Processo nº 81/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 24 de Outubro de 2024
ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Fixação do pensão de aposentação
- Homologação do parecer da Junta de Saúde
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 81/2023
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 24 de Outubro de 2024
Recorrente: A
Entidades Recorridas: Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, e
Secretário para a Administração e Justiça
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do despacho de 15.12.2022 proferido pelo Secretário para a Administração e Justiça sobre a fixação da pensão de aposentação da Recorrente, formulando as seguintes conclusões:
147. Nos termos do art.º 44.º, n.º1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, uma vez que entre a 1ª decisão recorrida (decisão da Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura) e a 2ª decisão recorrida (decisão do Secretário para a Administração e Justiça) existem uma relação de dependência ou pelo menos uma conexão, vem a recorrente requerer a cumulação de impugnação das duas decisões para que sejam apreciadas no mesmo processo de recurso contencioso.
148. A 1.ª decisão recorrida padeceu do vício de errada aplicação da lei, pelo que nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, é anulável.
149. Em primeiro lugar, o presente caso teve origem num acidente que sofreu a recorrente na tarde do dia 18 de Novembro de 2019, quando estava a exercer funções na Assembleia Legislativa, devendo tal acidente ser considerado como acidente em serviço, nos termos do art.º 111.º, n.º1. al. a) do ETAPM.
150. Uma vez que o caso reúne os requisitos da “falta por acidente em serviço previstos nos art.ºs 111.º a 119.º da secção V do ETAPM, em 27 de Novembro de 2019, o presidente da Assembleia Legislativa reconheceu o supracitado caso como acidente em serviço.
151. Face ao acidente em serviço, nos termos do art.º 116.º, n.º2 do ETAPM, deve a Junta de Saúde elaborar o relatório sobre a situação do sinistrado e prestar as declarações com conteúdos previstos no art.º 116.º, n.º2, als. a) a c).
152. Contudo, a Junta de Saúde não elaborou um relatório único com conteúdo previsto no supracitado artigo, mas sim em vários pareceres prestou declarações.
153. Em 7 de Novembro e 6 de Dezembro de 2022, sucessivamente, a Junta de Saúde emitiu os pareceres, mas não indicou as lesões de que a recorrente sofreu no acidente em serviço.
154. Mesmo se considere que os dois pareceres sejam equivalentes ao supracitado relatório, os seus conteúdos também não reúnem o disposto no art.º 116.º, n.2, al. c) do ETAPM, uma vez que não foi avaliada nem indicada a síndrome pós-concussão cerebral sobreposta a transtorno de ansiedade orgânica que causou lesões à recorrente.
155. E quanto aos dois pareceres acima indicados, no seu texto, tendo a Junta de Saúde só emitido pareceres sobre a recorrente se era capaz de regressar ao trabalho no serviço, tal como fosse observado o art.º 105.º, n.º1, als. a) ou c) do ETAPM.
156. Contudo, tal como acima foram indicadas por várias vezes, as faltas da recorrente ao serviço não eram por doença, mas sim por acidente em serviço, pelo que, ao conteúdo de declaração da Junta de Saúde, não é aplicável o art.º 105.º, n.º1, mas sim o art.º 116.º, n.º2 do ETAPM.
157. Na falta do relatório previsto no art.º 116.º, n.º2 do ETAPM, ou pelo menos, perante a situação em que o parecer da Junta de Saúde carece do conteúdo previsto no art.º 116.º, n.º2, al. c) do ETAPM, não deve a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura afirmar perenptoriamente a incapacidade permanente absoluta da recorrente para o exercício de funções públicas e aplicar directamente o art.º 262.º, n.º1, al. b) do ETAPM para a aposentação obrigatória da recorrente.
158. Pelo que deve a 1ª decisão recorrida ser anulada por ter violado o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
159. Em segundo lugar, em 6 de Dezembro de 2022, na ausência da recorrente, a Junta de Saúde realizou reunião especial e emitiu o parecer no mesmo dia.
160. O ETAPM dispõe no seu art.º 262.º (sic), n.º1 que:
Artigo 118.º
(Incapacidade permanente e parcial)
1. No caso de incapacidade parcial, ainda que permanente, o dirigente do serviço deve providenciar para que ao sinistrado sejam distribuídas tarefas compatíveis com a sua situação, tendo em conta o seu nível e qualificação profissionais.
2. Se o sinistrado revelar incapacidade para desempenhar as tarefas a que se refere o número anterior, pode ser de novo submetido, pelo dirigente do serviço, à Junta de Saúde, para efeitos de declaração da incapacidade permanente e absoluta.
161. Nos termos do art.º 118.º, n.º2 do ETAPM, se o Instituto do Desporto considerasse que o parecer da Junta de Saúde mostrasse que a recorrente tivesse capacidade para regressar ao trabalho no serviço, nos termos da lei, devia distribuir-lhe tarefas compatíveis a sua situação.
162. Se a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura considerasse que a recorrente fosse incapaz para regressar ao trabalho, devia submetê-la novamente à Junta de Saúde para receber exame.
163. Dado que a recorrente não foi submetida ao exame, a 1ª decisão recorrida violou o art.º 118.º, n.2 do ETAPM, e nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, é anulável.
164. Em terceiro lugar, caso não se entenda o supracitado ponto de vista, por mera cautela de patrocínio, a 1ª decisão recorrida também erradamente aplicou o disposto no art.º 262.º n.º1, al. b) do ETAPM.
165. Tal como acima foi indicado, o acidente que a recorrente sofreu pertence ao acidente em serviço previsto no art.º 111.º n.º1, al. a) do ETAPM.
166. Nos termos do art.º 111.º, n.º1 do ETAPM, o acidente em serviço produz directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta a incapacidade ou morte do sinistrado, na causalidade, tal relação pode ser directa ou indirecta (no texto foi utilizado “directa ou indirectamente”).
167. Tanto o parecer emitido em 6 de Dezembro de 202 pela Junta de Saúde, quanto o despacho proferido em 19 de Dezembro de 2022 pelo Subdirector dos Serviços de Saúde que indeferiu a reclamação ou o despacho proferido em 18 de Janeiro de 2023 pelo Director dos Serviços de Saúde que rejeitou o recurso hierárquico necessário, pelas suas exposições, pode-se mostrar que existe uma relação entre o acidente ocorrido em 18 de Novembro de 2019 e a incapacidade permanente absoluta da recorrente para o exercício de funções públicas, ou se calhar, mostra-se que o acidente em serviço é uma das causas da incapacidade da recorrente para o exercício de funções públicas.
168. Além disso, a Junta de Saúde, respectivamente, em 5/6/2020, 3/9/2021, 22/10/2021, 17/12/2021, 25/4/2022, 23/5/2022, 29/8/2022 e 26/9/2022, emitiu vários pareceres, indicando que as faltas da recorrente tinham a ver com o acidente em serviço ocorrido em 18 d Novembro de 2019.
169. O então Director dos Serviços de Saúde, os actuais Director e Subdirector dos mesmos Serviços também homologaram os supracitados pareceres.
170. Pelo que temos certeza de que as faltas da recorrente têm relação com o acidente em serviço.
171. Já que a recorrente sempre se ausentava do serviço pelo acidente em serviço, acabando por ser reconhecida como incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções públicas, e os Serviços de Saúde, por sua vez, também não excluiu a relação entre o acidente em serviço e a incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções públicas, então já não é possível negar a ligação entre a incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções públicas e o acidente em serviço.
172. Para servir de referência, antes de sofrer o acidente, a recorrente exerceu funções de técnica agregada da Assembleia Legislativa, mas após o acidente, sempre se ausentou do serviço, não sendo capaz de trabalhar.
173. Embora a recorrente tenha histórico de doença mental desde Novembro de 2012, durante 7 anos até ao dia em que se deu o acidente, ela sempres exerce funções públicas, nesse período tendo exercido ainda funções de nível de assessor por muitos anos, incluindo funções de assessora dos Serviços de Alfândega, técnica-superior do Instituto do Desporto e técnica agregada da Assembleia Legislativa, e nunca ocorreu a situação de impossibilidade do exercício de funções públicas.
174. De acordo com as regras de experiência comum, então como é que se pode atribuir totalmente a causa da incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções públicas ao histórico de doença mental da recorrente e desconsiderar a afectação manifestada causada pelo acidente em serviço para a situação da doença da recorrente?
175. Evidentemente, o acidente em causa afectou a saúde da recorrente não só nos aspectos neurocirúrgicos como também nos psiquiátricos, caso contrário, não era possível que a Junta de Saúde tivesse concedido continuamente à recorrente o gozo de licença por doença e referido que as faltas foram causadas pelo acidente ocorrido em 18 de Novembro de 2019.
176. Na verdade, a incapacidade permanente de 10% determinada pela Junta de Saúde é avaliada conforme o coeficiente de desvalorização de (0.05-0.15) da síndrome pós-comocional prevista no art.º 78.º, al. d) do capítulo V (Perturbações complexas) da «Tabela de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», anexa à Lei n.º40/95/M, de 14 de Agosto.
177. Além do mais, se considerasse que a recorrente podia regressar ao trabalho no serviço, deveria a Junta de Saúde indicar no parecer que não reconhecesse o atestado médico passado pelo médico assistente do Serviço de Neurocirurgia Dr. B, e indicar expressamente que a recorrente era capaz de regressar ao trabalho no serviço.
178. Nessa circunstância, devia o Instituto do Desporto, nos termos do art.º 118.º n.º1 do ETAPM, providenciar à recorrente tarefas compatíveis com a sua situação, tendo em conta o seu nível e qualificação profissionais.
179. Mas tal facto não aconteceu, a Junta de Saúde reconheceu o atestado médico da recorrente e mais referiu que as faltas tinham a ver com o acidente em serviço não lhe exigindo o regresso ao trabalho.
180. De qualquer maneira, para uma funcionária pública que antes do acidente, pode exercer funções de assessora por vários anos, devido ao acidente em serviço que agravou e deteriorou a sua doença, causando-lhe o sofrimento da doença mental mais grave (transtorno de ansiedade orgânica) e incapacidade para trabalho, e isto, evidentemente, mostra que existe um nexo de causalidade indirecta entre o acidente e a perda da incapacidade de trabalho.
181. Caso V. Ex.as aina não se conformem com o supracitado ponto de vista, é de salientar que, tal prevê o D.L n.º40/95/M, de 14 de Agosto (Regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais), o art.º 111.º, n.º1 do ETAPM que rege a solução quanto ao funcionário público que sofre de doença antes do acidente em serviço mas tais condições deterioram-se devido ao acidente, “1. Considera-se em serviço o acidente que, produzindo, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a incapacidade ou morte do sinistrado, …”. (negrito e sublinhado nossos)
182. O D.L n.º40/95/M dispõe no seu art.º 9.º, n.º1 que: “Artigo 9.º (Lesões ou doenças anteriores ao acidente) 1. Quando a lesão ou a doença resultante do acidente forem agravadas por lesões ou doenças anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade é fixada como se tudo fosse resultante deste, salvo se já tiverem sido reparados os danos das lesões ou doenças anteriores.
183. Igualmente para os funcionários públicos que também podem sofrer acidente em serviço, na definição dos efeitos negativos do acidente de trabalho, as disposições legais também são mesmas.
184. Contudo, caso V. Ex.as considerem que o ETAPM não tem uma clara regulação sobre a agravação da doença anterior do funcionário público resultante do acidente em serviço, e que a palavra “indirecta” não dá para expressar que a lesão ou a doença resultante do acidente forem agravadas por lesões ou doenças anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, então nos termos do art.º 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, é aplicável analogicamente o disposto no art.º 9.º, n.º1 do D.L n.º40/95/M.
185. No presente caso, nos termos do art.º 9.º, n.º1 do D.L n.º40/95/M, aplicável analogicamente, uma vez que a doença de que sofre a recorrente antes do acidente foi agravada pelo acidente e que lhe causa a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas, devendo a incapacidade ser considerada como foi causada totalmente pelo acidente.
186. Quer seja aplicável directamente o art.º 111.º, n.º1, al. a) do ETAPM, quer seja aplicável analogicamente o art.º 9.º, n.º1 do D.L n.º40/95/M nos termos do art.º 9.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, deve a incapacidade permanente e absoluta da recorrente para o exercício de funções públicas ser considerada causada pelo acidente em serviço.
187. Pelo que, ao presente caso é aplicável o art.º 262.º, n.º1, al. c) do ETAPM para determinar a aposentação da recorrente e servir de base para cálculo da pensão de aposentação, nos termos do art.º 265.º, n.º1, al. b).
188. Por ter erradamente aplicado o art.º 262.º, n.º2, al. b) do ETAPM, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, é anulável a 1ª decisão recorrida.
189. Por fim, dado que a 2ª decisão recorrida teve como base a 1ª decisão recorrida, a 2ª decisão recorrida também padeceu do supracitado vício, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, a 2ª decisão recorrida também é anulável.
190. Por outro lado, quanto ao cálculo da pensão, o Secretário para a Administração e Justiça também erradamente aplicou os art.ºs 262.º, n.º1, al. b), 264.º, n.º1 e 265.º, n.º2 do ETAPM.
191. Razão por que o presente caso pertence à incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções pública prevista no art.º 111.º, n.º1, al. a), conjugado com o art.º 262.º, n.º1, al. c) do ETAPM, deve a pensão ser “calculada como se o subscritor contasse 36 anos de serviço”, nos termos do art.º 264.º, n.º2 do ETAPM.
192. Ao mesmo tempo, é aplicável o art.º 265.º, n.º1, al. b) do ETAPM para servir de base para o cálculo da pensão. deve ser considerado como base para cálculo da pensão, o vencimento único, ou seja o índice 935, da técnica agregada da Assembleia Legislativa que a recorrente desempenhou no dia em que se deu o acidente que lhe causou a incapacidade permanente absoluta para o exercício de funções públicas.
193. Pelo que, o Secretário para a Administração e Justiça também erradamente aplicou os art.ºs 262.º, n.º1, al. b), 264.º, n.º1 e 265.º, n.º2 do ETAPM. nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, a 2ª decisão recorrida é anulável.
Citado o Senhor Secretário para a Administração e Justiça para querendo contestar, veio este fazê-lo, apresentando as seguintes conclusões:
1. O recorrente contencioso A no presente processo, de nacionalidade chinesa, portador do BIRM permanente n.º ..., aderente ao Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos n.º ....
2. Em 06/12/2022, através do despacho proferido, a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura aprovou a aposentação obrigatória do recorrente nos termos do art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, visto que em 07/11/2022, o recorrente tinha sido declarado pela Junta de Saúde como permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas e que tinha completado 20 anos de serviço para efeitos de aposentação (vd. os autos a fls. 39 a 95)
3. Tendo recebido o processo de aposentação do recorrente, o Fundo de Pensões confirmou que o recorrente tinha completado 20 anos de serviço para efeitos de aposentação. Como em 07/11/2022 foi avaliado e confirmado como permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas durante a assembleia ordinária da Junta de Saúde, preenchendo o requisito previsto pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM, o recorrente contencioso devia obrigatoriamente aposentar-se.
4. Para tal, o Fundo de Pensões elaborou a proposta n.º 1155/DRAS-DAS/FP/2022, sugerindo fixar ao recorrente e pagar-lhe, nos termos do art.º 267.º, n.º 2 do ETAPM, uma pensão de aposentação mensal provisória equivalente à tabela de índice de vencimento 350, juntamente com 4 prémios de antiguidade. Em 14/12/2022, o Presidente do Conselho de Administração do Fundo de Pensões proferiu o despacho de aprovação e de deferimento sobre a pensão de aposentação provisória. (vd. os autos a fls. 138 a 143)
5. Visto está preenchido o requisito para a aposentação obrigatória estabelecido pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM, o Fundo de Pensões elaborou a proposta n.º 1156/DRAS-DAS/FP/2022, sugerindo, nos termos do art.º 262.º, n.º 1, alínea b), do art.º 264.º e do art.º 265.º do ETAPM, fixar ao recorrente a pensão de aposentação mensal no montante equivalente à tabela de índice de vencimento 350, juntamente com 4 prémios de antiguidade, vigente a partir de 07/11/2022.
6. Esta entidade recorrida despachou em 15/12/2022, aprovando a fixação da pensão ao recorrente. O despacho foi publicado na SÉRIE II do n.º 1 do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau de 4 de Janeiro de 2023. (vd. os autos a fls. 145 a 148 e 159)
7. Nos termos do art.º 267.º, n.º 1 do ETAPM, o início do processo de aposentação pressupõe o requerimento do interessado ou a comunicação daquele ou dos serviços de que dependa, bem como o seu envio ao FPM, devidamente instruídos com os fundamentos da aposentação e os documentos necessários à organização do processo. Então abre-se o processo de aposentação.
8. O FPM verifica, conforme o art.º 267.º, n.º 3 do ETAPM, se o recorrente preenche os requisitos para a aposentação obrigatória, sobretudo o seu tempo de serviço para efeitos de aposentação, e se corresponde ao previsto pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM.
9. No presente caso, foi considerado como em serviço o acidente acontecido ao recorrente em 18/11/2019 nos Serviços de Apoio à Assembleia Legislativa. (vd. os autos a fls. 61)
10. Compete à Junta de Saúde julgar se o recorrente é permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas. Durante a assembleia ordinária de 07/11/2022, o recorrente foi avaliado pela Junta de Saúde como permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas. O parecer ficou confirmado pelo subdirector dos SS no mesmo dia (vd. os autos a fls. 102)
11. Compete à Junta de Saúde determinar a relação entre a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas do recorrente e o acidente de 18/11/2019. Eis o parecer emitido pela Junta de Saúde na assembleia ordinária de 06/12/2022: “avaliando de modo geral o relatório médico do funcionário, não resulta uma ligação directa demonstrada pelas informações clínicas entre a sua incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas e o acidente de 18/11/2019.” O parecer ficou confirmado pelo subdirector dos SS no mesmo dia. (vd. os autos a fls. 89)
12. Sobre a opinião do recorrente de que ele corresponde ao previsto pelo art.º 110.º (sic – N. da T.), n.º 1, alínea a) do ETAPM, ou seja, foi o acidente em serviço que lhe determinou a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas.
13. É de indicar que quanto à lesão ocasionada ao recorrente pelo acidente de 18/11/2019, na altura já tinha sido qualificado como acidente em serviço pelo seu serviço; além disso, de acordo com o parecer da Junta de Saúde, as faltas do recorrente foram causadas pelo acidente de 18/11/2019.
14. Com base no acima referido, pode ser demonstrado apenas que a lesão ocasionada ao recorrente pelo acidente de 18/11/2019 foi um acidente em serviço, e que as suas faltas em seguida foram justificadas por doença.
15. Cá não está em causa discutir se o acidente ocorrido ao recorrente em 18/11/2019 foi um acidente em serviço, antes sim analisar a relação entre a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas do recorrente e o acidente em serviço de 18/11/2019.
16. Apesar do facto de que o acidente ocorrido ao recorrente em 18/11/2019 foi qualificado como acidente em serviço, e do facto de que foi avaliado pela Junta de Saúde como permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas, isto não quer dizer uma ligação automática entre os dois ou estabelecer entre os dois uma relação necessária de maneira directa. A existência de relação ou não entre os dois depende antes da perícia médica da Junta de Saúde.
17. Muito embora o facto de que na assembleia ordinária de 07/11/2022 a Junta de Saúde julgou o recorrente como permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas, esta indicava explicitamente que não resultava uma ligação directa demonstrada pelas informações clínicas entre a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas do recorrente e o acidente de 18/11/2019.
18. Na falta de informação capaz de demonstrar que tenha sido o acidente em serviço que ocasionou ao recorrente a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas, obviamente não está preenchido o requisito previsto pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea c) do ETAPM.
19. Fundamentando-se nos pareceres emitidos pela Junta de Saúde sobre o recorrente mencionados acima nos pontos 10.º e 11.º, e visto que o recorrente tinha completado 20 anos de serviço para efeitos de aposentação, a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura opinava que o recorrente correspondia ao previsto pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM. Então aprovou-lhe a aposentação obrigatória. Tendo a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura praticado o acto administrativo nos termos legais, não se coloca a questão do vício de erro na aplicação da lei.
20. No que respeita a quanto indicado pelo recorrente, que é de aplicar por analogia, nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e n.º 2 do CC, o art.º 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, considerando que a sua incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas está relacionada com o acidente em serviço.
21. O recorrente, funcionário público, aderiu ao Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos e nos termos do art.º 110.º, n.º 1 do ETAPM, ao recorrente é aplicável o regime de acidente em serviço regulado pelo ETAPM.
22. Mediante o âmbito de aplicação delimitado pelo art.º 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 40/95/M «Regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais», que exclui expressamente a aplicabilidade aos trabalhadores da função pública regulados pela legislação própria. Portanto, ao caso do recorrente é impossível aplicar o Decreto-Lei n.º 40/95/M, já para não falar do art.º 9.º, n.º 1 dele.
23. Dado que nada dos autos de aposentação do recorrente demonstra que tenha sido o acidente em serviço acontecido ao recorrente que lhe provocou a incapacidade permanente e absoluta para as funções; antes pelo contrário, de acordo com o parecer da Junta de Saúde, não resulta uma ligação directa demonstrada pelas informações clínicas entre a sua incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas e o acidente de 18/11/2019.
24. Dada a situação em que se encontrava o recorrente, a única coisa que o Fundo de Pensão podia fazer era nos termos legais, preenchido o requisito para a aposentação obrigatória estabelecido pelo art.º 262.º, n.º 1, alínea b) do ETAPM, propor, à luz do art.º 264.º e do art.º 265.º do ETAPM, fixar ao recorrente a pensão de aposentação mensal no montante equivalente à tabela de índice de vencimento 350, juntamente com 4 prémios de antiguidade.
25. Portanto, é livre de qualquer vício o acto administrativo praticado em 15/12/2022 por esta entidade recorrida nos termos do art.º 262.º, n.º 1, alínea b), do art.º 264.º e do art.º 265.º do ETAPM, de aprovar a fixação ao recorrente da pensão de aposentação mensal no montante equivalente à tabela de índice de vencimento 350, juntamente com 4 prémios de antiguidade, pelo que é de ser sustentado.
Por Acórdão de fls. 667 a 670 foi a Entidade Recorrida Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura absolvida da instância.
Notificadas as partes para alegações facultativas, ambas as partes o vieram fazer.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos factos
Foi apurada a seguinte factualidade:
1. Pelo Senhor Secretário para a Administração e Justiça em 15 de Dezembro de 2022 foi proferido o seguinte despacho:
Por despachos do Ex.mo Senhor Secretário para a Administração e Justiça, de 15 de Dezembro de 2022:
1. A, técnica superior assessora principal, 2.º escalão, do Instituto do Desporto, com o número de subscritor … do Regime de Aposentação e Sobrevivência, desligada do serviço de acordo com o artigo 262.º, n.º 1, alínea b), do ETAPM, em vigor — fixada, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 107/85/M, de 30 de Novembro, com início em 7 de Novembro de 2022, uma pensão mensal correspondente ao índice 350 da tabela em vigor, calculada nos termos do artigo 264.º, n.os 1 e 4, conjugado com o artigo 265.º, n.º 2, ambos do referido estatuto, por contar 20 anos de serviço, acrescida do montante relativo a 4 prémios de antiguidade, nos termos dos artigos 7.º a 9.º da Lei n.º 2/2011 e da tabela a que se refere o artigo 1.º da Lei n.º 1/2014.
2. O encargo com o pagamento do valor fixado cabe, na totalidade, ao Governo da RAEM. – cf. BO II Série, nº 1 de 04.01.2023 -.
b) Do Direito
Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
«Nos termos previstos na norma do n.º 1 e da alínea d) do n.º 2 do artigo 69.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público emitir parecer conforme segue:
1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do acto praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça, datado de 15 de Dezembro de 2022, de fixação da respectiva pensão de aposentação.
A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.
2.
2.1.
Parece-nos, salvo o devido respeito, que o presente recurso contencioso não pode proceder. Em linhas muito breves, pelo seguinte.
Na petição inicial do presente recurso contencioso, a Recorrente, invocando expressamente a norma do artigo 44.º do CPAC, cumulou duas impugnações: (α) a impugnação do que considerou ser um acto administrativo praticado pela Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, no dia 6 de Dezembro de 2022, de concordância com a aposentação obrigatória da Recorrente e (β) a impugnação do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça, datado de 15 de Dezembro de 2022, de fixação da respectiva pensão de aposentação.
Por douta decisão proferida nos presentes autos a fls. 667 a 670 dos presentes autos, a Conferência do Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão do Excelentíssimo Senhor Juiz Relator que absolveu da instância a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, pelo que o presente recurso passou a ter por único objecto o mencionado acto do Secretário para a Administração e Justiça.
Isto dito, vejamos.
2.2.
(i)
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 264.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei 87/89/M, de 21 de Dezembro, a pensão de aposentação é igual à trigésima sexta parte do vencimento que lhe serve de base no cálculo, multiplicada pelo número de anos de serviço contados para a aposentação, até ao limite de 36 anos.
Quando a aposentação resulte de incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções em virtude de acidente de serviço, a pensão, preceitua do n.º 2 do artigo 264.º do ETAPM, é calculada como se o subscritor contasse 36 anos de serviço.
Por outro lado, segundo o preceituado na alínea b) no n.º 1 do artigo 265.º do ETAPM, para efeitos de cálculo da pensão é considerado o vencimento único que respeitar à categoria ou cargo em que ocorrer o facto ou acto determinante da aposentação, em relação aos funcionários que sejam atingidos por incapacidade permanente e absoluta proveniente de acidente em serviço.
Nos restantes casos, o n.º 2 do artigo 265.º do ETAPM dispõe que a base de cálculo a considerar é 90% da média ponderada dos vencimentos únicos dos cargos exercidos nos 36 meses que precederam imediatamente o mês em que se verificar a desligação para efeitos da aposentação.
(ii.)
Na situação em apreço, uma vez que a Recorrente, numa altura em que já tinha completado 20 anos de serviço para efeitos de aposentação, foi declarada pela Junta de Saúde permanente e absolutamente incapaz para o exercício de funções públicas, ocorreu a sua desligação obrigatória do serviço para efeitos de aposentação, por estarem verificados os pressupostos previstos na norma legal da alínea b) do n.º 1 do artigo 262.º do ETAPM [segundo esta norma, são obrigatoriamente desligados do serviço para efeitos de aposentação os funcionários ou agentes que, «tendo um mínimo de 15 anos de serviço para efeitos de aposentação, sejam declarados permanente e absolutamente incapazes pela Junta de Saúde para o exercício de funções públicas (...)].
Enviado o processo de aposentação para o Fundo de Pensões, este, para além de verificar a existência das condições necessárias para a aposentação, procedeu ao cálculo da pensão a fixar à Recorrente. Fê-lo, como resulta de fls. 186 e 187 dos presentes autos, por aplicação do disposto nas normas legais do n.º 2 do artigo 265.º e do n.º 1 do artigo 264.º do ETAPM, desconsiderando, pois, que a incapacidade absoluta e permanente da Recorrente para o exercício de funções públicas tenha resultado do acidente de serviço por esta sofrido.
A proposta do Fundo de Pensões foi, na sequência, acolhida pela Entidade Reccrrida que fixou a pensão de aposentação da Recorrente conforme o mencionado cálculo, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 267.º do ETAPM.
(iii)
Em relação a este acto de fixação da pensão de aposentação, a Recorrente alega na sua douta petição inicial que ele é ilegal na medida em que desconsiderou que a incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções que determinou a sua aposentação resultou de um acidente de serviço. Por isso, em seu entender, nos termos do disposto no artigo 264.º, n.º 2 e no artigo 265.º, n.º 1, alínea. b), do ETAPM, (α) a pensão deveria ter sido calculada como se a Recorrente tivesse 36 anos de serviço e, além disso, (β) deveria ter tornado como base de cálculo o vencimento único respeitante à categoria ou cargo à data em que ocorreu o facto determinante da aposentação, que, no caso, é o correspondente ao índice 935.
Não nos parece.
Em nosso modesto entender, o cálculo efectuado pelo Fundo de Pensões, e, portanto, o acto de fixação da pensão de aposentação praticado pela Entidade Recorrida que o acolheu, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não sofre, per se, de qualquer ilegalidade, nomeadamente daquela vem alegada no douto articulado inicial.
O que acontece é que, esse cálculo foi efectuado e a pensão fixada, tomando como seu pressuposto o acto do Director dos Serviços de Saúde que homologou o parecer da Junta de Saúde e que decidiu, por um lado, que a Recorrente sofria de incapacidade permanente e absoluta para o exercício de funções públicas, e, por outro lado, que essa incapacidade não era resultante do acidente de serviço que a mesma sofreu. Aliás, deve dizer-se que da leitura da petição inicial decorre muito claramente que toda a alegação do Recorrente é feita, no essencial, por referência a esse acto do Director dos Serviços de Saúde; o qual, todavia, se encontra a montante do acto recorrido e com ele se não confunde.
Ora, desse acto do Director dos Serviços de Saúde que, homologando o parecer da Junta de Saúde, decidiu no sentido da inexistência de um nexo de causalidade entre a incapacidade para o exercício de funções públicas que levou à aposentação obrigatória da Recorrente e o acidente de serviço por esta sofrido, resulta o chamado efeito de previsão (Tatbestandswirkung), o qual, como ensina a doutrina, «implica a necessidade de todos os órgãos públicos além do seu autor observarem o acto administrativo, ainda que subsistam dúvidas acerca da sua legalidade, e de o tomarem como pressuposto (ou seja, como elemento recondutível à previsão normativa) das suas decisões» (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 185).
Significa isto, pois, que a Entidade Recorrida não podia deixar de observar, no acto de fixação da pensão, de aposentação da Recorrente, como seu pressuposto, a decisão contida no anterior acto do Director dos Serviço de Saúde que homologou o parecer da Junta de Saúde que esteve na base da desligação obrígatória do serviço para efeitos de aposentação da Recorrente, justamente por aquela entidade ser aquela que dispõe de competência legal sobre a matéria, tal como resulta do disposto no artigo 119.º e na alínea b), do n.º 1 do artigo 262.º do ETAPM. E com esse pressuposto, aquela fixação parece-nos inatacável. Daí a nossa anterior asserção, agora justificada, cremos, segundo a qual, o acto recorrido, per se, não sofre da ilegalidade que a Recorrente lhe aponta.
3.
Pelo exposto, parece-nos que o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente.».
Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe imputa, pelo que se impõe concluir no sentido de negar provimento ao recurso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos nega-se provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 24 de Outubro de 2024
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng (Procurador-Adjunto do Ministério Público)
81/2023 REC CONT 13