fios eléctricos), um painel de luz LED branca de 60 CM * 72 CM (conectado com transformador e fios eléctricos);
19) Na “Tenda A” foram encontradas 7 plantas plantadas em sacos de pano preto, respectivamente com tamanho aproximadamente (altura: 50 cm, diâmetro: 35 cm);
20) Na “Tenda C”, foram encontradas 2 plantas (uma delas esmagada) plantadas em sacos de pano preto, respectivamente com tamanho aproximadamente (altura: 50 cm, diâmetro: 35 cm);
21) Na “Tenda F”, foram encontradas 3 plantas plantadas em sacos de pano preto, respectivamente com tamanho aproximadamente (altura: 70 cm, diâmetro: 45 cm);
22) Na “Tenda G”, foram encontradas 6 plantas plantadas em sacos de pano preto, respectivamente com tamanho aproximadamente (altura: 50 cm, diâmetro: 35 cm);
23) 1 planta plantada em uma base de garrafa plástica, com tamanho aproximado (altura: 10 cm, diâmetro: 7 cm);
24) 1 planta plantada em uma base de esponja, com tamanho aproximado (altura: 13 cm, diâmetro: 3 cm);
25) Na “Tenda G”, foi encontrada uma planta plantada em uma base de garrafa plástica, com tamanho aproximado (altura: 10 cm, diâmetro: 7 cm);
26) Na “Tenda H”, foram encontradas 4 plantas plantadas em sacos de pano preto, respectivamente com tamanho aproximadamente (altura: 50 cm, diâmetro: 35 cm); No caixote de lixo plástico verde da área de plantação da referida fracção foram encontrados e apreendidos:
27) 1 caule de uma planta (sem folhas) de medida aproximadamente (altura: 60 cm). As referidas tendas, suportes, tubos de escapes, tubos de alumínio, painéis de luz, bases, ventiladores elétricos e fertilizantes químicos eram equipamentos usados para a plantação da droga "canábis"; as referidas balanças eletrônicas, caixas, mortalhas, garrafas metálicas, cachimbos, baldes de plástico, bolsas de nylon, sacos de pano e bases eram objectos usados ou podiam ser usados para colocar a droga “canábis”.
34. De imediato, o pessoal da PJ levou o 1º arguido à sua residência sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau para busca domiciliária (vide auto de busca e apreensão nas fls. 102 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
Na mesa ao lado do sofá do quarto que fica em frente do lado direito do corredor da residência do 1º arguido foram encontrados e apreendidos:
1) 1 caixa de papel castanha imprimidas as letras “XX”, contendo 10 pilhas de mortalhas novas não usadas, na superfície das mortalhas também estavam imprimidas as letras “XX”;
2) 1 caixa metálica preta pequena, contendo no interior uma substância com peso líquido aproximado de 10,08g;
3) 1 caixa metálica preta pequena, contendo no interior fragmentos de plantas com peso líquido cerca de 5,94g;
Na mesa ao lado do parapeito da janela do referido quarto foram encontradas e apreendidas:
4) 2 balanças eletrônicas imprimidas as letras XX e XX XX respectivamente;
5) 1 cinzeiro verde imprimidas as letras “XX”;
6) 1 garrafa de plástico branca transparente que pode ser dividida em três partes, a 1ª parte é uma tampa de plástico transparente; a 2ªparte é uma garrafa de plástico vazia com buracos no fundo; a 3ª parte também é uma garrafa de plástico vazia com buracos no fundo;
7) 5 embrulhos com papel de prata, dentro dos embrulhos continham substâncias com peso cerca de 9,9 g, 16,77 g, 16,87g, 16,79 g e 14 g respectivamente;
8) 1 garrafa de vidro transparente, a garrafa de vidro tinha duas bocas, na boca pequena estava espetada um tubo preto atado com papel de vidro branco, dentro da garrafa de vidro continha um líquido sujo;
9) 1 saco de plástico transparente com bordas azuis e amarelas, contendo 34 novos sacos de embalagem prateados (aproximadamente 11,8cm * 7,7cm);
10) 1 saco plástico transparente contendo 20 novos sacos de embalagem prateados (aproximadamente 17,8 cm * 12,5 cm).
As supracitadas garrafas de plástico brancas transparentes e as garrafas de vidro transparente foram utilizadas pelo 1º arguido como utensilagem para consumir a droga “canábis”; as referidas caixas de papel, mortalhas, caixas metálicas, balanças eletrônicas, cinzeiro, papéis de embrulho, sacos de plásticos e sacos de embalagem foram usados ou podiam ser usados como recipientes para conter a droga “canábis”.
35. Ao mesmo tempo, o pessoal da PJ apreendeu os seguintes objectos pertencentes ao 1º arguido (vide auto de apreensão nas fls. 105 dos autos, cujo teor se dá aqui por integramente reproduzido):
1) 1 telemóvel da marca: XX, modelo: XX, cor: dourado, IMEI: XXXXXXXX, 1 cartão imprimido com "CTM 4G+JOS", SIM nº: XXXXXXXX;
2) 1 telemóvel da marca: XX, modelo: XX, cor: branco, IMEI: XXXXXXXX, 1cartão SIM nº: XXXXXXXX;
3) Três chaves e um sensor azul.
A polícia encontrou nos registos telefónicos, o número de telefone do 2º arguido e a comunicação entre os 4º a 9 arguidos, cujo teor envolvia a ocorrência da venda da droga “canábis” do 1º arguido aos 4º a 9º arguidos (Vide auto de verificação dos registos telefónicos de fls. 109 dos autos, relatório de fls. 521 a 522 e anexo 1). Os dois telemóveis acima mencionados foram usados pelo 1º arguido como instrumento de comunicação e para a prática do crime; as chaves e sensor acima mencionados foram instrumentos utilizados para entrar na fracção do referido edifício industrial e para a prática dos crimes.
36. Em 9 de setembro de 2022, foi realizado teste de urina ao 1º arguido, o resultado demonstra positivo em relação à "cannabis" (controlada na Tabela 1C do artigo 4 da Lei nº 17/2009) (vide fls. 115 dos autos).
37. No dia 13 de setembro de 2022, o pessoal da PJ interceptou o 2º arguido na entrada do [Endereço(1)], Macau, tendo feito a revista ao seu corpo e a apreensão (vide auto de busca e apreensão de fls. 172 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
1. 1 telemóvel azul (marca: XX; IMEI: desconhecido, um cartão SIM imprimidas as letras CTM nº: XXXXXXXX, número de telefone: XXXXXXXX; outro cartão SIM nº: XXXXXXXX, número de telefone: XXXXXXXX).
A polícia encontrou no telemóvel do 1º arguido a existência do número de telefone XXXXXXXX correspondente ao número de telefone de um dos cartões SIM (vide fls. 110 dos autos). O referido telemóvel foi usado pelo 2º arguido como instrumento de comunicação e para a prática do crime;
38. No mesmo dia (13 de setembro de 2022), o pessoal da PJ intercetou a 10ª arguida do [Centro Comercial], Macau, tendo feito a revista ao seu corpo e a apreensão (vide auto de busca e apreensão de fls. 202 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
1. 1 telemóvel de cor de rosa e roxo, marca: XX; número de referência: desconhecido, um cartão SIM da XX, número: XXXXXXXX, número de telefone: XXXXXXXX;
2. Três chaves.
A polícia encontrou na [Aplicação de Rede Social] do telemóvel da 10ª arguida, a existência dos dados de contacto e mensagens de texto do 1º, 2º e 3º arguidos (vide relatório de verificação telefónica de fls. 206 dos autos). O referido telemóvel foi usado pela 10ª arguida como instrumento de comunicação e para a prática do crime;
39. De imediato, o pessoal da PJ levou o 2º arguido e a 10ª arguida à sua residência sita no 3º andar C do [Endereço(1)], Macau para busca domiciliária e a apreensão (vide auto de busca e apreensão nas fls. 175 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
Foi encontrada e apreendida uma bolsa vermelha imprimidas as letras "XX" colocada na prateleira do quarto do 2º arguido e da 10ª arguida, no interior havia um pequeno frasco de metal preto imprimidos os números "XX", dentro do frasco de metal continha o seguinte:
1. 2 cigarros manufacturados e as mortalhas pesavam aproximadamente 0,39g e 0,37g respectivamente;
2. 1 planta embrulhada com envoltório de plástico transparente com peso total incluindo o saco plástico 1,57g.
No guarda-roupa do 2º arguido foram encontrados e apreendidos o seguinte:
3. 1 chapéu preto imprimidas as letras “XX XX”;
4. 1 camisola cinzento-azulada de manga curta imprimidas as letras “XX”;
5. 1 calças cinzentas;
6. 1 sacola de cor preta, branca e cinzenta imprimidas as letras “XX”.
As referidas bolsas, garrafas metálicas, mortalhas e embalagens plásticas eram utilizados ou podiam ser utilizados para colocar a droga “canábis”; as roupas e a sacola acima mencionadas foram as roupas usadas pelo 2º arguido aquando ele entrou na fracção do referido edifício industrial.
40. No mesmo dia (13 de setembro de 2022), o pessoal da PJ interceptou o 3º arguido perto do [Endereço(4)], Macau, tendo feito a revista ao seu corpo e a apreensão (vide auto de busca e apreensão de fls. 211 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
1. 1 telemóvel preto marca: XX; modelo: desconhecido, um cartão SIM imprimidas as letras “CTM4g+” nº: XXXXXXXX.
A polícia encontrou nesse telemóvel a [Aplicação de Rede Social] e número do telemóvel do 1º arguido. O referido telemóvel foi usado pelo 3º arguido como instrumento de comunicação e para a prática do crime; (vide relatório de verificação telefónica de fls. 227 dos autos).
41. De imediato, o pessoal da PJ levou o 3º arguido à sua residência sita no 4º andar S, bl. 2 do [Endereço(4)], Macau para busca domiciliária e apreensão (vide auto de busca e apreensão nas fls. 225 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
1. 1 boné preto imprimido as letras "XX";
2. 1 camisola de manga curta imprimidas as letras “XX” no peito;
3. 1 calças verdes.
As roupas acima mencionadas foram as roupas usadas pelo 3º arguido aquando ele entrou na fracção do referido edifício industrial.
42. Após exame laboratorial, foi confirmado que um saco preto com fragmentos de plantas encontrado em um balde de plástico verde entre o sofá da sala e a prateleira no lado esquerdo da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 153,84g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Um saco preto com fragmentos de plantas encontrado em um balde de plástico verde entre o sofá da sala e a prateleira no lado esquerdo da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 114,7g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As folhas da planta que estavam em uma base de garrafa plástica com líquido, encontrada na “Tenda G” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 3.801g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os vestígios em uma garrafa preta imprimidos os números “XX” encontrada na mesa de jantar da sala da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009 (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os vestígios em um cachimbo castanho imprimidas as letras "XX" ligada a um tubo de vidro e um cachimbo castanho encontrados no sofá da sala da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009 (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os fragmentos de plantas contidos num balde de plástico cor-de-rosa encontrados entre o sofá e a prateleira do lado esquerdo da sala da sala da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 33,86g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os ramos da planta acima mencionados contidos num balde de plástico de cor de rosa encontrados entre o sofá e a prateleira do lado esquerdo da sala da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 41,1g, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009 (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As referidas sete plantas colocadas em sete sacos de pano preto com terra, apreendidas na “Tenda A” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 26.093g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As referidas duas plantas colocadas em dois sacos de pano preto com terra, apreendidas na “Tenda C” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 13.006g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As referidas três plantas colocadas em três sacos de pano preto com terra, apreendidas na “Tenda F” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 115.340g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As referidas seis plantas colocadas em seis sacos de pano preto com terra, apreendidas na “Tenda G” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 38.860g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As folhas da planta que estava colocada em uma base de garrafa plástica com líquido, encontrada na fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 8.353g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As folhas da planta que estava colocada em uma base de esponja encontradas na área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 0,306g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
As referidas quatro plantas colocadas em quatro sacos de pano preto com terra, apreendidas na “Tenda H” da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 47.779 g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os referidos ramos com terra encontrados num caixote de lixo plástico verde da área de plantação da fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, com peso líquido de 103,7g, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009 (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
O referido pó verde contido numa caixa preta apreendida na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, com peso líquido de 10.139 g, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009. Após análise quantitativa, a percentagem da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” era de 2,26%, correspondente a 0,229g (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
A referida caixa de prata com fragmentos de planta apreendida na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, com peso líquido de 5.946g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os vestígios encontrados numa montagem de garrafa plástica branca, apreendida na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009 (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os referidos cinco embrulhos com folhas de prata continham fragmentos de plantas encontrados na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, com peso líquido de 47.360g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os vestígios e líquido contidos num tubo preto espetado na boca da garrafa de vidro transparente encontrados na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, com volume líquido de 55,0 ml, trata-se da substância “Δ-9-tetrahidrocanabinol” controlada na Tabela 2B do artigo 4º da Lei nº 17/2009. (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Os fragmentos de plantas contidos nos dois cigarros manufacturados encontrados no quarto da residência do 3º arguido e da 10ª arguida sita no 3º andar C do [Endereço(1)], Macau, com peso líquido de 0,422g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos);
Um pacote de fragmentos de plantas embrulhados com envoltório de plástico transparente encontrados no quarto da residência do 2º arguido e 10º arguida sita no 3º andar C do [Endereço(1)], Macau, com peso de 1.445g, trata-se da substância "canábis" controlada na Tabela 1C do artigo 4º da Lei nº 17/2009, a amostra examinada não foi encontrada outros componentes, portanto o peso é a quantidade líquida de cannabis (vide auto pericial nas fls. 538 a 556 dos autos).
43. Após exame laboratorial, confirmou-se que o cachimbo de madeira castanha conectada a uma ponta de plástico cinzento e o cachimbo de plástico castanho imprimidas as letras “XX” conectado a um tubo de vidro castanho encontrados na fracção sita no 14º andar do edifício Industrial [Endereço(3)], Macau, arrendada pelo 1º arguido, tem o DNA que provavelmente pertence aos 1º e 2º arguidos (vide exame pericial de fls. 506 a 517 dos autos);
44. Após exame laboratorial, confirmou-se que os vestígios na boca maior da garrafa de vidro transparente encontrada na residência do 1º arguido sita no 17º andar B do [Endereço(2)], Macau, tem o DNA que provavelmente pertence ao 1º arguido (vide exame pericial de fls. 506 a 517 dos autos).
45. O 1º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga acima mencionada, mesmo ainda assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, pelo menos por decisão do 1º arguido, plantou deliberadamente em Macau os referidos estupefacientes e as substâncias psicotrópicas controladas por lei, a fim de atingir o seu objectivo de obter vantagens ilícitas.
Os 2º e 3º arguidos tinham perfeitamente conhecimento da natureza e das características da droga acima mencionada, mesmo assim, livres, voluntários, conscientes e sem permissão, ajudaram o 1º arguido a plantar em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controladas por lei no primeiro suspeito, a fim de atingir o seu objectivo de obter vantagens ilícitas.
46. O 1º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga acima mencionada, mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, dolosamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei, que parte da droga era destinada à venda, oferta ou para serem vendidas aos outros, e a outra parte para consumo pessoal, a fim de atingir o seu objetivo de obter vantagens ilícitas.
47. O 1º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga acima mencionada, mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão possuía e consumia deliberadamente em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei.
48. 1º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga acima mencionada, mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, dolosamente detinha indevidamente os supracitados utensílios com o objectivo de utilizá-las para consumo pessoal.
49. O 2º arguido e 10ª arguida tinham perfeitamente conhecimento da natureza e das características da droga acima oferecida pelo 1º arguido, mesmo assim, livres, voluntários, conscientes e sem permissão, através de decisão conjunta, colaboração e distribuição de tarefas, deliberadamente detinham e consumiam em Macau os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei.
50. O 2º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga oferecida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
51. O 3º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga oferecida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente tinha na posse e consumia em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei.
52. O 4º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
53. O 5º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
54. O 6º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
55. O 7º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
56. O 8º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
57. O 9º arguido tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga vendida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente obteve e tinha na posse em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei para consumo pessoal.
58. A 10ª arguida tinha perfeito conhecimento da natureza e das características da droga oferecida pelo 1º arguido, mas mesmo assim, livre, voluntário, consciente e sem permissão, deliberadamente tinha na posse e consumia em Macau, os referidos estupefacientes e substâncias psicotrópicas controlados por lei.
59. Os 10 arguidos sabiam perfeitamente que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
*
Na audiência foi confirmado ainda:
De acordo com CRC, o 1º arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
► Em 8 de outubro de 2021, no processo nº CR3-21-0173-PCS, o 1º arguido foi condenado a 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de jogo ilícito, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos, com condição de no prazo de três meses pagar contribuição no valor de 20,000 à RAEM como compensação dos danos causados pelo crime. O acórdão foi transitado em julgado em 28 de outubro de 2021.
De acordo com CRC, o 6º arguido é primário, mas tem os seguintes antecedentes criminais:
► Em 13 de junho de 2023, no processo nº CR4-23-0102-PCS, o 6º arguido foi condenado a 3 meses e 15 dias de prisão pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos, com condição de ter que submeter a regime de prova e tratamento de desintoxicação; ao crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento, foi julgado não provado. O acórdão foi transitado em julgado em 3 de julho de 2023. Os fatos relevantes ocorreram em 8 de fevereiro de 2023.
De acordo com CRC, os outros arguidos não têm antecedentes criminais.
Confirmou-se a seguinte situação pessoal e financeira dos dez arguidos:
O 1º arguido declara que tem o ensino secundário complementar completo, auferia o rendimento mensal de MOP12.000, necessitava de sustentar a mãe.
O 2º arguido declara que tem o ensino secundário complementar completo, auferia o rendimento mensal de MOP22.000 e necessitava de sustentar os pais.
O 3º arguido declara que tem o primeiro ano do ensino secundário complementar, auferia o rendimento mensal de aproximadamente MOP6.500, necessita de sustentar os pais.
O 4º arguido declara que tem o ensino primário completo, antes era motorista, desde 2000 ficou desempregado, vive à custa das poupanças, tem de sustentar a mãe.
O 5º arguido declara que tem o ensino secundário complementar completo, aufere o rendimento mensal de MOP15.000, necessita de sustentar o pai e um filho.
O 6º arguido declara que tem 3º ano do ensino secundário elementar, aufere o rendimento mensal de MOP28.000, necessita de sustentar os pais.
O 7º arguido declara que tem 1º ano do ensino secundário elementar, aufere o rendimento mensal de MOP15.000 a MOP16.000, necessita de sustentar a sua esposa.
O 8º arguido declara que o ensino secundário complementar completo aufere o rendimento mensal de MOP18.000, necessita de sustentar a mãe e a esposa.
O 9º arguido declara que tem 2º ano do ensino secundário complementar, aufere o rendimento mensal de MOP15.000, tem um filho para sustentar.
A 10ª arguida declara que tem o ensino universitário, aufere o rendimento mensal de MOP15.000, não necessita de sustentar ninguém”; (cfr., fls. 1016-v a 1027, 1356-v a 1367 e 46 a 77 do Apenso).
Do direito
3. Como se colhe do que se deixou relatado, dois são os recursos trazidos a este Tribunal de Última Instância.
Um, pelo Ministério Público, onde, a final da sua motivação de recurso pede que se “Revogue o acórdão do Tribunal de Segunda Instância na parte relativa à absolvição do 1.º arguido por o acórdão recorrido violar o artigo 29.º n.º 1 do Código Penal, não fazer interpretação correcta dos artigos 7.º, 8.º e 11.º da Lei n.º 17/2009, existindo o vício de erro na aplicação da lei, convole o crime praticado pelo 1.º arguido para um “crime de produção e tráfico de menor gravidade” p. e p. pelo artigo 11.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, e determine uma pena única após o cúmulo jurídico das penas”; (cfr., fls. 1440-v a 1441-v e 141 a 145 do Apenso).
O outro, pelo (1°) arguido A, pedindo, essencialmente, uma redução da pena que lhe foi aplicada; (cfr., fls. 1455 a 1464-v).
Não se afigurando padecer a “decisão da matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base proferida – e integralmente confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância – de qualquer dos “vícios” enunciados no art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do C.P.P.M., sem mais demoras, passemos a apreciar as “questões” trazidas em sede dos recursos atrás referidos.
–– Comecemos, como se apresenta lógico, pelo “recurso do Ministério Público”.
Vejamos.
Pois bem, antes de mais, importa ter presente que o Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou o (1°) arguido A como autor material da prática, em concurso real, de:
- 1 crime de “produção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 7°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão; e,
- 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela Lei n.° 10/2016), na pena de 9 anos de prisão; (fixando, em cúmulo jurídico com a pena de 5 meses de prisão pelo crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, a pena única de 12 anos de prisão).
Considerou – na parte que agora interessa – que a sua conduta integrava ambos os “tipos de crime” de “produção” e de “tráfico”, e, como tal, decretada foi a dita condenação, (em concurso real).
Sobre tal “matéria” (e “questão”) teve o Tribunal de Segunda Instância diverso entendimento, e considerando que aquela (mesma) “conduta” integrava (apenas) “um só crime”, o de “produção ilícita de estupefacientes”, absolveu o dito arguido do crime de “tráfico” pelo qual tinha sido condenado com o Acórdão do Tribunal Judicial de Base.
No seu Acórdão, analisando e ponderando a “matéria de facto provada” e justificando tal decisão, consignou o Tribunal de Segunda Instância o que segue:
“As aludidas condutas preenchem o artigo 7.º, o artigo 8.º ou o artigo 11.º da Lei n.º 17/2009.
Porém, a infracção punida pelo dito artigo 7.º já abrange a infracção punida pelo artigo 8.º (ou artigo 11.º), pelo que, as condutas do recorrente só devem ser punidas pelo artigo 7.º, devendo o recorrente ser absolvido do crime punido pelo artigo 8.º”; (cfr., fls. 1382 e 129 a 130 do Apenso, pág. 79 do Ac. recorrido).
Em sede do presente recurso, (e nos termos que já se deixaram transcritos), pretende o Ministério Público que se revogue a decisão do Tribunal de Segunda Instância para ficar a valer o decidido no Acórdão do Tribunal Judicial de Base, voltando-se a condenar o (1°) arguido A pela prática, (em concurso efectivo), de ambos os crimes de “produção” e de “tráfico”.
Trazida que assim nos é a questão da adequada “qualificação jurídico-penal” da conduta do 1° arguido, (e ainda que muito claramente adiantadas não tenham sido as “razões” para as soluções encontradas), eis o que sobre a mesma se nos apresenta de dizer, adiantando-se, desde já, que da reflexão que se nos foi possível efectuar se nos mostra que, em face da “matéria de facto” nos presente autos dada como provada e do “regime legal” que se lhe mostra aplicável, (mais) adequada se apresenta a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância proferida.
Vejamos, então, o porque deste nosso entendimento; (podendo-se sobre a matéria do “concurso de crimes” ver também o recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 16.11.2023, Proc. n.° 94/2022).
Pois bem, sem se pretender ir muito atrás quanto à evolução do regime jurídico relativamente à repressão dos “crimes relacionados com a droga”, vale a pena recordar, (especialmente), como era a matéria do(s) crime(s) de “produção” e “tráfico” tratada em sede do (anterior) D.L. n.° 5/91/M, (que vigorou antes do “regime” que agora a regula).
Ora, sob a epígrafe “Tráfico e actividades ilícitas”, prescrevia o art. 8° do dito D.L. n.° 5/91/M que:
“1. Quem, sem se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 23.º, substâncias e preparados compreendidos nas tabelas I a III será punido com a pena de prisão maior de 8 a 12 anos e multa de 5 000 a 700 000 patacas.
2. Quem, beneficiando de autorização nos termos do diploma referido no artigo 6.º, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar para que outrem introduza no comércio substâncias e preparados referidos no número anterior, será punido com prisão maior de 12 a 16 anos e multa de 5 500 a 900 000 patacas.
3. Se se tratar de substâncias e preparados compreendidos na tabela IV, a pena será a de prisão de 1 a 2 anos e multa de 2 000 a 225 000 patacas”.
Ora, como se vê, num mesmo preceito legal – o transcrito art. 8° – previa-se, e punia-se, tanto a “produção” como o “tráfico ilícito de estupefacientes”, óbvio sendo que a prática de qualquer acto com tais “actividades” relacionado levava à condenação do agente pelo crime em questão, (defensável não se apresentando de considerar que com a aplicação do referido art. 8° do D.L. n.° 5/91/M se pudesse dar como verificada a prática, em concurso real, de 1 crime de “produção” e 1 outro de “tráfico ilícito de estupefacientes”, no caso de a conduta do agente em questão integrar ambos os actos de “produção” e de “tráfico ilícito de estupefacientes” aí tipificados).
Isto dito, continuemos.
Na “nota justificativa” da “Proposta de Lei da «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas»” então apresentada à Assembleia Legislativa, e sobre a matéria em apreciação, fez-se constar o que segue:
“A droga é uma questão permanente e complexa da sociedade actual que causa a desagregação de muitas famílias, afecta o desenvolvimento saudável dos jovens e resulta consequências pessoais e sociais devastadoras, pois esta para além de prejudicar a saúde física das pessoas e ser um veículo de transmissão de doenças, origina também a ocorrência de outros actos criminosos, provocando o aparecimento de diversos factores instáveis no seio da sociedade. Simultaneamente, verifica-se actualmente que o número de actividades de droga em Macau têm uma tendência para a subida, o que leva a que a sociedade em geral fique extremamente preocupada, pelo que, para se combater rigorosamente este tipo de actividades, há, de facto, necessidade de se agravar as penas e reforçar os meios de investigação e de recolha de provas, a fim de poder prevenir e reprimir, com eficácia, a propagação dos crimes de droga.
A produção, o tráfico e o consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas constituem um flagelo global. Face a esta questão grave, em Macau, em 1991, o Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro, regulou esta matéria, tendo este regime entrado em vigor há 17 anos. Para o adequar à realidade social actual, há necessidade de efectuar uma profunda revisão.
O referido diploma vigente foi publicado e entrou em vigor antes da publicação dos novos Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 58/95/M, de 14 de Novembro, e Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 48/96/M, de 2 de Setembro, era necessário uma profunda revisão que permitisse a sua compatibilização com a terminologia e os novos princípios enformadores utilizados nos dois referidos Códigos.
(…)
Em primeiro, a Proposta de Lei sugere a autonomização da punição das condutas de produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas da punição das condutas de tráfico ilícito daqueles produtos e substâncias. Além disso, devido à facilidade de obtenção e disponibilidade de equipamento, materiais e substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas no mercado corrente, que tem conduzido ao aumento do fabrico clandestino de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, sugere-se, na Proposta de Lei, a criminalização do acto de produção ou detenção de equipamentos, materiais ou substâncias na produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, quando o agente souber que esta produção é ilícita (artigo 7.°), constituindo obrigação resultante da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas. Para além de se terem edificado esses três tipos de crimes, foram estabelecidas circunstâncias agravantes e atenuantes, que integraram alguns dos crimes que eram tipificados autonomamente no Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro (ex: o crime de tráfico de quantidades diminutas).
Em segundo, sugere-se, na Proposta de lei, a agravação das penas para determinados crimes, a saber:
(…)
Simultaneamente, devido a que a política criminal deve orientar-se no sentido de reforçar o combate aos crimes de produção e de tráfico ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, a Proposta de Lei sugere que sejam reforçados os meios de investigação criminal para fazer face a uma criminalidade cuja complexidade e organização é mais globalizada.
(…)”.
Aquando da apreciação para aprovação da dita proposta de Lei – que veio a dar corpo à actual Lei n.° 17/2009 – (e sobre a mesma matéria), entendeu-se também o que segue:
“(…)
Os 18 anos de vigência do Decreto-Lei n.° 5/91/M, de 28 de Janeiro, traduziram-se numa grande estabilidade das suas normas jurídicas e deram origem a um corpo importante de decisões judiciais.
Este aspecto deve ser devidamente pesado na medida em que o argumento em que a lei se traduz deve ser de quilate suficiente a durar no tempo.
O Proponente, e bem, desenhou a presente Proposta de Lei num esforço para afinar as normas jurídicas que desde 1991 estabelecem a política criminal associada a esta matéria. Isto é não se fez tábua rasa da lei de 1991. Antes tentou-se fazer operar a sua evolução.
A presente Proposta de Lei corresponde a uma intenção política que gerou um consenso: a política criminal dirigida a prevenir e a reprimir a produção, o tráfico e o consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas tem que ser revista de modo a dotar a Região de um conjunto de normas jurídicas nas quais a comunidade se reveja e que consiga responder aos nossos problemas específicos.
A presente Proposta de Lei pretende assim proceder a uma actualização política e técnica quer dos fundamentos de política legislativa quer das normas que em concreto os traduzem.
(…)
Entre o Decreto-Lei n.° 5/91/M e a Proposta de Lei que agora se analisa há salto evolutivo e, julga-se, afinamento da resposta legislativa a uma das matérias com mais impacto na vida social. Esta foi sem dúvida uma preocupação constante em todo o exame na especialidade: produzir uma lei mais apta.
Regista-se evolução e aperfeiçoamento em aspectos técnicos que se prendem com a construção dos tipos penais – entre outros, a separação entre a produção (artigo 7.°) e o tráfico (artigo 8.°), a consagração do artigo 9.° (Precursores) que introduz uma importante directriz do direito internacional, o novo tratamento normativo emprestado às situações de consumo onde a preocupação com o tratamento e recuperação dos toxicodependentes são um traço do carácter humanista do nosso direito penal e a consagração de um tipo sintético para as situações de produção e tráfico de menor gravidade.
(…)”.
E, em sede da “apreciação na especialidade” e, mais concretamente, relativamente ao art. 7°, com a epígrafe “Produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, consignou-se ainda no mesmo Parecer da Assembleia Legislativa n.° 4/III/2009 que:
“É uma das inovações da presente Proposta de Lei. Separa-se em dois tipos penais autónomos a produção e o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas (artigo 8.°) ganhando-se clareza na definição dos tipos penais. Em sede de exame na especialidade, como já se fez supra referência, ajustaram-se, reduzindo, as molduras penais fixadas no n.° 2 (redução em 2 anos do limite máximo da pena de prisão) e nas alíneas 1) (redução em 1 ano no limite mínimo e 3 anos no limite máximo da pena de prisão e 2) (redução em 1 ano no limite mínimo e 2 anos no limite máximo da pena de prisão e 2) do n.° 3 deste artigo porque entenderam a Comissão e o Governo que razões que se prendem quer com o limite da eficácia preventiva e repressiva que resulta do eventual aumento das penas quer com a necessidade de evitar um desequilíbrio no sistema de penas vigente entre nós aconselhariam a uma agravação das penas mais prudente.
(…)”.
Ora, (cremos nós), que foi pois com base nestas (algo breves) “considerações” que se deixaram transcritas, (pois que não se conhecem outras), que se acabou por incluir no dito diploma legal dois preceitos, autónomos, sobre a matéria da “produção” e “tráfico ilícito de estupefacientes”.
O primeiro, com a epígrafe “Produção ilícita de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, com a seguinte redacção:
Art. 7°
“1. Quem, sem se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair ou preparar plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo 14.º, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 6 a 16 anos.
3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
1) De 1 a 5 anos, no caso do n.º 1;
2) De 2 a 8 anos, no caso do n.º 2”.
O segundo, sob a epígrafe “Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, nele se preceituando que:
Art. 8°
“1. Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 6 a 16 anos.
3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
1) De 1 a 5 anos, no caso do n.º 1;
2) De 2 a 8 anos, no caso do n.º 2.”.
E, ponderando no que até aqui se deixou exposto, e não obstante dúvidas não haver que consagrados (agora) estão “dois tipos de crime” (distintos), cremos que a referida “alteração da previsão normativa” (relativamente à antes contida no art. 8° do D.L. n.° 5/91/M), não implica, (ou deve implicar), numa “situação como a dos presentes autos” – em que um (mesmo) arguido pratica “actos de «produção ilícita de estupefacientes» e do seu (posterior) «tráfico»” – uma conclusão no sentido de se dever (também) autonomizar, (ou separar), a (supra) descrita “conduta” para efeitos punitivos, dando-se relevância criminal individual aos actos de “produção” e de “tráfico” pelo (mesmo) arguido (respectivamente) praticados, e, desta forma, proceder-se à qualificação jurídico-penal da sua conduta como a prática de ambos os crimes em “concurso real”.
Importa, antes de mais, (e quiçá, principalmente), atentar que os referidos “actos de produção” e de “tráfico ilícito de estupefacientes” são praticados por um – só e mesmo – agente, em “simultâneo”, e de forma “contínua”.
E embora se mostre de considerar que os actos relativos ao “tráfico”, sejam, por assim dizer, “sucessivos”, (posteriores), aos de “produção”, (pois que o arguido traficava o que antes produzia), afigura-se-nos que, numa situação como a dos autos, (em que o agente que os leva a cabo é o mesmo), encontram-se ambos aqueles numa “relação de dependência” que, em nosso entender, os torna “interligados”, adequado não parecendo, (como se referiu), que aos mesmos se atribua “relevância criminal autónoma e individual” para efeitos de se considerar que em causa está a prática em concurso real pelo mesmo arguido de dois tipos de crimes: um de “produção”, e um outro de “tráfico ilícito de estupefacientes”.
Aliás, colhe-se (também) da própria matéria de facto nos presentes autos dada como provada que o “projecto (criminoso) do arguido”, integrava, desde o início, “toda a actividade relacionada com a produção do estupefaciente para o seu posterior consumo e tráfico”, devendo, também assim, nestes exactos termos, ser aferido para efeitos do seu “enquadramento jurídico-criminal”.
Não se olvida que no que toca ao “concurso de crimes” preceitua o art. 29° do C.P.M. que:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
E, assim, numa primeira aproximação, dir-se-ia que tudo indicaria que o “número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos”, pelo que, dando-se o caso de o arguido praticar “actos típicos de dois tipos de crime”, (do crime de “produção ilícita de estupefacientes” e do crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”), estar-se-ia perante um “concurso real de infracções”.
Este raciocínio, seria, até, (à primeira vista), reforçado por uma “interpretação histórica”, pois que como se viu, ao abrigo do (antes vigente) art. 8° do D.L. n.° 5/91/M, tanto a “produção” como o “tráfico de estupefacientes” eram punidos ao abrigo da mesma disposição penal, tendo-se, operado, com a Lei n.° 17/2009, a atrás referida “separação” entre a “produção”, (art. 7°), e o “tráfico”; (art. 8°).
No entanto, o que muitas vezes se apresenta claro em termos de simples dedução lógica, acaba por oferecer (algumas) dificuldades quando se avança para a um exame mais aturado do caso concreto e das normas legais que lhe são aplicáveis, sem se perder, igualmente de vista, o resultado de uma apreciação da “natureza” dos crimes (aqui) em apreço.
Em primeiro lugar, não se pode olvidar que, conforme se aponta em Acórdão do S.T.J. de Portugal de 25.05.2016, (Proc. n.° 610/11):
“A matéria de concurso de crimes não é tratada no artigo 30.º do Código Penal, de forma abrangente e esgotante, na medida em que as soluções indicadas no preceito se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes, tratando-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência caberá em última análise, encontrar soluções adequadas, tendo em vista a multiplicidade de casos e situações que se prefiguram e que ocorrem na vida real (assim acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-01-2006, processo n.º 3671/03-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 159, que aborda a temática da distinção entre crime continuado e crime único, num caso de falsificação de três cheques para aquisição de produtos alimentares em hipermercado).
Aliás, note-se que de acordo com a epígrafe do artigo 30.º, inserto no capítulo relativo a “Formas do crime” – cfr. Capítulo II do Título II – na perspectiva de unidade/pluralidade de infracções, só haveria lugar ao concurso de crimes e ao crime continuado, não albergando o preceito, por exemplo, as hipóteses de crime único, que o Código Penal de 1886 previa no § único do artigo 421.º para o crime de furto.
(…)
Há outras figuras de lesividade múltipla ou repetida de bens jurídicos com tutela jurídico-criminal, que se não contêm na dicotomia prevista no artigo 30.º - “Concurso de crimes e crime continuado”.
Isto é, para além do concurso de crimes, a punir nos termos dos artigos 77.º e 78.º, e do crime continuado, a punir de acordo com o artigo 79.º do Código Penal, há toda uma gama de situações da vida real a demandar uma específica regulamentação.
Estabelecendo um critério, assumidamente distintivo, o artigo 30.º contém a indicação de um princípio geral de solução da problemática do concurso de crimes, sendo também uma base de trabalho, a partir da qual há que olhar outras dimensões de violações de bens jurídicos, que ficam de fora, não estando abrangidos outros casos e situações que ocorrem no dia a dia, apresentando dificuldades de integração por exemplo as hipóteses de crimes culposos emergentes de acidentes de viação, sabido que o critério vale fundamentalmente para os crimes dolosos e mesmo nestes o critério não esgota todas as formas, todos os modos de execução do tipo legal”.
Uma dessas situações é a que resulta dos “crimes exauridos” ou “crimes de trato sucessivo”, (conforme têm sido designados pela jurisprudência e pela doutrina), sendo o crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” o exemplo por excelência destes “crimes de empreendimento”.
Com efeito, o crime de trato sucessivo foi inicialmente pensado pela jurisprudência de direito penal, tendo em vista, precisamente, explicar e solucionar adequadamente as situações geradas pelo crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, designadamente, como nota Helena Moniz, para aqueles “casos em que se possa afirmar a existência de uma unidade de resolução criminosa, uma “unidade resolutiva” (pretendendo com esta expressão, em detrimento daquela outra “unidade de resolução”, acentuar a existência de uma pluralidade de resoluções) e uma conexão temporal entre os actos realizados”; (in “Crime de Trato Sucessivo”, Revista Julgar Online, Abril de 2018, pág. 3).
Também este Tribunal de Última Instância, no seu Acórdão de 23.07.2021, (Proc. n.° 67/2021), já considerou que o crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8° da Lei n.° 17/2009 deve ser configurado como um crime de “trato sucessivo”, afirmando-se, nomeadamente, que:
“Na verdade, não se pode também olvidar que o crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” é um crime apelidado de “trato sucessivo”, (podendo por isso ser considerado um crime “naturalmente continuado”), onde se pondera, não só as porções de droga que em dado momento se apuram, sendo de se ter (antes) em conta (toda) a quantidade traficada durante determinado período de tempo; (cfr., v.g., Helena Moniz in, “Crime de Trato Sucessivo”, Revista Julgar, 2018, podendo-se, também, no mesmo sentido, cfr., os Acs. do T.S.I. de 08.06.2000, Proc. n.° 93/2000, de 15.03.2001, Proc. n.° 200/2000, de 06.03.2003, Proc. n.° 27/2003 e de 12.06.2003, Proc. n.° 107/2003)”.
Aqui chegados, cabe notar que o recurso à figura do “crime de trato sucessivo” para o englobamento e punição como um único crime, das condutas típicas que se desdobram pelos art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009, (de “produção” e “tráfico de estupefacientes”), poderia sofrer a seguinte objecção: se o “crime de trato sucessivo” foi pensado para lidar com uma pluralidade de actos ou realizações típicas desenvolvidas sob a mesma “unidade resolutiva” e no âmbito de “um único tipo de ilícito”, como efectuar tal enquadramento jurídico-penal quando em causa esteja factualidade típica que se desdobra por “dois tipos penais distintos”, (no caso, os art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009)?
Ora, sem prejuízo do respeito por melhor opinião, a aludida “objecção” não parece que deva proceder.
É certo, (reconhece-se), que na maior parte das situações estarão em causa factos típicos que se inserem no “mesmo tipo de ilícito”, (ou melhor, “num único tipo de crime”, (ainda que abrangendo, na sua redacção, diferentes actos típicos).
Porém, nada obsta a que os “tipos de ilícito” possam ser diferentes, desde que protejam – essencialmente – o mesmo “bem jurídico”, ou um “bem jurídico semelhante”; (nesse sentido, veja-se o Ac. do S.T.J. de Portugal de 06.04.2016, Proc. n.° 19/15: “O que, eventualmente, se exigirá
para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma”).
Ora bem, em nossa modesta opinião, afigura-se-nos inegável que os crimes previstos nos art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009 protegem, essencialmente, o “mesmo bem jurídico”, (ou no limite, um “bem jurídico semelhante”, mais adiante se voltando a este “aspecto”).
E tanto assim é que o art. 11° da mesma Lei, tendo como epígrafe “Produção e tráfico de menor gravidade”, engloba, numa única norma punitiva, (desde que a ilicitude se mostre consideravelmente diminuída), as (duas) condutas tipificadas nas ditas normas legais dos art°s 7° e 8°, o que, em nossa opinião, demonstra, (com suficiente clareza), que a Lei n.° 17/2009 não nega a “íntima conexão” entre os (vários) actos típicos previstos nestes dois preceitos, nem tão pouco exclui que os mesmos se possam encontrar numa relação de “natural dependência e continuidade”; (nota-se, também, que a mesma “situação” ocorre com o comando legal do art. 14°, onde se prevêem, expressamente, actos típicos que se desdobram pelos art°s 7° e 8° do mesmo diploma, punindo-se o consumidor que “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, (…)”).
Porém, não se olvida igualmente que poder-se-ia ainda fazer uma segunda objecção.
Com efeito, dir-se-ia então que mal teria andado o legislador quando, pretendendo uma “evolução” e “aperfeiçoamento” da construção dos tipos penais dos art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009, acabou por criar uma “separação” apenas “aparente” entre aquelas normas, sem efeitos e utilidade concreta ou prática, e que tão só dá lugar a dúvidas e dificuldades de interpretação e aplicação que poderiam (e deveriam) ser evitadas com a previsão de “um único tipo penal”, como aquele que já resultava do art. 8° do antes vigente D.L. n.° 5/91/M.
Ressalvado o muito devido respeito, somos de opinião que também esta objecção não parece pertinente, (desde logo porque a interpretação sufragada não corresponde a uma “opinião crítica” da opção legislativa contida na Lei n.° 17/2009, constituindo, antes, e pelo contrário, uma leitura que vai de acordo ao seu espírito, como se passa a tentar demonstrar).
Pois bem, em primeiro lugar, cabe salientar que nada obsta a que haja uma “relação de concurso real de infracções” pela realização dos actos típicos previstos nos art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009.
O que para tal situação releva, é que tal “actividade” não seja levada a cabo no âmbito de uma “unidade resolutiva”, nem que tais actos tenham uma “conexão temporal”.
Por sua vez, (e em segundo lugar, quiçá, mais relevante ainda), não se pode perder de vista que um “produtor” é, necessariamente, uma de duas coisas: ou um “consumidor”, (situação acautelada pelo art. 14°), ou um “traficante”, (havendo aqui que se excluir a hipótese que só se pode conceber por absurdo, e que é a do produtor que o faz unicamente por “recreação”, sem intenção de traficar ou consumir).
Ora bem, se bem ajuizamos, e tanto quanto nos é permitido alcançar da Lei n.° 17/2009, cremos que o legislador efectuou a separação da “produção” do “tráfico” porque pretendeu que sobre este crime de “produção” pudesse incidir um “juízo” valorativo e censório, próprio e autónomo, (daí até que na versão original da Lei, o limite mínimo da pena era superior no crime de “produção”), o que se apresenta de compreender, na medida em que o “produtor”, não deixa de constituir a (verdadeira) “origem” de tantos males causados e sobejamente conhecidos…
E, assim, em face das razões expostas, afigura-se-nos que, com excepção das situações em que não exista “unidade resolutiva” e “conexão temporal” entre os actos típicos levados a cabo, adequado será considerar que os crimes previstos nos art°s 7° e 8° da Lei n.° 17/2009, encontram-se numa relação de “concurso aparente”, devendo, antes, operar o conceito de “crime de trato sucessivo”; (sobre a matéria, cfr., com interesse, o Ac. do S.T.J. de Portugal de 25.10.2017, Proc. n.° 3/12, onde sobre a “unidade resolutiva” e “conexão temporal” se considerou nomeadamente que: “A unificação de uma conduta criminosa no quadro de um
crime de trato sucessivo tem subjacente a sua reiteração, durante um determinado período de tempo. A figura do crime de trato sucessivo permite unificar num só crime uma pluralidade de actuações, sendo certo que a prática de apenas uma delas seria suficiente para que o crime se consumasse. A unificação dos comportamentos similares através da sua aglutinação à volta de um determinado bem jurídico tem subjacente a concretização de um só desígnio, a existência de um único processo deliberativo que vai desembocar numa decisão operativa (…) É, pois, essa unidade de resolução, a par das demais indicadas, que constitui a razão de ser da unificação dos actos sucessivos num só crime. O dolo do agente abarca ab initio uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe logo a praticar, para tanto preparando, se necessário, as condições de realização. Estando-se sempre no plano da unidade criminosa, há por isso um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas. É essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e a sua proximidade temporal, que configura o trato sucessivo. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-01-2016 (Proc. n.º 414/12.3TAMCN.S1 – 3.ª Secção), relatado pelo agora relator, no que diz respeito à figura do crime de trato sucessivo (também denominada por crime habitual), embora a mesma não se encontre expressamente prevista na lei, a doutrina tem-lhe vindo a fazer referência, cumprindo convocar, desde logo, o entendimento LOBO MOUTINHO que a define como o crime «em que a consumação se não dá mediante a prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que distingue o crime habitual do crime contínuo». Assim, o ponto central da definição de tal categoria é, para o citado autor, a noção de actos reiterados, sendo que são actos reiterados «(…) a pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não se “reiteram”». Porém, e uma vez que a reiteração e a homogeneidade também são elementos essenciais na densificação de outras categorias de crimes (como, por exemplo, o crime continuado), ainda segundo LOBO MOUTINHO, «para alcançar o sentido e alcance do protraimento da consumação mediante actos reiterados, torna-se necessário ter presente a evidente necessidade da sua delimitação de forma a não esvaziar de conteúdo as referidas figuras. Assim, em face dos dados legislativos e, muito particularmente, da clara generalidade das figuras da continuação criminosa, do concurso homogéneo de crimes e da tendência criminosa, impõe-se a conclusão de que apenas se pode admitir uma “consumação por actos reiterados” (um crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime». No acórdão deste Supremo Tribunal de 06-04-2016, proferido no processo n.º 19/15.7JAPDL.S1 – 3.ª Secção, a temática do crime de trato sucessivo é apreciada em termos que importa aqui dar nota. Lê-se nesse acórdão: «O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma “unidade resolutiva”, realidade que se não deve confundir com “uma única resolução”, pois que, “para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação” (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma. A propósito desta faceta no crime de tráfico de droga, diz-se no Ac. do STJ de 12-07-2006, proc. 1709/06-3ª, que “o crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto, e em que a imputação dos actos múltiplos e sequentes é imputada a uma realização única. Mas a incidência do tempo naquela unicidade não pode deixar de se tomar em apreço, e até comprometê-la mesmo, se decorrer um largo hiato de tempo entre as múltiplas condutas; não já se interceder um momento volitivo a despoletá-las todas, que aglutine as primeiras e subsequentes, ainda dentro daquela volição, hipótese que exclui o concurso real de infracções, nos termos do art.º 30.º, n.º 1, do CP”»”).
Ora, como se referiu e deixou adiantado, ponderando a matéria de facto dada como provada na situação dos presentes autos, afigura-se-nos haver uma clara e efectiva uma “conexão temporal” e “unidade resolutiva” na actividade levada a cabo pelo (1°) arguido A.
Com efeito, da dita matéria de facto resulta, com bastante clareza, que o mesmo começou a plantar “canábis” a partir de Junho de 2021, e que, como resultado de tal cultivo, entre Dezembro de 2021 e Setembro de 2022, passou a deter, guardando parte dela para seu consumo pessoal, e a ceder e vender a terceiros; (cfr., pontos 1° a 13° dos factos, que são posteriormente desenvolvidos no restante acervo factual).
Por sua vez, e como, igualmente, atrás já se referiu, (não sendo menos relevante), não se pode pois perder de vista que ambos os tipos de crimes em questão tutelam o “mesmo, ou semelhante, bem jurídico”, ou seja, a “saúde do público em geral”; (sobre a questão, cfr., o cit. Ac. de 16.11.2023, Proc. n.° 94/2022).
Admite-se que se possa dizer que aquando da sua “produção”, o estupefaciente (ainda) não tem (ou tinha) qualquer destinatário certo e definido, e que, in casu, (para além da referida “produção”), cometeu o arguido actos concretos de “tráfico” com destinatários certos e identificados (nos autos), sempre se podendo considerar assim que, colocou, portanto, especificamente em causa, a saúde destes mesmos destinatários.
Porém, cremos que tal “circunstância” não deve levar a uma alteração do entendimento que se nos mostra de assumir.
Em causa está, como se sabe, um “crime de perigo abstracto”; (vd. o citado Ac. de 16.11.2023).
E, em face desta “natureza”, adequado não parece que se possa, (ou deva), justificar um “concurso real de crimes” com base na (simples “circunstância” da mera) possibilidade de identificação dos destinatários dos (concretos) actos de “tráfico” (praticados), pois que tal, em nada altera a referida “natureza” e “bem jurídico” protegido com o crime em questão.
A ser assim, (e, quiçá, entrando-se certamente em algum excesso ou exagero), defensável seria também a “autonomização” dos diversos “actos de tráfico” (concretamente) praticados, com o consequente entendimento que deveria o arguido responder, (matematicamente), pelo seu “respectivo número”.
E, como cremos que em face do que se deixou consignado se apresenta pacífico e adquirido, tal não se mostra como a solução que se tem como justa e adequada, (não sendo também a que tem sido a adoptada ainda que tão só relativamente ao crime de “tráfico”).
Assim, e numa situação como a dos autos, em que em causa está a “concretização”, pelo mesmo arguido, de um “projecto criminoso” que, desde o início, incluía toda a actividade relacionada com a “produção de estupefaciente para o seu posterior consumo e tráfico”, cremos pois que censura não merece o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que, em face da concreta matéria de facto dada como provada, (e, no caso, afigurando-se-nos também que a “dimensão” da “produção” excede o concreto “tráfico”), enquadrou a conduta do (1°) arguido A nos termos atrás já relatados, não se mostrando assim de, nesta parte, conceder provimento ao recurso pelo Ministério Público interposto.
*
–– Coloca ainda o Exmo. Magistrado recorrente a questão de saber em que termos deve a actuação do (1°) arguido A ser punida, considerando que, concretamente, apenas se apreendeu canábis no total de 1,867 gramas, o que corresponde a menos de duas doses diárias.
Ora, ressalvando o devido respeito por melhor opinião, torna-se evidente a sua falta de razão, visto até que, por um lado, pugna pela punição do (1°) arguido A pela prática, em “concurso real”, de dois crimes distintos – um pela “produção”, e outro pelo “tráfico”, na lógica indicada de separação e autonomia de dois tipos de crime – e, depois, conclui que, afinal, e pelo menos, relativamente ao “tráfico”, deve ser aplicado o previsto e punido no art. 11°, onde, como já se referiu, se prevê a (pena para a) “Produção e Tráfico de menor gravidade”.
Por sua vez, e seja como for, não se pode olvidar e deixar de atentar no “período de tempo” em que o arguido levou a cabo a “actividade” em questão – assim como a sua “dimensão”, pois que de renda mensal pelo espaço para tal fim pagava MOP$15.000,00, tendo instalado equipamento variado, com várias tendas e luzes – e que, como provado efectivamente está, por “diversas vezes”, cedeu e vendeu aos restantes 2° a 10ª arguidos, estupefaciente, o que, em nossa opinião, demonstra, de forma clara e cabal, a inviabilidade da pretensão deduzida.
–– Do recurso do (1°) arguido A.
Aqui, bate-se o recorrente por uma “redução da pena”.
Porém, e como em face do que já se deixou exposto se nos mostra também bastante evidente, sem nenhuma razão.
Diz, em essência, que “confessou os factos”, e que tal “confissão” não foi devidamente valorada.
Ora, como (sem esforço) se impõe concluir, muito não se mostra necessário dizer para se demonstrar que nenhuma razão tem o arguido ora recorrente.
Vejamos.
Como se viu, foi o mesmo condenado pela prática de 1 crime de “produção ilícita de estupefacientes”, na pena de 9 anos de prisão.
E, como se colhe da matéria de facto dada como provada, foi o arguido ora recorrente, “surpreendido em flagrante”, o que, como temos vindo a entender, (e independentemente do demais), implica a conclusão de que pouco valor atenuativo tem a alegada “confissão”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 31.10.2018, Proc. n.° 71/2018, de 19.06.2019, Proc. n.° 49/2019 e de 23.06.2021, Proc. n.° 84/2021), que, no caso, nem sequer foi “integral e sem reservas”.
Por sua vez, e como igualmente resulta da factualidade provada que se deixou retratada, não se pode olvidar que em 08.10.2021, foi o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de 1 crime de “jogo ilícito” no âmbito do Proc. n.° CR3-21-0173-PCS, a 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, com a condição de, no prazo de 3 meses, pagar contribuição no valor de MOP$20.000,00 à R.A.E.M. como compensação dos danos causados pelo crime, e que esta decisão condenatória transitou em julgado em 28.10.2021.
Ora, em face do que se deixou consignado, atento o “momento” da prática do crime dos autos, (em pleno período de “suspensão da execução” da dita pena), ponderando também o “período de tempo” da sua duração, e tendo-se presente a moldura penal aplicável, (5 a 15 anos de prisão), visto está que, atento o prescrito no art. 40° e 65° do C.P.M., nenhum motivo existe para qualquer redução da pena concreta aplicada.
Nesta conformidade, e apresentando-se-nos que se emitiu pronúncia sobre todas as questões trazidas à apreciação deste Tribunal de Última Instância, resta decidir como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos do Ministério Público e do (1°) arguido A, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.
Pagará o (1°) arguido A a taxa de justiça de 10 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Maio de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 107/2023 Pág. 20
Proc. 107/2023 Pág. 21