Processo nº 39/2024
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), com os restantes sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS de 19.01.2023 que indeferiu o pedido de renovação da sua autorização de residência na R.A.E.M.; (cfr., fls. 2 a 61 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, por Acórdão de 13.12.2023, (Proc. n.° 229/2023), foi o recurso julgado procedente, anulando-se o acto administrativo recorrido; (cfr., fls. 348 a 365).
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Do assim decidido, traz agora a entidade administrativa então recorrida o presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido; (cfr., fls. 378 a 383).
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Após contra-alegações do agora recorrido a pedir a improcedência do recurso, (cfr., fls. 385 a 405), e remetidos os autos a esta Instância, foram os mesmos com vista ao Exmo. Representante do Ministério Público que em douto Parecer considera que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 418 a 421-v).
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Corridos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à conferência.
Nada obstando, passa-se a apreciar e decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:
“Parecer do Secretário para a Economia e Finanças
No uso das competências conferidas pela Ordem Administrativa n.º 3/2020, concordo com a análise da presente Proposta e, nos termos do disposto nos art.º 17.º, n.º 1, al. 1), art.º 18.º, n.º 1 e art.º 19.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefiro o pedido da renovação da autorização de residência para o requerente.
Secretário para a Economia e Finanças
(ass.: vide o original)
Lei Wai Nong
19 de Janeiro de 2023
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Assunto: apreciação do pedido da autorização de residência temporária
Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência:
1. A identificação dos interessados é a seguir:
N.º
Nome
Relação
Documento de identificação e número
Data de validade do documento de identificação
A autorização de residência temporária até
1
A (甲)
Requerente
Passaporte da China n.º XXXXXXXX
2026/09/13
2017/01/09
2. Em 21 de Janeiro de 2013, o requerente apresentou um pedido da autorização de residência temporária do titular do projecto de investimento relevante, com base na detenção de 24% das acções da “[Empresa]”, cujos fundamentos do pedido são os seguintes:
Firma: [Empresa]
Capital social registado: MOP100.000,00
Proporção das acções: 24%, equivalente a MOP24.000,00
Objecto social: o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira
Local de operação: [Endereço], 5º andar H, em Macau (arrendamento)
Local de construção: [Rua(1)], S/N, n.ºs 25, 27, 29, 31, 33 e 35, em Macau (adquisição)
Número policial e descrição:(1) S/N: 3372, 3373; (2)N.º 25:3374, (3) N.º 27: 3375; (4) N.º 29:3376; (5) N.º 31: 3377; (6) N.º 33:3378; (7) N.º 35: 3379
3. De acordo com o respectivo projecto de investimento, a companhia adquiriu vários lotes da [Rua(1)] em Macau, para desenvolver e construir um hotel de duas estrelas, e pretendeu investir MOP121.160.000,00 em 2013 e 2014 para construir este empreendimento e contratar 68 trabalhadores locais para operação. Após a realização da análise complexa, era considerado que o projecto de investimento do requerente podia ser considerado relevante e iria contribuir para o desenvolvimento da indústria do turismo e do mercado laboral de Macau, por isso, foi proposto que desse consideração positivo ao pedido. Em seguida, foi concedida em 30 de Janeiro de 2014 ao requerente a autorização de residência temporária com a validade de 18 meses (vide os documentos de fls. 282 a 286).
4. Em 20 de Outubro de 2015, o requerente apresentou a este Instituto o 1.º requerimento da renovação da autorização de residente temporária (requerimento n.º 0029/2013/01R). Após a análise dos documentos comprovativos do investimento apresentados pelo requerente, verifica-se que o requerente ainda detém 24% das acções da [Empresa], considerando que a situação jurídica é consistente com as condições relevantes consideradas aquando da concessão da autorização de residência temporária, e que cumpriu os deveres de declaração e pagamento dos impostos relevantes, mas, tendo em vista que o projecto do empreendimento de construção do hotel ainda não foi implementado, propôs-se que o requerimento da renovação do requerente fosse autorizado pelo fundamento do projecto de investimento, e em 16 de Dezembro de 2015, foi lhe concedida a renovação da autorização de residência temporária com a validade de 18 meses.
5. Em 17 de Novembro de 2016, o requerente apresentou a este Instituto o presente pedido da renovação da autorização de residência temporária. Para os efeitos da renovação, o requerente apresentou a este Instituto os documentos comprovativos de tal projecto de investimento, cujos elementos são os seguintes (vide os documentos de fls. 9 a 82):
Firma: [Empresa]
Capital social registado: MOP100.000,00
Proporção das acções: 24%, equivalente a MOP24.000,00
Objecto social: o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira
Local de operação:
(1) [Endereço], 5º andar H, em Macau (arrendamento)
(2) [Rua(1)], S/N, n.ºs 25, 27, 29, 31, 33 e 35, em Macau (adquisição)
6. Uma vez que os documentos apresentados pelo requerente não demonstram o andamento da implementação de tal investimento, através do ofício n.º 02553/GJFR/2017, este Instituto informou em 6 de Abril de 2017 o requerente da apresentação complementar de documentos comprovativos para evidenciar tal investimento já implementado em Macau (vide o documento de fls. 85).
7. Em 26 de Abril de 2017, o requerente apresentou um série de documentos das situações operacionais, e também apresentou em 27 de Junho de 2017 uma declaração, esclarecendo que, devido aos factores externos, o prazo de construção foi atrasado, mas, esta Companhia iria intensificar o andamento do desenvolvimento deste projecto, o trabalho de cobertura foi concluído em 19 de Junho de 2017, e o hotel estava previsto para entrar em operação no terceiro trimestre do ano 2018, bem como apresentou o livro de obra como documento comprovativo (vide o documento de fls. 30).
8. Para acompanhar a implementação deste empreendimento, através do ofício n.º 00641/DJFR/2018, este Instituto informou em 30 de Janeiro de 2018 o requerente da apresentação complementar dos seguintes documentos (vide o documento de fls. 88 a 89):
(1) Relatório do Contador / Auditor do ano 2017;
(2) Última Declaração do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo B (modelo M/1) (cópia);
(3) Mapas-guias de pagamento das contribuições do Fundo de Segurança Social desde 1.º trimestre de 2017 até último trimestre (cópia);
(4) Último imposto profissional – Relação Nominal – Empregos / Assalariados do Grupo 1 (modelo M3/M4) (cópia);
(5) Documento comprovativo de recepção da obra geral da DSSOPT (cópia);
(6) Licença de operação do hotel (cópia);
(7) Fotografias dos lugares de trabalho;
(8) Documento comprovativo da utilização dos espaços operacionais (contrato de arrendamento (com a validade não inferior a meio ano) / contrato-promessa de compra e venda / certidão de registo predial (emitida nos últimos três meses)).
9. De acordo com as informações constantes do website dos Correios de Macau, o referido ofício foi entregue com sucesso no dia 3 de Fevereiro de 2018, no entanto, o requerente nunca apresentou os documentos necessários para a apreciação do pedido (vide os documentos de fls. 90 a 91).
10. Além disso, este Instituto já realizou uma inspecção in loco sobre as situações operacionais da “[Empresa]”. De acordo com o relatório de inspecção (vide o documento de fls. 92 a 99), o ambiente e as instalações operacionais in loco mostram que o estabelecimento desta companhia não está realmente em funcionamento, existindo dúvidas sobre as situações declaradas pelo requerente nos autos, como o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira, e considerando que há indícios de que o respectivo projecto de investimento não está implementado em Macau, pelo que, relativamente a tal situação, este Instituto procedeu, em 12 de Novembro de 2018, através do ofício n.º 05846/DJFR/2018, a uma audiência escrita do requerente (vide o documento de fls. 100 a 102).
11. O procurador do requerente apresentou um parecer escrito em 3 de Dezembro de 2018, indicando que, devido às necessidades operacionais da “[Empresa]”, o escritório mudou-se para um outro prédio com a maior área, e não conseguiu apresentar a este Instituto o documento comprovativo da mudança do local de funcionamento pela razão de que ainda não tinha apresentado uma declaração para a DSF. Além disso, a obra de construção do hotel desta companhia, sito na [Rua(1)], n.ºs 21-25 e [Rua(2)], n.º 179, já foi concluída, e passou pela vistoria da CEM e por alguns vistoria de incêndio, e o Corpo de Bombeiros já emitiu um parecer conhecido como “a certidão de conclusão da obra”, mas, o pedido de exploração do hotel e outros locais de funcionamento ainda tinha que esperar ser aprovado pela Direcção dos Serviços de Turismo (vide os documentos de fls. 103 a 182).
12. Nos termos do disposto no art.º 17.º, n.º 1, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, este Instituto só pode conceder a autorização de residente temporária com a validade de 18 meses, renovável por uma vez, ao titular de projecto de investimento relevante e membros elegíveis do seu agregado familiar; e nos termos do disposto nos art.º 18.º, n.º 1 e art.º 19.º, n.º 2 do Regulamento acima referido, a renovação pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
13. Quanto aos presentes autos, importa salientar que foi primeiramente concedida ao requerente a autorização de residência temporária com a validade de 18 meses, com fundamento de que detém 24% das acções da [Empresa], exerce o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira, e pretende-se contratar 68 trabalhadores residentes. Em seguida, foi concedida ao requerente a primeira renovação da autorização de residência temporária com a validade de 18 meses, com base também no projecto de investimento relevante, mas, após a análise dos documentos apresentados pelo requerente no presente pedido de renovação (segunda), demonstra-se que o projecto de investimento ainda não foi obtive uma licença para a autorização de funcionamento para o exterior e, de acordo com o recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, esta companhia só contractou 3 trabalhadores residentes no primeiro trimestre do ano 2018 (vide o documento de fls. 135). Através de tais situações, não é suficiente provar que o projecto de investimento hoteleiro da [Empresa], sito na [Rua(1)], tem condicionalismos para a exploração, pelo que se considera que o projecto de investimento utilizado pelo requerente como fundamento do pedido ainda não se encontra completamente implementado em Macau, não se mostra preenchida a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
14. Para tal, este Instituto procedeu novamente, em 29 de Maio de 2019, através do Ofício n.º 01941/DJFR/2019, a uma audiência escrita dos requerente. De acordo com as informações do correio electrónico do website dos Correios de Macau, o ofício acima referido foi entregue com sucesso em 5 de Junho de 2019, no entanto, o requerente não apresentou o seu parecer por escrito dentro do prazo legal. Até 17 de Junho de 2019, o procurador do requerente apresentou a declaração de que o requerente não conseguiu preparar os documentos necessários para este Instituto por se encontrar em missão oficial de serviço fora de Macau e porque alguns documentos de empresa necessitavam da assinatura de todos os administradores, e pediu a prorrogação do prazo de apresentação por mais 15 dias (vide os documentos de fls. 186 a 187 e 206).
15. Quanto a este pedido apresentado pelo requerente, este Instituto procedeu à sua análise através da Proposta n.º 01883/AFR/2019, considerando que este Instituto notificou, por várias vezes, o requerente, através de ofício, sobre a entrega dos documentos necessários para a apreciação do pedido, mas o requerente nunca os apresentou, e não se verifica qualquer facto que impeça a requerente de apresentar os respectivos documentos, pelo que não se autoriza o seu pedido de prorrogação do prazo para a entrega dos documentos (vide os documentos de fls. 189 a 210).
16. O procurador do requerente apresentou em 16 de Julho de 2019 o parecer escrito e os documentos comprovativos, cujo conteúdo é seguinte (vide os documentos de fls. 212 a 245 e 250 a 281):
(1) Para a concretização do projecto de investimento, o requerente e os sócios vêm aumentar o investimento de MOP9.633.573,00, a fim de acelerar a implementação e concretização do projecto;
(2) A Direcção dos Serviços de Turismo aprovou o plano de abertura do Hotel XX, e dos estabelecimentos relevantes “Restaurante XX” e “Bar XX”;
(3) A decoração interior do hotel está concluída, e os equipamentos também estão pronto. O Hotel está pronto a funcionar e aguarda a emissão da licença oficial;
(4) De acordo com o recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, a [Empresa] contractou três trabalhadores residentes no primeiro trimestre do ano 2019;
(5) Em seguida, o requerente apresentou a este Instituto em 27 de Dezembro de 2019 uma licença emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo em 17 de Dezembro de 2019 (vide os documentos de fls. 250 a 255) e, apresentou em 24 de Janeiro de 2020 um recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, demostrando que esta companhia contratou 12 trabalhadores residentes no 4.º trimestre do ano 2019 (vide o documento de fls. 271).
17. Relativamente às supras respostas dadas pelo requerente, a análise é seguinte:
(1) Após a análise dos pareceres escritos e documentos comprativos, mesmo que o requerente apresentasse uma licença emitida em 17 de Dezembro de 2019 pela Direcção dos Serviços de Turismo, importa salientar que, em 30 de Janeiro de 2014, foi primeiramente concedida ao requerente a autorização de residência temporária com a validade de 18 meses, pelo fundamento do titular do projecto de investimento relevante. Em seguida, dos respectivos documentos não se mostra que tal projecto de investimento foi definitivamente implementado em Macau, e foi concedido ao requerente em 16 de Dezembro de 2015 a renovação da autorização de residência temporária pelo fundamento do titular do projecto de investimento relevante, com a validade de 18 meses, até 9 de Janeiro de 2017. Mas, através da licença de funcionamento acima referida, mostra-se que a licença de funcionamento foi emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo em 17 de Dezembro de 2019 para tal projecto de investimento, ou seja, já passaram quase seis anos desde que foi concedida ao requerente a autorização de residência temporária;
(2) De facto, relativamente à não implementação de tal projecto de investimento, este Instituto já procedeu, em 12 de Novembro de 2018 e 29 de Maio de 2019, respectivamente, a duas audiências do requerente (vide os documentos de fls. 100 e 186). O requerente tinha apresentado a este Instituto a licença de funcionamento emitida em 17 de Dezembro de 2019 pela Direcção dos Serviços de Turismo, mas, esta licença apenas pode provar que a companhia obteve a autorização de funcionamento, não tendo o requerente apresentado outros documentos para comprovar que tal projecto de investimento já está em funcionamento para o exterior, bem como, através do recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, mostra-se que esta companhia apenas contractou doze trabalhadores residentes no quatro trimestre do ano 2019, e existe um grande divergência com o número de 68 trabalhadores residentes que pretendia contratar no primeiro pedido, o que se demonstra que a situação operacional de tal projecto de investimento ainda não foi totalmente implementada;
(3) Após a análise, tendo em vista que, nos termos do disposto no art.º 17.º, n.º 1, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foram concedidas ao requerente a autorização de residência temporária e a primeira renovação desta autorização, pelo fundamento do titular do projecto de investimento relevante, mas, no presente pedido da renovação (segunda), dos respectivos documentos se demonstra que tal projecto de investimento ainda não se encontra completamente implementado, o que não se mostra preenchida a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização inicial.
18. Pelo acima exposto, após a realização do procedimento de audiência, uma vez que o projecto de investimento em que fundamentou o pedido do requerente ainda não foi completamente implementado em Macau até ao presente, o que não se encontra preenchida a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização inicial, e excepto o primeiro pedido da autorização de residência temporária, foi concedida ao requerente uma renovação da autorização de residência temporária, pelo fundamento do titular do projecto de investimento relevante, com a validade de 18 meses, pelo que se propõe que o Secretário para a Economia e Finanças, no uso das competências conferidas pelo Chefe do Executivo através do n.º 1 da Ordem Administrativa n.º 3/2020 e, nos termos do disposto nos art.º 17.º, n.º 1, al. 1), art.º 18.º, n.º 1 e art.º 19.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, indefira o presente pedido da renovação da autorização de residência temporária para o requerente”; (cfr., fls. 352 a 354).
Do direito
3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu provimento ao anterior recurso contencioso pelo agora recorrido aí interposto.
Vejamos.
Esta a reflexão pelo Tribunal de Segunda Instância efectuada no seu Acórdão objecto do presente recurso:
“A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, veio interpor o presente recurso contencioso do acto do Secretário para a Economia e Finanças de indeferimento do seu pedido de renovação da autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação que concluiu, pugnando pela improcedência do recurso.
2.
(i.)
Comecemos por enunciar o que nos parecem ser os elementos fundamentais da situação de facto a considerar.
Ao Recorrente foi concedida, em 30 de Janeiro de 2014, autorização de residência temporária pelo período de 18 meses, com fundamento na norma da alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, é dizer, por ser titular de um projecto de investimento, em apreciação nos competentes serviços da Administração, que foi considerado relevante para a RAEM.
Em 20 de Outubro de 2015, o Recorrente, requereu a renovação da autorização temporária de residência, o que veio a ser deferido por decisão de 3 de Dezembro de 2015, de novo pelo período de 18 meses, a contar do termo da primeira autorização, ou seja, até 9 de Janeiro de 2017.
Em 7 de Fevereiro de 2017, o Requerente apresentou junto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), novo pedido de renovação da autorização de residência temporária, o qual veio a ser indeferido em 19 de Janeiro de 2023 através do despacho impugnado nos presentes autos.
(ii.)
(ii.1.)
Está aqui em causa, portanto, o indeferimento de um pedido de renovação da autorização temporária de residência que foi concedida, como vimos, ao abrigo do disposto na alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pelo que importa definir o enquadramento legal de tal renovação.
A partir da leitura conjugada das normas dos artigos 17.º, 18.º e 19.º do aludido Regulamento Administrativo é possível traçar as linhas relevantes desse enquadramento.
Desde logo, tal como decorre da alínea 1) do artigo 17.º do mesmo Regulamento, a de que, quando esta autorização é concedida ao abrigo da alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a autorização só pode ser renovada uma única vez. Isto não quer dizer que, findo o prazo da primeira renovação, a autorização temporária não possa ser renovada. Certamente que pode. O que acontece é que a segunda renovação pressuporá a conclusão do projecto do investimento, e será feita, por isso, ao abrigo do disposto na alínea 2) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo. Significa isto, portanto, que a residência concedida a um titular de um projecto de investimento terá uma duração máxima de 36 meses, tempo durante o qual o projecto deve ser concretizado, sob pena de irremediável caducidade da autorização.
Por ser assim, cremos que a norma do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento Administrativo deve ser interpretada tendo em conta o que vimos de dizer, de modo que, quando aí se refere que a renovação da autorização pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, tal deve ser entendido com o seguinte sentido: quando esteja em causa o pedido de segunda renovação da autorização de residência concedida ao abrigo da alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, essa renovação pressupõe a conclusão do projecto de investimento com a consequente conversão do interessado de titular de projecto de investimento considerado relevante para a RAEM em titular de investimento considerado relevante para a RAEM enquadrável na alínea 2) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo.
(ii.2.)
Estando em causa uma renovação de autorização temporária de residência, parece-nos que os pressupostos de facto dessa renovação devem verificar-se no momento em que o acto que venha a deferir essa renovação deva produzir efeitos, ou seja, a partir do temo da autorização inicial, se se tratar da primeira renovação, ou da renovação imediatamente anterior, tratando-se de renovação posterior à primeira. Isto, pelo seguinte. Da norma do n.º 1 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo resulta que «o interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização» e do n.º 2 do artigo 19.º do mesmo diploma normativo decorre, como já vimos, que a renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial. Assim, o sentido hermenêutico que se extrai da conjugação destas disposições é, segundo cremos, o de que a renovação da autorização pressupõe a inexistência de soluções de continuidade na situação de facto subjacente ao acto de autorização de residência e na qual este assentou. Ora, se isto é assim, parece-nos claro que a aferição dos pressupostos da renovação tem, pois, de ser feita por referência ao momento que antes referimos. Aliás, solução diversa entraria em inevitável contradição com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo que impõe o cancelamento da autorização de residência em caso de extinção da situação de facto que fundamentou a respectiva concessão.
Sendo estas, em nosso modesto entendimento, as linhas fundamentais do regime jurídico da renovação da autorização temporária de residência a considerar no presente caso, voltemos à concreta situação do Recorrente.
(ii.3.)
O acto recorrido foi praticado na sequência de um pedido de segunda renovação da autorização temporária de residência que foi concedida ao Recorrente. Ora, como antes dissemos, essa segunda renovação estava dependente da demonstração da conclusão do projecto de investimento. Com efeito, tratando-se de autorização de residência concedida ao abrigo da alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a renovação só é legalmente possível por uma vez.
Todavia, é incontroverso que o Recorrente, no momento em que o período de 18 meses da primeira renovação da autorização chegou ao fim (9 de Janeiro de 2017), não havia concluído o projecto de investimento que justificara a concessão da autorização de residência. Por isso, a Administração estava legalmente impedida de renovar por uma segunda vez essa autorização, ou, dizendo de outro modo, a Administração estava legalmente vinculada a indeferir o pedido de renovação. Na verdade, a norma da alínea 1) do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 não deixa qualquer margem à Administração para deferir um pedido de segunda renovação de uma autorização de residência que se funde na alínea 1) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
(iii.)
Esta nossa conclusão não é, estamos em crer, contrariada por qualquer dos fundamentos alegados no recurso.
(iii.1.)
Na verdade, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o acto impugnado não sofre de erro nos pressupostos de facto, uma vez que, no momento relevante, o projecto de investimento ainda não estava concluído, não estava completamente implementado, como se diz na proposta que serve de fundamentação à decisão da Entidade Recorrida.
É certo que, entretanto, no decurso do procedimento administrativo, o Recorrente veio a concluir o projecto de investimento, tendo obtido as autorizações administrativas necessárias para a exploração do estabelecimento hoteleiro que se propôs explorar em Macau. No entanto, como acima dissemos, o momento relevante para a aferição dos pressupostos da renovação é aquele a partir do qual o acto de renovação que venha a ser praticado deve produzir os seus efeitos, ou seja e no caso, o dia 9 de Janeiro de 2017, já que, como antes também referimos, não pode haver qualquer solução de continuidade na situação de facto relevante. Esta tem de se manter ininterrupta desde a concessão da autorização de residência, pois que ao título jurídico atributivo do estatuto de residente, em princípio, tem sempre de corresponder a situação de facto que justificou a respectiva atribuição. Extinguindo-se esta, aquele título jurídico também não se poderá manter.
Foi, portanto, inteiramente legal a aplicação que a Administração efectuou à situação Recorrente do disposto na alínea 1) do artigo 17.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, no pressuposto de facto, também correcto, da falta de conclusão do projecto de investimento.
(iii.2.)
O Recorrente também não tem razão, parece-nos, quando imputa ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação. Pelo seguinte.
Das normas contidas nos artigos 114.º, n.º 1, alínea b) e 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) resulta para a Administração o dever legal de fundamentação, que deve ser expressa e consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, entre outros, dos actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
Sabemos todos que o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância de 7.12.2011, Processo nº 510/2010) e sendo assim, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer as razões que estão na sua génese, para que, se quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida.
No caso em apreço, analisada a fundamentação do acto recorrido estamos em crer, como acima já dissemos, que a Administração não deixou de observar o referido dever legal de fundamentação formal cuja violação foi alegada pelo Recorrente. Na verdade, estão plasmadas no texto do acto recorrido, com clareza, as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Recorrida indeferiu o pedido de renovação da autorização temporária de residência, tal como decorre do que anteriormente já dissemos. Deste modo, um destinatário normal, confrontado com o dito acto, não podia deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa agora em causa. De resto, como cristalinamente resulta da leitura da douta petição inicial do recurso contencioso, o Recorrente ficou plenamente esclarecido sobre as razões justificativas do acto que impugnou.
(iii.3.)
Também se não vislumbra, salvo o devido respeito, que a Administração tenha incorrido em violação do disposto do princípio do inquisitório e que tenha omitido diligências probatórias que se fossem relevantes para a boa decisão do pedido formulado pelo Recorrente.
Como julgamos ter demonstrado, o facto relevante, que é a não conclusão do projecto no termo dos 18 meses da renovação da autorização de residência, é incontroverso e aceite pela própria Recorrente e isso é quanto basta para concluir pela desnecessidade de quaisquer outras diligências instrutórias, pelo que não resulta demonstrada qualquer violação do falado princípio do inquisitório por parte da Administração.
(iii.4.)
Finalmente, o Recorrente invocou na petição inicial do seu recurso contencioso a inobservância do princípio geral da boa fé que encontra consagração no artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
Sem razão, ao que nos parece.
Como acima referimos, face à situação de facto verificada, estava a Administração legalmente vinculada, nos termos da alínea 1) do artigo 17.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a praticar o acto de indeferimento agora impugnado, sem espaço, portanto, para ponderações discricionárias.
Daqui decorre que a invocada violação do princípio da boa fé feita pelo Recorrente na sua douta petição inicial não possui relevância invalidante autónoma do acto aqui impugnado, uma vez que a Administração, nos termos do disposto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), está estritamente obrigada a observar a lei.
Uma vez assente, como dissemos, que o Recorrente não conclui o projecto de investimento até ao fim do prazo da primeira renovação da autorização de residência, não restava à Administração alternativa senão a de indeferir o pedido de renovação.
É certo, não podemos, com todo o respeito, deixar de o dizer, que o procedimento administrativo que culminou com a prática do acto aqui impugnado se arrastou para além do que era necessário. No entanto, daí não pode derivar qualquer pretensão de tutela de expectativas com base no princípio da protecção da confiança porquanto este constitui um limite da margem de livre decisão administrativa que apenas pode bloquear a adopção de uma conduta administrativa incompatível com a confiança suscitada na medida em que tal conduta se encontre naquele espaço de livre decisão. A verdade é que, como vimos, tal não sucede no caso em apreço.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, somos de parecer de que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
*
Quid Juris?
É um caso interessante que merece algumas reflexões mais profundas.
Em primeiro lugar, entre os factos dados como assentes, relevam, para já os seguintes:
- o Recorrente apresentou, para adquirir a autorização de fixação de residência temporária em Macau, o seu pedido junto do IPIM com o seguinte conteúdo:
- Adquirir 24% do capital social duma sociedade comercial identificada nos autos, no valor de MOP24,000.00 (depois o Recorrente veio a aumentar a sua entrada na sociedade);
- O objecto de investimento consiste em: adquirir terrenos, realizar obras de construção e explorar hóteis!
Ao pedir pelo Recorrente a renovação da fixação de residência em Macau, a Entidade Recorrida invocou, para indeferir o pedido de renovação do pedido da fixação da residência, os artigos 1º e 2º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril, que estipulam:
Artigo 1.º
Âmbito pessoal de aplicação
Podem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes:
1) Os titulares de projectos de investimento, em apreciação nos competentes serviços da Administração, que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
2) Os titulares de investimentos que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;**
4) Os adquirentes de bens imóveis que cumpram os requisitos previstos no artigo 3.º*
* Alterado - Consulte também: Regulamento Administrativo n.º 7/2007
** Revogado - Consulte também: Lei n.º 7/2023
Artigo 2.º
Investimentos relevantes
Para efeitos do disposto no presente diploma, poderá ser considerada relevante:
1) A instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau;
2) A instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) A instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
Este artigo 2º citado deve ser interpretado com alguma cautela, porque pode implicar situações muito variadas, cujo tratamento não pode (nem deve) ser singelo em todas as situações, sob pena de cairmos na ilógica das coisas.
O projecto de investimento na instalação de unidades hoteleiras (ou similares) pode incluir essencialmente 3 situações muito diferentes:
a) – 1ª situação: o investidor adquire um hotel já em pleno funcionamento e como tal não carece de tratar de outras formalidades especiais, é pouco o tempo necessário para concretizar o projecto;
b) – 2ª situação: o investidor adquire um edifício e nele pretende montar um hotel, nestas circunstâncias terá de fazer obras e montar mobília, o que leva certamente algum tempo para concluir o projecto, porque carece de pedir licenças de obras e pedir alvará junto da DST;
c) – 3ª situação: O investidor adquire um terreno e vai construir um edifício para nele se instalar depois um hotel. Nesta hipótese, certamente ele vai precisar de muito mais tempo do que na hipótese prevista na 2ª situação! É justamente o caso dos autos.
Nestes termos e salvo o merecido respeito, não podemos acompanhar o raciocíno do douto parecer do MP quando se afirmou que todos os projectos (com base nos quais for formulado o pedido de autorização da residência temporária) deviam ser concluídos num prazo máximo de 36 meses, já que o artigo 17º/2 do citado Regulamento Administrativo fala de “renovável por uma vez” (o período da 1ª emissão do título de residência é de 18 meses, renovável por uma vez só, significa ao máximo 36 meses).
Porque? Justamente é do conhecimento público que, se se montar um hotel a partir “zero”, ou seja, começar-se pela construção dum prédio e depois pedir as respectivas licenças necessárias, certamente 36 meses não são suficientes para concluir o projecto, porque nesta situação implica cooperação de varias repartições governamentais, Ex.: D.S. de Saúde, D.S. de Turismo e D.S.T e Obras Públicas.
Situação diferente será a prevista no artigo 2º/1-2), em que se fala “ A instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio,…”, neste tipo de negócios, não carecem de licenças especiais, e como tal não deve demorar muito tempo para concluir o projecto de investimento.
Feita esta nota preliminar, voltemos a ver o que se passou no caso do Recorrente.
Ficaram provados, entre os outros, os seguintes factos mais importantes neste ponto:
“(...)
2. Em 21 de Janeiro de 2013, o requerente apresentou um pedido da autorização de residência temporária do titular do projecto de investimento relevante, com base na detenção de 24% das acções da “[Empresa]”, cujos fundamentos do pedido são os seguintes:
Firma: [Empresa]
Capital social registado: MOP100.000,00
Proporção das acções: 24%, equivalente a MOP24.000,00
Objecto social: o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira
Local de operação: [Endereço], 5º andar H, em Macau (arrendamento)
Local de construção: [Rua(1)], S/N, n.ºs 25, 27, 29, 31, 33 e 35, em Macau (adquisição)
Número policial e descrição:(1) S/N: 3372, 3373; (2)N.º 25:3374, (3) N.º 27: 3375; (4) N.º 29:3376; (5) N.º 31: 3377; (6) N.º 33:3378; (7) N.º 35: 3379
3. De acordo com o respectivo projecto de investimento, a companhia adquiriu vários lotes da [Rua(1)] em Macau, para desenvolver e construir um hotel de duas estrelas, e pretendeu investir MOP121.160.000,00 em 2013 e 2014 para construir este empreendimento e contratar 68 trabalhadores locais para operação. Após a realização da análise complexa, era considerado que o projecto de investimento do requerente podia ser considerado relevante e iria contribuir para o desenvolvimento da indústria do turismo e do mercado laboral de Macau, por isso, foi proposto que desse consideração positivo ao pedido. Em seguida, foi concedida em 30 de Janeiro de 2014 ao requerente a autorização de residência temporária com a validade de 18 meses (vide os documentos de fls. 282 a 286).
4. Em 20 de Outubro de 2015, o requerente apresentou a este Instituto o 1.º requerimento da renovação da autorização de residente temporária (requerimento n.º 0029/2013/01R). Após a análise dos documentos comprovativos do investimento apresentados pelo requerente, verifica-se que o requerente ainda detém 24% das acções da [Empresa], considerando que a situação jurídica é consistente com as condições relevantes consideradas aquando da concessão da autorização de residência temporária, e que cumpriu os deveres de declaração e pagamento dos impostos relevantes, mas, tendo em vista que o projecto do empreendimento de construção do hotel ainda não foi implementado, propôs-se que o requerimento da renovação do requerente fosse autorizado pelo fundamento do projecto de investimento, e em 16 de Dezembro de 2015, foi lhe concedida a renovação da autorização de residência temporária com a validade de 18 meses.
5. Em 17 de Novembro de 2016, o requerente apresentou a este Instituto o presente pedido da renovação da autorização de residência temporária. Para os efeitos da renovação, o requerente apresentou a este Instituto os documentos comprovativos de tal projecto de investimento, cujos elementos são os seguintes (vide os documentos de fls. 9 a 82):
Firma: [Empresa]
Capital social registado: MOP100.000,00
Proporção das acções: 24%, equivalente a MOP24.000,00
Objecto social: o investimento em terrenos, a engenharia de construção e a exploração hoteleira
Local de operação:
(1) [Endereço], 5º andar H, em Macau (arrendamento)
(2) [Rua(1)], S/N, n.ºs 25, 27, 29, 31, 33 e 35, em Macau (adquisição)
6. Uma vez que os documentos apresentados pelo requerente não demonstram o andamento da implementação de tal investimento, através do ofício n.º 02553/GJFR/2017, este Instituto informou em 6 de Abril de 2017 o requerente da apresentação complementar de documentos comprovativos para evidenciar tal investimento já implementado em Macau (vide o documento de fls. 85).
7. Em 26 de Abril de 2017, o requerente apresentou um série de documentos das situações operacionais, e também apresentou em 27 de Junho de 2017 uma declaração, esclarecendo que, devido aos factores externos, o prazo de construção foi atrasado, mas, esta Companhia iria intensificar o andamento do desenvolvimento deste projecto, o trabalho de cobertura foi concluído em 19 de Junho de 2017, e o hotel estava previsto para entrar em operação no terceiro trimestre do ano 2018, bem como apresentou o livro de obra como documento comprovativo (vide o documento de fls. 30).
8. Para acompanhar a implementação deste empreendimento, através do ofício n.º 00641/DJFR/2018, este Instituto informou em 30 de Janeiro de 2018 o requerente da apresentação complementar dos seguintes documentos (vide o documento de fls. 88 a 89):
(1) Relatório do Contador / Auditor do ano 2017;
(2) Última Declaração do Imposto Complementar de Rendimentos – Grupo B (modelo M/1) (cópia);
(3) Mapas-guias de pagamento das contribuições do Fundo de Segurança Social desde 1.º trimestre de 2017 até último trimestre (cópia);
(4) Último imposto profissional – Relação Nominal – Empregos / Assalariados do Grupo 1 (modelo M3/M4) (cópia);
(5) Documento comprovativo de recepção da obra geral da DSSOPT (cópia);
(6) Licença de operação do hotel (cópia);
(7) Fotografias dos lugares de trabalho;
(8) Documento comprovativo da utilização dos espaços operacionais (contrato de arrendamento (com a validade não inferior a meio ano) / contrato-promessa de compra e venda / certidão de registo predial (emitida nos últimos três meses)).
(…)
11. O procurador do requerente apresentou um parecer escrito em 3 de Dezembro de 2018, indicando que, devido às necessidades operacionais da “[Empresa]”, o escritório mudou-se para um outro prédio com a maior área, e não conseguiu apresentar a este Instituto o documento comprovativo da mudança do local de funcionamento pela razão de que ainda não tinha apresentado uma declaração para a DSF. Além disso, a obra de construção do hotel desta companhia, sito na [Rua(1)], n.ºs 21-25 e [Rua(2)], n.º 179, já foi concluída, e passou pela vistoria da CEM e por alguns vistoria de incêndio, e o Corpo de Bombeiros já emitiu um parecer conhecido como “a certidão de conclusão da obra”, mas, o pedido de exploração do hotel e outros locais de funcionamento ainda tinha que esperar ser aprovado pela Direcção dos Serviços de Turismo (vide os documentos de fls. 103 a 182).
(…)
16. O procurador do requerente apresentou em 16 de Julho de 2019 o parecer escrito e os documentos comprovativos, cujo conteúdo é seguinte (vide os documentos de fls. 212 a 245 e 250 a 281):
(1) Para a concretização do projecto de investimento, o requerente e os sócios vêm aumentar o investimento de MOP9.633.573,00, a fim de acelerar a implementação e concretização do projecto;
(2) A Direcção dos Serviços de Turismo aprovou o plano de abertura do Hotel XX, e dos estabelecimentos relevantes “Restaurante XX” e “Bar XX”;
(3) A decoração interior do hotel está concluída, e os equipamentos também estão pronto. O Hotel está pronto a funcionar e aguarda a emissão da licença oficial;
(4) De acordo com o recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, a [Empresa] contractou três trabalhadores residentes no primeiro trimestre do ano 2019;
(5) Em seguida, o requerente apresentou a este Instituto em 27 de Dezembro de 2019 uma licença emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo em 17 de Dezembro de 2019 (vide os documentos de fls. 250 a 255) e, apresentou em 24 de Janeiro de 2020 um recibo de contribuições do regime obrigatório do Fundo de Segurança Social, demostrando que esta companhia contratou 12 trabalhadores residentes no 4.º trimestre do ano 2019 (vide o documento de fls. 271).”
A Entidade Recorrida fundamentou o seu indeferimento com base nos artigos 17º (conteúdo já acima transcrito), 18º e 19º do citado Regulamento Administrativo, que consagram:
Artigo 18.º
Alteração da situação
1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau* ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.*
* Alterado - Consulte também: Rectificação
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Artigo 19.º
Renovação da autorização de residência temporária*
1. A renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.*
2. A renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, com as seguintes excepções:
1) A renovação das autorizações de residência temporária concedidas com fundamento em aquisição de bens imóveis não exige nova prova dos requisitos previstos na alínea 3) do n.º 1 e nas alíneas 1) e 2) do n.º 2 do artigo 3.º, nem do preço pago ou do valor de mercado dos bens relevantes, mas o interessado deve provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade e que os imóveis e depósitos bancários continuam livres dos encargos vedados pelo artigo 4.º
2) **
3. É aplicável à renovação, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 16.º e 17.º
Ora, no caso importa destacar o seguinte:
a) – Das 3 rubricas (aquisição de terrenos, realização de obras de construção e explorar hotel) que fundamentaram o pedido inicial do Recorrente, duas já se concretizaram, e, em relação à exploração do hotel, também está a fazer-se, apesar de a sua entrada em funcionamento vir a ser um pouco mais tarde, mas esse projecto está ainda a executar-se, não se verifica qualquer extinção ou alteração nos termos fixados pelo artigo 18º do citado diploma legal;
b) – Essas demoras não se deviam à culpa do Recorrente, e como tal a consequência não dever ser suportada por ele, pois em 17/12/2019 é que a DST emitiu o alvará para a sociedade comercial de que o Recorrente é sócio, e no mesmo ano a referida sociedade passou a recrutar 12 empregados locais. Tudo isto demonstra que o projecto de investimento está a concretizar-se.
c) – Nestes termos, não nos parece certa a conclusão da Entidade Recorrida à luz da qual o Recorrente não cumpriu o que tinha prometido aquando da apresentação do pedido da autorização da residência temporária.
*
Não só, perante todo o circunstancialismo acima relatado, é possível ainda uma outra leitura:
Tendo em conta que um outro sócio da mesma sociedade comercial está na mesma situação e o seu pedido foi indeferido nos exactos termos (Proc. nº 228/2023), aí ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
Ora projecto é algo que se pretende vir a fazer mas ainda não se iniciou.
Por exemplo o projecto de uma casa é o desenho de como a casa vai ser construída mas não significa a construção da casa.
Projecto ir viajar a determinado local significa que há a intenção de o fazer mas ainda não se está a fazer.
Um projecto de um investimento é a intenção de vir a investir, investimento é fazer o investimento.
A alínea 1) do citado artº 1º fala de projecto de investimento a alínea 2) do artº 1º fala de investimento.
Por outro lado, “em apreciação” significa algo que está sob análise que ainda não foi autorizado nem negado. Algo que está a ser estudado, analisado pela entidade competente da Administração.
Admitamos que alguém quer abrir em Macau determinado estabelecimento que está sujeito a uma autorização especial. Nesse caso antes de começar o investimento o sujeito Requerente tem de solicitar à Administração autorização para o fazer.
Entre o pedido de autorização e o deferimento do mesmo a realização do investimento está em apreciação pelos serviços competentes.
Durante o período em que o pedido do projecto de investimento está em apreciação, verificado o segundo requisito que seja do interesse relevante para a RAEM, o Requerente pode ser autorizado a residir na RAEM nas condições da alínea 1) do nº 1 do artº 17º, isto é, pode ser concedida autorização de residência por 18 meses, renovável uma única vez por igual período.
Decorridos 36 meses sem que tenha havido decisão, ainda que seja imputável à administração não mais pode ser autorizada a residência por esse motivo, tendo o Requerente que aguardar no exterior, se continuar a ter interesse, pela decisão e na realização do investimento uma vez obtida aquela (a autorização).
Esta solução compreende-se perfeitamente uma vez que o Requerente nesta fase, por ainda nada ter sido autorizado e o pedido estar em apreciação, não ter feito investimento algum.
O prazo de 18 meses renovável por igual período destina-se a permitir ao Requerente que possa acompanhar na RAEM o pedido que fez e está sob apreciação, facilitando-se que aqui resida durante esse período para proceder às diligências e ao diálogo a que haja lugar com a administração durante o processo de apreciação.
De igual modo se compreende a limitação do prazo a 18 meses mais 18 meses, por ser esse prazo que no total equivale a 3 anos mais do que suficiente para em situações normais se apreciar o pedido.
E, em última instância se a administração não der resposta no assinalado prazo também não há prejuízo de maior para o Requerente porque o investimento ainda não se iniciou, sendo o tempo de espera um risco conhecido e assumido pelo próprio.
Porém, se já tiver havido investimento realizado, esta solução seria completamente absurda, raiando até a má-fé da administração se alguém no decurso do investimento se vir subitamente impossibilitado de continuar a residir na RAEM, apenas porque se esgotou tão curto prazo de 36 meses, quando haja diligenciado para instalar e pôr em funcionamento o seu investimento e o insucesso se deva, quiçá, a atrasos dos procedimentos da administração.
Por outro lado, com “projecto de investimento em apreciação” não se confunde a obtenção de licença para o estabelecimento funcionar seja ele um restaurante, um hotel, etc., porque aqui o investimento já se começou a realizar, só se concluindo com a obtenção da necessária licença ao seu funcionamento.
Se assim fosse então no caso em apreço qual era a licença que estava em apreciação? A do destino a dar ao terreno? A de obras? A de exploração de hotel?
Não é da obtenção deste género de licenças que visa a apreciação a que alude a alínea 1) do artº 1º havendo uma errada interpretação da lei nesse sentido e um errado enquadramento jurídico da situação subjacente a estes autos.
Na situação dos autos o pedido de residência foi motivado porque o Requerente era sócio de uma sociedade a qual ia adquirir terrenos, construir um edifício destinado a instalar um hotel, instalar o hotel, pô-lo a funcionar e explorá-lo.
Não há aqui um projecto de investimento, mas um investimento que em momento algum esteve em “apreciação”.
No caso do Requerente a sociedade foi constituída, os terrenos foram construídos, diligenciou-se pela construção do prédio, fez-se a construção, instalou-se o Hotel e obteve-se a autorização para o Hotel funcionar.
Na prática o Requerente esteve a realizar o investimento. A compra de uma casa realiza-se num acto único. A construção de uma fábrica realiza-se em vários actos, mas não está “em apreciação”.
A situação do Requerente nunca se enquadrou na alínea 1) do artº 1º mas sim na alínea 2) do artº 1º do Regulamento Administrativo 3/2005, ou seja o Requerente é titular de um investimento relevante para a RAEM que, no caso é ser sócio de uma sociedade, sociedade essa que tinha como objectivo construir e explorar um hotel.
Ora em todo este processo o que há que apreciar é se o investimento foi feito ou não, o que, não sendo aqui objecto de decisão, mas parece merecer resposta positiva.
Por outro lado, em face da factualidade apurada só este entendimento faz sentido sob pena de admitirmos que o legislador consagrava soluções absurdas.
Seria em algum lugar e no estado da técnica admitir como razoável que em 18 meses era possível adquirir terrenos, construir um edifício, instalar nesse edifício um hotel, obter todas as licenças necessárias à construção e ao funcionamento do mesmo e iniciar a exploração do hotel?
E diz-se 18 meses porque o prazo fixado há-de ser suficiente para o efeito, sendo as renovações para funcionar em casos excepcionais em que houve demora superior ao que seria de esperar, por isso é 18 meses que se deve considerar e não 36.
A resposta só pode ser negativa.
Sendo sabido que o legislador sempre toma a decisão mais acertada, justa e adequada à situação nunca pode ter sido este o pensamento legislativo.
O facto da sociedade do Requerente necessitar de várias licenças e autorizações desde a compra do terreno até poder iniciar a exploração do Hotel isso não faz deste investimento um projecto de investimento em apreciação, este projecto está sim em execução, em fase de realização do investimento, isto é, o investimento está a ser feito.
E a lei em momento algum distingue investimento realizado ou em realização falando apenas de titular do investimento que por natureza é algo dinâmico.
Se durante a realização do investimento o investidor e Requerente da autorização de residência que foi concedida com base na realização do mesmo, em vez de actuar diligentemente construir o hotel à velocidade de um tijolo por mês, a situação subjacente é de que não está a realizar o investimento, não manteve a situação jurídica relevante e entramos no âmbito de aplicação do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Se o processo de construção do hotel decorre nomeadamente com as vicissitudes normais do processo, os atrasos do costume e justificados, então o investimento está a ser realizado e a situação jurídica relevante mantém-se.
Destarte, a decisão recorrida enferma do vício de violação de lei uma vez que a situação do Requerente e aqui Recorrente jamais se enquadrou na alínea 1) do nº 1 do artº 17º do indicado Regulamento Administrativo, sendo que, o que lhe havia de ter sido concedido era a autorização de residência por 3 anos a que alude a alínea 2) do mesmo preceito, renovável desde que se verificasse a situação juridicamente relevante que a motivou, isto é, desde que se mantivesse o investimento, situação esta que já é compatível com a aquisição de terenos, construção do edifício, instalação do hotel, inicio da exploração, etc., sendo um processo evolutivo, que cabe demonstrar que se está a diligenciar nesse sentido.
Procedem assim as conclusões de recurso quando imputam ao acto recorrido o vício de violação de lei, impondo-se nos termos do artº 124º do CPA concluir pela anulabilidade da decisão recorrida decidindo em conformidade.
(…).”
Esta argumentação vale perfeitamente para o caso destes autos.
*
Por outro lado, pela Entidade Recorrida, foram igualmente invocados os artigos 18º e 19º do citado Regulamento Administrativo (cfr. última parte da proposta do IPIM), tal como se refere anterior, não se verifica qualquer alteração do projecto, muito menos a extinção do mesmo, logo não se pode chamar os normativos citados para o caso em apreciação, sob pena de se cometer um erro na aplicação de Direito, o que origina igualmente a anulabilidade do acto atacado.
Uma nota final: quando o nº 2 do artigo 19º do citado Regulamento Administrativo fala “a renovação, que é concedida por período igual ao da autorização inicial, pressupõe a manutenção, na pessoa do interessado, dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, (…)”, deve ser entendida esta norma em termos hábeis, já que um projecto é uma realidade dinâmica e não estáctica, cuja apreciação e avaliação deve ser feita com base nos factos concretos apresentados em conjugação com os padrões de vida normal e a experiência da vida e não se deve agarrar a determinadas circunstâncias historicamente ultrapassadas.
Pelo expendido, deve ser anulado o acto recorrido, julgando-se procedente o recurso interposto pelo Recorrente.
*
Síntese conclusiva:
I – Existe diferença significativa entre a alínea 1) do artº 1º (projecto de investimento) e a alínea 2) do mesmo artigo (investimento) do Regulamento Administrativo nº 3/2005, de 4 de Abril, pois, um projecto de um investimento é a intenção de vir a investir, investimento é fazer o investimento. Durante o período em que o pedido do projecto de investimento está em apreciação, verificado o segundo requisito que seja do interesse relevante para a RAEM, o Requerente pode ser autorizado a residir na RAEM nas condições da alínea 1) do nº 1 do artº 17º, isto é, pode ser concedida autorização de residência por 18 meses, renovável uma única vez por igual período.
II – Com “projecto de investimento em apreciação” não se confunde a obtenção de licença para o estabelecimento funcionar seja ele um restaurante, um hotel, etc., porque aqui o investimento já se começou a realizar, só se concluindo com a obtenção da necessária licença ao seu funcionamento. Não é da obtenção deste género de licenças que visa a apreciação a que alude a alínea 1) do artº 1º, sob pena de haver uma errada interpretação da lei nesse sentido e um errado enquadramento jurídico da situação subjacente a estes autos.
III – Face aos elementos constantes dos autos e do processo instrutor, das 3 rubricas (aquisição de terrenos, realização de obras de construção e explorar hotel) que fundamentaram o pedido inicial do Recorrente, duas já se concretizaram, e, em relação à exploração do hotel, também está a fazer-se, apesar de o hotel vir a abrir-se ao público um pouco mais tarde, mas esse projecto continua a estar em execução, não se verifica assim qualquer extinção ou alteração nos termos fixados pelo artigo 18º do citado diploma legal.
(…)”; (cfr., fls. 354 a 365).
Aqui chegados, e atentas as “razões” que levaram o Tribunal de Segunda Instância a decidir nos termos que decidiu, “quid iuris”?
Ora, ressalvando-se o devido respeito por melhor opinião, cremos que a decisão recorrida não se pode manter.
Com efeito, (e em síntese), entendeu o Tribunal de Segunda Instância que o acto administrativo aí recorrido – que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência em Macau do então recorrente, e ora recorrido – padecia de “errada interpretação da lei e de errado enquadramento jurídico da situação subjacente aos autos”, considerando que a “decisão recorrida enfermava do vício de violação de lei uma vez que a situação do Requerente e aqui Recorrente jamais se enquadrou na alínea 1) do nº 1 do artº 17º do indicado Regulamento Administrativo, sendo que, o que lhe havia de ter sido concedido era a autorização de residência por 3 anos a que alude a alínea 2) do mesmo preceito, (…)”.
E, como se deixou adiantado, outra é a solução se nos apresenta como adequada.
Explicitemos o porque neste nosso ponto de vista, adoptando-se aqui os argumentos expostos em sede dos recentes Acórdãos deste Tribunal de Última Instância de 03.07.2024, Proc. n.° 37/2024 e de 17.07.2024, Proc. n.° 36/2024, que se apresentam integralmente válidos e adequados para a situação destes autos.
Pois bem, na óptica do Tribunal de Segunda Instância, a (verdadeira) “questão” a decidir nos presentes autos estava em saber se a “situação” do então recorrente, agora recorrido, (e que a “matéria de facto” dada como provada atrás retratada nos dá conta), integrava:
- um “projecto de investimento”, tal como previsto no art. 1°, n.° 1 do Regulamento Administrativo n.° 3/2005; ou,
- um “investimento”, nos termos do referido n.° 2 do mesmo art. 1°.
E, tendo a Administração considerado que a “situação” em questão se devia qualificar como um “projecto de investimento”, (e o ora recorrido, como seu “titular”), entendeu, porém, o Tribunal de Segunda Instância que assim não devia ser, pois que aquela mesma situação retratada na aludida matéria de facto justificava um outro enquadramento jurídico, devendo antes ser considerado como um (efectivo) “investimento”, já efectuado e materializado, acarretando, assim, como natural consequência, uma diversa aplicação do estatuído no art. 17° do mesmo Regulamento Administrativo n.° 3/2005 quanto aos “prazos de validade” da autorização de residência, (nos “projectos de investimento”, por um prazo de 18 meses, renovável por uma vez, nos “investimentos”, por um prazo de 3 anos, renovável), e que, por sua vez, levou a outro entendimento quanto à (im)possibilidade da pelo recorrido pretendida renovação da sua autorização de residência.
Ora, (sem se querer aqui repetir o que já foi pelo Tribunal de Segunda Instância considerado), cabe salientar que um “projecto”, é, grosso modo, aquilo que alguém “planeia”, “pensa” ou “pretende fazer”, como sucede com o “esboço de um trabalho” que se pretende realizar, ou com a “primeira redacção” de uma Lei que (posteriormente) se submete para aprovação, e, em matéria de “obras de construção”, o “plano para a sua realização”, nele se integrando a sua representação gráfica e escrita, com planos e peças desenhadas, memória descritiva, medições, orçamento e caderno de encargos, contendo assim todas as instruções e determinações, (assim como os documentos técnicos necessários) para definir e explicitar as fases e modo para se levar a cabo a construção, (ou execução), da obra, (projectada).
Economicamente falando, um “projecto de investimento” é usualmente considerado como um conceito passível de ser entendido em duas acepções: enquanto “plano” – ou “intenção” – de investimento, e, por sua vez, enquanto “estudo”, ou seja, como o processo escrito onde se demonstra a ponderação sobre os prós e contras da dita “intenção de investimento” (ou negócio), e que, assim, e no fundo, acaba por ser o que normalmente sucede em “momento anterior” da (efectiva) aplicação de recursos ou capital, ou seja, do “investimento”, que se espera venha a gerar rendimentos no futuro.
Ora, sendo de recordar desde já que o Regulamento Administrativo n.° 3/2005 fixa o “Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados”, e revogou o anterior Decreto-Lei n.° 14/95/M de 27.03, igualmente adoptado para criar “incentivos específicos à captação de investimentos de reconhecida relevância económica e à fixação de recursos humanos de elevada qualidade, capazes de fixar no Território empresários, quadros dirigentes e técnicos especializados”, apresenta-se-nos pois de considerar igualmente que, no caso dos autos, em causa está algo mais do que um (mero) “projecto de investimento”, pois que, estando já “concluída a construção do (projectado) edifício” onde se irá instalar uma unidade hoteleira, (com um total de 176 camas, distribuídas em 79 quartos duplos e 18 individuais), inegável se nos apresenta que efectuado já está um (relativamente) considerável “investimento financeiro”.
Porém, importa igualmente atentar no que segue.
É que, tanto a decisão de concessão da autorização de residência temporária, como a renovação dessa mesma autorização, (pelo período de 18 meses), tiveram exactamente por fundamento (jurídico) o prescrito na alínea 1) do art. 1° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005, ou seja, o fundamento de que a situação do interessado requerente era enquadrável, não como um “investimento”, mas, antes, como um (mero) “projecto de investimento” que foi considerado relevante.
E, assim sendo, como efectivamente foi, inclusivé aceite pelo próprio interessado, impõe-se então concluir que este “acto administrativo” de concessão e renovação da autorização de residência pelo período de 18 meses – com fundamento na alínea 1) do art. 1° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005 – consolidou-se na ordem jurídica como “caso decidido”, (pois que até podia ter sido objecto de impugnação pelo interessado, caso o mesmo considerasse que se justificava uma autorização de residência com outro enquadramento e por outro prazo, nomeadamente, o prazo de 3 anos a que se refere o n.° 2 do art. 17° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005), passando, a constituir, como tal, “pressuposto vinculativo da actuação posterior da Administração”.
Por isso, no momento da apreciação do novo pedido de renovação da autorização de residência (agora em questão), estava a Administração obrigada a considerar como pressuposto jurídico inarredável da sua actuação, a decisão de autorização que antes tinha efectivamente concedido, ou seja, a autorização por 18 meses com fundamento em “projecto de investimento”, (e não aquela que, eventualmente, podia ter concedido, mas que não concedeu, ou seja, a autorização de residência pelo período de 3 anos com fundamento em “investimento” considerado relevante).
E, nesta conformidade, vista cremos estar a solução, pois que não parece lícito – ou aceitável – que, em sede de um recurso contencioso, possa o Tribunal de Segunda Instância modificar oficiosamente a “fundamentação jurídica” de um acto administrativo (de autorização de residência), que nem sequer pelo próprio recorrente questionado foi para, como base nessa modificação, e à luz dessa “nova fundamentação” (alternativa ou ficcionada), aferir e apreciar da legalidade administrativa do acto praticado e recorrido (de indeferimento de uma renovação de autorização de residência).
Dest’arte, impõe-se a decisão que segue.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando o Acórdão recorrido.
Custas em ambas as Instâncias pelo recorrido.
Registe e notifique.
Macau, aos 29 de Julho de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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