Processo n.º 208/2024
(Autos de recurso contencioso)
Relator: Fong Man Chong
Data : 26 de Setembro de 2024
Assuntos:
- Irrecorribilidade do acto punitivo, para efeitos de recurso contencioso, resultante da falta de impugnação hierárquica tempestiva
SUMÁRIO:
I – Fica provado que a Recorrente foi notificada da decisão disciplinar punitiva do Director dos Serviços de Finanças em 18/10/2023, e, em 3/11/2023 a Recorrente apresentou reclamação do acto punitivo perante o respectivo autor. Essa reclamação tem natureza facultativa, uma vez que nada resulta da lei que aponte no sentido de que a sua apresentação é pressuposto legal da apresentação do recurso hierárquico, esse sim indiscutivelmente necessário, ou do recurso contencioso.
II - Em 29/12/2023, a Recorrente foi notificada, na pessoa do seu ilustre Mandatário, da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação, pelo que, no dia seguinte, o prazo de 30 dias para interposição do recurso hierárquico necessário retomou o seu curso, tendo-se exaurido no dia 15 de Janeiro de 2024 (o termo do prazo caiu no dia 13 de Janeiro que foi um sábado e por isso se transferiu para o primeiro dia útil seguinte que foi o dia 15 de Janeiro, segunda-feira: artigo 74.º, alínea c), do CPA).
III – Em 26/02/2024, data em que a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação da decisão disciplinar punitiva, esta, por falta de impugnação hierárquica tempestiva, estava definitivamente consolidada na ordem jurídica como acto decidido, tornando-se, desse modo, inimpugnável contenciosamente.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 208/2024
(Autos de recurso contencioso)
Data : 26 de Setembro de 2024
Recorrente : A
Entidade Recorrida : Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, interpôs o presente recurso contencioso na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico que oportunamente interpôs perante o Secretário para a Economia e Finanças do acto praticado pelo Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação que apresentou do acto do mesmo Director que lhe aplicou a pena disciplinar de multa correspondente a 15 dias de vencimento, veio, em 20/03/2024, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 18, tendo formulado as seguintes conclusões:
a) Recorre-se da decisão que aplicou à recorrente, A, a pena disciplinar de multa, correspondente a 15 dias de vencimento no montante de MOP$17,062.50 (dezassete mil e sessenta e duas patacas e cinquenta centimos).
b) Estão reunidos os pressupostos processuais.
c) Dão-se aqui por reproduzidos, no tocante à recorrente, os factos assentes no processo disciplinar.
Contudo,
d) Não obstante o teor da primeira parte da acusação, isto é, de que a arguida, ora recorrente, foi a autora confessa de 6 mensagens - cujo o teor foi devidamente reproduzido na acusação (art.º 76° a 81°) - foi dado também por assente que aquele alegado “assédio moral” se consubstanciou porque "os arguidos – a recorrente e o B - são os autores materiais de 35 mensagens escritas na caixa de opiniões da intranet da DSF” (art.º 98° da acusação); e até expressamente referido, "que ambos os arguidos, sob a segurança do anomimato, escreveram na intranet” (da DSF) aquelas mensagens.
e) Tendo a Senhora Instrutora concluído (o que verteu na acusação) que " ... pela reiteração e continuidade ao longo de três anos, pela conduta em que pelo menos dois agentes têm, em conluio, necessariamente com troca de informações, efectuado a coberto do anonimato, dezenas de queixas de má fé, com o intuito primeiro de prejudicara bom nome e a reputação profissional de um colega" (art.º 123° da acusação).
f) E mais concluíu a Senhora Instrutora, em sede de relatório final que:
• "os arguidos atuaram sim em co-autoria" (fls. 9);
• "os arguidos são os autores das 35 mensagens" (fls. 11);
• ela, a arguida, ora recorrente "tudo numa acção concertada com o aqui arguido - B - actuando ambos em co-autoria" (fls. 15).
Pelo que decidindo, é referido que
g) A arguida recorrente violou os deveres de prossecução do interesse público; de lealdade e correcção; enquadrando-se a sua conduta nos pressupostos do art.° 281° do ETAPM; o que, na óptica da decisão recorrida - seguindo a promoção da Senhora Instrutora - corresponde à pena de multa de 15 dias de vencimento, no montante do MOP$17,062.50 (dezassete mil e sessenta e duas patacas e cinquenta centimos), nos termos dos art.°s 300°, n° 1b) e 302° do ETAPM.
É desta decisão disciplinar de que se recorre.
h) Baseado nos factos e conclusões supra referidos, entende a recorrente que a decisão recorrida é ilegal, por erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito.
i) Agir em "conluio com outros indivíduos para a prática da infração" - expressão da alínea d) do n° 1 do art.° 283° do E.T.A.P.M. - é o mesmo que agir em co-autoria (expressão do Direito Penal), significando que ambos (os arguidos neste processo disciplinar) tomaram parte directa por acordo entre si na execução dos factos que se lhes imputaram e que, na óptica do processo, constituíram infracção disciplinar; tendo ambos a consciência de que agiriam em conjunto (art.° 25° do Cód. Penal).
j) Aliás, a acusação neste processo é feita em conjunto para os 2 arguidos, precisamente porque, no entender da Senhora Instrutora, ambos actuaram conluiados; tendo-se usado indiscriminadamente "conluio" e "co-autoria" como sinónimos de uma actuação conjunta, visando o tal "assédio moral” ao colega C.
Contudo,
k) Com o devido respeito, não há prova cabal nos autos desta actuação conjunta dos dois arguidos; até porque ou as cartas anónimas, que a recorrente expressamente impugnou como suas (v. declarações de fls. 381 e segs. do processo) são, isso mesmo, anónimas - e, por isso, não é possível descortinar quem as produziu -; ou as mensagens (29) do arguido B nada têm que ver com as mensagens (6) da arguida recorrente.
Cada um produziu as suas mensagens (a recorrente assumiu as suas); e cada um é responsável pelo respectivo conteúdo.
I) Não é possível, por isso, concluir do conteúdo das mensagens produzidas pela recorrente (nem de qualquer outra eventual prova alegadamente constante dos autos) que ambos os arguidos terão agido em conjunto; e, muito menos, como diz a Senhora Instrutora que, no caso da arguida, ora recorrente, esta " ... não só leu (as mensagens do B) como também escreveu 6 queixas a coberto do anonimato ... "; e agiu reiteradamente "ao longo de três anos (...)" efectuando "dezenas de queixas de má fé, com o intuito primeiro de prejudicar o bom nome e a reputação profissional de colega".
m) No tocante à arguida, ora recorrente, esta apenas se queixou - e é um direito que lhe assiste dando a sua "opinião" na respectiva "caixa" - da conduta do citado C porque, em seu entender, este, no exercício das suas funções, teria um comportamento que degradaria o serviço onde ambos trabalhavam; e a própria imagem da DSF.
Foi esta a sua intenção; sendo falso e desprovido de prova que, com a sua conduta, a arguida, ora recorrente, visasse assediar moralmente o C.
n) Aliás, basta atentar no conteúdo da designada "Acta de reunião" de fls. 36 e segs. dos autos, para se perceber que, pelo menos parte das queixas apresentada pela recorrente (v. "opinião/queixa" do art.º 79º da acusação) corresponderia confessadamente a um eventual incumprimento, por parte do C, dos seus deveres como funcionário da R.A.E.M..
Isto é, a arguida recorrente deu a sua "opinião" ("queixou-se"); e o visado assumiu expressamente uma conduta desrespeitadora dos seus deveres como funcionário.
o) A arguida recorrente apenas admite, dos factos elencados na acusação, aqueles que constam dos artigos 76° a 81° da mesma.
Do teor das "queixas" que apresentou - que nada têm que ver com o teor das queixas do alegado co-arguido, B - apenas se poderá concluir que (i) há um colega do serviço - que é o citado C - que usa persistentemente o seu telefone no horário de trabalho; (ii) que esta conduta do colega a incomoda; (iii) que ele até dorme durante as horas de serviço; e (iv) que há um "demónio" no 2° andar - que a recorrente não identificou e que até explicou a adjectivação (v. declarações da arguida de fls. 379) - que poderá ou não ser o mesmo que usa o telefone e que dorme no serviço; mas que, repare-se, as datas das mensagens até são espaçadas suficientemente para que as mesmas não tenham qualquer ligação entre si.
p) Para que conste, a recorrente é estranha ao conteúdo de toda e qualquer "missiva anónima" a que acusação se refere, nomeadamente, nos art.ºs 86°, 87° e 94°; e as suas "queixas" - exclusivamente as suas, por que ela responde - não são, ao contrário do que se afirma na acusação, "alegações mentirosas" (art.º 126°).
Tanto mais que, em parte, o visado assumiu-as e, aparentemente, ninguém verificou (ou quis verificar) a sua veracidade.
Aqui chegados, entende a recorrente que a sua conduta - tipificada apenas nas queixas que a acusação alude nos art.ºs 76° a 81° - sai manifestamente prejudicada porque, no decurso do processo disciplinar, a Senhora Instrutora resolveu "colá-la" à conduta do B, tendo ambos alegadamente agido em co-autoria.
De que, diga-se, inexiste nos autos qualquer prova e que é falso; e que, manifestamente, teve repercussões na pena que lhe foi aplicada e de que ora se recorre.
r) E assim foi porque a Senhora Instrutora vai de presunção em presunção; até à presunção final ...
De facto, existem queixas dirigidas - pelo menos, parte - à conduta do C, cuja autoria a recorrente assumiu. E tão só essas.
E porque a recorrente as assumiu - reitera-se num legítimo e louvável direito de queixa - daí, entende a Senhora Instrutora, tudo o que se passa ou passou nos autos, alegadamente relacionado com o C, teve o cunho da recorrente.
Mas tal é uma presunção, que manifestamente colide com o disposto no art.º 342º do C. Civil.
s) Ora, o único facto conhecido nos autos imputável à recorrente são as queixas já referidas e que ela assumiu - aquelas que ela fez constar na intranet da DSF e se reproduzem nos art.º 76º a 81° da acusação -.
t) E deste facto (conhecido), afigura-se à recorrente, é impossível concluir os "factos desconhecidos" expressamente referidos e assentes pela Senhora Instrutora de que: (i) a recorrente terá agido em conluio com o B; (ii) ambos são os autores das 35 mensagens dos autos; (iii) que a recorrente efectuou "dezenas de queixas" (do C); e que (iv), não obstante as suas 6 queixas terem sido feitas no espaço temporal de 02/02/2021 a 01/12/2021, a sua conduta "configura uma situação de assédio moraI ... no local de trabalho ao longo de três anos".
u) "Assediar moralmente" alguém é expôr alguém a uma situação constrangedora, duradoura e repetitiva.
O que não é o que resulta das assumidas queixas da recorrente, que até nem identificam o visado.
v) Repare-se que, como diz a Senhora Instrutora, as mensagens (ou queixas) expostas na intranet da DSF nunca identificaram o C.
E foi a recorrente quem, em sede de declarações, afirmou que parte das mesmas eram queixas da conduta em serviço do C. E justificou.
Mas todas as demais mensagens (ou queixas) dos autos - seja as da recorrente ou as do B (estas, a que a recorrente é estranha, reitera-se!) - visam ninguém. Apenas referem factos.
w) Logo, nunca poderão tais mensagens constituir "difamação" ou "assédio moral” de quem quer que seja. Porque esse alegado alguém não está identificado.
Tudo são, pois, meras presunções da Senhora Instrutora, que até vai além do que o C sugere na já referida "Acta de Reunião" (fls. 36 dos autos); nunca aí tendo sido feita, por quem quer que seja, a menor referência à ora recorrente.
x) A arguida reclama para si, nos factos referidos no processo disciplinar, uma actuação isolada e não violadora de qualquer dever funcional; e sem que a mesma tenha a menor colação à conduta do co-arguido B.
São co-arguidos porque a Senhora Instrutora assim o decidiu.
Não existe a menor ligação entre as alegadas condutas de um e outro.
Inexiste, pois, co-autoria.
Perante os factos imputados a ambos, só a arguida sai prejudicada desta alegada colação.
y) Entende, por isso, a recorrente que a sua conduta se inseriu, pessoal e isoladamente, num legítimo exercício do direito de queixa de que ela - funcionária diligente e cumpridora dos seus deveres - entende não dever prescindir.
z) A sua conduta, que a Senhora Instrutora eivou de fabulosas conspirações, não mereceria, pois, a pena disciplinar que lhe foi imposta; de que ora recorre; e cuja anulação se visa.
aa) Até porque, como se disse em sede de Defesa, não só inexiste infracção disciplinar imputável à recorrente - nos termos definidos no art.° 281 ° do ETAPM -; como também não se verificam nos autos as circunstâncias agravantes elencadas (e dadas como provadas) pela Senhora Instrutora; nesta parte se remetendo - o que aqui se reproduz - para a Defesa apresentada em 15/06/2022 no processo disciplinar (v. art.° 47° a 53°).
Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulada a decisão recorrida, com todas as consequências legais.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 24 a 31, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário do despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças de 15.12.2023, exarado na Inf. n.º 074/NAJ/VP/2023 de 28.11 notificado mediante o Ofício n.º 39/NAJ/VP/2023.
2. Aquele despacho indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente em 3.11.2023 do acto do Director dos Serviços de Finanças que através do despacho de 10.10.2023, exarado na Inf. n.º 002/AT/2023 de 26.06, aplicou à recorrente a pena de multa correspondente a 15 dias de vencimento em sede de processo disciplinar por violação do disposto no artigo 281.° do ETAPM.
É, assim, a decisão punitiva o objecto do presente recurso.
POR IMPUGNAÇÃO
Da legalidade do despacho recorrido
3. Pugna a recorrente pela ilegalidade do despacho recorrido por erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito.
4. Entende a recorrente ter exercido o seu direito de queixa não consubstanciando a sua conduta a assédio moral no local de trabalho em relação ao seu colega C nem tão-pouco ter agido em co-autoria com o colega B.
5. Contudo das diligências efectuadas durante o procedimento disciplinar- incluindo do auto de declarações da recorrente (fls. 378 a 381) - e conforme consta do relatório final do processo disciplinar (fls. 616 a 659), resultou provado que:
a) A recorrente foi autora material de 6 mensagens escritas na caixa de opiniões da DSF entre 2 de Fevereiro e 1 de Dezembro de 2021;
b) Essas mensagens têm a assinatura digital da recorrente;
c) A recorrente apenas reconheceu ser a autora material daquelas mensagens quando confrontada durante a sua inquirição pela senhora instrutora que lhe deu a conhecer o conteúdo das mensagens onde consta o seu nome;
d) No auto de declarações a recorrente reconheceu ter escrito mensagens relativas ao colega C;
e) A recorrente queixou-se do seu colega C à sua chefia directa;
f) O outro arguido no processo disciplinar, B, foi o autor material de 29 mensagens escritas na caixa de opiniões da intranet da DSF entre 3 de Março de 2021 e 6 de Abril de 2022, as quais têm a assinatura digital do arguido B;
g) Existe semelhança entre o conteúdo das mensagens que ambos os arguidos escreveram na caixa de recolha de opiniões da intranet da DSF conforme resulta dos artigos 43.°, 46.°, 52.° da acusação referentes ao arguido e dos artigos 76.° a 81.° da acusação referentes à recorrente (fls. 444 a 501):
"Um colega do sexo masculino andar a brincar durante 6 horas com o telemóvel e, 7 horas de trabalho que tem por dia, será mesmo esta a função a desempenhar?"( data 8/03/2021);
"Um colega está brincando com o seu telefone preto sobre a mesa há uma hora e todos se sentem envergonhados." (data 21/05/2021);
"O colega passou a manhã inteira brincando e copiando documentos na mesa do escritório com um celular preto." (data 20/07/2021);
"Incómodo das vibrações do telemóvel do colega todas as manhãs a partir das 9h30 até às 12h45, vibrações non stop, non stop, non stop, sem parar!"(data 2/02/2021);
"Incomodo das vibrações do telemóvel desde esta manhã 9h30 ate agora 12h30 continua non-stop, que depressão." (8/02/2021);
"Incomodo da vibração do telemóvel começa again logo de manhã." (data 4/03/2021);
"as 4h00 dormir acorda agora que cansativo." (data 2/09/2021);
"2 andar tem demónio muito medo!!! Eu e colega vimos as coisas desaparecem no ar." (data 1/12/2021).
h) A recorrente e o arguido B, foram os únicos colegas que, cumulativamente, se queixaram várias vezes verbalmente à chefia funcional e escreveram queixas na caixa de sugestões da intranet da DSF.
6. Ao contrário do que a recorrente alega, ficou provada não só a autoria das mensagens bem como a identidade do visado de tais queixas C, desde logo nas declarações prestadas pela própria recorrente que confessou a autoria de algumas das mensagens, 6 mais precisamente, na caixa de opiniões da intranet da DSF.
7. Confessou, igualmente, ter utilizado a caixa de mensagens para escrever alguns "desabafos" - nas palavras da recorrente - relativos ao colega C ainda que o não tenha identificado nas mensagens.
8. Reiteramos que a autoria das mensagens apenas foi confessada pela recorrente e pelo outro arguido no processo disciplinar pela senhora instrutora quando confrontados com as provas recolhidas junto ao Departamento de Sistemas de Informação (DSI) conforme fls. 141 a 160 e fls. 341 a 345.
9. Assim, ainda que a recorrente e o arguido B não tivessem reconhecido a autoria das mensagens a mesma está provada pelos registos informáticos.
10. Também reconheceram o visado de tais queixas ser o colega C.
11. A recorrente contradiz-se pois se por um lado alega ter exercido o seu direito de queixa (anónima) em prol da imagem da DSF por entender que o comportamento do colega C degradava o serviço, por outro lado alega que o conteúdo daquelas mensagens referem apenas factos não identificando o visado (o colega) ...
12. Durante o procedimento disciplinar em nenhum momento houve referência a outro colega que "importunasse" a recorrente ou o outro arguido.
13. Da conduta da recorrente outra não podia ser a conclusão, por provada, de que a recorrente agiu livre, voluntária e dolosamente.
14. Com o comportamento voluntário, doloso e em conluio com o arguido B, a recorrente violou o dever de correcção e respeito para com os colegas e superiores, o dever de lealdade ao serviço, bastando para tanto ler as declarações da recorrente que não demonstrou qualquer tipo de empatia para com o colega visado, não tendo alcançado o dano causado ao serviço pela projecção de uma imagem negativa de indisciplina e desleixo perante todos os colaboradores da DSF que acompanharam o desenrolar das denúncias já que todos os trabalhadores têm acesso à caixa de opiniões da intranet.
15. A recorrente violou os deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de lealdade e de correcção, pelo que a sua conduta enquadra-se nos pressupostos do artigo 281.° punível com pena de multa de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 300.° e artigo 302.° todos do ETAPM.
16. Na determinação da pena a aplicar foram consideradas circunstâncias atenuantes (as alíneas a) e j) do artigo 282.° do ETAPM) e circunstâncias agravantes (as alíneas b), d), h) e i) do n.º 1 do artigo 283.° do ETAPM).
17. Para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 283.° do ETAPM acompanhamos o entendimento de Manuel Leal-Henriques segundo o qual há conluio " ... quando o agente logra obter o concurso de outras pessoas para a prática da infracção, reforçando assim a capacidade de realização do facto e consequentemente a garantia do seu êxito." (in Manual de Direito Disciplinar, Manuel Leal-Henriques, Centro de Formação Jurídica e Judiciária)
18. Veja-se que a norma fala em "conluio com outros indivíduos", ou seja, podem ser comparticipantes outros que não trabalhadores da Administração e cremos que o termo "indivíduos" é utilizado como fórmula abrangente de maneira a cobrir uma parceria, seja ela de singularidade ou de pluralidade, tal como o seria se a formula fosse "conluio com outrem".
19. A norma não faz distinção se esse conluio tem que ser expresso ou tácito, não exige um planeamento conjunto, simultâneo, basta a consciência da colaboração para a prática da infracção.
20. Seja qual for a interpretação da intenção do legislador dúvidas não existem que ambos, a ora recorrente e o arguido B, tinham conhecimento das respectivas condutas.
21. Ambos os arguidos agiram em conluio tendo o mesmo ficado provado (i) pela semelhança do teor das mensagens que ambos escreveram na intranet da DSF, (ii) o lapso temporal entre as mensagens de ambos os arguidos ser idêntico, (iii) o visado das mensagens - ainda que não tenha sido identificado nas mensagens - foi por ambos reconhecidamente ser C e (iv) foi apurado no processo disciplinar que apenas os dois arguidos fizeram queixas à chefia directa acerca do colega C.
22. Apesar de se concluir pelo conluio como circunstância agravante, ambas as condutas - como não podia deixar de ser - foram valoradas de forma diferente para a determinação da pena aplicável a cada um dos arguidos no processo disciplinar visto a matéria factual provada em relação a cada um dos arguidos ser distinta.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 64 a 68, pugnando pela seguinte conclusão:
“(...)
Pelo exposto, deve a Entidade Recorrida ser absolvida da instância em razão da verificada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
A Recorrente foi notificada da decisão disciplinar punitiva do Director Dos Serviços de Finanças no dia 18 de Outubro de 2023, pelo que, no dia seguinte, independentemente de qualquer formalidade, começou a correr o prazo contínuo [artigo 74.º, alíneas a) e b) do CPA] de 30 dias de que dispunha para interpor recurso hierárquico necessário e, dessa forma, tornar aquele verticalmente definitivo e, assim, susceptível de recurso contencioso.
No dia 3 de Novembro de 2023, a Recorrente apresentou reclamação do acto punitivo perante o respectivo autor, o Director dos Serviços de Finanças. Essa reclamação tem natureza facultativa, uma vez que nada resulta da lei que aponte no sentido de que a sua apresentação é pressuposto legal da apresentação do recurso hierárquico, esse sim indiscutivelmente necessário, ou do recurso contencioso.
Com a apresentação da falada reclamação suspendeu-se o decurso do prazo do recurso hierárquico necessário, nos termos que vimos resultarem do disposto no n.º 1 do artigo 151.º do CPA. Ora, no momento em que a suspensão do decurso do prazo se verificou (dia 3 de Novembro de 2023), tinham corrido 15 dos 30 dias do prazo, pelo que a Recorrente dispunha ainda de 15 dias para interpor o recurso hierárquico necessário assim que cessasse a suspensão da contagem do prazo.
No dia 29 de Dezembro de 2023, a Recorrente foi notificada, na pessoa do seu ilustre Mandatário, da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação que apresentaram pelo que, no dia seguinte, o prazo de 30 dias para interposição do recurso hierárquico necessário retomou o seu curso, tendo-se exaurido no dia 15 de Janeiro de 2024 [o termo do prazo caiu no dia 13 de Janeiro que foi um sábado e por isso se transferiu para o primeiro dia útil seguinte que foi o dia 15 de Janeiro, segunda-feira: artigo 74.º, alínea c), do CPA].
* * *
IV – FUNDAMENTOS
Pelo MP foi suscitada uma questão prévia: irrecorribilidade do acto (intempestividade do recurso contencioso interposto), a Recorrente respondeu nos termos constantes de fls. 72 e 73 dos autos.
*
A propósito das questões suscitadas pela Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(i) A, melhor identificada nos presentes autos, interpôs o presente recurso contencioso na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico que oportunamente interpôs perante o Secretário para a Economia e Finanças do acto praticado pelo Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação que apresentou do acto do mesmo Director que lhe aplicou a pena disciplinar de multa correspondente a 15 dias de vencimento.
A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.
(ii)
(ii.1)
Parece-nos que ocorre, no caso, a excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido a que alude a alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC.
Pelo seguinte.
Comecemos por enunciar os factos relevantes para a apreciação da exceção que resultam da análise do processo administrativo instrutor.
a) No dia 10 de Outubro de 2023, o Director do Serviço de Finanças aplicou à Recorrente a pena disciplinar correspondente a 15 dias de vencimento (fls. 738 do processo administrativo instrutor).
b) Essa decisão foi pessoalmente notificada à Recorrente no dia 18 de Outubro de 2023 (fls. 745 do processo administrativo instrutor) e foi notificada por carta com registo desse mesmo dia 18 à sua ilustre Mandatária/Advogada (fls. 742-743 do processo administrativo instrutor).
c) Tanto a Recorrente como a sua ilustre Mandatária/Advogada foram expressamente advertidas de que da decisão punitiva cabia recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças a interpor no prazo de 30 dias a contar da data da notificação (fls. 745 e fls. 743 do processo administrativo instrutor).
d) No dia 3 de Novembro de 2023, a Recorrente, através de requerimento subscrito pelo seu ilustre Mandatário/Advogado dirigiu ao Director dos Serviços de Finanças reclamação da decisão punitiva acima mencionada, pedindo a sua revogação ou a sua substituição por uma pena disciplinar de repreensão escrita (fls. 765-769 do processo administrativo instrutor).
e) No dia 15 de Dezembro de 2023, o Director dos Serviços de Finanças proferiu decisão de indeferimento da referida reclamação (fls. 770-774 do processo administrativo instrutor).
f) No dia 29 de Dezembro de 2023, por carta registada com aviso de recepção, foi essa decisão de indeferimento da reclamação notificada à Recorrente na pessoa do ilustre Mandatário/Advogado que subscreveu o requerimento da reclamação (fls. 775-779 do processo administrativo instrutor).
g) Na parte final do ofício expedido pela Direcção do Serviço de Finanças para da notificação da decisão de indeferimento da reclamação lê-se o seguinte: «Mais se informa V. Ex.a que do acto administrativo em apreço cabe recurso hierárquico necessário, dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, nos termos dos artigos 153.º a 156.º do Código do Procedimento Administrativo» (fls. 777 do processo administrativo instrutor).
h) No dia 26 de Janeiro de 2023, a Recorrente, através do seu ilustre Mandatário/Advogado, dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças recurso hierárquico do acto praticado pelo Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a dita reclamação, pedindo «a revogação da pena de ‘multa’ aplicada à recorrente; substituindo-a eventualmente por uma ‘repreensão escrita’» (fls. 782 a 790 do processo administrativo instrutor).
(ii.2)
(ii.2.1)
Sendo estes os factos que nos parecem relevantes, vejamos agora o direito aplicável.
Segundo o disposto na norma do n.º 3 do artigo 341.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, «de todas as decisões que apliquem penas disciplinares que não tenham sido proferidas pelo [Chefe do Executivo] e das que não admitam escusa ou recusa do instrutor, cabe recurso administrativo para aquele, a interpor no prazo de 30 dias, contados da notificação do arguido (…)». Trata-se aí, como é consensual, de um recurso hierárquico necessário que, como é próprio das impugnações administrativas com essa natureza, e resulta do disposto no n.º 4 do artigo 341.º e no n.º 1 do artigo 157.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), tem efeito suspensivo.
Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 145.º e do n.º 1 do artigo 148.º do CPA, os particulares podem reclamar de qualquer acto administrativo, solicitando a sua revogação ou modificação, e, tratando-se de actos insusceptíveis de recurso contencioso, preceitua o n.º 1 do artigo 151.º do CPA que a reclamação suspende o prazo de interposição do recurso hierárquico necessário. Significa isto o seguinte.
Estando o correr o prazo para a interposição de um recurso hierárquico necessário de um acto administrativo, se, porventura, o particular optar por apresentar reclamação facultativa perante o autor do acto, daí resultará a suspensão daquele prazo, a qual se manterá até à notificação da decisão da reclamação. Ou seja: para a contagem do prazo do recurso hierárquico não se considera o período que decorreu desde que o momento em que reclamação foi apresentada até àquele em que foi notificada a respectiva decisão; computa-se, todavia, o período de tempo que decorreu até à apresentação da reclamação. Só não será assim nas situações em que a reclamação, ela própria, é necessária. A suspensão do prazo não implica, pois, contrariamente ao que acontece com a interrupção de um prazo prescricional, a inutilização do prazo já decorrido (cfr., MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 768).
(ii.2.2)
Revertendo ao nosso caso.
A Recorrente foi notificada da decisão disciplinar punitiva do Director Dos Serviços de Finanças no dia 18 de Outubro de 2023, pelo que, no dia seguinte, independentemente de qualquer formalidade, começou a correr o prazo contínuo [artigo 74.º, alíneas a) e b) do CPA] de 30 dias de que dispunha para interpor recurso hierárquico necessário e, dessa forma, tornar aquele verticalmente definitivo e, assim, susceptível de recurso contencioso.
No dia 3 de Novembro de 2023, a Recorrente apresentou reclamação do acto punitivo perante o respectivo autor, o Director dos Serviços de Finanças. Essa reclamação tem natureza facultativa, uma vez que nada resulta da lei que aponte no sentido de que a sua apresentação é pressuposto legal da apresentação do recurso hierárquico, esse sim indiscutivelmente necessário, ou do recurso contencioso.
Com a apresentação da falada reclamação suspendeu-se o decurso do prazo do recurso hierárquico necessário, nos termos que vimos resultarem do disposto no n.º 1 do artigo 151.º do CPA. Ora, no momento em que a suspensão do decurso do prazo se verificou (dia 3 de Novembro de 2023), tinham corrido 15 dos 30 dias do prazo, pelo que a Recorrente dispunha ainda de 15 dias para interpor o recurso hierárquico necessário assim que cessasse a suspensão da contagem do prazo.
No dia 29 de Dezembro de 2023, a Recorrente foi notificada, na pessoa do seu ilustre Mandatário, da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação que apresentaram pelo que, no dia seguinte, o prazo de 30 dias para interposição do recurso hierárquico necessário retomou o seu curso, tendo-se exaurido no dia 15 de Janeiro de 2024 [o termo do prazo caiu no dia 13 de Janeiro que foi um sábado e por isso se transferiu para o primeiro dia útil seguinte que foi o dia 15 de Janeiro, segunda-feira: artigo 74.º, alínea c), do CPA].
Por isso, no dia 26 de Janeiro de 2024, data em que a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação da decisão disciplinar punitiva, esta, por falta de impugnação hierárquica tempestiva, estava definitivamente consolidada na ordem jurídica como acto decidido, tornando-se, desse modo, inimpugnável contenciosamente. Ora, essa inimpugnabilidade contenciosa da decisão punitiva não pode ser contornada, como se compreende, pela interposição de um recurso hierárquico, que é facultativo, do acto de indeferimento da reclamação que é meramente confirmativo do acto punitivo anteriormente praticado. A interposição de recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação não pode servir para, ainda que indirectamente, abrir uma porta, a do recurso contencioso da decisão disciplinar, que estava definitivamente fechada.
Na verdade, o acto do Director dos Serviços de Finanças que decidiu a reclamação e que foi objecto do recurso hierárquico interposto pela Recorrente é um acto que não pode deixar de se qualificar como meramente confirmativo, uma vez que se trata de um acto emanado da mesma entidade e dirigindo-se ao mesmo destinatário, e com os mesmos fundamentos, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei. É, pois, um acto que se limita a reiterar uma decisão contidas em um acto administrativo anterior (aliás, o acto meramente confirmativo não é, sequer, um verdadeiro acto administrativo, uma vez que, «limitando-se a manter a definição jurídica constante de um acto anterior, não tem conteúdo decisório, pelo que não produz efeitos jurídicos inovatórios». Assim: MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Reimpressão, Coimbra, 2022, p. 383. Já no mesmo sentido, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, p. 79 e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Coimbra, 2018, p. 172).
Sendo o acto que indeferiu a reclamação um acto meramente confirmativo de um acto administrativo anterior, parece-nos que também se pode afirmar, com toda a segurança, que dele não cabia recurso hierárquico necessário. Admitindo que aquele acto fosse susceptível de recurso hierárquico, sempre seria de o qualificar como facultativo. Por isso, a falta de decisão da Entidade Recorrida desse recurso não corresponde, por definição, a um indeferimento tácito contenciosamente recorrível. Só as decisões expressas proferidas em recurso hierárquico necessário ou os actos silentes que aí tenham lugar são susceptíveis de recurso contencioso.
Sempre se diga que a conclusão não será diferente se, em alternativa, se considerar que o recurso hierárquico interposto pela Recorrente teve por objecto, não a decisão de indeferimento da reclamação, mas a própria decisão punitiva. Nessa hipótese, a antes demonstrada intempestividade do recurso hierárquico também implicaria, face ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 28.º do CPAC, a irrecorribilidade do acto recorrido, ou, talvez, mais precisamente, a inviabilidade de o interessado presumir tacitamente indeferida a impugnação administrativa de modo a aceder ao recurso contencioso.
Ocorre, pois, a nosso modesto ver, um inultrapassável obstáculo ao conhecimento do mérito da causa que deve implicar a absolvição da Entidade Recorrida da instância, tal como resulta das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC e do artigo 412.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPAC.
(ii.2.3)
Uma última nota. Para nos referirmos à notificação feita pela Direcção dos Serviços de Finanças da decisão de indeferimento da reclamação apresentada, na parte em que no respectivo ofício se exarou que «do acto administrativo em apreço cabe recurso hierárquico necessário, dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, nos termos dos artigos 153.º a 156.º do Código do Procedimento Administrativo». Trata-se, salvo o devido respeito, de um erro. A decisão de indeferimento da reclamação (supomos ser esse o «acto administrativo em apreço» referido no texto do dito ofício) não estava, como é óbvio, sujeita a recurso hierárquico necessário. A decisão que estava sujeita a recurso hierárquico necessário no prazo de 30 dias a contar da respectiva notificação era a decisão disciplinar punitiva que havia sido objecto de reclamação. São coisas diferentes, como se percebe.
Contudo, esse erro na notificação de nenhuma forma se projecta na conclusão a que antes chegámos no que tange à irrecorribilidade do acto recorrido. Segundo nos parece, a deficiência da notificação de forma alguma pode implicar, contra legem, o ressurgimento de uma possibilidade, ainda que de forma indirecta, de impugnação contenciosa de um acto que estava definitivamente extinta.
De resto, a notificação da decisão disciplinar punitiva, única que estava sujeita a recurso hierárquico necessário e, também, a única relevante para desencadear a contagem do prazo para a interposição do dito recurso, não sofre de qualquer vício. Com a notificação da decisão disciplinar foi indicado à Recorrente, explicitamente, que a mesma estava sujeita a recurso hierárquico necessário a interpor no prazo de 30 dias, nos termos do artigo 341.º, n.º 3 do ETAPM.
O que aconteceu foi que, no decurso desse prazo, legitimamente, mas sem necessidade, a Recorrente deduziu reclamação perante o autor do acto. Essa reclamação, como vimos, não inutilizou o prazo já decorrido, apenas o suspendeu, impedindo o seu curso, como vimos. A Recorrente, que estava representada por um ilustre Mandatário/Advogado, não podia desconhecer isto. Não podia desconhecer que o prazo para a interposição do recurso hierárquico do acto punitivo tinha iniciado o seu curso e que a reclamação apresentada apenas tinha o efeito de suspensivo que referimos até ao momento da notificação da reclamação. Finda essa suspensão, o prazo do recurso hierárquico necessário retomava a sua contagem. Mais. A Recorrente também não podia desconhecer que a apresentação da reclamação não podia ter o efeito de ampliar o prazo já iniciado, ou de inutilizar o prazo, entretanto decorrido, uma vez que, caso a decisão sobre a reclamação fosse, como veio a ser, de indeferimento, ela seria, como vimos, meramente confirmativa.
Estamos modesta, mas convictamente em crer que o facto de a Administração ter indicado, mal, um meio procedimental e o respectivo prazo para a Recorrente impugnar administrativamente a decisão que indeferiu a reclamação do acto administrativo punitivo, não é susceptível de bulir com os termos em que, com a retoma do curso do prazo (sublinhe-se: um outro prazo e para impugnação de um outro acto) para a interposição do recurso hierárquico necessário daquele acto administrativo deve operar a sua contagem.
À Recorrente, e à sua ilustre Mandatária/Advogada, foi dito, de forma expressa, inequívoca, clara, e em conformidade com a lei, que o prazo de que aquela dispunha para impugnar, através de recurso hierárquico necessário, a decisão disciplinar do Director dos Serviços de Finanças que lhe aplicou uma multa correspondente a 15 dias de vencimento era de 30 dias a contar da notificação dessa decisão. Como tal, não tendo qualquer indicação em contrário sido posteriormente dada pela Administração a respeito da impugnação hierárquica dessa decisão, nada obstava a que essa impugnação tivesse sido apresentada em tempo. De nenhum modo se pode dizer, parece-nos, que a Administração induziu o ilustre Mandatário/Advogado da Recorrente em erro.
(iii)
Pelo exposto, deve a Entidade Recorrida ser absolvida da instância em razão da verificada excepção dilatória da irrecorribilidade do acto recorrido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise da questão da excepção dilatória da irrecorribilidade do acto em causa, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão se tornou irrecorrível por ter deixado o prazo legalmente prescrito para interpor o competente recurso, razão pela qual é de se julgar procedente a excepção dilatória da irrecorribilidade do acto, absolvendo-se a Entidade Recorrida da instância.
*
Síntese conclusiva:
I – Fica provado que a Recorrente foi notificada da decisão disciplinar punitiva do Director dos Serviços de Finanças em 18/10/2023, e, em 3/11/2023 a Recorrente apresentou reclamação do acto punitivo perante o respectivo autor. Essa reclamação tem natureza facultativa, uma vez que nada resulta da lei que aponte no sentido de que a sua apresentação é pressuposto legal da apresentação do recurso hierárquico, esse sim indiscutivelmente necessário, ou do recurso contencioso.
II - Em 29/12/2023, a Recorrente foi notificada, na pessoa do seu ilustre Mandatário, da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação, pelo que, no dia seguinte, o prazo de 30 dias para interposição do recurso hierárquico necessário retomou o seu curso, tendo-se exaurido no dia 15 de Janeiro de 2024 (o termo do prazo caiu no dia 13 de Janeiro que foi um sábado e por isso se transferiu para o primeiro dia útil seguinte que foi o dia 15 de Janeiro, segunda-feira: artigo 74.º, alínea c), do CPA).
III – Em 26/02/2024, data em que a Recorrente interpôs recurso hierárquico necessário da decisão do Director dos Serviços de Finanças que indeferiu a reclamação da decisão disciplinar punitiva, esta, por falta de impugnação hierárquica tempestiva, estava definitivamente consolidada na ordem jurídica como acto decidido, tornando-se, desse modo, inimpugnável contenciosamente.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a excepção dilatória da irrecorribilidade do acto, absolvendo-se a Entidade Recorrida da instância.
*
Custas pela Recorrente.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 26 de Setembro de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(1º Adjunto)
Tong Hio Fong
(2º Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
23
2024-208-irrecorribilidade-acto-extemporâneo