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Processo nº 469/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 10 de Outubro de 2024

ASSUNTO:
- Embargos
- Omissão de pronuncia


____________________________
Rui Pereira Ribeiro





Processo nº 469/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 10 de Outubro de 2024
Recorrentes: (A) e (B)
Recorrido: (C)
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  (A) e (B), ambos com os demais sinais dos autos,
  vieram deduzir embargos à execução em que é Exequente (C), também, com os demais sinais dos autos.
  Os Embargantes invocaram os seguintes fundamentos de embargos de Executado:
  - Inexistência ou inexequibilidade do título executivo devido a defeito no registo da hipoteca do imóvel;
  - Da suspensão da instância
  - Da inoponibilidade da inscrição hipotecária nº 1*****C;
  - Da provisoriedade por dúvidas;
  - Da nulidade da inscrição hipotecária;
  - Da procuração de fls. 176/177 que instruiu a escritura de fls. 10/13 do processo principal;
  - Da nulidade do contrato de hipoteca voluntária;
  - Da nulidade do registo;
  - Da nulidade do contrato de mútuo;
  - Dos juros.
  
  Em sede de Despacho Saneador a fls. 159 foi julgada improcedente a invocada inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo invocado pelos Embargantes, improcedente o pedido de suspensão da instância, improcedente o pedido de nulidade do registo de hipoteca e improcedente o pedido de declaração de nulidade e de anulabilidade da procuração por falta de consentimento do cônjuge.
  Deste despacho veio a ser interposto recurso admitido a fls. 196 a subir imediatamente e em separado com efeito meramente devolutivo, recurso esse em que se atacou “apenas a invocada inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo invocado pelos Embargantes, improcedente o pedido de suspensão da instância” vindo em Acórdão deste Tribunal de 07.01.2021 proferido no processo que aqui correu termos sob o nº 980/2020 a ser decidido que “revogam-se os dois despachos recorridos – quanto à inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo e pedido de suspensão da instância por haver causa prejudicial – e em consequência ordena-se a suspensão destes autos até que seja proferida decisão nos processos CV3-19-0011-CRJ e CV1-19-0024-CRJ”.
  
  Não incidindo as alegações e conclusões de recurso sobre o demais que se havia decidido no Despacho Saneador nessa parte aquele transitou em julgado, isto é, no que concerne improcedente o pedido de nulidade do registo de hipoteca e improcedente o pedido de nulidade e de anulabilidade da procuração por falta de consentimento do cônjuge.
  
  Em 14.01.2021 foi proferida sentença nestes autos de embargos – cf. fls. 247 a 249 – na qual foram julgados parcialmente procedentes os embargos e em consequência, determinado que a execução contra os embargantes e sobre o bem hipotecado passe a ter por limite da obrigação exequenda no que respeita aos juros vencidos e vincendos peticionados apenas os relativos aos primeiros três anos reclamados pelo exequente (desde 12/02/2015 até 12/05/2015, à taxa anual de 27% e desde 12/05/2015 até 12/05/2018, à taxa anual de 37%).
  
  Daquela sentença foi interposto recurso a fls. 255.
  Por despacho de fls. 256 foi proferido despacho a ordenar a suspensão da instância conforme o Acórdão proferido por este Tribunal de Segunda Instância referido supra.
  Informando-se o tribunal que os processos que haviam determinado a suspensão da instância estavam findos com decisão transitada em julgado a qual concluiu pela “nulidade e subsequente cancelamento do averbamento nº 4 à inscrição hipotecária nº 1*****C da fracção autónoma “E17” do prédio descrito sob o nº ***17, fls. 138, do Livro B3K, com todas as consequências legais daí decorrentes”, veio a ser levantada a suspensão da instância e admitido o recurso interposto da sentença.
  
  Pelos Embargantes e agora Recorrentes foi interposto recurso apresentando as seguintes conclusões:
1) A sentença recorrida julgou parcialmente improcedentes os embargos à execução, mas, com a devida vénia, outro devia ter sido o sentido da decisão recorrida.
2) Primeiro, por o despacho de fls. 179 a 180 proferido sobre a reclamação de fls. 166 a 167 ter violado o disposto nos art.º 430.º, n.º 1 e 433.º, do CPC pelas razões infra sumariadas, tornando assim indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 629.º, n.º 4, do mesmo diploma.
3) 1.ª razão: porque o despacho de fls. 179 a 180 indeferiu o aditamento das palavras “em nome próprio” ao quesito 2.º da Base Instrutória por, na perspectiva do Mmo Juiz titular do processo, tal facto ser alheio à relação material controvertida.
4) Sucede que saber se a transferência da propriedade da coisa mutuada se consumou com a sua entrega ao mutuário, i.e., ao (D), não é uma questão alheia aos autos, tratando-se, pelo contrário, de uma questão fundamental.
5) É que, como, por força do disposto no art.º 1071.º do Código Civil, a transferência da propriedade da coisa mutuada só se consuma com a sua entrega ao mutuário, i.e., ao (D),
6) e se a entrega das ordens de caixa ao mutuário não consiste no acto material de as fazer mudar de mãos.
7) e se as ordens de caixa de fls. 199, no valor de HKD1,500,000.00, e de fls. 202, no valor de HKD3,500,000.00, não foram emitidas em nome do (D), mas em nome do (E),
8) e se a procuração particular de fls. 149 a 152 autenticada por notário nos termos do art.º 156,º, n,º 1, do Código do Notariado não confere poderes ao (E) para receber “em nome próprio” a quantia mutuada ao (D) pelo (C), mas apenas para a receber em nome do (D),
9) então, o contrato de mútuo não se consumou nos termos do disposto no art.º l070.º, n.º 1, do Código Civil por a prestação devida ao (D) não ter sido feita ao (E) em nome do (D) nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 759.º, do Código Civil, nem ter sido feita em nome próprio do (E) ao abrigo do disposto no art.º 760.º, a) e b), do mesmo diploma.
10) 2.ª razão: por o (C) não ter contraposto na contestação de fls. 105 a 130 que a prestação feita ao (E) extinguiu a sua obrigação para com o (D) por este assim o ter estipulado ou consentido nos termos do art.º 760,º, alínea a), do Código Civil e que o (D) mandatou o (E) nos termos do art.º 1083.º do mesmo diploma para este dispor do valor mutuado a favor do (F) e da “(G) 公司”.
11) De nada vale, pois, que a testemunha (E) arrolada pelo (C) tenha apresentado pela 1.ª vez, em audiência de julgamento, a nova versão dos factos que podia ter sido oposta na contestação de fls. 105 a 130 e seleccionada para a Base Instrutória, designadamente os factos constitutivos das excepções da “delegação de pagamento” e do “mandato para pagamento” previstas, respectivamente, no art.º 760.º, alínea a) e no art.º 1083,º, ambos do Código Civil, por deles não poder o tribunal conhecer por força do disposto nos art.º 5.º, n.º 2 e do princípio da preclusão da defesa previsto no art.º409.º, n.º 1 ex vi do art.º 700.º, n.º 2, todos do CPC.
12) 3.ª razão: porque o despacho de fls. 179 a 180 indeferiu o aditamento do quesito 5.º à Base Instrutória por, na perspectiva do Mmo Juiz titular do processo, por a validade/existência ou não da hipoteca ser uma questão de direito alheia aos autos.
13) Sucede que saber se, à data da celebração da escritura de compra e venda de fls. 16 a 17, constava (ou não) qualquer inscrição hipotecária a favor do (C) no registo predial, não é uma questão alheia aos autos, tratando-se, ao invés, da sua questão fundamental.
14) Isto porque a provar-se que, à data da celebração da escritura pública de compra e venda de fls. 16 a 17, não constava qualquer inscrição hipotecária a favor do (C) no registo predial, a hipoteca a que se refere a escritura pública de mútuo com hipoteca de 12.11.2014 (fls. 10-13 do processo principal) não produziria efeitos entre as partes (art.º 683.º do Código Civil), nem seria oponível a terceiros (art.º 5.º, n.º 1 do Código do Registo Predial), incluindo aos ora Recorridos.
15) Logo, não existindo dívida exequenda provida de garantia real, também não há direito de sequela, não se verificando, por conseguinte, a situação prevista no art.º 68.º, n.º 4, do CPC, o que importa a extinção da execução contra os ora Recorrentes.
16) Devia, pois, a reclamação de fls. 166 a 167 ter sido deferida, dado a alteração do teor do quesito 2.º e o aditamento do quesito 5.º da Base Instrutória respeitarem a factos controvertidos e necessitados de prova por serem relevantes para o exame e decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
17) Assim não entendeu o juiz titular do processo. Foi, pois, incumprido o disposto nos art.ºs 430.º n.º 1 433.º, do CPC, tornando-se por isso indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 629.º, n.º 4, do mesmo diploma.
18) Deve, pois, o despacho de fls. 179 a 180 que indeferiu a reclamação contra selecção da matéria de facto ser revogado por violação do disposto no art.º 430.º, n.º 1 ex vi do art.º 433.º, do CPC, com as legais consequências, designadamente a anulação de todos os actos processuais subsequentes que dele dependam, incluindo a sentença ora recorrida, ordenando-se a ampliação da selecção da matéria de facto e a repetição do julgamento quanto à matéria em falta para a decisão de direito ou de que também cumpra apreciar a fim de evitar contradições na decisão, conforme previsto no art.º 629.º, n.º 4, do CPC.
19) Segundo, por, pelas razões infra sumariadas, se verificar o vício da “insuficiência da matéria de facto para fundamentar a decisão de direito”, devendo-se, por isso, ampliá-la em conformidade nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 629.º, n.º 4, ex vi do art.º 430.º, n.º 1, ex vi do art.º 433.º, do CPC, e mandar julgar novamente a causa no tribunal de 1.ª instância por colectivo composto por juízes que não se encontrem impedidos nos termos do art.º 311.º, al. e), do mesmo diploma.
20) 1.ª razão: por não ter sido seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão de direito objecto da reclamação de fls. 166 a 167.
21) 2.ª razao: por não ter sido seleccionada qualquer matéria relativa à questão da nulidade do contrato de mútuo por falta da entrega efectiva da quantia mutuada ao mutuário objecto dos artigos 98.º a 121.º, dos embargos à execução de fls. 2 e ss., designadamente a matéria de facto alegada no art.º 98.º (1.ª parte).
22) Devia, pois, ter o tribunal de 1.ª instância seleccionado e investigado os factos essenciais alegados nos art.º 7.º e 8.º e 44.º a 46.º e 98.º (1.ª parte) dos embargos à execução, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, designadamente a excepção da inoponibilidade da hipoteca aos ora Recorrentes à data da aquisição e registo da coisa “hipotecada” e da nulidade do contrato de mútuo por falta da entrega efectiva da quantia mutuada ao mutuário.
23) Assim não entendeu o juiz titular do processo no despacho de fls. 179 a 180, nem o juiz presidente na audiência de discussão e julgamento, pelo que, por força da violação do disposto nos art.ºs 430, n.º 1 e 433.º ambos do CPC e do poder-dever previsto no art.º 553.º, n.º 2, alínea f), do mesmo diploma, deverá ser anulada a sentença recorrida por “insuficiência da matéria de facto para fundamentar a decisão de díreito” e mandado repetir o julgamento nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 629.º, n.º 4, última parte, do CPC, com as legais consequências.
24) Terceiro, por os Embargados não terem legitimidade substantiva para a presente execução, dado não disporem na relação material controvertida, tal como ela é na realidade, uma posição que os sujeitem a deveres perante o Embargado.
25) Isto por o (E) não ter poderes de representação do (D) para constituir hipoteca sobre a referida fracção autónoma E17, pelo facto de a procuração de fls. 149 a 152 não revestir a forma de “escritura pública” exigida para o efeito no art.º 709.º ex vi do art.º 255.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
26) A hipoteca voluntária constituída sobre a fracção autónoma E17 do prédio descrito na CRP sob o nº***17 a favor do (C) pelo (E) em representação do (D) é assim ineficaz em relação ao (D) nos termos do disposto no art.º 261.º, n.º. 1, do Código Civil e, por conseguinte, ineficaz ou inoponível em relação a quem dele posteriormente adquiriu o imóvel e aos subsequentes adquirentes.
27) Trata-se de um vício que podia e devia ter sido conhecido pelo tribunal a quo, conforme resulta do disposto no art.º 694.º, n.º 1, do Código Civil e dos art.ºs 415.º e 567.º e 703, todos do CPC, porque, tratando-se a legitimidade substantiva de uma condição de procedência do pedido e, por isso, de urna excepção peremptória inominada de conhecimento oficioso,1 o seu conhecimento podia ter determinado o indeferimento liminar do requerimento inicial da execução em relação aos ora Recorrentes nos termos do disposto no art.º 394.º, n.º 1, alínea d), última parte, do CPC.
28) A decisão recorrida é, portanto, nula, por força do disposto no art.º 571.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC.
29) Independentemente disso, o certo é que sendo o negócio da hipoteca ineficaz ou inoponível em relação ao devedor (D) nos termos do disposto nos art.º 261.º, n.º 1, 255.º, n.º 2 e 3 e art.º 709.º, todos do Código Civil, não existe qualquer dívida provida de garantia real susceptível de ser executada sobre a fracção autónoma E17, pelo que não podia a execução ter seguido contra os seus actuais proprietários (os ora Embargantes) por os mesmos não terem legitimidade material, substantiva ou “ad actum” para a execução, conforme, a contrario sensu, resulta do disposto no art.º 68.º, n.º 4, do CPC.
30) Isto porque o (A) e a (B) não são “devedores” nem “garantes” da dívida exequenda resultante do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre (D) e o (C), mas apenas “terceiros” executados para efeitos do disposto nos art.º 682.º, n.º 1 do Código Civil e art.º 68.º, n.º 4, do CPC.
31) Deviam, pois, ter sido julgados procedentes os embargos de executado e declarada extinta a execução por ineficácia/inoponibilidade da hipoteca em relação aos Embargantes, conforme peticionado ou por iniciativa do juiz, conforme resulta do disposto no art.º 694.º, n.º 1, do Código Civil e dos art.ºs 415.º e 567.º e 703, todos do CPC.
32) Quarto, por a sentença recorrida de 14/01/2021, na parte em que delimitou “thema decidendum” em função das decisões tomadas no despacho saneador de fls. 159 a 163v, contrariar o disposto no art.º 580.º, n.º 1, do CPC), devendo, por isso, ser anulada, por tais decisões terem sido revogadas em 7.01.2021 pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), Processo nº 980/2020, de fls. 208 a 217v do Apenso D, transitado em julgado em 01.02.2021 (Doc. 1).
33) Quinto, porque a sentença recorrida ao delimitar o “thema decidendum” em 14/01/2021 com base nas decisões revogadas em 7.01.2021 pelo acórdão do TSI supra referido, incorreu em nulidade insanável por violação das regras da competência hierárquica do tribunal, tipificada no art.º 413.º, alínea a), do CPC, o que determina a sua invalidade, com as legais consequências.
34) Sexto, por a sentença recorrida ter sido proferida em violação do disposto no art.º 225.º, n.º 1, do CPC uma vez que a suspensão da instância decretada em 7.01.2021 (quinta-feira) no acórdão do TSI proferido no Processo nº 980/2020 de fls. 208 a 217v do Apenso D da execução produz efeitos a partir da data da própria decisão.
35) Logo, após a decisão de suspensão pelo tribunal de recurso, só poderia o tribunal recorrido a quo ter praticado actos urgentes destinados a evitar dano irreparável nos termos do disposto no art.º 225.º, n.º 1, do CPC
36) Isto por os tribunais se encontrarem hierarquizados para efeitos de recurso das suas decisões e, nessa medida, sujeitos ao dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores, conforme resulta do disposto nos art.ºs 17.º, n.º 1 e 5.º, n.º 2, da Lei de Bases de Organização Judiciária.
37) Com efeito, o tribunal a quo proferiu a sentença ora recorrida em 14/01/2021 (quinta feira) já depois de publicado o resultado do Processo nº 980/2020 na página dos tribunais da RAEM in https://www.court.gov.mo/pt/subpage/scheduletsi, cuja sessão de julgamento fora agendada para 7.01.2021 (quinta-feira) nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 40.º, n.º 1 e 4 da Lei de Bases da Organização Judiciária.
38) Tal fez com que o tribunal a quo, tal como já sucedera no despacho saneador de fls. 159 a 163v, não se debruçasse sobre aquilo que efectivamente se invocava nos embargos à execução, que era a eficácia da hipoteca e a legitimidade dos embargantes na execução.
39) Isto porque contra o decidido uma semana antes no acórdão do TSI de fls. 208 a 217v do Apenso D, o tribunal a quo ter delimitado o “thema decidendum” da sentença ora recorrida no pressuposto que o despacho saneador de fls. 159 a 163v julgara improcedentes todos os fundamentos dos embargos com excepção do que diz respeito à nulidade do contrato de mútuo e aos juros garantidos pela hipoteca.
40) O que configura a nulidade insanável por violação das regras da competência hierárquica do tribunal, tipificada no art.º 413.º, alínea a), do CPC e, por conseguinte, determina a invalidade da sentença que agora constitui o objeto do presente recurso, com as legais consequências, designadamente, a realização de novo julgamento em 1.ª instância por colectivo composto por juízes que não se encontrem impedidos nos termos do art.º 311.º, al. e), do mesmo diploma.
41) Sétimo, por não ser exacto que o despacho saneador julgou improcedentes todos os fundamentos dos embargos com excepção do que diz respeito à nulidade do contrato de mútuo e aos juros garantidos pela hipoteca, conforme se afirmou na sentença recorrida.
42) Isto por o despacho saneador de fls. 159 a 162v apenas ter julgado improcedentes as questões da inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo, da suspensão da instância, da nulidade do registo da hipoteca (por, na perspectiva do Juiz, tal questão não poder ser discutida em sede de embargos à execução) e da nulidade e da anulabilidade do título executivo por falta de consentimento do cônjuge.
43) Logo, a sentença recorrida ao circunscrever o “thema decidendum” a apenas duas questões, designadamente à questão de saber se o contrato de mútuo se completou e à questão de saber quais os juros garantidos pela hipoteca, incorreu no vício de omissão de pronúncia previsto no previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
44) Oitavo: por todas as decisões tomadas no despacho saneador de fls. 159 a 162v pressuporem a legitimidade dos Embargantes para a execução nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 68.º, n.º 4, do CPC, legitimidade essa que, segundo o acórdão de fls. 208 a 217v do Apenso D, depende da existência e invocabilidade do registo da hipoteca contra eles.
45) Nono: por, à data da prolação da sentença ora recorrida em 14.7.2021, a questão fundamental da (in)invocabilidade da hipoteca contra os Embargantes e, por conseguinte, da sua legitimidade substantiva para serem executados nos termos do art.º 68.º, n.º 4, do CPC, não se mostrar resolvida, dado o despacho saneador de fls. 159 a 162v ter sido revogado em 7.01.2021 pelo acórdão de fls. 208 a 217v do Apenso D sem sobre ela se ter pronunciado.
46) Com efeito, conforme julgado no acórdão do TSI, de 7.01.2020, Processo n.º 980/2020, o despacho saneador de fls. 159 a 163v ... não se debruça sobre aquilo que efectivamente se invocava (embora sob um título errado) que era a eficácia da hipoteca e a legitimidade dos embargantes na execução.
47) Décimo, por, pelas razões infra-sumariadas, o tribunal a quo ter incorrido em nulidade por omissão de pronúncia - art.º 571.º, n.º 1, alínea d), ex vi do art.s 563.º, n.º 2 e 3, ambos do CPC, devendo por isso ser anulada a sentença de mérito, com as legais consequências.
48) 1.ª razão: porque o despacho saneador não julgou todos os fundamentos dos embargos com excepção do que diz respeito à nulidade do contrato de mútuo e aos juros garantidos pela hipoteca, conforme erradamente se afirmou na sentença recorrida.
49) 2.ª razão: por, à data da prolação da sentença ora recorrida, o acórdão de fls. 208 a 217v do Apenso D já ter revogado as decisões tomadas no despacho saneador quanto à inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo e ao pedido de suspensão da instância por haver causa prejudicial.
50) 3.ª razão: por a sentença recorrida não ter conhecido, nem, por conseguinte, se ter pronunciado sobre as questões, suscitadas nos embargos à execução, maxime das questões da (in)invocabilidade da hipoteca (art.º 1.º a 10.º), da (in)oponibilidade da inscrição hipotecária nº1*****C (art.ºs 21.º a 49.º), da (im)possibilidade da repristinação da hipoteca com efeitos ex tunc (art.ºs 50.º a 54.º), da nulidade da inscrição hipotecária (art.º 55.º a 59.º), da suficiência de poderes do (E) (art.ºs 60.º a 62.º), da nulidade do contrato de hipoteca (H) (artigo 710.º ex vi do 686.º, n.º 1 do Código Civil) por força do disposto no artigo 287.º ex vi do artigo 882.º ex vi do artigo 933.º, todos do Código Civil (art.º 63.º a 79.º), da nulidade do contrato de hipoteca por fraude à lei (art.ºs 80.º a 90.º) e da nulidade do registo (art.ºs 93.º a 97.º).
51) 4.ª razão: porque as nulidades contratuais e registais da hipoteca a que se refere o tribunal a quo, aliás todas elas de conhecimento oficioso, conforme resulta do disposto no art.º 703.º, do CPC e no art.º 279.º ex vi dos art.ºs 683.º , 709.º, do Código Civil e dos art.ºs 4.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial,
52) bem como a excepção peremptória da inoponibilidade aos Embargantes dos efeitos da nulidade do averbamento n.º 4 da caducidade da inscrição hipotecária nº1*****C, por impedirem o efeito jurídico dos factos articulados pelo exequente nos termos do disposto no art.º 412.º, nº3, do CPC, configuram obstáculos à execução susceptíveis de a impedir total ou parcialmente.
53) Devia, pois o tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a questão a que se referem os art.ºs 43.º a 49.º) e o pedido formulado nos embargos à execução, relativa à inoponibilidade aos Embargantes dos efeitos da nulidade do averbamento da caducidade da inscrição hipotecária, com as legais consequências, i.e, declarando extinta a execução contra os Embargantes.
54) Assim não se entendeu, pelo que incorreu a sentença recorrida em nulidade por omissão de pronúncia - art.º 571.º, n.º 1, alínea d), ex vi do art.º 563.º, n.º 2 e 3, ambos do CPC, devendo por isso ser anulada, com as legais consequências.
55) Décimo-primeiro, porque mesmo que o acórdão de fls, 208 a 217v do Apenso D não tivesse revogado as decisões tomadas no despacho saneador quanto à inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo e ao pedido de suspensão da instância por causa prejudicial, ainda assim sempre haveria omissão de pronúncia sobre a questão da inoponibilidade da hipoteca aos Embargantes invocada nos art.ºs 21.º a 49.º dos embargos à execução, caso a rectificação do averbamento n.º 4 à inscrição hipotecária nº1*****C fosse possível, como por - hipótese de raciocínio - se admitiu no art.º 36.º dos embargos à execução.
56) Dito por outras palavras, sempre deveriam os embargos à execução terem sido julgados procedentes e extinta a execução contra os actuais proprietários da fracção por inoponibilidade aos Embargantes do registo da hipoteca sobre a fracção autónoma “E17” à data em que eles a adquiriram e registaram a seu favor.
57) Isto por da certidão predial de fls. 81 a 96 resultar provado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 562.º, n.º 3, do CPC, que a inscrição hipotecária nº 1*****C não existia no registo em 18.04.2018, ou seja, que ela não existia à data da celebração da escritura pública de compra e venda da fracção autónoma E17 do prédio descrito na CRP sob o nº ***17 e do registo da sua aquisição pelos Embargantes,
58) não sendo por isso a hipoteca invocável pelo (C) contra o (D), nem oponível a terceiros, designadamente aos ora Recorrentes, por força do disposto nos art.ºs 683.º e 709.º do Código Civil e dos art.ºs 4.º, n.º 2 e 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial.
59) Vejamos, portanto, a sequência cronológica dos factos registados na Conservatória do Registo Predial,
60) Em 15.03.2018, o registo da hipoteca inscrita a favor do (C) sob o n.º 1*****C sobre a referida fracção autónoma “EI7” caducou, conforme resulta do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C lavrado com base na apresentação n.º 152 (fls. 90/91).
61) O averbamento n.º 4 lavrado em 15.03.2018 à inscrição hipotecária n.º 1*****C extinguiu, portanto, os efeitos do registo da hipoteca por força do disposto no art.º 11.º do Código do Registo Predial.
62) Em 18.04.2018, na vigência do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C, foi efectuado registo definitivo de aquisição da referida fracção autónoma “E17” a favor de (A), casado com (B) no regime da comunhão de adquiridos, conforme resulta da inscrição ****61G lavrada com base na apresentação n.º 137 de 18/o4/2018 (fls. 90/91).
63) Em 23/01/2019, a pendência da rectificação do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C foi averbada ao registo, conforme resulta do averbamento n.º 7 à inscrição n.º 1*****C lavrado com base na apresentação n.º 100 de 23/01/2019 (fls. 92).
64) Em 12/02/2019, o Conservador promoveu a rectificação judicial do averbamento n.º 4 à inscrição hipotecária nº 1*****C sobre a fracção autónoma designada por E17 do prédio descrito sob o nº ***17 (fls. 20 a 22). Tal processo foi autuado com o n.º CV3-19-0011-CRJ (fls. 270).
65) Proferida sentença em 1.ª instância foi julgada parcialmente procedente a acção e ordenado o cancelamento do averbamento nº 4 à inscrição hipotecária nº 1*****C da fracção autónoma “E17” do prédio descrito sob o nº ***17, fls. 138, do Livro B3K (fls.282v).
66) Em 30.11.2023, ao recurso interposto dessa decisão foi negado provimento pelo acórdão de fls. 282 a 297v (Processo nº 543/2023), transitado em julgado em 14.12.2023.
67) Em 29.12.2023, foi cancelado o averbamento n.º 4, conforme resulta do averbamento n.º 10 à inscrição n.º 1*****C lavrado oficiosamente com base na certidão da sentença transitada em julgado extraída do processo n.º 543/2023 (vidé a certidão predial de 12.03.2024).
68) Por conseguinte, a inscrição hipotecária n.º 1*****C extinta em 15.03.2018 pelo averbamento n.º 4 tornou-se invocável entre as partes (e oponível a terceiros) desde a data do registo da pendência da rectificação pelo averbamento n.º 7 à inscrição n.º 1*****C lavrado com base na apresentação n.º 100 de 23/01/2019 a fls. 92.
69) Tal significa que a aquisição da fracção autónoma “E17” pelos Embargados ocorreu e foi registada na vigência do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C, ou seja, durante o período em que os efeitos do registo da hipoteca se encontravam extintos por caducidade nos termos do disposto no art.º 11.º do CRP.
70) Assim, à data da aquisição e registo a favor dos Recorrentes da fracção autónoma “E17” em 18.04.2018, o registo (da hipoteca) era-lhes inoponivel, por força do disposto no art.º 5.º, n.º 1, ex vi do disposto no art.º 4.º, n.º 2 do mesmo diploma e no art.º 683.º do Código Civil ex vi do art.º 1.º do CRP.
71) Isto por a instauração do processo de rectificação e o registo da “pendência da rectificação” do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C imposto pelos art.º 3.º, n.º 1 e 123.º, n.º 3, ambos do CRP, só ter ocorrido em 23/01/2019, ou seja, após o registo a favor dos Recorrentes da aquisição “livre de ónus e encargos” da fracção autónoma “E17” em 18.04.2018 (fls. 16 a 17v).
72) Não podiam, pois, os ora Recorrentes terem sido prejudicados por factos jurídicos não publicados no Registo antes da data da inscrição ****61G a seu favor da aquisição da fracção autónoma “E17” pelas razões de direito que a seguir se sumariam:
73) 1.ª razão: porque os processos de rectificação do registo por acordo ou por decisão judicial estão sujeitos a registo, conforme refere VICENTE JOÃO MONTEIRO in “Código do Registo Predial de Macau, Anotado e Comentado”, em anotação conjunta aos artigos 114.º a 126.º, p. 544, e resulta do disposto nos art.º 120.º, n.º 2, 122.º, n.º 3 e 3.º, n.º 1, alínea b), todos do CRP.
74) 2.ª razão: porque os factos jurídicos não publicados no Registo antes da inscrição ****61G, designadamente os factos a que se referem os averbamentos 5, 6, 7 e 10, serem havidos como inexistentes em relação aos ora Recorrentes por causa da protecção derivada do princípio da fé pública registai plasmado nos art.1.º e 7.º do CRP.
75) 3.ª razão: por a aquisição e registo da fracção autónoma “E17” favor dos ora Recorrentes (fls. 94 - apresentação n.º 137 de 18.04.2018), ter ocorrido após o averbamento n.º 4 da caducidade (fls. 91/92 - apresentação n.º 52 de 15.03.2018) e antes do averbamento n.º 7.º da pendência da rectificação (fls. 92 - apresentação n.º 100 de 23.01.2019) e do averbamento n.º 10, lavrado oficiosamente em 29.12.2023, do cancelamento do averbamento n.º 4 (v. pág. 4 da certidão predial emitida em 12.03.2024 - Doc. 2), ou seja, durante o período de tempo em que os efeitos do registo da hipoteca (inscrição nº 1*****C) se encontravam extintos por caducidade por força do disposto no art.º 11.º do CRP.
76) 4.ª razão: porque a data do averbamento da rectificação e de pendência de rectificação é a da respectiva apresentação ou a da sua realização, e não a data e a apresentação do registo a rectificar.
77) 5.ª razão, porque a “pendência da rectificação” do averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C só foi registada 23/01/2019 conforme resulta do averbamento n.º 7 à inscrição n.º 1*****C lavrado com base na apresentação n.º 100 da mesma data (fls. 92), pelo que é essa a data que marca a prioridade do registo.
78) 6.ª razão, porque o averbamento de “pendência de rectificação” previsto no art.º 123.º, n.º 3, do CRP «… tem uma dupla função: «por um lado, alerta potenciais interessados para o facto de se encontrar em curso um processo de retificaçõo no prédio em questão e relativamente a determinada inscrição ou averbamento e, por outro, viabiliza o registo da decisão final proferida no aludido processo, pois a retificação que venha a ser efetuada no final terá, como dissemos, a data e o número da apresentação do averbamento de pendência.».
79) 7.ª razão, porque o averbamento n.º 4 à inscrição n.º 1*****C só foi cancelado em 29/12/2023 na sequência do trânsito em julgado do processo de rectificação judicial pelo que o averbamento desse cancelamento tem a prioridade correspondente à data do averbamento n.º 7 de “pendência de rectificação” realizado em 23.01.2019.
80) Isto porque: “É o averbamento de pendência de retificação que acautela os efeitos substantivos da retificação a que se referem os artigos 122.º e 126.º/3, sendo que é do cancelamento deste averbamento, mediante decisão definitiva que indefira (liminarmente ou não) a retificação, ou da feitura do averbamento de retificação, mediante decisão definitiva que defira o pedido, que depende a estabilização da informação registal.”.
81) Por isso, «... o deferimento do pedido de retificação, como aqui se verifica, não dá lugar ao cancelamento do averbamento de pendência de retificação, mas ao averbamento da própria retificação, logo que a decisão se torne definitiva».
82) 8.ª razão, porque averbando-se a caducidade, cessam os efeitos do registo, por força do art.º 11.º do CRP, pelo que a inscrição hipotecária renasce apenas desde a data da nova inscrição, e/ou do averbamento de “pendência de rectificação” caso tal rectificação seja, a final, deferida, dado o regime do renascimento da hipoteca se aplicar ao cancelamento indevido do seu registo.
83) O cancelamento, em 29.12.2023, do averbamento n.º 4 (caducidade) à inscrição n.º 1*****C, não é, portanto, oponível aos ora Recorrentes por a aquisição e registo, a seu favor, da fracção autónoma “E17”, em 18.04.2018, ter sido anterior ao registo, em 23.01.2019, da pendência de rectificação desse averbamento.
84) A inscrição hipotecária n.º 1*****C caducada em 15.03.2018 por força do averbamento n.º 4, não é, portanto, oponível aos ora Recorrentes por a inscrição n.º ****61G, a seu favor, livre de ónus e encargos (fls. 16 a 17v), da fracção autónoma “E17”, em 18.04.2018, ser muito anterior à data do registo, em 23.01.2019, da “pendência de rectificação” desse averbamento n.º 4 da caducidade.
85) É o que resulta dos princípios da publicidade, da oponibilidade, da prioridade e da fé pública registal plasmados nos art.ºs 1.º, 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 7.º, do CRP.
86) À mesma conclusão teria seguramente chegado o tribunal a quo se tivesse apreciado as questões da (in)invocabilidade da hipoteca ou da inoponibilidade da inscrição hipotecária nº1*****C (art.ºs 1.º a 10.º e art.º 21.º a 49.º dos embargos à execução), ou se tivesse exercido o poder-dever previsto no art.º 703.º do CPC, dado a factualidade relevante para o efeito, designadamente a inscrição n.º 1*****C (12.11.2014); o averbamento n.º 4 (15.03.2018), a inscrição n.º ****61G (18.04.2018) e o averbamento n.º 7 (23.01.2019) da pendência de rectificação do averbamento n.º 4, constar já da certidão predial de fls. 81 a 96.
87) Décimo-segundo, porque, pelas razões adiante sumariadas, sempre teria a sentença recorrida incorrido no vício de excesso de pronúncia previsto no artigo 571.º, n.º 1, al. d), última parte, do CPC.
88) 1.ª razão: por a resposta aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória se ter baseado no depoimento da testemunha (E) sobre os factos constitutivos da excepção da “delegação de pagamento” e do “mandato para pagamento previstas, respectivamente, no art.º 760.º, alínea a) e no art.º 1083.º, ambos do Código Civil, ou seja, em matéria de facto e de direito que o tribunal a quo não se podia ter servido para fundar a sua decisão por tal matéria não ter sido alegada pelas partes, nem ser conhecimento oficioso (art.º 5.º, n.º 2 e 563.º, n.º 3, ambos do CPC).
89) 2.ª razão: por a sentença recorrida ter violado o ónus de alegação da defesa por excepção previsto no art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil e o ónus de concentração da defesa na contestação previsto no art.º 409.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis ao Embargado por força do disposto no art.º 700.º, n.º 2, deste último diploma.
90) 3.ª razão: por a decisão recorrida pressupor a procedência das supra referidas excepções da “delegação de pagamento” e do “mandato para pagamento”, sem que delas pudesse conhecer por os correspondentes factos constitutivos, máxime os factos narrados pela testemunha (E) nos minutos 04:40 a 06:20 e 08:00 a 09:01 do depoimento gravado de Translator 2 - Recorded on 23-Nov-2020 at 10.11.33 (34MS8@IW03520319), nos minutos 00:00 a 01:54 e 02:30 a 02:49 do depoimento gravado de Translator 2 - Recorded on 23-Nov-2020 at 10.21.18 (34MSKA@G03520319) e nos minutos 07:33 a 07:45 Translator 2 - Recorded on 23-NOV-2020 at 10.27.44 (34MSS^-103520319) não terem sido alegados na contestação ou aditados à base instrutória.
91) 3.ª razão: por a sentença recorrida ter violado o ónus de alegação da defesa por excepção previsto no art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil e o ónus de concentração da defesa na contestação previsto no art.º 409.º, n.º 1 do CPC, aplicáveis ao Embargado por força do disposto no art.º 700.º, n.º 2, deste último diploma, que manda aplicar aos embargos à execução os termos do processo ordinário de declaração.
92) Décimo-terceiro, porque outro devia ter sido o sentido (e a fundamentação) das respostas dadas aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória, pelas seguintes razões:
93) 1.ª razão: porque a mera a entrega em mão ao (E) das ordens de caixa de fls. 199 e de 202 não corresponde à entrega ao (D) da quantia mutuada, nem tal entrega em mão foi feita à testemunha (E) em representação do (D), como consentia o ponto 14 da procuração de fls. 149 a 152.
94) Isto porque tais ordens de caixa foram emitidas a favor da própria testemunha (E) que nelas figura como único beneficiário e não em nome do mutuário (D).
95) E isto sem que a referida testemunha (E) tivesse poderes para receber tal quantia em “nome próprio”, conforme, à contrario, resulta do teor da procuração de fls. 149 a 152!
96) Tal significa que para que o contrato de mútuo garantido pela hipoteca de fls. 10-13 do processo principal se tivesse completado com a entrega da coisa ou dinheiro ao mutuário, era necessário que o beneficiário das ordens de caixa de fls. 199 e de 202 no valor da quantia mutuada tivesse sido o próprio (D) e não o (E).
97) Só assim a entrega do valor mutuado se podia ter considerado feita ao representante do (D) ou a terceiro por ele autorizado para o receber “em seu nome” nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 759.º do Código Civil.
98) 2.ª razão: por a prestação feita a terceiro, em nome próprio deste, como sucedeu no caso sub judice, não extinguir obrigação do devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 760.º, do Código Civil.
99) Isto porque prestação deve ser feita ao credor, ao seu representante, ou a outrem autorizado para recebê-la em seu nome (art.º 759.º do Código Civil), pelo que o cumprimento feito a terceiro sem legitimidade não extingue a obrigação.
100) Sucede que o (E) não recebeu as ordens de caixa de fls. 199 e de 202 em nome do (D), mas sim no seu próprio nome, por ser o nome do (E) e não o do (D) que nelas figura como beneficiário da quantia mutuada.
101) Tal significa que para que a entrega do valor mutuado de HKD5,000,000.00 a que se referem as ordens de caixa de fls. 199 e de 202 ao (E) se pudesse considerar feita ao (D), era necessário que ele assim o tivesse estipulado ou que ele tivesse autorizado o (E) a receber tal valor “em nome próprio” nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 760.º, alínea a) do mesmo diploma.
102) Mas tal não sucedeu no caso sub judice, pelo que não ficou demonstrado que o contrato de mútuo celebrado entre o (D) e o (C) se haja completado nos termos do disposto no art.º 1071.º do Código Civil.
103) 3.ª razão: por se afigurar evidente que se o (D) e o (C) se tivessem querido vincular nos termos e para os efeito do disposto no art.º 760.º, a), do Código Civil, designadamente no que respeita aos termos e condições da entrega efectiva a um terceiro da importância mutuada ao (D), tê-lo-iam expressamente dito, por escrito, no próprio contrato de mútuo com hipoteca de fls. 10 a 13 dos autos principais ou em adenda, por se tratar de um elemento essencial do negócio, conforme resulta do art.º 107.º, do Código Civil.
104) Sucede que as partes não o fizeram, não tendo o (D) estipulado ou consentido no contrato de mútuo com hipoteca de fls. 10 a 13 dos autos principais ou na procuração de fls. 149 a 152 que o (E) recebesse, em nome próprio, o valor da quantia mutuada, ou seja, que o (E) fosse o tomador ou beneficiário das ordens de caixa de fls. 199 e 202 referidas na resposta ao quesito 1.º da base instrutória.
105) 4.ª razão: por não ser admissível prova testemunhal de que o (E) tivesse poderes para receber o valor mutuado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 760.º, a), do Código Civil e para dele dispor a favor do (F) e da “(G) 公司” por conta do (D) para os efeitos do disposto no art.º 757.º, n.º 1, do Código Civil.
106) Isto por a estipulação de que o (E) podia receber, em nome próprio, o valor da quantia mutuada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 760.º, a), do Código Civil e dele dispor a favor de terceiros por conta do (D), se tratar de uma convenção contrária ou adicional à procuração de fls. 149 a 152 e estranha ao contrato de mútuo com hipoteca de fls. 10 a 13 do processo principal.
107) Logo, por tal estipulação ser contrária ou adicional ao conteúdo do contrato de mútuo com hipoteca de fls. 10 a 13 dos autos principais e da procuração de fls. 149 a 152, era inadmissível, nessa parte, a prova por testemunhas quanto à matéria dos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória, conforme resulta do disposto no art.º 388.º, n.º1, do Código Civil.
108) 5.ª razão: por não ter sido produzida prova documental de que a prestação extintiva da obrigação do mutuante podia ser feita à testemunha (E) nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 760.º, a), do Código Civil.
109) Isto porque tal estipulação constitui uma cláusula essencial do contrato de mútuo por força do disposto no art.º 1071.º do mesmo diploma, e não mera cláusula acessória, pelo que a demonstração da sua existência em juízo não admite prova testemunhal por força do disposto no art.º 387.º, n.º1, do Código Civil.
110) Ora, meridiano sendo que nenhum dos documentos referidos na fundamentação do acórdão de fls. 244 a 245 configura um começo ou princípio de prova por escrito de que o (D) tivesse estipulado que o (E) tinha poderes para receber, em nome próprio, o valor mutuado de HKD5,000,000.00 e poderes para dele dispor a favor de terceiros, designadamente a favor do (F) e da“(G) 公司”.
111) não podem, pois, ser consideradas escritas as respostas aos quesitos 2.º e 3.º da Base Instrutória por força do disposto no art.º 549.º, n.º 4, do CPC, ex vi dos art.ºs 387.º, n.º 1 e 388.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
112) Em suma, a testemunha (E) não tinha, pois, poderes para representar o (D) no acto constitutivo da hipoteca voluntária da fracção autónoma E17 do prédio descrito na CRP sob o nº***17 a favor do (C), nem poderes para receber a quantia mutuada em nome próprio, nem poderes para dela dispor a favor de terceiros, como sucedeu no caso sub judice,
113) As respostas aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória violaram, portanto, as regras de direito probatório material supra referidas, impondo-se, portanto, a sua alteração para NÃO PROVADO.
114) 6.ª razão: porque a mesma razão de decidir da resposta ao quesito 4.º reproduzida no último parágrafo do acórdão da matéria de facto (fls. 244 a 245) se deveria ter aplicado às respostas aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória “por igualdade de razão”,
115) Isto porque, em relação aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória, também nenhuma outra prova foi produzida além do depoimento da testemunha inquirida, a qual, foi apenas conclusiva, não tendo indicado qualquer fundamento ou documento que permitisse ao tribunal sindicar a credibilidade do seu depoimento, designadamente no que respeita à existência da relação que ela disse ter com o (D) e ao “facto” de, por ordens dele, ela ter dado destino ao dinheiro que diz ter recebido em nome dele.
116) Desde logo por a testemunha (E) ter omitido porque razão as ordens de caixa de fls. 199 e de 202 foram emitidas em seu nome próprio e não em nome do mandante, se a procuração de fls. 149 a 152 assinada pelo (D) em 10.11.2014, ou seja, apenas dois dias antes da escritura pública de mútuo com hipoteca de fls. 10 a 13 dos autos principais celebrada em 12.11.2014, só lhe dava poderes para receber dinheiro em nome do mandante …
117) É que a livre convicção prevista no art.º 558.º, cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação, tem por limite as regras da lógica e da experiência comum, não permitindo a lei que o juiz julgue apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.
118) Ora, no caso sub judice, desafia as regras da lógica e da experiência comum que o (D) não tivesse usado a procuração de fls. 149 a 152 para autorizar o (E) a receber a quantia mutuada em nome próprio, conforme, de resto, lhe impunha o art.º 760.º, a), do Código Civil, se realmente fosse essa a sua intenção, bem como a dispor dessa quantia a favor do (F) e da “(G) CASINO, S.A.”.
119) Como raia o absurdo que o (D) tivesse mandatado o (E) para devolver ao (F) o mesmo valor de HKD1,500,000.00 (fls. 204) que o mesmo (F) pagara ao mesmo (E) por ordem de caixa no mesmo dia, ou seja, em 12.11.2014 (fls. 198, 199 e 200).
120) As respostas aos quesitos 2.º e 3.º da base instrutória violaram, portanto, os limites da livre convicção previstos no art.º 558.º, n.º 1, do CPC por serem contrárias à razão de decidir do quesito 4.º e às regras da lógica e da experiência comum do homem médio suposto pela jurídica, pelo que, também por essa razão, devem ser alteradas para NÃO PROVADO, com as legais consequências.
  
  Pelo Exequente e agora Recorrido foram apresentadas contra-alegações, não apresentando, contudo, conclusões.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

   As primeiras 23 conclusões do recurso estão relacionadas com o indeferimento da reclamação apresentada contra a base instrutória.
  Pretendem os Recorrentes que ao Quesito 2º seja adicionado “em nome próprio”, contudo não indicam os Recorrentes como lhe competia qual o artigo da sua petição de embargos, da contestação ou do requerimento executivo onde tal expressão se usasse.
  Os Embargantes questionam se o montante do mútuo entregue a (E) resultou do empréstimo concedido a (D), mas a dialéctica resultante desta questão foi levada à Base Instrutória no Quesito 3º, pelo que, sem necessidade de outras considerações improcede o recurso nesta parte.
  Mais sustentam os Recorrentes que quando adquiriam a fracção autónoma em causa não havia qualquer inscrição hipotecária a favor de (C), pretendendo que tal matéria constasse de um quesito 5º da Base Instrutória.
  Entendeu o mmº Juiz “a quo” que se trata de matéria de direito, entendimento que não acompanhamos. Os efeitos da existência de um registo é matéria de direito, mas a inscrição no registo é um facto, o qual apesar de só se provar por documento não deixa de o ser.
  Destarte, no que concerne a esta parte procede o Recurso no sentido de ser adicionado um Quesito 5º à Base Instrutória com a redacção emergente do que se alega no artigo 44º da p.i. em termos que sugerimos pudessem ser: “Em 18.04.2018 quando os Embargantes celebraram a escritura de compra e venda e adquiriram a fracção autónoma a que se reportam os autos não constava no registo predial a inscrição de qualquer hipoteca a favor de (C)?”.
  Mais invocam os Recorrentes a nulidade da decisão recorrida por não ter apreciado questões de que devia conhecer e por ter sido proferida dias antes de ser proferido o Acórdão que ordenou a suspensão da instância e revogou parte do despacho saneador.
  Numa primeira abordagem da questão parece algo insólito que se mantenha a decisão proferida no período que vem a ser entendido que havia questão prejudicial que obstava ao conhecimento do pedido. Contudo, uma análise mais profunda da questão leva a assim não se concluir.
  No caso foi ordenada a suspensão da instância porque se entendeu que havia antes de decidir e saber da validade do averbamento feito a cancelar a inscrição hipotecária. Ora, se a decisão proferida ainda antes da decisão prejudicial ter transitado já tivesse concluído pela nulidade do averbamento de cancelamento da hipoteca e tivesse apreciado todas as questões que se suscitavam, seria até a prática de um acto inútil retomar ao momento em que havia de ter sido ordenada a suspensão da instância, repetindo-se inutilmente produção de prova e o julgamento que não tinham vício algum. Pelo que, o facto de se manter a decisão que antes havia sido proferida, quando ainda nem sequer havia sido proferido o Acórdão a ordenar a suspensão da instância, por si só não é razão suficiente para a nulidade da mesma.
  Outra questão é se em função da decisão proferida na causa prejudicial ficaram por apreciar questões que haviam sido colocadas.
  No que concerne à inexistência (ou inexequibilidade) do título executivo este despacho foi anulado no mesmo Acórdão em que se decidiu que não se podia conhecer de tal matéria nos termos em que era invocada sem antes ser decidida a validade do averbamento que concluiu pelo cancelamento da hipoteca. Logo esta matéria ficou por conhecer.
  
  Também se invoca que ainda que se decidisse pela nulidade do averbamento nº 4 que concluiu pelo cancelamento da hipoteca havia que decidir se não constando do registo essa hipoteca a mesma era oponível aos agora Recorrentes e Embargantes. Esta questão é essencial e não foi apreciada.
  
  Assim sendo, se estão prejudicadas as questões que se colocavam quanto à validade do registo da hipoteca até porque os agora Recorrentes e Executados foram sujeitos do processo onde essa questão se decidiu, há outras que como se referiu supra têm de ser conhecidas, sem prejuízo da ampliação da matéria de facto, o que implica a procedência do recurso e a nulidade da decisão recorrida nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 571º e nº 4 do artº 629º ambos do CPC.
  
III. DECISÃO

Termos em que, pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso, determina-se a ampliação da Base Instrutória adicionando um quesito que contemple a matéria incluída no artº 44º da p.i. e anula-se a sentença proferida por ter preterido a apreciação das questões indicadas, baixando os autos ao Tribunal Judicial de Base para o efeito.

Custas a cargo do Recorrido Embargado/Exequente.

Registe e Notifique.

RAEM, 10 de Outubro de 2024

Rui Pereira Ribeiro (Juiz Relator)

Fong Man Chong (1º Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng (2º Juiz-Adjunto)


1 A ilegitimidade material constitui exeção perentória inominada, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do pedido, nos termos dos art.ºs 576.º n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil. – Cf. Sentenças do Tribunal Arbitral de Consumo, de 28.12.2020 (Proc. n.º 18/2021 TAC MAIA), de 02/02/2023 (Proc. n.º 1732/2022 TAC MAIA) e de 19.02.2023 (Proc. n.º 2101/2020 TAC PORTO), in http://cicao.pt.
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469/2024 CÍVEL 1