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Processo nº 223/2024
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data do Acórdão: 24 de Outubro de 2024

ASSUNTO:
- Revisão de Sentença estrangeira
- Regulação do exercício de poder paternal


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Rui Pereira Ribeiro











Processo nº 223/2024
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 24 de Outubro de 2024
Requerente: A
Requerido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação e Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citado o Requerido para querendo contestar este silenciou.
  
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. Pelo Tribunal Municipal em Brno da República Checa foi proferida sentença n.º 129 Nc33/2022-47 e transitada em julgado em 08.02.2023 na qual regulou o exercício do poder paternal dos menores C, nascida no dia XX de XX de 20XX e D, nascido no dia XX de XX de 20XX,
2. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«Esta decisão entrou em vigor Nº de ref.: 129 Nc 33/2022-47
no dia 08/02/2023. 129 P a Nc 305/2022
TRIBUNAL MUNICIPAL EM BRNO
No dia 08.09.2023
[assinatura ilegível - nota do tradutor]
[carimbo redondo com o emblema nacional da Rep. Checa do
Tribunal Municipal em Brno 48 - nota do tradutor]
[emblema nacional da Rep. Checa - nota do tradutor]
REPÚBLICA CHECA
SENTENÇA
EM NOME DA REPÚBLICA
O Tribunal Municipal de Brno, decidiu por meio do juiz, XX, no caso de:
menores de idade: C, nascida no dia XX de XX de 20XX
D, nascido no dia XX de XX de 20XX,
ambos com residência permanente na rua XX nº XX, CP XX XX, atualmente a residir na rua XX nº XX, CP XX XX, aqui representados pelo tutor legal, a cidade de Brno, com domicílio em XX nº XX, CP XX Brno
filhos de: A, nascida no dia XX de XX de 19XX, residente na rua XX nº XX, CP XX Brno, legalmente representada por XX, XX, advogado, com domicilio do escritório jurídico em nám. XX nº XX, CP XX Brno
B, nascido no dia XX de XX de 19XX, com residência permanente na rua XX nº XX, CP XX Židlochovice, atualmente a residir na rua XX nº XX, CP XX Brno, legalmente representado pela XX, XX, advogada, domiciliada na rua XX nº XX, CP XX Brno
sobre o exercício das responsabilidades parentais e da obrigação de prestação de subsídio de alimentos,
nos seguintes termos:
I. O tribunal aprova o acordo dos pais com esta redação:
   MIRSO
Os menores de idade C e D são confiados à guarda da mãe, incluindo o período subsequente à dissolução do casamento dos pais.
O pai compromete-se a contribuir mensalmente com 5500 CZK para o sustento da menor C e com 4500 CZK para o sustento do menor D, isto a partir de 1 de outubro de 2022 e durante o período após o trânsito em julgado da Sentença de divórcio, a ser pago antecipadamente à mãe no dia 15 de cada mês útil.
O pai compromete-se a pagar à mãe, no prazo de dois meses a contar do trânsito em julgado da decisão, a pensão de subsídio de alimentos pendente relativa ao período de 1 de outubro de 2022 a 31 de janeiro de 2023, no montante de 16500 CZK para a menor C e de 13500 CZK para o menor D.
O pai tem direito a permanecer em contacto com os dois filhos menores de idade todos os anos por um período de dois meses, não podendo cada contacto individual durar mais de 30 dias sem interrupção, e desde que o pai notifique a mãe por escrito das datas do seu contacto com os filhos menores, isso pelo menos dois meses antes de cada contacto.
Além disso, o pai tem o direito a contactar os filhos menores por videochamada de dois em dois dias, às 20:30 horas no local onde se encontram os filhos menores de idade, isto a partir de 10 de outubro de 2022.
II. Nenhuma das partes tem o direito à recompensa das despesas relativas ao processo.
Fundamento ao veredito:
1. Pela sugestão apresentada no tribunal de primeira instância em 17 de outubro de 2022, a mãe, através do seu representante legal, solicitou a promulgação de uma decisão do tribunal sobre alteração do exercício da responsabilidade paternal em relação aos menores de idade para o período anterior e posterior à dissolução do casamento dos pais, de modo a que os dois filhos menores fossem confiados à guarda da mãe, enquanto o pai seria obrigado a contribuir com 5500 CZK para o sustento da menor C e 4500 CZK para o sustento do menor D, Ao mesmo tempo, a mãe propôs modificar o contacto do pai com os menores de idade.
2. Durante a audiência perante o tribunal, os progenitores celebraram o acordo referido no dispositivo I da presente decisão e propuseram conjuntamente a sua homologação.
1. O tutor considerou que o acordo apresentado pelos progenitores, segundo o qual os filhos, menores de idade, seriam confiados à guarda da mãe e o pai se comprometia a contribuir para o seu sustento com o montante de 5500 CZK para a C e de 4500 CZK para o D, bem como a alteração do direito de visita, fora inteiramente do interesse dos acima mencionados e, por conseguinte, propôs que o tribunal o homologasse.
2. Com base nas provas apresentadas (certidão de nascimento, certidão de casamento, acordo dos pais, extrato de registo central de cidadãos, relatório escolar, certificado de rendimentos do pai e depoimentos dos pais), o tribunal tirou as seguintes conclusões sucintas sobre os factos do processo.
3. Ambos os filhos menores de idade nasceram durante o casamento dos pais, contraído em Macau em 12 de julho de 2016. O agregado familiar comum dos progenitores cessou em 1 de julho de 2022, data em que o pai se mudou de casa, tendo, desde então, os dois filhos menores ficado sob a guarda contínua da mãe e tendo o pai contribuído para a sua sustentação com o montante acordado e também para além da pensão de subsídio de alimentos. A mãe, com o consentimento do pai, partiu em 7 de outubro de 2022, junto com os menores de idade, para Macau onde pretendem viver permanentemente. Os pais possuíram, dentro de bens comuns dos cônjuges, uma unidade residencial, que venderam com o lucro no valor de 6450000 CZK, de que liquidaram por pagamento o crédito hipotecário de cerca de 3000000 CZK e o pai deixou o restante inteiramente à mãe. Depois de os filhos terem saído da República Checa, o pai mantém contatos regulares com estes e com a mãe e conseguem chegar num acordo sobre tudo o que diz respeito aos menores.
4. A mãe está casada e tem duas obrigações de subsídio de alimentos para com os filhos, a menor C e o menor D. Atualmente, vive com os filhos no seu país de origem, em Macau, onde tem familiares. Os seus rendimentos provêm exclusivamente das pensões de alimentos e também dos recursos financeiros obtidos da venda do apartamento. Atualmente, está à procura de emprego e, dado que possui um diploma universitário, não espera não encontrar trabalho. Não dispõe de outros rendimentos nem de bens de valor mais elevado e não beneficia de assistência social do Estado nem de prestações por necessidade material, nem é trabalhadora independente.
5. O pai está casado e, tal como a mãe, tem duas obrigações de subsídio de alimentos. Vive sozinho num apartamento arrendado com despesas de 20000 CZK. Trabalha para a Autoridade Nacional de Segurança Cibernética e da Informação, onde auferiu um rendimento mensal líquido médio de 35707 CZK no período de 11/2021 a 10/2022. Não tem nenhum outro rendimento, nem é beneficiário de prestações de assistência social do Estado ou de prestações por necessidades materiais, nem está registado como candidato a emprego ou trabalhador independente. O pai tem obrigações de crédito ao consumo com o banco XX bank, a.s., no montante total de 180000 CZK, que reembolsa mensalmente no montante de 3200 CZK, um cartão de crédito junto do banco XX spořitelna com um reembolso mensal de 800 CZK, um cartão de crédito junto do banco XX, a.s. com um reembolso mensal de 2300 CZK e um reembolso mensal de um empréstimo para a compra de um automóvel no montante de 1815 CZK. Além disso, o pai vem a ter uma obrigação para com a mãe dos menores no valor de 100000 CZK. O pai não pagou a pensão de subsídio de alimentos relativa aos meses de novembro e dezembro porque pagou os danos causados durante o período quando ela usava o apartamento arrendado, uma vez a mãe ter recusado pagar os danos. Contudo, o pai está disposto a pagar a pensão de subsídio de alimentos pendente de forma devida.
6. A menor C começou a frequentar o jardim de infância em Macau, não tem atividades extracurriculares pagas e é saudável. O menor D não frequenta qualquer jardim de infância, é saudável e não tem despesas acrescidas. O pai mantém contacto regular com ambos os filhos através de várias aplicações e prevê-se que o contato pessoal ocorra no verão, exatamente o que ainda não foi acordado com a mãe.
7. Uma vez que o acordo celebrado pelos pais está em conformidade com os postulados dos artigos 907, 908, 919 e 913 da Lei nº 89/2012 do Código, o tribunal aprova-o (dispositivo I). Os progenitores são casados e deixaram de viver juntos em julho de 2022, altura em que o pai se mudou de casa, tendo os filhos menores ficado, desde então, sob a guarda primária da mãe, que, com o consentimento do pai, se mudou com eles para Macau em 7 de outubro de 2022. O pai está em contacto com os filhos e está previsto um contacto pessoal para o verão. O pai cumpre devidamente sua obrigação face à pensão alimentar de 10000 CZK no total, exceto nos meses 11, 12 de 2022, e contribui de forma excedente à sua obrigação relativa a pensão de subsídio alimentar. O pai está disposto a pagar a pensão de subsídio de alimentos pendente de forma devida Os pais estão em condições de chegar a acordo sobre todas as questões relativas aos menores. Na opinião do tribunal, o acordo apresentado pelos pais sobre a guarda, a pensão de subsídio de alimentos e o contacto do pai com os filhos, é inteiramente do interesse dos menores e a pensão de subsídio alimentar acordada é razoável e corresponde não só às necessidades legitimas dos menores, mas também às circunstâncias pessoais, econômicas e financeiras de ambos os pais. Os progenitores acordaram que a obrigação de subsídio alimentar do pai será ajustada a partir de I de outubro de 2022 até ao futuro, uma vez que foí devidamente cumprida até essa data Para o período compreendido entre 1 de outubro de 2022 e 31 de janeiro de 2023, o pai contraiu uma dívida de subsídios alimentares de 16500 CZK em relação à menor C e de 13500 CZK em relação ao menor D, que o pai se comprometeu a pagar, em conformidade com o nº 1 do artigo 160 da Lei nº 99/1963 do Código de Processo Civil, na sua versão em vigor, no prazo de dois meses a contar da data em que a decisão do tribunal tomar efeito (dispositivo I.).
8. Sobre a recompensa das despesas relativas ao processo para as partes foi decidido nos termos da Secção 23 da Lei nº 292/2013 do Código, de processos judiciais especiais, conforme alteração em vigor - dispositivo II.
Instruções gerais:
A presente decisão é suscetivel de imposição ao recurso, o que deverá ser feito junto ao Tribunal Municipal de Brno, no prazo de 15 dias a contar da data de entrega da decisão na forma escrita da mesma. Sobre o recurso decidirá o Tribunal Regional em Brno.
Porém, o direito ao recurso como referido não é conferido a nenhuma das partes, uma vez estas terem renunciado expressamente a ele logo após a decisão do tribunal.
No caso o devedor não cumprir voluntariamente com a obrigação que lhe é imposta pela presente decisão, o credor pode recorrer à execução da decisão em conformidade com o procedimento previsto nos artigos 261º e os seguintes do Código do Processo Civil relativos à matéria de alimentos.
Nos termos do nº 1 do artigo 162º do Código do Processo Civil, a decisão em matéria de pensão de alimentos é executória por notificação.
Em Brno, no dia 16 de janeiro de 2023
Pelo XX
Juiz».

b) Do Direito

  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Municipal em Brno da República Checa foi proferida sentença sobre o exercício do poder paternal dos filhos menores da Requerente e do Requerido, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, tornando-se a mesma efectiva na data indicada o que corresponde ao trânsito em julgado, estando assim preenchidos os pressupostos das al.s a) e b) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não resulta da certidão junta que a decisão haja sido proferida por tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, uma vez que resulta de uma homologação de acordo entre as partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  A sentença revidenda procede à fixação do exercício do poder paternal, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1760º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  
  Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de decisão proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Municipal em Brno da República Checa nos termos acima transcritos.
  
  Custa a cargo da Requerente sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 24 de Outubro de 2024
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Ho Wai Nengs
(2o Juiz-Adjunto)
  
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REV e CONF DE DECISÕES