Processo nº 573/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 17 de Outubro de 2024
Recorrente: A (Autor)
Recorrida: B (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 19/04/2024, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B a pagar ao Autor A a quantia de MOP$67,350.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, em sede de conclusões, o seguinte:
1) Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2) Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, mostra-se em violação ao disposto nos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
3) Resultou provado que:
- De 10/12/2009 a 20/07/2016, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8.º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (9.º)
- Entre 10/12/2009 a 20/07/2016, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias (…). (10.º)
- No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (11.º)
4) Ora, não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
5) E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para sé poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
6) Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias ccnsecutivos.de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
7) De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$86,130.00, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal - e não só de apenas MOP$10,800.00, conforme parece resultar da douta Sentença.
8) Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 114 a 120, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
Entre 10/12/2009 e 20/07/2016, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré (B), a desempenhar funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (B)
Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (C)
Entre 10/12/2009 e 20/07/2016, o Autor gozou dos seguintes dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho no dias seguintes: (D)
Período
Dias de férias e/ou de ausência
2010
24
2011
24
05/05/2012 a 26/05/2012
24
09/03/2013 a 30/03/2013
24
08/03/2014 a 29/03/2014
22
04/05/2014 a 05/06/2014
33
2015
22
08/03/2016 a 28/03/2016
12
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (E)
Durante a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (1º)
De 10/12/2009 a 20/07/2016, a Ré (B) pagou ao Autor a seguinte quantia a título de salário de base mensal e subsídio de alojamento: (2º)
De
A
Salário de base mensal
Subsídio de alojamento
10/12/2009
20/07/2015
$7,500
$600
21/07/2015
20/07/2016
$7,500
$600
Entre 10/12/2009 e 20/07/2016, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (3º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (4º)
Entre 10/12/2009 a 20/07/2016, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo dos dias em que o Autor não prestou trabalho. (5º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (6º)
A Ré (B) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (7º)
De 10/12/2009 a 20/07/2016, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (8º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (9º)
Entre 10/12/2009 a 20/07/2016, a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, sem prejuízo da al. D) dos Factos Assentes. (10º)
No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (11º)
Entre 10/12/2009 a 20/07/2016, a Ré não concedeu ao Autor qualquer um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado excepto os dias referidos na resposta dada ao quesito 9º. (12º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da B, como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.
Neste conformidade, o Autor tem o direito de receber:
MOP$270*318 = MOP$85,860.00
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor, decidindo-se revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, no total de MOP$85,860.00, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
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Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 17 de Outubro de 2024.
Ho Wai Neng
(Relator)
Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)
15
573/2024