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Processo n.º 18/2024
Recurso jurisdicional em matéria cível
Recorrente: A
Recorrida: B
Data do Acórdão: 8 de Maio de 2024
Juízes: Song Man Lei (Relatora), José Maria Dias Azedo e Sam Hou Fai

Assuntos: - Revisão e confirmação da sentença do exterior
- Privilégio dos residentes de Macau
- Artigo 1202.º, n.º 2, do Código de Processo Civil

SUMÁRIO
1. Como se sabe, para efeito de reconhecimento de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau, o nosso sistema é, em regra, de revisão meramente formal, a não ser no caso específico previsto no n.º 2 do art.º 1202.º do CPC que estipula que, se a decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, a impugnação do pedido de reconhecimento de sentença do exterior pode fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos de Macau. Neste caso, existe sem dúvida revisão de mérito, de aplicação do direito.
2. No presente recurso, pretende o recorrente invocar privilégio da residência prevista no n.º 2 do art.º 1202.º do CPC, a fim de converter a revisão formal em revisão de mérito.
3. No entanto, para fazer funcionar o mecanismo em causa, não é bastante invocar tão só que a decisão revidenda foi proferida contra residente de Macau, sendo ainda necessário alegar e demonstrar que, segundo as normas de conflitos de Macau, se deve aplicar o direito de Macau para resolver a questão controvertida e o resultado dessa aplicação se revela mais favorável a residente de Macau.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
B requereu contra A, ambos melhor identificados nos autos, a revisão e confirmação de sentença estrangeira, pretendendo a revisão e confirmação da decisão proferida pelo Tribunal de Comarca do Condado de Clark, Nevada, dos Estados Unidos da América.
O Tribunal de Segunda Instância decidiu confirmar a decisão revidenda.
Vem o requerido A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
i. Em decisão datada de 19 de Outubro de 2023, proferida pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito do Processo n.º 664/2022, foi julgado procedente o requerimento de confirmação da sentença emanada pelo Tribunal de Comarca do Condado de Clark, Nevada, (adiante designado por “tribunal exterior”) referente ao Processo de A-20-811470-C, sob a jurisdição do Juízo n.º 2;
ii. Conforme a decisão confirmada, o Recorrente foi condenado a pagar à requerente B diversas quantias relacionadas a uma suposta dívida, incluindo capital, juros, indemnização, procuradoria, custas de partes e juros vencidos, perfazendo uma quantia total de MOP$4.687.338,60;
iii. Sempre com o devido respeito, ora Recorrente não se conforma com a douta decisão de confirmação proferida pelo Tribunal “a quo”, uma vez que a revisão deveria ser de mérito e não apenas externa e formal, tendo a decisão revidenda tenha sido proferida contra um residente de Macau;
iv. Para efeito de revisão de mérito, o tribunal “a quo” teria de apreciar se a decisão do tribunal exterior, tanto pela sua decisão em si mesma como pelos seus fundamentos, está em conformidade real com ou antes contrárias às disposições do direito material do local de revisão – vd. Acórdão de Tribunal de Segunda Instância da RAEM, Proc. n.º 29/2003, de 10 de Junho de 2004;
v. Ou seja, o Venerando Tribunal de Segunda Instância, sendo o tribunal de exequatur, terá de apreciar se a qualificação jurídica dos factos feita pelo tribunal exterior, será aceitável perante a ordem jurídica de Macau – idem, pág. 62;
vi. É importante salientar que a decisão revidenda faltou a descrição da fundamentação fáctica e jurídica, impossibilitando o tribunal exequatur de verificar a conformidade ou compatibilidade da qualificação jurídica dos factos com a nossa ordem jurídica;
vii. Nos embargos ao requerimento de confirmação da sentença exterior, o Recorrente alegou desconhecer o objecto, o termo ou as condições e o fim do contrato de crédito (mútuo) celebrado entre ele e a requerente. Isso se deve ao facto de que o único documento assinado pelo Recorrente (vd Doc. n.º 17, junto com a resposta) não apresenta as características ou elementos específicos que o tornariam legalmente considerado um contrato mútuo, nomeadamente, devido à ausência da indicação do valor do mútuo, do prazo de pagamento, da estipulação dos juros (incluindo os de mora), e outros elementos pertinentes;
viii. Do ponto de vista objectivo, o único documento subscrito pelo Recorrente refere-se estritamente a um requerimento de concessão de crédito e nunca deveria ser tratado com um contrato de mútuo, devido à ausência de características ou elementos necessários para tal, como mencionado anteriormente;
ix. Em bom rigor, o Recorrente nunca recebeu instrumentos de crédito ou interpelações escritas por carta da requerente, sendo relevante destacar que o endereço mencionado na alegada interpelação não corresponde ao indicado no documento subscrito pelo Recorrente, conforme mencionado na sua petição inicial;
x. Conforme os presentes autos, não há prova de que o Recorrente tenha recebido da requerente os alegados instrumentos de crédito. Além disso, não há prova de que as partes tenham acordado sobre o prazo de pagamento das supostas dívidas, os respectivos juros (do capital e de mora) e os honorários de advogados;
xi. Em relação aos juros moratórios, conforme mencionada na decisão revidenda, o tribunal exterior condenou o Recorrente pagar à requerente uma quantia de USD$117.671,09, corresponde aos juros moratórios do capital (USD$359.760,00), contado a partir do dia 29 de Julho de 2014 até ao dia 19 de Outubro de 2020, sob a taxa legal de Nevada de 5.25% por ano. Diante dessa condenação, o Recorrente fica sem saber a razão pela qual os juros de mora foram contados a partir do dia 29 de Julho de 2014, e não a partir do prazo indicado na suposta interpelação, constante do documento 18, anexada com o requerimento da revisão e de confirmação;
xii. Pois, há de ter em consideração que nos presentes autos não consta a indicação do dia específico até o qual o pagamento da alegada dívida devia ser efectuado;
xiii. Segundo o nosso regime jurídico de mora do devedor, regulado nos artigos 793.º a 797.º do Código Civil (doravante designado por “CC”), o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (vd. o n.º 1 do artigo 793.º do CC). Porém, o devedor fica também constituído em mora, independentemente de interpelação quando a obrigação tiver prazo certo, provier de facto ilícito ou o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido – vd. o n.º 2 do artigo 794.º do CC;
xiv. Tal como foi referido anteriormente, não se afigura nos presentes autos de que as partes tenham acordado uma data específica para o pagamento da “dívida”. Portanto, a única indicação de prazo que podemos extrair dos autos é o prazo razoável estabelecido pela requerente em sua interpelação escrita por carta, datada no dia 22 de Março de 2016, conforme indicado no supra-referido documento n.º 18;
xv. Sempre com o devido respeito e em conformidade com os princípios de bom senso e rigor na análise jurídica, caso aplicasse o direito material de Macau, seria inconcebível estabelecer a data de constituição de mora como sendo o dia 24 de Julho de 2014, data da ocorrência, por sendo, indubitavelmente, desfavorável ao Recorrente;
xvi. Não sendo, portanto, aceitável de acordo com o nosso ordenamento jurídico;
xvii. Além da questão dos juros moratórios, observa-se na decisão revidenda outra questão que não está em conformidade com nosso ordenamento jurídico. Essa questão refere-se à quantia de honorários de advogados (“attorney’s fees”) pela qual o Recorrente foi condenado a pagar a favor da requerente;
xviii. Perante a quantia condenada de USD$97.290,00, equivalente a MOP$787.502,94, o Recorrente destaca que esta quantia de honorários de advogado tinha sido arbitrariamente estabelecida pelo tribunal exterior, a pedido da requerente. Contudo, em nossa modesta opinião, caso a acção tivesse sido interposta em Macau ou se se aplicar o nosso direito material do regime das custas dos tribunais, conforme estipulado no Decreto-Lei n.º 63/99/M de 25 de Outubro, o resultado seria desfavorável ao Recorrente, uma vez que essa quantia revelaria inaceitável à luz da prática e costume do foro jurisdicional de Macau;
xix. Tal montante seria manifestamente exagerado e desrazoável, mormente em acções declarativas de condenação de pagamento de dívida, nas quais o réu se encontra em estado de revelia absoluta;
xx. Sempre com o devido respeito e ressalvando as diversas melhores opiniões, o Recorrente entende que, além das questões já expostas, a mais pertinente é de saber quais foram os factos provados e quais as normas jurídicas aplicadas pelo tribunal exterior para formulação da sua convicção e chegar à condenação do Recorrente a pagar à requerente as quantias indicadas na sentença revidenda. Além disso, essa omissão também obstaculiza o Tribunal exequatur de realizar a apreciação da qualificação jurídica dos factos provados feita pelo tribunal exterior. levantando a questão da sua aceitabilidade perante a ordem jurídica e pública de Macau;
xxi. E esta omissão conduzirá, naturalmente, a inverificação do requisito necessário previsto no artigo 1200.º n.º 1 alínea a) in fine do CPC, quanto à inteligibilidade da decisão;
xxii. A falta de verificação de todos os requisitos necessários materialmente plasmado nas alíneas do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC, impede o tribunal exequatur de proceder à revisão e confirmação desta decisão proferida pelo Tribunal de Comarca do Condado de Clark, Nevada;
xxiii. Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente revogar a decisão de revisão e confirmação da sentença do tribunal exterior, por inverificação cumulativa dos requisitos necessários plasmado nas alíneas do n.º 1 do 1200.º do CPC, mormente a sua alínea a).

Contra-alegou a requerente B, pugnando pela improcedência do recurso interposto.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foi dada como assente a seguinte factualidade:
1. Por sentença proferida pelo TRIBUNAL DE COMARCA DO CONDADO DE CLARK, NEVADA, em 10 de Dezembro de 2020, no Processo n.º A-20-811470-C, Juízo n.º 2, foi condenado o Requerido ao pagamento de uma quantia certa à Requerente (cfr. doc. 1 que se junta aqui e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2. A sentença foi proferida em 10 de Dezembro de 2020 e já transitou em julgado segundo a Lei do Nevada pois, não foi objecto de qualquer recurso.
3. A Requerente é uma sociedade constituída no Estado de Delaware, Estados Unidos da América.
4. O Requerido é residente permanente de Macau, tem residência em Macau e é portador de passaporte da RAEM (cfr. Doc. 2).
5. Nos termos dessa Douta sentença o Requerido foi condenado a pagar à Requerente
i) a quantia de USD$359.760,00 (equivalente a MOP$2.911.925,25);
ii) acrescida de juros vencidos, calculados à taxa anual de 5,25% desde 29 de Julho de 2014 até 19 de Outubro de 2020, que se liquidam em USD$117.671,09 (equivalentes a MOP$952.438,94);
iii) Indemnização NRS no valor de USD$1.000,00 (equivalentes a MOP8.094,39);
iv) Procuradoria no valor de USD$97.290,00 (equivalentes a MOP$787.502,94);
v) Custas de parte no valor de USD$3.382,23 (equivalentes a MOP$27.377,08);
vi) a que acrescem juros vencidos e a vencer desde 27 de Maio de 2021 até liquidação da dívida, à taxa de 5,25% ao ano (cfr. Doc. 1).

3. Fundamentação
O Tribunal de Segunda Instância decidiu confirmar a decisão revidenda, por entender que estão verificados todos os requisitos necessários para a respectiva confirmação.
Na óptica do requerido ora recorrente, a revisão deveria ser de mérito e não apenas externa e formal, uma vez que a sentença revidenda foi proferida contra um residente de Macau, daí que, para efeito de revisão de mérito, o tribunal “a quo” teria de apreciar se a decisão do tribunal exterior, tanto pela sua decisão em si mesma como pelos seus fundamentos, está em conformidade real com ou antes contrárias às disposições do direito material do local de revisão, sendo ainda importante notar que a decisão revidenda faltou a descrição da fundamentação fáctica e jurídica, impossibilitando assim o tribunal exequatur de verificar a conformidade ou compatibilidade da qualificação jurídica dos factos com a ordem jurídica de Macau.
Alega o recorrente a inverificação do requisito necessário previsto no art.º 1200.º, n.º 1, al. a) in fine do CPC, quanto à inteligibilidade da decisão.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Antes de mais, convém transcrever as normas contidas nos art.ºs 1200.º e 1202.º do CPC, que prevêem o seguinte:
Artigo 1200.º
(Requisitos necessários para a confirmação)
1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.
Artigo 1202.º
(Fundamentos da impugnação)
1. O pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 1200.º ou na verificação de algum dos factos previstos nas alíneas a), c) e g) do artigo 653.º
2. Se a decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos de Macau.

Como se sabe, para efeito de reconhecimento de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau, o nosso sistema é, em regra, de revisão meramente formal porque as condições da confirmação da sentença do exterior exigidas e enumeradas nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 1200.º do CPC “não respeitam senão à regularidade da decisão e do processo de que ela constitui o último termo”, a não ser no caso específico previsto no n.º 2 do art.º 1202.º do CPC que estipula que, se a decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, a impugnação do pedido de reconhecimento de sentença do exterior pode fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos de Macau. Neste caso, existe sem dúvida revisão de mérito, de aplicação do direito.1
No presente recurso, pretende o recorrente invocar privilégio da residência prevista no n.º 2 do art.º 1202.º do CPC, a fim de converter a revisão formal em revisão de mérito.
No entanto, para fazer funcionar o mecanismo em causa, não é bastante invocar tão só que a decisão revidenda foi proferida contra residente de Macau, sendo ainda necessário alegar e demonstrar que, segundo as normas de conflitos de Macau, se deve aplicar o direito de Macau para resolver a questão controvertida e o resultado dessa aplicação se revela mais favorável a residente de Macau, o que não foi feito nos presentes autos.
Por outras palavras, a impugnação da revisão e confirmação da sentença estrangeira com base no n.º 2 do art.º 1202.º depende também da alegação no sentido de dever ser aplicado o direito de Macau e tal aplicação se mostrar mais favorável ao interessado.
Ora, nos termos dos art.ºs 40.º, n.º 1, e 41.º do Código Civil, as obrigações provenientes de negócios jurídicos, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista; e na falta de determinação da lei competente, “aplica-se a lei do lugar com o qual o negócio jurídico se ache mais estreitamente conexo”.
Conforme as normas de conflitos de Macau, a lei reguladora das obrigações provenientes de negócios jurídicos é designada pelos respectivos sujeitos e, na falta de designação, a lei competente é determinada segundo o critério (supletivo) de conexão mais estreita com o negócio jurídico em causa.
No caso vertente, nunca alegou (muito menos demonstrou) o recorrente que é a lei de Macau com a qual o negócio jurídico invocado pela requerente se encontra “mais estreitamente conexo”, a fim de fazer crer a aplicação da lei de Macau, o que é mesmo necessário para que o TSI proceda à revisão de mérito da sentença revidenda pretendida pelo recorrente.
Por outro lado, os elementos constantes nos autos indiciam a designação da lei reguladora do negócio reportado nos autos bem como a conexão estreita do local com o qual o negócio se encontra, ou seja, o Estado de Nevada.
Na verdade, a requerente é uma sociedade constituída na América.
E constata-se nos autos que, com a resposta à contestação apresentada pelo recorrente, o requerente juntou aos autos vários documentos, incluindo o documento 17 que se refere, alegadamente, a “um contrato de concessão de crédito para jogo”, ao abrigo do qual foram entregues USD$500.000,00 ao recorrente (fls. 85 dos autos).
Pode-se ler nesse documento, assinado pelo recorrente (assinatura que não foi por si impugnada), que o recorrente concorda que a dívida foi contraída no Estado de Navada e que se aplica exclusivamente a lei de Nevada (fls. 105 e verso, com tradução a fls. 176 a 178).
Assim, não se afigura verificados todos os requisitos de aplicação do n.º 2 do art.º 1202.º do CPC, o que afasta a hipótese de revisão de mérito por parte do TSI.
Improcedem assim os argumentos deduzidos pelo recorrente.
O mesmo se deve dizer também em relação à decisão respeitante aos juros moratórios e à quantia de honorários de advogados, que não se mostra manifestamente incompatível com a ordem pública nem manifestamente inaceitável no ordenamento jurídico de Macau.

No que concerne à imputada ininteligibilidade da sentença revidenda, também não assiste razão ao recorrente.
De acordo com o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do citado art.º 1200.º do CPC, para efeito de revisão e confirmação de sentença estrangeira, é necessário “Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão”.
A este propósito, diz a doutrina que “Para além da indispensabilidade ou não da tradução, é ainda necessário, nos termos do artigo 1096.º, alínea a), do CPC2, que a decisão estrangeira seja compreensível, isto é, que o órgão português de aplicação do direito possa apreender aquilo que o tribunal estrangeiro decidiu – isto é, o dispositivo da sentença estrangeira –, não sendo, porém, preciso que ele se preocupe “com a coerência lógica entre as premissas e a conclusão ou decisão propriamente dita”, pois isso já seria, de certo modo, proceder a uma revisão de mérito, a qual tem carácter excepcional entre nós. (…)”3
No mesmo sentido, como entende o Prof. Alberto dos Reis: “(…) Mas não basta a inteligibilidade formal, na frase do Prof. Machado Villela; é necessária, além dela, a inteligibilidade real, isto é, o conhecimento exacto do acto de vontade incorporado na decisão. É necessário que a Relação possa aperceber-se do que o tribunal estrangeiro decidiu e determinou. É essencial que a decisão seja compreensível.
Conforme nota o Prof. Machado Villela, a Relação não tem que examinar se a decisão é justa ou injusta, se a lei foi bem ou mal aplicada; também não tem de preocupar-se com as dificuldades que a execução da sentença possa, porventura, suscitar: isso é com o tribunal da execução. Só lhe cumpre assegurar-se da clareza da decisão.
Parece-nos, pois, que deve negar-se a confirmação quando a decisão seja obscura ou ambígua, isto é, quando padeça dos vícios mencionados na alínea a) do art. 670.º. (…)
Por outro lado, desde que o n.º 1 do art. 1102.º só exige que a decisão seja inteligível, não tem a Relação que averiguar e apreciar se existe ou não coerência lógica entre a decisão e os fundamentos. (…)”4
Também é nesse sentido que o requisito da inteligibilidade foi entendido pelo Tribunal de Última Instância.5
Também a jurisprudência comparada, citada para referência, segue o entendimento doutrinário supra exposto, defendendo que “Decisão inteligível é aquela ‘que se compreende bem, que é fácil de entender’, que é ‘clara, compreensível’, colocando-se a exigência de inteligibilidade ao nível da decisão em si mesma, ou seja, na sua parte dispositiva e não quanto aos seus fundamentos que, numa revisão que é essencialmente de natureza formal, só relevam em casos muito pontuais, como se verá. (…)”6
Nos presentes autos, não se nos afigura que a sentença revidenda ofereça quaisquer dúvidas quanto à sua inteligibilidade, sendo a mesma muito clara que permite uma fácil compreensão da decisão.
Assim, não se vislumbra a inverificação do requisito necessário previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 1200.º do CPC, imputada pelo recorrente.
De resto, é de julgar verificados todos os requisitos necessário para a revisão e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal de Comarca do Condado de Clark, Nevada.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UCs.

                  8 de Maio de 2024
                Juízes: Song Man Lei (Relatora)
José Maria Dias Azedo
Sam Hou Fai

1 Cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância, de 11 de Fevereiro de 2010, Proc. n.º 43/2009 e de 6 de Maio de 2015, Proc. n.º 3/2015; e FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, I, 2000, p. 466.
2 Corresponde à al. a) do n.º 1 do art.º 1200.º do CPC de Macau.
3 António Marques dos Santos, Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior), páginas 118 e 119, in Aspectos do Novo Processo Civil.
4 Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, pág.s 161 e 162.
5 Ac. do TUI, de 24 de Julho de 2019, Proc. n.º 66/2015.
6 Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Janeiro de 2012, Proc. n.º 389/11.6YRLSB.L1, Colectânea de Jurisprudência, n.º 244, Tomo I/2012.
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