Processo nº 45/2023
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por apenso aos Autos de Execução Ordinária – CV2-16-0223-CEO-D – pelo exequente A (甲), no Tribunal Judicial de Base movida contra o executado B (乙), foram apresentadas as seguintes (três) “reclamações de crédito”:
– pelo “C”, (“丙”), reclamando os seguintes créditos:
a) MOP$3.147.208,10, a título de capital, e MOP$4.552,67, a título de juros vencidos, até 24.10.2017;
b) MOP$754.398,05, a título de capital, e MOP$992,09, a título de juros vencidos, até 24.10.2017;
c) juros vencidos desde 25.10.2017 e os vincendos, e as despesas, incluindo os honorários de advogado do reclamante, no montante total de MOP$80.000,00;
d) MOP$6.769.348,04, a título de capital, e MOP$27.303,59, a título de juros vencidos e não pagos, até 31.01.2018;
e) MOP$299.808,49, a título de capital, e MOP$1.339,91, a título de juros vencidos e não pagos, até 31.01.2018; e
f) juros vencidos desde 01.02.2018 e os vincendos, e as despesas, incluindo os honorários de advogado do reclamante, no montante total de MOP$80.000,00;
– por D, (丁), reclamando o crédito de:
g) HKD13.786,126.03, correspondente a MOP$14.199.709,81, acrescida de juros vincendos, até integral pagamento; e,
– por E, (戊), reclamando o crédito de:
h) MOP$13.503.216,06 e dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento; (cfr., fls. 2 a 7-v, 61 a 64, 70 a 76 e 156 a 161 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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O processo seguiu os seus termos, e, oportunamente, após despacho-saneador, (cfr., fls. 362 a 374), procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do devido formalismo processual; (cfr., fls. 428 a 429-v).
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Decidida a matéria de facto tida como relevante e que não foi objecto de qualquer reclamação, (cfr., fls. 430 a 432-v), proferiu a Mma Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base sentença graduando os créditos da seguinte forma:
“․Relativamente à fracção autónoma designada por “DR/C”:
•Em primeiro lugar, o crédito exequendo;
•Em segundo lugar, o crédito reclamado por D a fls 61 a 64; e
•Em terceiro lugar, o crédito reclamado por E a fls 156 a 161 e 295 a 297.
․Em relação à fracção autónoma designada por “G20”:
•Em primeiro lugar, o crédito reclamado por C a fls 2 a 7v;
•Em segundo lugar, o crédito exequendo;
•Em terceiro lugar, o crédito reclamado por D a fls 61 a 64; e
•Em quarto lugar, o crédito reclamado por E a fls fls 156 a 161 e 295 a 297.
․Quanto à fracção autónoma designada por “L4”:
•Em primeiro lugar, o crédito exequendo;
•Em segundo lugar, o crédito reclamado por D a fls 61 a 64;
•Em terceiro lugar, o crédito reclamado por C a fls 70 a 76;
•Em quarto lugar, o crédito reclamado por E a fls 156 a 161 e 295 a 297.
As custas saem precípuas a cargo do Executado.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 433 a 449-v).
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Inconformado, o reclamante “C” recorreu; (cfr., fls. 459 a 480-v).
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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 01.12.2022, (Proc. n.° 1148/2020), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 649 a 667).
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Ainda inconformado, traz o referido recorrente o presente recurso.
Em sede das suas alegações, produz as seguintes conclusões:
“I - Foi proferida douta sentença, pela Mma. Juiz do Tribunal Judicial de Base, que graduou em terceiro lugar o crédito reclamado pelo C, a fls. 70 a 76, no que concerne à fracção autónoma designada por "L4" melhor identificada nos autos, a qual veio a ser confirmada por douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância em 1 de Dezembro de 2022, remetendo para os seus precisos termos ao abrigo do disposto no artigo 631°, n° 5 do CPC.
II - É com este último Acórdão que o C discorda, constituindo a respectiva decisão o objecto do presente Recurso.
III - E a questão colocada em sede de recurso consiste em saber se o crédito do C em relação à fracção autónoma "L4", reclamado a fls. 70 a 76 dos autos, deve ser graduado em primeiro lugar, para o que é necessário apurar quais os efeitos que devem ser reconhecidos ao registo provisório de constituição de hipoteca voluntária.
IV - Esta questão é de extrema importância não só para o caso vertente, como para o bom comércio e fluidez de concessão de crédito em Macau, e terá, sem dúvida, um forte impacto a este nível e na própria sociedade, sendo esta a primeira vez que é levada a esse Alto Tribunal de Última Instância, não sendo exagero dizer que está a gerar forte expectativa na sociedade.
V - Primeiramente, cumpre clarificar que, contrariamente à qualificação operada na douta decisão recorrida, o que se discute não diz respeito a uma "promessa de hipoteca" mas aos efeitos do registo provisório de constituição de hipoteca.
VI - Os factos decorrentes dos contratos-promessa previstos na Lei n.° 7/2013 são registados como provisórios por natureza, não se confundido com os registos de promessa de alienação e oneração indicados no artigo 2.°, n° 1 da alínea f) do Código de Registo Predial, conforme explica Vicente João Monteiro, (Código do Registo Predial de Macau, Anotado e Comentado, Página 303, nota de rodapé 579) .
VII - Deste modo, salvo melhor opinião, a douta decisão recorrida efectua uma incorrecta qualificação jurídica do facto registado que consubstancia o thema decidenduum, pelo que labora num erro de julgamento de direito.
VIII - Como referido, esta questão tem sido alvo de entendimentos díspares no panorama jurídico português, embora, que se saiba, apenas haja sido abordada a propósito dos registos provisórios de aquisição - vg. Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Acórdãos de 15/05/2001, 20/01/2009, 25/06/2002, e 29/11/2016; Isabel Pereira Mendes (Código do Registro Predial, Anotado e Comentado), Brandão Proença (Para a necessidade de uma melhor tutela dos promitentes-adquirentes de bens imóveis, maxime com fim habitacional), José Alberto Gonzalez (Direitos Reais) e Mónica Jardim (De Novo, o Registo Provisório de Aquisição de Direitos e de Constituição de Hipoteca).
IX - Mas no entender do C, não pode haver dúvidas de que face à realidade económico-financeira específica de Macau, permitindo-o a lei (como é o caso) e conjugando o julgador o contexto onde se insere o tipo de contratos e registos subjudice, o vazio legal existente em Macau ao tempo da sua celebração e a consequente prática comercial que estava instalada há décadas na Região, a correcta interpretação da lei é, ressalvado diverso entendimento, a que faz o C.
X - Em abono da cobertura legal que permite uma tal solução para a questão em apreço, podemos citar, entre outros, os pareceres do Conselho Técnico dos Registos e do Notariado de Portugal, proferidos nos processos n° R.P. 105/97 DSJ-CT e n° R.Co. 13/99 DSJ (respectivamente, Boletim dos Registos e do Notariado, II caderno, 7/1998, p. 27 e II caderno, 4/2000, pág. 35 e ss), donde destacamos:
- "Um registo, ainda que. provisório, pode (porque a lei assim quiz) conferir uma eficácia e uma oponibilidade perante terceiros desde a data em que é lavrado. Só que, porque provisório, tais efeitos estão condicionados à sua conversão em definitivo, dentro do prazo da sua vigência (como sucedeu no caso vertente)".
XI - E, mais directamente em oposição ao argumento utilizado pelo douto Acórdão recorrido para confirmar a sentença do TJB que subscreveu, considera ainda aquele órgão que as conclusões supra referidas em nada são abaladas pelo argumento, amiúde utilizado, de que o contrato-promessa "sem eficácia real" só gera direitos obrigacionais, pois se é verdade que, inexistindo registo, esses são os únicos efeitos que se verificam, também é verdade que uma vez realizado o seu registo provisório ele passa a ser invocável perante terceiros, uma vez que o registo acrescenta à eficácia inter partes do facto registado a oponibilidade deste a terceiros.
XII - Conforme resulta dos Factos Assentes, em 23 de Maio de 2014, efectuou-se o registo provisório de constituição de hipoteca voluntária a favor do C tendo por objecto a fracção autónoma "L4", nos termos do artigo 10°, n° 6 da Lei n.° 7/2013.
XIII - Os contratos-promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção a que se refere a Lei n.° 7/2013 não necessitam da atribuição pelas partes de eficácia real, efectuando-se os registos emergentes de tais contratos como provisórios por natureza nos termos gerais, isto é ao abrigo do artigo 86°, n°1, alínea f) e g) Registo Predial.
XIV - Não era preciso a Lei n.° 7/2013 fazer reportar a anterioridade da hipoteca definitiva à data da realização do registo provisório da hipoteca, porque tal já se encontra estabelecido no artigo 6°, n°3 do Código do Registo Predial.
XV - Mais concretamente, este normativo consagra uma regra no seu n° 1: o direito inscrito em primeiro lugar sobre certo bem prevalece sobre os que se lhe seguirem; mas contém duas especificidades sendo uma delas; como diz vicente João Monteiro (Ob. cit. pág. 161): "… a chamada reserva de prioridade que se encontra prevista no n° 3 do artigo em anotação (art. 6° CRP) , segundo o qual o registo que seja lavrado como provisório conserva a sua prioridade se vier a ser convertido em definitivo dentro do prazo da sua vigência".
XVI - Esta reserva de lugar ou de prioridade assenta nos mais relevantes princípios do sistema de registo que desde há muito vigoram em Macau, em especial os da prioridade (artigo 6°), da oponobilidade dos factos inscritos a terceiros (artigo 5°), da fé pública do registo (artigo 7°) e do trato sucessivo (artigo 10).
XVII – Assim, os registos provisórios de aquisição prevalecem sobre qualquer registo posterior com eles incompatíveis, porquanto os seus efeitos adquiridos, com a celebração do contrato definitivo, retroagem à data do registo provisório - cfr. Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial, Anotado e comentado, 17 edição, 2009, Almedina, págs. 405 e 406.
XVIII - O legislador de Macau sempre quis e continua a querer que, durante a vigência do registo provisório de aquisição o seu titular fique protegido, motivo pelo qual estabeleceu como princípio estruturante do sistema registral o da prioridade.
XIX - O C ao financiar a aquisição da fracção em causa, confiou na retroacção do efeito do contrato definitivo à data do registo provisório, pois se assim não fosse o mesmo seria completamente inútil, e pôr-se-ia em causa o regular funcionamento do comércio imobiliário assente no crédito hipotecário.
XX - São estes registos provisórios de hipoteca que permitem o bom funcionamento do sistema imobiliário da RAEM, uma vez que as entidades bancárias que financiam a aquisição de imóveis, como é o caso do C, os exigem para assegurar que quaisquer outros factos que se lhes interponham no registo, como é o caso de penhora ou arresto inscritos em data posterior, lhes seriam (e serão) inoponíveis.
XXI - Salvo melhor opinião, a melhor solução a adoptar relativamente ao Thema Decidenduum, pelo menos para Macau, é a de que, na vigência de um registo provisório de constituição de hipoteca, apesar de, naturalmente, não haver impedimento à atribuição de "eficácia real" ao contrato-promessa que lhe dá origem, a verdade é que, independentemente do recurso ou não a esta possibilidade, logo que definitivamente registada a hipoteca, até ali publicitada provisoriamente, esta beneficiará da prioridade do registo provisório, nos termos do n° 3 do artigo 6° do CRP.
XXII - Deste modo, in casu, afigura-se que não podem, pois, prevalecer sobre o registo provisório de hipoteca, a penhora ou arresto do prédio em causa por credores do promitente-adquirente, quando efectuados em data posterior à daquele registo.
XXIII - Nas disposições transitórias da Lei n. 7/2013, estipulou-se no n°1 do artigo 26° a validade dos negócios jurídicos de promessa de oneração sobre parte do edifício em construção celebrados em data anterior à entrada em vigor do novo regime - como sucedeu in casu.
XXIV - Tendo em conta a formulação deste n°1, podemos concluir que a intenção do legislador era a de fazer ingressar "obrigatoriamente" no registo predial, através do registo provisório pré-contratual, todos os negócios emergentes de contratos-promessa de edifícios em construção, incluindo os de pretérito, desde que, fossem válidos do ponto de vista substantivo.
XXV - Ressalvada diversa opinião, o douto acórdão recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 5°, 6°, n°3, e 86°, n°1 alínea g) do Código do Registo Predial, os artigos 10° e 26° da Lei n° 7/2003 e o princípio da segurança do comércio jurídico imobiliário, que o registo predial tem como função prioritária garantir”; (cfr., fls. 682 a 696-v).
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Nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como provados os seguintes factos (que agora não vem postos em causa):
“- Em 12 de Fevereiro de 2015, a reclamante D celebrou com o executado B o acordo junto a fls. 65 dos autos, através do qual a reclamante concedeu ao executado B um empréstimo no montante de HKD$10.000.000,00. (alínea A) dos factos assentes)
- O prazo do empréstimo terminava em 11 de Outubro de 2015, data em que o executado B teria de reembolsar a quantia mutuada à credora reclamante. (alínea B) dos factos assentes)
- Mais foi convencionado que, durante o prazo do empréstimo, a quantia mutuada venceu juros no montante de HKD$800.000,00, a ser pagos à reclamante por 8 prestações mensais, cada uma no valor de HKD$100.000,00. (alínea C) dos factos assentes)
- Dos juros acima convencionados resulta, portanto, que foi convencionada uma taxa de juros anual de 12%. (alínea D) dos factos assentes)
- Com a assinatura do referido contrato, a quantia mutuada foi imediatamente entregue pela credora reclamante ao executado. (alínea E) dos factos assentes)
- Até à presente data, o executado não efectuou qualquer pagamento no sentido de amortizar as dívidas de capital ou o pagamento dos juros, apesar de ter sido diversas vezes interpelado para o efeito. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 27 de Setembro de 2016, a reclamante apresentou execução contra o executado B, processo esse que se encontra pendente no 1º Juízo Cível, sob o n.º CV1-16-0186-CEO. (alínea G) dos factos assentes)
- No âmbito dos referidos autos, entre outros, encontra-se registada penhora a favor da credora reclamante, sobre as seguintes fracções autónomas: (alínea H) dos factos assentes)
1. Fracção autónoma designada por “DR/C”, do rés-do-chão D, composta por rés-do-chão e sobreloja, para comercio, do prédio sito em Macau, com os [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.o XXXXX (cfr. inscrição n.o XXXXXF, de 16/03/2017);
2. Fracção autónoma designada por “G20”, do 20º andar “G”, para habitação, do prédio sito em Macau, na [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.o XXXXX (cfr. inscrição n.o XXXXXF, de 16/03/2017);
3. Fracção autónoma designada por “L4”, do 4º andar “L”, para habitação, do prédio sito na Taipa, [Endereço(3)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.o XXXXX (cfr. inscrição n.o XXXXXF, de 03/04/2017).
- No passado dia 23/6/2015 o executado B mediante o consentimento da sua mulher F, pediu o empréstimo de HKD12,000,000.00 ao reclamante E. (alínea I) dos factos assentes)
- Quantia do empréstimo que foi efectivamente entregue na mesma data. (alínea J) dos factos assentes)
- Para o efeito, o executado e sua mulher assinaram e apuseram respectivamente, na “還款保證書 – garantia de pagamento”, que se encontra junta a fls. 341 dos autos, as suas assinaturas e impressões digitais. (alínea K) dos factos assentes)
- Conforme consta na referida “還款保證書 – garantia de pagamento” e por acordo do reclamante e do executado e da sua mulher, fixaram que o empréstimo tem como prazo de 3 meses (ou seja, dia 23/6/2015 até 22/9/2015). (alínea L) dos factos assentes)
- Acordaram ainda que em caso de mora, os Requeridos pagam as taxas de juros até o integral reembolso da dívida. (alínea M) dos factos assentes)
- Chegado a data estipulado, dia 22/9/2015, o executado e sua mulher não pagaram as suas dívidas. (alínea N) dos factos assentes)
- O reclamante interpelou ele próprio ou por interposta de amigos inúmeras vezes no domicílio do executado e sua mulher e/ou através de telefone e outros meios de contacto, com vista à satisfação do crédito do reclamante. (alínea O) dos factos assentes)
- Na sequência de tais interpelações, o executado nos dias 1/4/2016 devolveu HK1.000.000,00, 9/5/2016 devolveu HK200.000,00, 27/5/2016 devolveu HK200.000,00 e em 21/12/2016 devolveu mais HK200.000,00. (alínea P) dos factos assentes)
- Para além da supra citada HKl.600.000,00 nem os requeridos nem outrem em nome dos mesmos procedeu mais qualquer pagamento. (alínea Q) dos factos assentes)
- Razão pela qual o reclamante intentou no passado dia 26/1/2018 a respectiva acção executiva CV3-18-0024-CEO contra o executado e sua mulher para obter o pagamento da quantia em dívida (capital e juros) que atingem MOP13.503.216,06. (alínea R) dos factos assentes)
- Foi decretado no apenso CV3-18-0024-CEO-A o arresto sobre: (alínea S) dos factos assentes)
1. A fracção autónoma, designada por “G20” do 20º andar “G”, para habitação, do prédio sito em Macau, nos [Endereço(2)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXXX do Livro B, inscrito na matriz predial urbana sob o n° XXXXX (cfr. inscrição n.o 41572F, de 15/03/2018);
2. A fracção autónoma, designada por “L4” do 4º andar “L”, para habitação do prédio sito em Macau, nos [Endereço(3)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXXX do Livro B, inscrito na matriz predial urbana sob o n° XXXXX (cfr. inscrição n.o XXXXXF, de 15/03/2018).
- Em 27 de Junho de 2018 foi registada na Conservatória do Registo Predial a conversão do arresto das fracções autónomas “G20” e “L4” em penhora, no âmbito do processo n.o CV3-18-0024-CEO-A. (alínea T) dos factos assentes)
- No decurso dos autos CV3-18-0024-CEO, no passado dia 20/9/2018 foi determinada ainda a penhora da fracção autónoma, para comércio, designada por “DR/C”, do rés-do-chão “D”, composta por R/C e coquechai, do prédio urbano com os [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.o XXXXX, a folhas 195 do Livro BXXX, registada em nome do executado B. (alínea U) dos factos assentes)
- A penhora da fracção autónoma “DR/C” acima referida foi registada na Conservatória do Registo Predial em 24 de Setembro de 2018 (cfr. inscrição n.o 42161F, de 24/09/2018). (alínea V) dos factos assentes)
- Por escritura de 3 de Dezembro de 2009, lavrada de fls. 29 a 32 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 191 da [Notária Privada], o Executado e sua mulher F constituíram a favor do reclamante C hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma “G20”, do 20º andar “G”, Subcondomínio III, para habitação, do prédio sito em Macau, com os n.ºs [Endereço(2)], inscrito na matriz sob o artigo n.º XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, do Livro B, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o n.º XXXXX do Livro F. (alínea W) dos factos assentes)
- A hipoteca sobre a fracção autónoma “G20”, ficou registada sob o n.º XXXXX do Livro C, em 17 de Dezembro de 2009. (alínea X) dos factos assentes)
- Nos termos da cláusula segunda da escritura pública, a hipoteca destina-se a caucionar e garantir o pagamento de todas e quaisquer facilidades bancárias concedidas ou a conceder ao executado e sua mulher F, em virtude de quaisquer operações bancárias, qualquer que seja a sua origem, natureza, fundamento, moeda, divisa ou título, designadamente como sacadores, aceitantes, subscritores ou avalistas de letras, livranças, aceites, fianças, ou como devedores de saldos correntes, empréstimos, créditos documentários, abonos, adiantamentos, saques a descoberto ou outras dívidas contraídas ou a contrair, até ao limite em capital de HKD$5.000.000,00, equivalente para efeitos fiscais a MOP$5.145.000,00. (alínea Y) dos factos assentes)
- Nos termos da referida escritura, o crédito vence juros, à taxa flutuante, os quais, para efeitos de registo se fixaram em 2.4% ao ano, acrescidos de 3% em caso de mora. (alínea Z) dos factos assentes)
- Os juros, incluindo os de mora, são sujeitos a capitalização. (alínea AA) dos factos assentes)
- A hipoteca garante ainda todas as despesas despendidas pelo reclamante para conseguir ou assegurar o reembolso, incluindo os honorários de advogado, as quais somente para efeitos de registo se fixaram em MOP$500.000,00. (alínea BB) dos factos assentes)
- O reclamante foi autorizado a pagar os prémios da apólice de seguro contra risco de incêndio sobre a fracção hipotecada, acrescentando-se ao crédito concedido as importâncias que tiverem sido pagas, as quais vencerão igualmente os juros convencionados. (alínea CC) dos factos assentes)
- A concessão foi feita pelo prazo de um ano, renovável por igual período e nas mesmas condições mas o reclamante pode exigir o vencimento antecipado nos casos previstos na cláusula 9ª, nomeadamente penhora, arresto ou outra forma de apreensão judicial ou administrativa do objecto da hipoteca. (alínea DD) dos factos assentes)
- Ficou expressamente convencionado na citada escritura que todos e quaisquer documentos, sejam de que natureza fossem, que se encontrassem em conexão com esta, designadamente extractos bancários, escritos particulares, títulos de crédito, avisos de débito e outros, ficariam a fazer parte integrante da mesma para efeitos de exequibilidade. (alínea EE) dos factos assentes)
- Encontra-se no âmbito da garantia real constituída os contractos de mútuo celebrados em 3 de Dezembro de 2009 e 28 de Janeiro de 2014. (alínea FF) dos factos assentes)
- Pelo contrato de mútuo de 03 de Dezembro de 2009, o reclamante acordou em conceder facilidades até ao limite de HKD$5.000.000,00. (alínea GG) dos factos assentes)
- O contrato supra referido foi celebrado pelo prazo de dezoito anos e de acordo com as condições estipuladas no escrito particular subscrito pelo executado e sua mulher F, na qualidade de mutuários, e aceite pelo reclamante. (alínea HH) dos factos assentes)
- De acordo com o mencionado escrito particular, sobre a importância concedida a título de empréstimo vencem-se juros a uma taxa anual correspondente a 2.85% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do reclamante, que pode flutuar, acrescida de 3% em caso de mora. (alínea II) dos factos assentes)
- Ficou também convencionado que as despesas resultantes do incumprimento – incluindo honorários de advogado – seriam suportadas pelo executado e sua mulher F. (alínea JJ) dos factos assentes)
- O contrato de mútuo de 28 de Janeiro de 2014 foi celebrado inicialmente por um período de cinco anos, isto é até 28-01-2019. (alínea KK) dos factos assentes)
- Em 11 de Fevereiro de 2016, as partes acordaram na alteração da cláusula 2ª do contrato de mútuo original, extendendo o prazo do contrato por mais de dez anos, isto é até 28-01-2029. (alínea LL) dos factos assentes)
- Pelo contrato de mútuo supra referido, datado de 28 de Janeiro de 2014, o reclamante acordou em conceder facilidades bancárias até ao limite de HKD1.000.000,00, nas condições estipuladas no escrito particular subscrito pelo executado e sua mulher F, na qualidade de mutuários, e aceite pelo reclamante. (alínea MM) dos factos assentes)
- De acordo com o mencionado escrito particular, sobre a importância concedida a título de empréstimo vencem-se juros a uma taxa anual correspondente a 2.25% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do reclamante, que pode flutuar, acrescida de 3% em caso de mora. (alínea NN) dos factos assentes)
- Ficou também convencionado que as despesas resultantes do incumprimento – incluindo honorários de advogado – seriam suportadas pelo executado e sua mulher F. (alínea OO) dos factos assentes)
- Por escrito particular de 30 de Outubro de 2012, o executado B e sua mulher F prometeram hipotecar a favor do banco a fracção autónoma designada por “L4” do 4º andar “L”, do prédio sito na Taipa, na [Endereço(3)], então descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX, construído em terreno concedido por arrendamento. (alínea PP) dos factos assentes)
- A promessa de hipoteca destinava-se a caucionar e garantir todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair pelo executado e sua esposa F, junto do banco, até ao limite em capital de MOP$7.965.438,99. (alínea QQ) dos factos assentes)
- A hipoteca a favor do banco reclamante, foi registada em 23 de Maio de 2014, com base no supra referido contrato-promessa, mediante inscrição provisória por natureza, nos termos do art. 10º n.o 6º da Lei 7/2013. (cfr. inscrição n.o 171617C). (alínea RR) dos factos assentes)
- Na sequência do contrato referido na al. PP., o banco concedeu ao executado e sua esposa um mútuo, pelo prazo de vinte e cinco anos, nas condições estipuladas num escrito particular, subscrito por aqueles, na qualidade de mutuários, e aceite pelo reclamante. (alínea SS) dos factos assentes)
- De acordo com o mencionado escrito particular, sobre a importância concedida a título de empréstimo vencem-se juros a uma taxa anual correspondente a 2.925% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do banco, sujeita a flutuação, acrescida de 3% em caso de mora. (alínea TT) dos factos assentes)
- Ficou também convencionado que as despesas resultantes do incumprimento – incluindo honorários de advogado – seriam suportadas pelo executado e pela sua esposa F. (alínea UU) dos factos assentes)
- Após a conversão em definitiva quanto à inscrição da propriedade horizontal do prédio referido na al. PP., por escritura de 16 de Junho de 2017, lavrada a fls. 83 e seguintes do livro nº 104 do [Notário Privado], o executado e a sua mulher F, constituíram a favor do reclamante hipoteca voluntária, sobre a fracção designada por “L4” do 4 º andar “L”, para habitação, inscrita a favor do executado e da sua esposa F sob o n.º XXXXXG, do prédio com os números [Endereço(3)], Taipa, Macau, inscrito na matriz predial sob o artigo XXXXX, descrito Conservatória do Registo Predial de Macau sob o número XXXXX do Livro B, com a constituição da propriedade horizontal inscrita sob o número XXXXX do Livro F, construído em terreno concedido por arrendamento. (alínea VV) dos factos assentes)
- A hipoteca foi constituída e destina-se a caucionar e garantir o pagamento de todas e quaisquer facilidades bancárias concedidas ou a conceder ao executado e sua esposa, designadamente os seguintes dois mútuos: (alínea WW) dos factos assentes)
1. o mútuo concedido em 30 de Outubro de 2012, em estrito cumprimento do contrato-promessa de hipoteca celebrado na mesma data; e
2. um mútuo que viria a ser concedido pelo reclamante ao executado e à sua esposa, em 24 de Julho de 2017,
até ao limite da importância em capital de MOP$7.965.438,99.
- Nos termos da referida escritura, o crédito vence juros, à taxa flutuante, os quais, para efeitos de registo se fixaram em 2.325% ao ano, acrescidos de 3% em caso de mora. (alínea XX) dos factos assentes)
- Os juros, incluindo os de mora, são sujeitos a capitalização. (alínea YY) dos factos assentes)
- A hipoteca garante ainda todas as despesas despendidas pelo reclamante para conseguir ou assegurar o reembolso, incluindo os honorários de advogado, as quais somente para efeitos de registo se fixaram em MOP$796.544,00. (alínea ZZ) dos factos assentes)
- O reclamante foi autorizado a pagar os prémios da apólice de seguro contra risco de incêndio sobre a fracção hipotecada, acrescentando-se ao crédito concedido as importâncias que tiverem sido pagas, as quais vencerão igualmente os juros convencionados. (alínea AAA) dos factos assentes)
- A concessão foi feita pelo prazo de um ano, renovável por igual período e nas mesmas condições mas o reclamante pode exigir o vencimento antecipado nos casos previstos na cláusula 9ª, nomeadamente penhora, arresto ou outra forma de apreensão judicial ou administrativa do objecto da hipoteca. (alínea BBB) dos factos assentes)
- Ficou expressamente convencionado na citada escritura que todos e quaisquer documentos, sejam de que natureza fossem, que se encontrassem em conexão com esta, designadamente escritos particulares, títulos de crédito, avisos de débito e outros, ficariam a fazer parte integrante da mesma para efeitos de exequibilidade. (alínea CCC) dos factos assentes)
- Na sequência da celebração da escrita mencionada, foi o registo de hipoteca convertido em definitivo 19 de Junho de 2017, mediante averbamento à inscrição n.o 171617C. (alínea DDD) dos factos assentes)
- O reclamante viria a conceder um segundo mútuo ao executado e à sua esposa F, o qual se encontra abrangido pela hipoteca referida na al. VV. (alínea EEE) dos factos assentes)
- Este segundo mútuo, no montante de MOP$320.000,00, foi concedido para pagamento de despesas incorridas com a escritura de hipoteca e com o condomínio da fracção hipotecada, bem como para pagamento dos honorários de advogado devidos pelo executado e sua esposa ao escritório “G”. (alínea FFF) dos factos assentes)
- Este segundo mútuo foi celebrado pelo prazo de cinco anos, conforme escrito particular subscrito pelo executado e sua esposa F, na qualidade de mutuários, e aceite pelo reclamante. (alínea GGG) dos factos assentes)
- De acordo com o mencionado escrito particular, sobre a importância concedida a título de empréstimo vencem-se juros a uma taxa anual correspondente a 2.925% abaixo da taxa preferencial (prime rate) do Banco, sujeita a flutuação, acrescida de 3% em caso de mora. (alínea HHH) dos factos assentes)
- Em 14 de Dezembro de 2016 foi registado na Conservatória do Registo Predial o arresto da fracção autónoma “G20” acima referida, no âmbito dos autos de arresto n.º CV2-16-0223-CEO-A movidos pelo exequente A contra o executado B para assegurar a quantia de MOP$2.707.054,55. (cfr. inscrição n.o 37772F, de 14/12/2016). (alínea III) dos factos assentes)
- Em 26 de Julho de 2017 foi registada na Conservatória do Registo Predial a conversão do arresto da fracção autónoma “G20” em penhora, no âmbito dos autos principais. (alínea JJJ) dos factos assentes)
- Em 14 de Dezembro de 2016 foi registado na Conservatória do Registo Predial o arresto da fracção autónoma “L4” acima referida, no âmbito dos autos de arresto n.º CV2-16-0223-CEO-A movidos pelo exequente A contra o executado B para assegurar a quantia de MOP$2.707.054,55. (cfr. inscrição n.o XXXXXF, de 14/12/2016). (alínea KKK) dos factos assentes)
- Em 27 de Novembro de 2017 foi registada na Conservatória do Registo Predial a conversão do arresto da fracção autónoma “L4” em penhora, no âmbito dos autos principais. (alínea LLL) dos factos assentes)
- Em 14 de Dezembro de 2016 foi registado na Conservatória do Registo Predial o arresto da fracção autónoma “DR/C”, do rés-do-chão D, composta por rés-do-chão e sobreloja, para comercio, do prédio sito em Macau, com os [Endereço(1)], descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.o XXXXX, no âmbito dos autos de arresto n.º CV2-16-0223-CEO-A movidos pelo exequente A contra o executado B para assegurar a quantia de MOP$2.707.054,55. (cfr. inscrição n.o 37772F, de 14/12/2016). (alínea MMM) dos factos assentes)
- Em 26 de Julho de 2017 foi registada na Conservatória do Registo Predial a conversão do arresto da fracção autónoma “DR/C” em penhora, no âmbito dos autos principais. (alínea NNN) dos factos assentes)
***
Da Base Instrutória:
- Em virtude do contrato de mútuo de 3 de Dezembro de 2009 referido na al. GG., foi creditada a quantia de HKD5.000.000,00 na conta bancaria do Executado e da sua mulher F no dia 3 de Dezembro de 2009. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Em 24 de Outubro de 2017, a dívida garantida pela hipoteca referia na al. W., relativamente ao contrato celebrado em 3 de Dezembro de 2009, era de HKD$3.059.961,91, equivalente a MOP$3.151.760,77, sendo: (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
1. HKD$3.055.541,84, equivalente a MOP$3.147.208,10, a título de capital; e
2. HKD$4.420,07, equivalente a MOP$4.552,67, a título de juros vencidos e não pagos.
- Em virtude do contrato de mútuo de 28 de Janeiro de 2014 referido na al. MM., o reclamante creditou a quantia de HKD$825.092,20, na conta bancária do Executado e da sua mulher F no dia 8 de Janeiro. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Em 24 de Outubro de 2017, a dívida garantida pela hipoteca referida na al. W., relativamente ao contrato celebrado em 28 de Janeiro de 2014, era de HKD$733.388,49, equivalente a MOP$755.390,14, sendo: (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
1. HKD$732.425,30, equivalente a MOP$754.398,05, a título de capital; e
2. HKD$963,19, equivalente a MOP$992,09, a título de juros vencidos e não pagos.
- Na sequência do acordo referido na al. PP., a totalidade do montante emprestado foi creditado na conta bancária do executado e da sua esposa F no dia 30 de Outubro de 2012. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Na sequência do acordado referido na al. WW., a totalidade do montante emprestado foi creditado na conta bancaria do executado e da sua esposa F, no dia 24 de Julho de 2017. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Em 31 de Janeiro de 2018, a dívida garantida pela hipoteca referida na al. VV., relativamente ao mútuo de 30 de Outubro de 2012, era de MOP$6.796.651,63, sendo: (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
1. MOP$6.769.348,04, a título de capital; e
2. MOP$27.303,59, a título de juros vencidos e não pagos.
- A dívida garantida pela hipoteca referida na al. VV., referente ao mútuo de 24 de Julho de 2017, era, em 31 de Janeiro de 2018, de MOP$301.148,40, sendo: (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
1. MOP$299. 808,49, a título de capital; e
2. MOP$1.339,91, a título de juros vencidos e não pagos”; (cfr., fls. 434 a 442-v, 537 a 543 e 651 a 659-v).
Do direito
3. Vem o reclamante “C” recorrer do Acórdão datado de 01.12.2022 pelo Tribunal de Segunda Instância proferido que confirmou a decisão recorrida do Tribunal Judicial de Base que, em sede das apresentadas “reclamações de créditos”, e quanto à fracção autónoma “L4”, graduou o crédito pela dita recorrente reclamado em 3° lugar.
Em causa agora estando tão só este segmento decisório, vejamos.
Pois bem, na parte que releva, tem a decisão recorrida o teor seguinte:
“(…)
Efectivamente, no caso presente, provado está que o executado e sua mulher prometeram hipotecar a favor do C a fracção “L4”, com vista a obter um empréstimo junto do banco, até ao limite de MOP7.965.438,99.
Apesar de a lei admitir a atribuição de eficácia real aos contratos de mútuos com promessas (contrato de mútuo com promessa de compra e venda e promessa de constituição de hipoteca voluntária), a verdade é que no caso dos autos, não foi atribuída eficácia real aos referidos contratos, daí que a relação estabelecida entre os interessados e o C não deixa de ser mera obrigacional. De facto, o C só passou a ter garantia real com a outorga da hipoteca a seu favor registada em 19.6.2017.
Como bem observou a decisão recorrida, não se diga que o artigo 6.º. n.º 3 do Código de Registo Predial tem a virtualidade de atribuir “eficácia real” ao contrato-promessa de hipoteca nem alterar a natureza da relação jurídica, no sentido de atribuir ao crédito do C uma prioridade sobre outras garantias reais.
Na medida em que o crédito do exequente (garantido por arresto registado em 14.12.2016 e convertido em penhora registada em 27.11.2017) e o crédito da credora reclamante D (garantido por penhora registada em 3.4.2017) são anteriores ao crédito do C (o qual apenas se encontra garantido por hipoteca voluntária registada em 19.6.2017), têm, assim, prevalência de pagamento.
(…)”; (cfr., fls. 666 a 666-v).
Opondo-se ao assim entendido, e em apertada síntese, diz (essencialmente) a ora recorrente que:
- “a questão colocada em sede de recurso consiste em saber se o crédito do C em relação à fracção autónoma "L4", reclamado a fls. 70 a 76 dos autos, deve ser graduado em primeiro lugar, para o que é necessário apurar quais os efeitos que devem ser reconhecidos ao registo provisório de constituição de hipoteca voluntária”, (cfr., concl. III);
- “Primeiramente, cumpre clarificar que, contrariamente à qualificação operada na douta decisão recorrida, o que se discute não diz respeito a uma "promessa de hipoteca" mas aos efeitos do registo provisório de constituição de hipoteca”, (cfr., concl. V);
- “Conforme resulta dos Factos Assentes, em 23 de Maio de 2014, efectuou-se o registo provisório de constituição de hipoteca voluntária a favor do C tendo por objecto a fracção autónoma "L4", nos termos do artigo 10°, n° 6 da Lei n.° 7/2013”, (cfr., concl. XII);
- “Os contratos-promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção a que se refere a Lei n.° 7/2013 não necessitam da atribuição pelas partes de eficácia real, efectuando-se os registos emergentes de tais contratos como provisórios por natureza nos termos gerais, isto é ao abrigo do artigo 86°, n°1, alínea f) e g) Registo Predial”, (cfr., concl. XIII);
- “Não era preciso a Lei n.° 7/2013 fazer reportar a anterioridade da hipoteca definitiva à data da realização do registo provisório da hipoteca, porque tal já se encontra estabelecido no artigo 6°, n°3 do Código do Registo Predial”, (cfr., concl. XIV);
- “Mais concretamente, este normativo consagra uma regra no seu n° 1: o direito inscrito em primeiro lugar sobre certo bem prevalece sobre os que se lhe seguirem; mas contém duas especificidades sendo uma delas; como diz vicente João Monteiro (Ob. cit. pág. 161): "… a chamada reserva de prioridade que se encontra prevista no n° 3 do artigo em anotação (art. 6° CRP) , segundo o qual o registo que seja lavrado como provisório conserva a sua prioridade se vier a ser convertido em definitivo dentro do prazo da sua vigência"”, (cfr., concl. XV);
- “Esta reserva de lugar ou de prioridade assenta nos mais relevantes princípios do sistema de registo que desde há muito vigoram em Macau, em especial os da prioridade (artigo 6°), da oponobilidade dos factos inscritos a terceiros (artigo 5°), da fé pública do registo (artigo 7°) e do trato sucessivo (artigo 10)”, (cfr., concl. XVI); e que,
- “Assim, os registos provisórios de aquisição prevalecem sobre qualquer registo posterior com eles incompatíveis, porquanto os seus efeitos adquiridos, com a celebração do contrato definitivo, retroagem à data do registo provisório (…)”; (cfr., concl. XVII).
Quid iuris?
Ora, sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento, cremos que razão está do lado do ora recorrente.
Passa-se a tentar explicitar este nosso ponto de vista.
Pois bem, (resumidamente), defende o ora recorrente que o seu crédito relativamente à referida “fracção L4” deveria ter sido graduado – não em 3° lugar, mas sim – em 1° lugar, por força da prioridade do registo provisório do contrato-promessa de hipoteca em 23.05.2014 celebrado com o executado B (e sua cônjuge F) ao abrigo do art. 10°, n.° 6 da Lei n.° 7/2013, pois que os efeitos do registo da escritura pública da hipoteca voluntária de 19.06.2017 deveriam retroagir à data do dito “registo provisório”, e, desta forma, prevalecer sobre os demais credores.
E, como se deixou adiantado, apresenta-se-nos acertado o assim considerado.
De facto, importa ter em conta que sobre a “questão” – e relativamente ao Acórdão do S.T.J. de 25.06.2002 pelo Tribunal Judicial de Base citado para justificar a sua decisão – se tem considerado, (nomeadamente), que “Atendendo a que o registo provisório, quando convertido em definitivo, conserva a ordem de prioridade que tinha como provisório (art. 6º, nº 3 CRP), ‘é compreensível o interesse e a vantagem que advêm para os registantes dos registos provisórios por natureza’: - o registo provisório é um assento de cautela ou de previsão, de duração limitada e cujo final ocorre com a sua caducidade ou conversão e serve, como ensinava o Prof. Paulo Cunha: ‘para garantir a posição jurídica de certo prédio sobre que se projecta a realização de actos sujeitos a registo, evitando o risco de entre o acto e o registo aparecer inesperadamente uma outra apresentação com que não se contava’”, acrescentando-se, ainda, que “O registo provisório constitui uma medida de segurança e de preocupação do legislador, por via do qual se procura evitar que o titular (definitivamente) inscrito defraude a expectativa do beneficiário do registo provisório que se deve considerar acautelado contra as alienações de propriedade ou contra os encargos que os proprietários possam constituir sobre os prédios, porque representa como que uma reserva de lugar, permitindo ao beneficiário estar ao abrigo de quaisquer registos posteriores, e previne quem consulta o registo das afectações do prédio a determinadas responsabilidades”; (cfr., Parecer n.° 90/2003 do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e Notariado in Boletim dos Registos e do Notariado, Novembro, 10/2003).
Afigura-se-nos assim – como também nota Mónica Jardim – que dúvidas não devem haver que o “registo provisório” tem o “intuito de facultar ao interessado a possibilidade de reservar a preferência/prevalência para o futuro assento definitivo que publicite a aquisição do direito real, em face de assentos registais de outros factos que, entretanto, tenham sido lavrados e com aquele sejam incompatíveis.
Através da reserva de preferência assegura-se a prevalência ou o grau a um direito real e, deste modo, garante-se a sua oponibilidade em face de outro direito.
Assim, a figura da reserva de preferência/prioridade conduz a que a prioridade registal assuma eficácia substantiva autónoma, na medida em que garante a eficácia de um direito real que ainda não existe na esfera jurídica daquele que passa a beneficiar de protecção registal”; (in “Efeitos Substantivos do Registo Predial – Terceiros para Efeitos do Registo Predial”, pág. 109).
Com efeito, e pronunciando-se igualmente sobre esta questão, (e à luz do Direito da R.A.E.M.), considera também Vicente João Monteiro que:
“Quanto a nós, no contexto da RAEM, após a publicação da Lei n.º 7/2013, a questão da protecção dos direitos do promitente-adquirente passou a assumir uma particular relevância, na medida em que, segundo parece, o legislador praticamente reconheceu que a transmissão informal do direito de propriedade de edifícios em construção ou suas fracções autónomas se opera pelo próprio contrato-promessa, mesmo quando não lhe seja atribuída pelas partes eficácia real, e, agora, apenas com o reconhecimento notarial simples das assinaturas dos contratantes. Não só porque a celebração desses contratos (que se inserem no âmbito dos negócios privados, recorde-se) passou a ser controlada pela própria Administração, necessitando o promitente-alienante de autorização expressa para o efeito, como porque lhes passou a ser imposto um conjunto de regras formais de validade, nomeadamente certo tipo de elementos obrigatórios e a confirmação por advogado, como o respectivo registo passou a ser obrigatório, como ainda porque as leis fiscais impõem agora o pagamento do imposto do selo devido pela transmissão de imóveis logo com a celebração do contrato-promessa (vide artigo 51.º, n.º 3, alínea b), do Regulamento do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei n.º 4/2011), bem como a submissão ao imposto do selo especial sobre transmissão de imóveis destinados a habitação, criado pela Lei n.º 6/2011 (vide alínea 2) do n.º 2 do seu antigo 4.º).
(…) parece que foi intenção do legislador dar uma especial protecção jurídica ao promitente-adquirente, protecção essa que, a nosso ver, não se compadece com a fragilidade que adviria da adopção tout court do entendimento acolhido pela jurisprudência portuguesa quanto à inoponibilidade do direito do promitente-adquirente constante de registo provisório de aquisição, efectuado nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 86.º, por remissão do n.º 3 do artigo 10.º daquela Lei n.º 7/2013, face ao exequente ou ao requerente do arresto ou da apreensão. Mas, se isto é assim – como julgamos – para os edifícios em construção ou suas fracções autónomas, nada justifica que assim não seja quanto ao registo provisório de aquisição pré-contratual de edifício já construído ou sua fracção autónoma.
Note-se, aliás, que, tal como já referido e adiante melhor se voltará a explicitar, também a decisão final de qualquer acção que tenha sido registada provisoriamente por natureza (cfr. artigos 3.º e 86.º, n.º 1, alínea a) do Código) produzirá os seus efeitos a partir da data do registo provisório (citado artigo 6.º, n.º 3, e alínea p) do n.º 1 do artigo 96.º do Código), condicionando naturalmente os seus efeitos dos registos efectuados sobre o mesmo imóvel entre o registo provisório da acção e a sua conversão em definitivo; e isto, que se saiba, nunca foi contestado.
(…)
Pessoalmente, não podemos deixar de concordar com as preocupações de Brandão Proença. Por um lado porque, como sabemos, quando os registos provisórios pré-contratuais de aquisição e hipoteca são exigidos pela entidade credora que vai financiar a aquisição do imóvel, esta confia na retroacção dos efeitos dos contratos definitivos à data dos registos provisórios; doutra forma seriam tais registos provisórios completamente inúteis, não podendo nunca garantir-se que entre a emissão da certidão do registo predial (com os registos provisórios e passada até um dia depois destes efectuados, como sempre foi habitual) e o registo dos contratos definitivos de aquisição e hipoteca não houvesse um registo de penhora, arresto ou apreensão a interpor-se e a opor-se à aquisição e à hipoteca, o que significaria que a intenção que sempre esteve na mente do legislador de proteger o regular funcionamento do comércio imobiliário assente no crédito hipotecário perderia toda a sua razão de ser. E, por outro lado, porque, como bem sugere Brandão Proença, se é verdade que não deve admitir-se que o promitente-alienante fuja ao cumprimento das suas responsabilidades perante os seus credores através da feitura de um registo provisório de aquisição a favor de terceiro com ele mancomunado, também não deixa de ser verdade que o promitente-adquirente deve ser protegido de eventuais actos de constituição de encargos fictícios sobre o imóvel, em cumplicidade com terceiros, através dos quais possa vir a ser desencadeado um procedimento de execução, em prejuízo do promitente-adquirente, que na maioria dos casos entrega desde logo um sinal de valor muito significativo, e por vezes até a totalidade do preço acordado. Quanto a nós, na ponderação dos interesses em presença, é sempre preferível dar prevalência aos ancestrais princípios do sistema registral, em especial os da prioridade, da oponibilidade ou, mais exactamente, da inoponibilidade dos direitos não inscritos, do trato sucessivo e da presunção de verdade e exactidão dos direitos inscritos”; (in “Código do Registo Predial de Macau Anotado e Comentado”, 2016, pág. 434 e segs.).
Ora, sem prejuízo do muito respeito por melhor entendimento, cremos que adequadas são as considerações que (atrás) se deixaram transcritas, pois que, doutra forma, (e a se assumir outro entendimento), não haveria (qualquer) segurança – sobretudo para as instituições bancárias que financiam as aquisições – se o “registo provisório” não fosse capaz de acautelar (de forma satisfatória) as posições jurídicas das partes envolvidas num contrato-promessa, (não se podendo aqui olvidar também que, “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, (…), de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento”, cfr., v.g., Baptista Machado in, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1993, pág. 182).
Ora, em matéria de “Prioridade do registo”, prescreve o art. 6° do Código do Registo Predial que:
“1. O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes.
2. Exceptuam-se da parte final do número anterior as inscrições hipotecárias da mesma data, que concorrem entre si na proporção dos respectivos créditos.
3. O registo convertido em definitivo tem a prioridade correspondente à sua realização como provisório.
4. Em caso de recusa, o registo feito na sequência de impugnação julgada procedente tem a prioridade correspondente à apresentação do acto recusado”; (sub. nosso).
E, em face do assim (expressamente) estatuído no “n.° 3” do transcrito comando legal, vista cremos que está a solução.
Na verdade, e como no Parecer n.° 2/IV/2013 da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa sobre o então “Regime Jurídico da Promessa de Transmissão de Edifícios em Construção” – que com a sua aprovação passou a Lei n.° 7/2013 – se deixou consignado, o mesmo tinha como “objectivo”, “racionalizar o funcionamento do mercado, reforçar a transparência das transacções e garantir os legítimos direitos e interesses das partes nas transacções”, (cfr., pág. 3 e art. 1° da dita Lei), ponderando-se, também, precisamente, que “Nos termos do estatuído pelo Código do Registo Predial vigente quanto aos direitos envolvidos em determinadas situações, verifica-se que, não obstante se tratarem de situações em que o direito ainda não se acha definitivamente titulado ou definido, antes disso, a lei consente que o facto possa ser imediata e provisoriamente registado, mormente para que o interessado obtenha logo uma ‘pré-protecção’, que a regra da prioridade indicada no n.° 3 do artigo 6.°, consagrada pelo referido código, e a conversão em definitivo do registo lhe vão permitir concretizar”, (cfr., pág. 98), valendo a pena ter igualmente presente que, como salienta Vicente João Monteiro, “O registo provisório constitui uma medida de segurança e de preocupação do legislador, por via do qual se procura evitar que o titular (definitivamente) inscrito defraude a expectativa do beneficiário do registo provisório que se deve considerar acautelado contra as alienações de propriedade ou contra os encargos que os proprietários possam constituir sobre os prédios, (…), e previne quem consulta o registo das afectações do prédio a determinadas responsabilidades”, notando ainda que “as instituições bancárias que exigem que o promitente-adquirente obtenha o registo provisório de aquisição a seu favor e proceda ao registo provisório da hipoteca voluntária a constituir a favor da entidade que vai financiar a aquisição, o fazem, não porque estejam convencidas de que o registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa sem eficácia real tem os mesmos efeitos que teria se efectuado com base em contrato-promessa com eficácia real, mas sim porque confiam nas regras próprias do registo, no sentido de que a conversão em definitivo do registo provisório é a garantia de que à hipoteca registada também como provisória em acto seguido não se oporão outros factos registados posteriormente, desde que os registos provisórios venham a ser convertidos em definitivo dentro do prazo legal”; (in ob. cit., pág. 430 e segs.).
Dest’arte, e sendo o que sucedeu em relação ao registo (provisório) da hipoteca constituída sobre a “fracção L4”, visto fica que o presente recurso merece provimento.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, e em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, graduando-se o crédito pelo ora recorrente reclamado relativamente à dita “fracção L4” em 1° lugar.
Custas pelos recorridos.
Registe e notifique.
Macau, aos 29 de Maio de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Proc. 45/2023 Pág. 18
Proc. 45/2023 Pág. 19