Processo n.º 510/2024
(Autos de recurso laboral)
Data: 10/Outubro/2024
Descritores:
- Descanso semanal
- Repouso no oitavo dia
- Impugnação da matéria de facto
- Livre valoração da prova
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 510/2024
(Autos de recurso laboral)
Data: 10/Outubro/2024
Recorrente:
- A (autor)
Recorrida:
- YYY ......, S.A. (ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A (autor) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da YYY, S.A. no pagamento do montante total de MOP346.687,08, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP105.435,02 acrescida de juros legais a contar da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte em que não procede à condenação da Ré relativamente à prestação de trabalho pelo Autor em dia de descanso semanal, isto é, ao sétimo dia, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos, entre o período que medeia de 20/11/2011 a 31/10/2021.
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Decisão se encontra inquinada por erro na apreciação da prova e, bem assim, deixa adivinhar uma contradição insanável na fundamentação razão pela qual deve a mesma ser declarada, nesta parte, nula, nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil de Macau.
3. Em consequência, está o Recorrente em crer que a resposta dada ao conteúdo dos quesitos 8º, 12º e 13º da douta Base Instrutória, deve ser alterada, nos termos do art. 529º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau.
Mais detalhadamente.
a) Dos vícios de erro na apreciação na prova e contradição insanável:
4. Resulta da motivação/fundamentação avançada pelo Tribunal a quo aquando da resposta à matéria de facto – na qual se serviu para suportar o juízo decisório – numa tradução livre para língua portuguesa, o seguinte: (…) As informações relativas ao descanso semanal mostram que o Autor gozou de descansos semanais normalmente entre Setembro de 2011 a Julho de 2022. Embora o Autor tenha impugnado o conteúdo das informações (leia-se, do mapa do descanso semanal junto pela Ré) (…) a Ré apresentou informações relevantes que são mais precisas do que o depoimento da testemunha acima mencionada e o Autor não apresentou quaisquer outras provas que comprovassem que a informação prestada pela Ré era falsa ou que a mesma tivesse falsificado os documentos (…). A declaração junta pela Ré é mais precisa no que diz respeito ao gozo pelo Autor dos dias de descanso semanal durante o período acima referido (…).
5. Conforme se deixa ver, a convicção do Tribunal a quo assentou no teor e conteúdo das “informações” (leia-se, no Mapa de descanso semanal) juntas pela Ré e relativo ao período que medeia entre 20/09/2011 a 31/03/2021, tendo concluído que, naquele período, o Autor terá gozado normalmente de dias de descanso semanal, razão pela qual não tem direito a ser ressarcido relativamente à falta de gozo de dias de descanso semanal.
6. Salvo o devido respeito, que é muito, a convicção do douto Tribunal a quo estaria acertada caso o teor das “informações” prestadas pela Ré pudessem demonstrar que relativamente ao período que medeia entre 20/09/2011 a 31/03/2021 o Autor teria normalmente gozado de dias de descanso semanal, isto é, que o Autor teria sempre gozado de um dia de descanso em cada período de sete dias.
7. Acontece, porém, que o Documento junto pela Ré (leia-se, o Mapa de descanso semanal) não permite comprovar, pelo menos integralmente, a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, porquanto resulta do mesmo Documento (leia-se, do Mapa de descanso semanal) junto pela Ré que, entre 20/09/2011 a 31/03/2021, o Autor não gozou normalmente (leia-se, de forma reiterada) um dia de descanso semanal em cada sete dias de trabalho.
8. E a ser assim, salvo o devido respeito, existe na douta Decisão recorrida um manifesto e notório erro de apreciação na prova, razão pela qual, nesta parte, deve a douta Sentença ser revista, o que já se invoca e requer.
Acresce que,
9. Para além do apontado erro na apreciação da prova, acredita o Recorrente que a douta Decisão enferma igualmente de uma contradição que inquina todo o seu raciocínio ou percurso lógico, porquanto os fundamentos que serviram para fundamentar a decisão estão em oposição com esta.
10. Em concreto, resultando da douta fundamentação que nos termos do “Mapa de descanso semanal” o Autor terá gozado normalmente de dias de descanso semanal, mas sendo tal asserção manifestamente contrariada pelo teor do próprio Documento (leia-se, do “Mapa de descanso semanal”) no qual se funda a referida convicção, depara-se uma manifesta contradição entre ambos, fazendo com que a douta Decisão deva, nesta parte, ser julgada nula, nos termos que resultam da al. c) do n.º 1 do art. 571º, o que desde já se requer.
c) Do Recurso sobre a matéria de facto: dos quesitos 8º, 12º e 13º da douta Base Instrutória:
11. Em consequência do exposto (leia-se dos apontados vícios de errada apreciação da prova e de contradição entre a decisão e os seus fundamentos) está o Recorrente em crer que se impõe que a resposta à matéria de facto constante dos quesitos 8º, 12º e 13º da douta Base Instrutória deva ser alterada para “PROVADO nos termos que resultam do “Mapa de descanso semanal” junto pela Ré”, por forma a que os referidos quesitos possam estar em conformidade com a Prova Documental junta aos autos pela Ré e com base na qual o Tribunal a quo fez assentar a douta Decisão, com a redacção que se sugere.
12. Provado que “(…) de 20/09/2011 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos”, nos termos que resultam do “Mapa de descansos semanais” junto pela Ré.
13. Provado que “(…) de 20/09/2011 a 31/03/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro hora consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias)”, nos termos que resultam do “Mapa de descansos semanais” junto pela Ré.
14. Provado que “(…) de 20/09/2011 a 31/03/2021 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho”, nos termos que resultam do “Mapa de descansos semanais” junto pela Ré.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser revista e julgada nula – na parte em apreciação no presente Recurso – e substituída por outra que decida em conformidade com os pedidos formulados pelo Autor e Recorrente na sua Petição Inicial, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a ré nos seguintes termos conclusivos:
“I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pela Tribunal Judicial de Base no que respeita à prestação do trabalho pelo Autor em dia de descanso semanal, ou seja, ao sétima dia, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos, entre o período que medeia de 20/11/2011 a 31/10/2021.
II. Entende que a sobredita decisão enferma de erro na apreciação da prova e contradição insanável na fundamentação, por essa razão, deve a douta Sentença Recorrida ser julgada nula, nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil de Macau.
III. E ainda, o Recorrente entende que deve serem alterados os quesitos 8º, 12º e 13º da Base Instrutória, nos termos do artigo 529º, n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau (não percebendo a ora Recorrida a fundamentação para alterar estes quesitos baseada neste artigo, que nada tem a ver com alteração dos quesitos).
IV. Vem o Recorrente colocar em crise a Sentença Recorrida por entender que andou mal o Tribunal a quo ao não condenar a Ré, ora Recorrida, a pagar ao Autor, ora Recorrente, respeitante à prestação do trabalho pelo Autor em dia de descanso semanal durante o período entre 20/11/2011 a 31/10/2021.
V. Ao avaliar a fundamentação do Tribunal a quo em que foi transcrita pelo Recorrente nas suas Alegações, pode-se verificar que o Tribunal validou como mais precisas as informações apresentadas pela Ré do que o depoimento da testemunha, o que não é muito difícil de prever, uma vez que a referida testemunha nem tão pouco trabalhava com o autor, não existindo qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão prevista no artigo 571º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de Macau.
VI. O Autor não apresentou qualquer outras provas que comprovassem que as informações fornecidas pela Ré fossem falsas, nem invocou a falsidade dos documentos apresentados nos autos.
VII. Demonstrando esses documentos apresentados pela Ré, que o Autor gozava do descanso semanal ao sétimo dia, depois de seis dias de trabalho consecutivo, ao contrário do que foi alegado pelo Recorrente na sua petição inicial e confirmado pela testemunha em audiência e julgamento.
VIII. Entende a ora Recorrente que não existe qualquer oposição entre os fundamentos apresentados pelo Tribunal a quo e a sua decisão, entendendo assim que nada há apontar a decisão posta em causa pelo Recorrente.
IX. O Recorrente vem, ainda, colocar em crise a resposta à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo na parte relativamente aos quesitos 8º, 12º e 13º da Base Instrutória.
X. Em primeiro lugar, queria chamar atenção pelo artigo 529º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em que fundamenta a sua alegação no Recurso, no qual se responde, pois nada tem a ver com a matéria que o Recorrente aqui discute (presume-se por lapso).
XI. Relativamente aos quesitos que o Recorrente pretende alterar, não existe qualquer erro, pois entende o Tribunal a quo que uma vez que, a Ré nas informações que juntou aos autos relativamente ao descanso semanal, não inclui este período (1º período de trabalho do Recorrente), logo deu como provado, este período uma vez que não existia as informações relevantes nos autos, como existia relativamente ao 2º período de trabalho de 20/09/2011 a 31/03/2021, á falta dessa prova apresentada pela Ré nos autos, o Tribunal a quo deu razão ao Autor.
XII. Quanto a isso, não existe nada apontar, logo, parece-nos que não exista qualquer erro na resposta da matéria de facto para que seja necessário haver uma alteração nestes quesitos.
XIII. Além de que, a alteração requerida pelo Recorrente não faz qualquer sentido, pois conforme a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, nomeadamente a parte:
XIV. (…) a Ré apresentou informações relevantes que são mais precisas do que o depoimento da testemunha acima mencionada e o autor não apresentou qualquer outras provas que comprovassem que a informação prestada pela Ré era falsa ou que a mesma tivesse falsificado os documentos (…).
XV. Não existe qualquer motivo, para entender que durante o 2º período de trabalho do Recorrente Autor (diga-se de 20/09/2011 a 31/03/2021) – trabalhava em regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos (8º); a Ré não fixou um período de descanso de vinte quatro horas consecutivas em cada semana (12º); a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (13º).
XVI. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
De 01/04/2008 a 31/07/2010 e posteriormente de 20/09/2011 a 20/07/2022, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (B)
O Autor prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (C)
De 01/04/2008 a 31/07/2010 e posteriormente de 20/09/2011 a 31/10/2021, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (D)
Período
Dias de férias e/ou de ausência
2009
9
2010
9
2011
9
2012
9
28/05/2013 a 30/05/2013
3
2014
9
2015
9
16/03/2016 a 30/03/2016
15
03/12/2017 a 18/12/2017
16
18/12/2018 a 05/01/2019
19
2020
9
2021
9
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (E)
O Autor respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
De 01/04/2008 a 31/07/2010 e posteriormente de 20/09/2011 a 31/10/2021, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal e salário de alojamento: (2º及15º)
De
A
Salário de base
mensal
Subsídio
de
Alojamento
Remuneração de base
mensal
Remuneração de base diária
01-04-2008
31-12-2008
$5,500.00
$0.00
$5,500.00
$183.33
01-01-2009
31-07-2010
$5,500.00
$1,000.00
$6,500.00
$216.67
20-09-2011
31-12-2011
$6,000.00
$500.00
$6,500.00
$216.67
01-01-2012
31-01-2013
$6,600.00
$500.00
$7,100.00
$236.67
01-02-2013
31-12-2013
$6,996.00
$500.00
$7,496.00
$249.87
01-01-2014
31-12-2014
$7,346.00
$500.00
$7,846.00
$261.53
01-01-2015
31-07-2018
$7,714.00
$500.00
$8,214.00
$273.80
01-08-2018
31-03-2019
$10,000.00
$500.00
$10,500.00
$350.00
01-04-2019
31-10-2021
$10,600.00
$500.00
$11,100.00
$370.00
Desde o início da relação de trabalho até 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4º)
Entre 01/04/2008 a 31/07/2010 e posteriormente de 20/09/2011 a 31/10/2021, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo dos dias em que o Autor não prestou trabalho. (5º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (6º)
A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (7º)
De 01/04/2008 a 31/07/2010, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (9º)
Entre 01/04/2008 e 31/12/2008, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (10º)
Entre 01/04/2008 e 31/12/2008, a Ré não concedeu ao Autor qualquer um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado excepto os dias referidos na resposta dada ao quesito 9º. (11º)
Entre 01/01/2009 e 31/07/2010, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (12º)
Entre 01/01/2009 e 31/07/2010, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (13º)
Entre 01/01/2009 e 31/07/2010, a Ré não concedeu ao Autor qualquer um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado excepto os dias referidos na resposta dada ao quesito 9º. (14º)
*
Da alegada nulidade de sentença
O recorrente alega que a sentença é nula conforme disposto no artigo 571.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, devido a erro na apreciação da prova e contradição insanável na fundamentação.
Em nossa opinião, essa alegação não procede.
Dispõe-se no artigo 571.º, n.º 1, alínea c) do CPC que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Por outras palavras, como bem observa Viriato de Lima1, “a nulidade da alínea c) (quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão) refere-se ao caso de contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, ou seja, por exemplo, de a fundamentação apontar no sentido da condenação, mas terminar pela absolvição do réu.”
No caso presente, não se verifica qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. O juiz do tribunal a quo apenas destacou que não considerou a prova apresentada pelo autor, antes optando por valorizar a prova apresentada pela ré como mais credível. Assim, a questão em discussão refere-se, em última análise, à apreciação da prova e não à nulidade.
Improcede, assim, esta parte do recurso.
*
Da impugnação da matéria de facto
Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, entendendo que a decisão deveria ter sido diferente à luz dos elementos de prova constantes dos autos, especialmente o depoimento da única testemunha.
Dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, nos termos do n.º 2, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância(…), na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.2
Vejamos.
Os quesitos 8º, 12º e 13º da base instrutória respeitam à questão de saber se o autor prestou a sua actividade profissional para a ré em regime de turnos rotativos, com sete dias de trabalho consecutivos, sem que a ré houvesse fixado um período de descanso para o autor em cada período de sete dias, nem pago a devida compensação pecuniária, no período de 20.9.2011 a 31.3.2021.
O juiz do tribunal a quo não deu como provada a matéria acima descrita, por ter valorado a prova documental apresentado pela ré.
Em boa verdade, o tribunal aprecia livremente toda a prova produzida nos autos segundo a sua prudente convicção.
Tanto a prova documental como a prova testemunhal são meios de prova que não possuem força probatória plena, não vinculando, portanto, o tribunal, que pode valorar conforme sua livre convicção.
No caso dos autos, uma vez que a ré juntou aos autos um documento donde constam os dias de descanso semanal efectivamente gozados pelo autor, e considerando que o juiz do tribunal a quo atribuiu maior relevância a essa prova em detrimento da prova testemunhal apresentada pelo autor, nenhuma censura merece a sentença recorrida.
Atento o teor daquele documento, é evidente que o autor gozou, em cada semana, um dia de descanso, totalizando pelo menos 4 dias por mês. Assim, falecem as alegações invocadas pelo autor de que não teria gozado o descanso semanal em cada período de sete dias.
Embora seja verdade que, em algumas ocasiões, o autor tenha gozado o descanso semanal no oitavo dia, mas não deixa de ser verdade que, mensalmente, ele gozou 4 ou 5 dias de descanso.
Considerando que não se conhece a razão pela qual o autor teria gozado, em algumas vezes, o descanso semanal no oitavo dia, e levando em conta que ele efectivamente gozou 4 a 5 dias de descanso por mês, não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova por parte do tribunal recorrido ao considerar não provada a factualidade descrita nos quesitos 8º, 12º e 13º referente ao período entre Setembro de 2011 e Março de 2021.
Desta forma, improcedem as razões aduzidas pelo autor, havendo de confirmar a sentença recorrida.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, consequentemente, manter a sentença recorrida.
Custas pelo autor, nesta instância.
Registe e notifique.
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RAEM, 10 de Outubro de 2024
(Juiz Relator)
Tong Hio Fong
(1º Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 Manual de Direito Processua Civil, 3.ª edição, 2018, pág. 569
2 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 96 e 97
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Recurso Laboral 510/2024 Página 1