Processo nº 333/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 30 de Outubro de 2024
ASSUNTO:
- Simulação
- Intuito de enganar terceiros
SUMÁRIO:
- São requisitos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o intuito de enganar terceiros e acordo simulatório;
- O simples facto de formalmente fazer um contrato quando o interesse e a intenção era de um outro distinto, criando a aparência de algo que não corresponde à realidade é o bastante para se concluir pelo intuito de enganar terceiros embora estes não sejam pessoas identificáveis.
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 333/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 30 de Outubro de 2024
Recorrentes: A Limitada
B
C
Recorridos: D
E
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
D e E, ambos com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
F (1ª Ré),
G (2º Réu),
A Limitada (3ª Ré),
B (4º Réu) e
C (5ª Ré),
tudo também, com os demais sinais dos autos,
pedindo que:
1. Sejam decretadas simuladas as sucessivas cadeias de transmissão desde o negócio realizado entre G, ora 2.º Réu e a A, Lda., 3.ª Ré e B, ora 4.º Réu até à C, 5.ª Ré e,
2. Seja declarado nulos todos os negócios realizados desde G, 2.º Réu até à C, 5.ª Ré;
3. Sejam declarados nulos os negócios realizados, nos termos do pedido anterior, deve concluir-se pela inexistência do direito registado e da inscrição em vigor;
4. Finalmente deve ser tido como válido o negócio que se queria realizar entre F, ora 1.ª Ré e os autores, uma vez que se tratou de simulação relativa subjectiva e se respeitarem as exigências formais do negócio e o que se pretende efectivamente era que a F, ora 1.ª Ré vendesse e os autores comprassem a identificada fracção autónoma.
Proferida sentença, foi julgada parcialmente procedente a acção intentada pelos Autores, improcedente as excepções dos 3ª e 4º Réus, e decide o seguinte:
1. Decretar simulada a transacção da fracção autónoma “L1” em causa realizada entre o 2.º réu G e a 3.ª ré A, Lda. que foi indicada no ponto 4 dos factos provados, declarando a nulidade desta e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição n.º18XXX4G;
2. Decretar simulada a transacção da fracção autónoma “L1” em causa realizada entre a 3.ª ré A, Lda. e o 4.º réu B, que foi indicada no ponto 2 dos factos provados, declarando a nulidade desta e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição n,º19XXX0G;
3. Decretar simulada a transacção da fracção autónoma “L1” em causa realizada em 13 de Abril de 2010 entre o 4.º réu B e a 5.ª C, que foi indicada no ponto 1 dos factos provados, declarando a nulidade desta e ordenando o cancelamento da respectiva inscrição nº19XXX9G;
4. Julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelos dois autores que envolvem os 1.ª e 2.º réus, absolvendo os 1.ª e 2.º réus dos respectivos pedidos.
Não se conformando com a decisão proferida vieram os 3ª Ré e 4º Réu e agora Recorrentes apresentar as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo acabou por reconhecer que inexistia a simulação relativa do negócio entre o 1º réu e o 2º réu, dito por outra palavra, os dois autores não tinham o direito de propriedade sobre a fracção envolvida.
2. Por isso, tendo a sentença recorrida decidido que o efeito jurídico de declaração das diversas relações jurídicas não tem nada a ver com os autores, deve considerar-se que os autores não têm legitimidade e interesse em agir, e em consequência, julgar-se improcedente a acção intentada por eles.
3. Desde que os autores prestaram auxílio ao 2º réu e adquiriram o imóvel em nome do 2º réu, para o efeito de imigração por investimento ilegal, justifica-se que seja o 2º réu a indemnizar os autores pelos prejuízos sofridos por eles. Independentemente de o 2º réu transferir o prédio para o nome de outrem ou hipotecar o mesmo para pedir empréstimo, os respectivos terceiros, ou seja a 3ª ré à 5ª ré, não violaram a lei e não deviam sofrer dos prejuízos em causa, que acabaram por aproveitar ao 2º réu.
4. Com base nisso, entendem os recorrentes que a sentença recorrida não os absolveu da instância por ilegitimidade dos autores, violando os dispostos nos art.ºs 58.º e 72.º do CPC.
5. O Tribunal a quo, por um lado, julgou que não era viciada a compra e venda entre o 1º réu e o 2º réu, e por outro, reconheceu que existiram entre o 2º réu e a 3ª ré, e entre a 3ª ré e o 4º réu, acordos com intuito de enganar terceiros, que acabaram por prejudicar os dois autores, verificando-se, assim, a contradição.
6. Por não serem os dois autores proprietários, não se pode dizer que os negócios celebrados entre o 2º réu e a 1ª recorrente, e entre a 1ª recorrente e o 2º recorrente, causaram danos aos dois autores.
7. No entendimento dos recorrentes, os “terceiros” devem ser específicos, o que constitui um facto necessário para a verificação da simulação, que só às partes competem alegar, mas não é substituível por entendimento do tribunal no sentido de “enganar outrem”.
8. Por isso, a sentença recorrida interpretou erradamente o art.º 232.º do Código Civil, violou o princípio dispositivo previsto no art.º 5.º do CPC, incorreu no vício de oposição entre os fundamentos e a decisão previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC, e é nula.
9. Dos factos provados resulta que a 1ª recorrente celebrou com o 2º réu o contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma envolvida, pagou o preço ao 2º réu, e podia transmitir a fracção ao 2º réu ou pessoa indicada por este, se tal lhe fosse pedido pelo 2º réu.
10. Ao mesmo tempo, ficou provado que, a 1ª recorrente, sob instruções do 2º réu, vendeu a fracção envolvida ao 2º recorrente, que por sua vez, prometeu transmitir novamente a fracção ao 2º réu ou qualquer pessoa indicada por este, quando o 2º réu lhe devolvesse o dinheiro que recebera emprestado.
11. Os referidos factos não devem ser considerados invalidantes da compra e venda, a qual deve ser qualificada como uma venda a retro regulada no art.º 920.º do Código Civil, e na verdade, o 2º réu exerceu tal direito e indicou o 2º recorrente como a pessoa a quem seria transmitida a fracção.
12. A aquisição da fracção por parte do 2º recorrente estava em conformidade com o contrato de compra e venda celebrado entre eles, e a transmissão da propriedade evitou, objectivamente, que o 2º réu dispusesse desse bem.
13. Por isso, a sentença recorrida aplicou erradamente a lei, nomeadamente os art.ºs 232.º, 920.º e segs. do Código Civil.
14. No caso sub judice, não está envolvido qualquer banco. O 2º réu quis apenas pagar as dívidas de jogo, e o 2º recorrente limitou-se a emprestar dinheiro ao 2º réu e obter a garantia do reembolso, não existindo entre eles qualquer terceiro. As condutas da 1ª recorrente e do 2º recorrente não foram praticadas com qualquer intuito de enganar terceiros.
15. E na verdade, tal como se indicou no art.º 25.º dos factos provados, o 2º réu somente quis pagar, com a ajuda da 1ª recorrente e do 2º recorrente, as dívidas de jogo, e não se reconheceu que os mesmos recorrentes tinham qualquer intuito de enganar terceiros.
16. Por isso, os dois autores não são proprietários da fracção autónoma envolvida, pelo que não são terceiros no negócio jurídico de compra e venda celebrado entre a 1ª recorrente e o 2º recorrente.
17. Mesmo que o tribunal entenda que os dois autores são terceiros na referida relação de compra e venda, é de mencionar que o acordo entre 1ª recorrente e o 2º recorrente não produziu qualquer efeito na esfera jurídica dos dois autores, uma vez que, independentemente da vontade real dos dois recorrentes no momento da celebração do negócio jurídico, os eventuais direitos dos dois autores não seriam prejudicados desde o início.
18. Pelo exposto, o negócio de compra e venda entre a 1ª recorrente e o 2º recorrente não é simulado, por não ter satisfeito integralmente os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 232.º do Código Civil.
19. Por isso, a sentença recorrida incorreu no vício de errada aplicação do n.º 1 do art.º 232.º do Código Civil.
Pelos Autores/Recorridos foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões e pedidos:
A. Da falta de legitimidade e interesse em agir dos dois recorridos
I. Ao intentar a acção, os dois recorridos já referiram que eram proprietários da fracção envolvida “L1”, entendendo que possuíram legitimidade para impugnar a relação jurídica material, ou seja, legitimidade para intentar a acção.
II. De facto, para determinar se os dois recorridos têm ou não legitimidade, deve-se considerar apenas a relação material controvertida, mas não a própria relação jurídica material. Dito por outra palavra, mesmo que inexista, na verdade, a relação material controvertida, ou exista a mesma relação mas com sujeito e conteúdo diferentes, não será prejudicado o juízo da legitimidade das partes.
III. O que importa para determinar se o autor tem ou não legitimidade processual, é a legitimidade procedimental, isto é, se o autor tem relação jurídica com os factos alegados na sua petição.
IV. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo reconheceu que o negócio de compra e venda entre o 1º réu e o 2º réu não era simulado, o que não implica a falta de legitimidade procedimental, mas sim a falta de legitimidade na relação jurídica material.
V. Não assiste razão aos dois recorrentes que invocaram, na fase de recurso, a falta de legitimidade procedimental.
VI. Parece que os dois recorrentes nunca deduziram, na fase de defesa ou em qualquer fase do processo, a excepção dilatória da ilegitimidade de alguma das partes, prevista na al. e) do art.º 413.º do CPC.
VII. Ao mesmo tempo, o Tribunal a quo não indeferiu oficiosa e liminarmente a petição dos dois recorridos, e procedeu ao julgamento dos respectivos factos.
VIII. Os dois recorrentes ainda alegaram que os dois recorridos não têm interesse processual.
IX. o interesse processual traduz o recurso às vias judiciais, a propositura ou o prosseguimento de acções.
X. Os dois recorridos suscitaram, na petição inicial, a questão de validade da compra e venda entre o 1º réu e o 2º réu, datada de 23 de Abril de 2002, e o Tribunal a quo, apesar de não conseguir provar a simulação da respectiva compra e venda, não podia negar o interesse processual dos dois recorridos.
XI. De facto, quando o estado de necessidade de auxílio em que se encontram os dois recorridos exija a intervenção do tribunal, têm os mesmos recorridos interesse em praticar actos processuais.
XII. Quer dizer, o Tribunal a quo reconheceu que os dois recorridos não tinham interesse substancial (não ficou provada a simulação entre o 1º réu e o 2º réu), o que não impede que os dois recorridos impugnaram, na petição inicial, a validade da compra e venda entre o 1º réu e o 2º réu, e se fosse provada a simulação do negócio, poderia ser declarada a nulidade do negócio de compra e venda, e os dois recorridos seriam proprietários da fracção envolvida “L1”.
XIII. Os dois recorridos têm o direito de acesso aos tribunais para proteger os interesses próprios, pelo que é justificado o recurso às vias judiciais para resolver um estado indeterminado.
XIV. Por isso, os dois recorridos têm legitimidade e interesse em agir, e pedem ao tribunal superior para julgar improcedente o recurso dos dois recorrentes nesta parte.
B. Da errada interpretação do art.º 232.º do Código Civil, da violação do princípio dispositivo, e da oposição entre os fundamentos e a decisão
XV. Não é verdade que os dois recorridos não tenham qualquer direito creditório ou real em relação ao 2º réu, como alegaram os dois recorrentes. Dos factos provados resulta que, foram os dois recorridos que adquiriram efectivamente a fracção, mas, a fim de ajudar o 2º réu a obter a qualidade de residir em Macau por motivo de investimento imobiliário, fizeram constar da escritura pública de compra e venda que o 2º réu G era o comprador.
XVI. De facto, também não é verdade que aos dois recorridos não sejam causados danos, como alegaram os dois recorrentes. Pelo contrário, os dois recorrentes (sic.) sempre vivem na fracção envolvida “L1”, e se os dois recorrentes adquiram o direito de propriedade da mesma fracção, terá oportunidade de afectar as pessoas que habitem efectivamente na fracção, quer dizer, será gravemente prejudicado o direito de habitação dos dois recorridos.
XVII. Os dois recorridos são terceiros no negócio simulado previsto pelo Código Civil.
XVIII. Ainda alegaram os dois recorrentes que o Tribunal a quo, ao interpretar o intuito de enganar terceiros, não indicou expressamente quem é que os recorrentes intentaram enganar.
XIX. Na verdade, o Tribunal a quo já indicou claramente que, conforme os factos provados, tanto o 2º réu, como os dois recorrentes, não tinham a vontade de comprar e vender a fracção envolvida.
XX. Os dois recorrentes sabiam que precisariam de transmitir a fracção envolvida “L1” ao 2º réu ou pessoa indicada por este, quando o 2º réu liquidasse as suas dívidas.
XXI. Posteriormente, com a ajuda da 5ª ré, foram liquidadas as dívidas com os dois recorrentes, e o 2º recorrente efectuou o registo da fracção envolvida “L1” em nome da 5ª ré. No entanto, dos autos do Processo n.º CV2-12-0028-CAO resulta que, é simulado o negócio de compra e venda celebrado entre o 2º recorrente e a 5ª ré.
XXII. Mas isso não significa que a fracção envolvida “L1” seria transmitida novamente aos dois recorrentes, pois que, conforme os artigos 12.º e 3.º dos factos provados, entre os dois recorrentes e o 2º réu existiram um negócio simulado e um acordo com intuito de enganar terceiros, sendo o 2º réu o verdadeiro comprador da fracção envolvida “L1”.
XXIII. Porém, nos termos do art.º 279.º do Código Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
XXIV. No entendimento dos dois recorridos, o Tribunal a quo não interpretou erradamente o art.º 232.º do Código Civil nem violou o princípio dispositivo previsto no art.º 5.º do CPC, não se verificando a causa de nulidade da sentença prevista na al. e) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC. Deve-se julgar improcedente o recurso dos dois recorrentes nesta parte, e indeferir o seu pedido.
C. A sentença recorrida aplicou erradamente os art.ºs 232.º, 920.º e segs. do Código Civil;
XXV. Alegaram os dois recorrentes que, segundo os factos provados, a compra e venda não deve ser considerada nula, mas deve ser qualificada como uma venda a retro, e na verdade, o 2º réu exerceu tal direito e indicou o 2º recorrente como a pessoa a quem seria transmitida a fracção.
XXVI. Foi declarada nula a respectiva compra e venda por ser um negócio aparente, que não correspondeu à vontade real das partes, constituindo-se, assim, a nulidade.
XXVII. Assim sendo, independentemente de se tratar de uma compra e venda normal ou uma venda a retro, é nulo o respectivo negócio aparente, porque a vontade real das partes, ou seja o negócio dissimulado, consiste num empréstimo concedido em nome de compra e venda, servindo o respectivo prédio de garantia do empréstimo.
XXVIII. Destarte, a sentença recorrida não aplicou erradamente os art.ºs 232.º, 920.º e segs. do Código Civil, improcedendo o recurso dos dois recorrentes nesta parte.
D. A compra e venda entre a 1ª recorrente e o 2º recorrente não satisfez integralmente os requisitos do negócio simulado
XXIX. Ainda alegaram os dois recorrentes que a compra e venda celebrada entre eles não satisfez integralmente os requisitos do negócio simulado, principalmente porque no plano jurídico, não havia um terceiro.
XXX. Tal como indicou a sentença a quo nos factos provados, aquando da aquisição do prédio, as partes não se deslocaram ao local para verificar a situação, e era muito curto o tempo decorrido entre a negociação da “compra” e a conclusão efectiva da transacção.
XXXI. Do aludido facto se pode presumir que os dois recorrentes sabiam que os autores viveram na fracção envolvida, pelo que não pretenderam chamar atenção dos autores.
XXXII. Isso também mostra que os dois recorrentes não tinham a intenção de adquirir o prédio em causa, mas apenas precisaram de uma garantia do empréstimo.
XXXIII. Por isso, o respectivo acto de “compra e venda” foi praticado parar enganar os dois recorridos.
XXXIV. Vêm os recorridos reiterar que, os dois recorrentes (sic.) sempre vivem na fracção envolvida “L1”, e se os dois recorrentes adquiram o direito de propriedade da mesma fracção, terá oportunidade de afectar as pessoas que habitem efectivamente na fracção, quer dizer, será gravemente prejudicado o direito de habitação dos dois recorridos.
XXXV. Por isso, os dois recorridos são terceiros no negócio simulado previstos no Código Civil, e o direito de habitação deles é prejudicado pelo acto de “compra e venda” dos dois recorrentes.
XXXVI. A compra e venda entre a 1ª recorrente e o 2º recorrente satisfez completa e integralmente os requisitos do negócio simulado, improcedendo o recurso dos dois recorrentes nesta parte.
Pelo exposto, caso houver alguma omissão, requer-se ao MM.º Juiz do TSI que se digne:
1. Indicar a complementação de acordo com a lei, e admitir a presente resposta;
2. Julgar improcedente o recurso dos recorrentes;
3. Manter a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo;
4. Condenar os recorrentes no pagamento das custas processuais e dos honorários.
Também não se conformando com a sentença veio a 5ª Ré/Recorrente interpor recurso da mesma apresentando as seguintes conclusões e pedidos de recurso:
(i) Objecto de recurso
1. Ora recurso vem contra o acórdão (acórdão recorrido), proferido por Juízo a quo, lavrado as fls. 852 a 859 e verso dos autos.
2. A matéria de facto entendida por Juízo a quo, consta lavrada as fls. 837 a 843 e verso dos autos (decisão de matéria de facto).
(ii) Em relação aos recursos de 3.ª Ré (1.ª Recorrente) e 4.º Réu (2.º Recorrente)
3. Em relação às motivações de recurso, apresentadas por 3.ª Ré (1.ª Recorrente) e 4.º Réu (2.º Recorrente), a 3.ª Recorrente, vem, manifestar com toda a concordância, para os devidos efeitos jurídicos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
(iii) Impugnação contra a decisão de facto ⸺ Em relação aos artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 17.º, 26.º de factum probandum
4. Em primeiro lugar, ora caso, o 2.º Réu foi solicitado para prestar o depoimento de parte, na sequência dos artigos 1.º a 17.º de factum probandum, mas, os artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 17.º de factum probandum, eram impossíveis a serem integralmente como objecto de depoimento de parte, porque visavam, nomeadamente, factos que não pertencem nos termos do artigo 497.º (sic.) (Nota do tradutor: onde se lê: “…497.º…”, deve ler-se: “…479.º…”), n.º 1 do Código Civil, designadamente, os que visavam somente com alguns factos pessoais de 3.ª a 5.ª Rés.
5. Tendo a 3.ª Ré e o 4.º Réu apresentados expressamente impugnação nas respectivas contestações, contra os respectivos factos.
6. O Juízo a quo no entendimento aos factos dos artigos acima referidos, para além do depoimento de parte do 2.º Réu, não tendo apontado qualquer outras provas testemunhal ou documental como fundamentação de julgamento.
7. Pelo que é impossível considerar provados integralmente os artigos 8.º, 11.º, 13.º, 14.º, 17.º de factum probandum, e quanto ao artigo 12.º de factum probandum, só servia no máximo possível para o efeito de uma mera prova da parte que se vise o 2.º Réu.
8. Em segundo lugar, de acordo com a gravação de audiência de julgamento, conjugado as provas documentais, a descrição de “transmitir novamente”, provada nos artigos 8.º e 13.º de factum probandum, constava falta de prova, aliás, também não coincide com o depoimento de parte do 2.º Réu, porque a resposta dada por 2.º Réu ao conteúdo de factum probandum, foi sempre as “compra” e “venda”.
9. Assim, caso fosse provado os artigos 8.º e 13.º de Factos Assentes, deve também ser provado a descrição inicial (isto é, “revender” e “vender”), constante no factum probandum, esta pouca diferença constante na descrição, cuja também com valor bastante relevante para saber melhor as vontade e natureza reais das partes, durante a transacção.
10. Por fim, em relação aos artigos 17.º e 26.º de factum probandum, que de acordo com o depoimento prestado por testemunha, H, tendo esclarecido explicitamente a vontade real da 3.ª Recorrente na altura de compra da fracção visada ora processo, após a compra da fracção, tinha encontrada uma certa dificuldade no momento em que preveja a residir lá, e que esta era a sua primeira vez em adquirir um bem imóvel, ela não tinha basicamente nenhuma experiência em relação a este tipo de compra.
11. A 3.ª Recorrente era pela primeira vez em adquirir um bem imóvel, pois, era óbvia que faltava prudência, sendo facilmente em acreditar e depender somente os alheios, por fim, fazendo com que não conseguisse receber o imóvel após a sua aquisição, necessitando através de participação à polícia e tratamento por meio processual para a sua resolução, mais ainda, que seja impossibilitada a sua residência na fracção, em longo tempo, mas, pagando ao banco o empréstimo, a fim de evitar que o imóvel ficasse a favor do banco, ela é que é a maior ofendida neste caso, devido a conduta infiel do 2.º Réu. Em presente, encontra-se numa consequência que tinha sido pago quase a totalidade do montante do imóvel, mas, não consegue ainda reaver o imóvel, e a sua vontade de aquisição do imóvel é verdadeira.
12. Quanto à primeira parte do artigo 26.º de factum probandum, onde relacionava a parte de vontade de compra do imóvel de 3.ª Ré e 4.º Réu, que de acordo com os depoimentos prestados por testemunhas I e J, é claro que eles manifestavam na altura com vontades de investidores, encontrando o 2.º Réu que precisava o uso de dinheiro em urgente, assim, concordaram em adquirir a fracção visada ora processo, para o efeito de investimento.
13. Apesar de os autos não constavam provas que se mostram a 3.ª Ré e o 4.º Réu e na altura antes de compra feita por 4.º Réu, eles tinham deslocados à fracção para a visita, mas, é de conhecimento público, que durante os anos de 2009 a 2010, Macau encontrava-se ainda na época dourada de desenvolvimento de economia, impulsionando a agitação do negócio do mercado de imóvel, haviam uns certos investidores que permanentemente consideravam as habitações como um mero instrumento de investimento e não instrumento para a finalidade de residência, pelo que quanto às situação real, composição, residência de pessoa ou não, na fracção, todos esses não eram assuntos que os investidores preocupavam.
14. Só que com esta mera vontade de investimento, não significa que os investidores não constavam vontade real para a compra da fracção, porque o pressuposto de investimento era a detenção do direito substancial da coisa.
15. Não podemos esquecer, que na audiência de julgamento de ora processo, foi realizada em 2023, o Douto Tribunal a quo estava a julgar uma transacção de bem imóvel efectuada por volta de 2009, 2010. A prudência do procedimento de transacção servia como um dos factores para ponderação sobre a realidade/falsidade da transacção, ao mesmo tempo, há de ponderar também os ambiente e costume de transacção no mercado da altura, bem como as vontades dos compradores e vendedores de imóveis; o critério aplicado em presente será adequado ou não para julgar e avaliar a situação daquela altura. A 3.ª Recorrente creia que não seja adequado.
16. Pelo que os artigos 17.º e 26.º de factum probandum, não deviam ser considerados como provados, não tendo o Juízo a quo apontado qualquer outras provas testemunhal ou documental como fundamentação de julgamento, na sequência dos aludidos dois factos.
(iv) Erro na apreciação das provas documentais, constantes dos autos
17. De acordo com os elementos lavrados dos autos, conjugado os depoimentos das testemunhas, tendo o Juízo a quo entendido a parte do artigo 26.º de factum probandum, mas, este entendimento está incorrecto.
18. Na apreciação feita por Tribunal a quo quanto às vontades reais de 3.ª a 5.ª Rés na compra da fracção visada ora processo, foi baseada frequentemente o motivo de: “Deve o 2.º Réu jamais haver nenhuma relação com a fracção visada neste caso, após o dia 23 de 0 (sic.) mês de 2009, mas, mantendo ele intervindo, posteriormente, o acto de transacção de 3.ª a 5.ª Rés”, negando as vontades reais de 3.ª a 5.ª Rés.
19. Daí que o Tribunal a quo tinha referenciado os seguintes documentos que constavam a intervenção do 2.º Réu (vide as pág. 10 a 11, da decisão de matéria de facto)
(1) A fls. 360 dos autos, demonstrava que entre os 2.º e 4.º Réus, numa data indeterminada, parece que tiveram celebrados um “Contrato-promessa de compra e venda predial”, indicando que caso confirmasse o 2.º Réu tinha vendido a fracção à 3.ª Ré, no dia 23 de Setembro de 2009, assim, deva ficar-se impossibilitado a celebrar o contrato-promessa, constante de fls. 360 dos autos;
(2) A fls. 361 dos autos, demonstrava que no dia 20 de Maio de 2010, o 2.º Réu na qualidade de testemunha, assinou num “Acordo”, celebrado entre 5.ª Ré e “K”;
(3) A fls. 362 dos autos, demonstrava que no dia 12 de Agosto de 2010, o 2.º Réu na qualidade de testemunha, assinou num “Contrato-promessa de compra e venda predial”, celebrado entre 5.ª Ré e “K”;
(4) A fls. 363 dos autos, demonstrava que no dia 12 de Agosto de 2010 o 2.º Réu, incluindo os Recorridos envolvidos, celebraram uma “Estipulação de acordo”
20. Quanto ao documento (1), acima indicado, a motivação invocada por Juízo a quo constava notoriamente uma contradição, por: Um lado, tendo o Tribunal a quo alegado que o documento, constante de fls. 360 dos autos, tinha sido celebrado numa data indeterminada; outro lado, alegando que caso confirmasse o 2.º Réu tinha vendido a fracção à 3.ª Ré, no dia 23 de Setembro de 2009, assim, deva ficar-se impossibilitado a celebrar o documento, constante de fls. 360 dos autos;
21. Quanto aos documentos (2) a (4), acima indicados, basta com um pormenor visto nos documentos, constantes de fls. 375 a 376, 494 dos autos, bem como os autos do processo n.º CV2-12-0028-CAO, podemos saber logo por que razão tinha o 2.º Réu intervindo nos respectivos documentos.
22. É notório que o 2.º Réu aproveitando constantemente a fracção visada ora caso, registado em seu nome para ganhar os seus interesses pecuniários, sem ligar os Recorridos que lá estavam a viver, ao mesmo tempo, aproveitava também a vontade de investimento de 1.ª e 2.º Recorrentes, e a falta de experiência da 3.ª Recorrente, até ao momento em que a 3.ª Recorrente tinha sido adquirida a fracção e que pretendia reaver a mesma, assim, tendo o Recorrido impedido com diversos meios e apresentado denúncia (fls. 353, 370, 371 dos autos), a fim de recusar a 3.ª Recorrente em reaver o imóvel.
23. A 3.ª Recorrente sem outra alternativa, só pôde arranjar a pessoa conhecida inicialmente, ou seja, o 2.º Réu para resolver o problema, que através dos documentos (2) a (4), acima referidos, conjugado o documento, constante de fls. 494 dos autos, revender novamente à família de 2.º Réu a fracção visada ora caso, depois devido ao mero motivo de impossibilidade de apuramento, não foi conseguido a transacção, fazendo com que a 3.ª Recorrente só pudesse intentar o pedido de acção declarativa de restituição da coisa para o efeito de auxílio (a acção em causa foi intentada em 2012), solicitando os Recorridos que desocupassem a fracção visada ora processo.
24. Durante a aguarda de decisão da acção, tendo a 3.ª Recorrente continuada a pagar ao Banco Q a hipoteca predial da fracção visada ora processo (vide fls. 523 a 533 dos autos). Caso a 3.ª Recorrente não constasse a vontade em adquirir a fracção visada ora processo, valia pena ela a pagar, continuadamente, as amortizações?
25. Por isso, a intervenção do 2.º Réu nos documentos (2) a (4), acima indicados, constava razão. Mesmo que a aludida razão não fosse apurada definitivamente na audiência de julgamento, mas, nos próprios documentos eram impossíveis provar que as 3.ª a 5.ª Rés adquiriram ou venderam a fracção autónoma visada ora processo, por forma falsa.
26. Tanto a decisão de matéria de facto, bem como os autos, não constam outras provas que forneçam para o entendimento do artigo 26.º de factum probandum. Pelo que o artigo 26.º de factum probandum não deve ser considerado como provado.
(v) Factos assentes insuficientes para a sustentação da decisão
27. Como o apontado por Tribunal Colectivo, do Tribunal de Última Instância no Acórdão n.º 54/2022, a “simulação” integra os seguintes elementos:
* a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
* o acordo entre declarante e declaratário, (“acordo simulatório”, o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais); e
* o intuito de enganar terceiros.
28. Para o efeito de conhecimento que reúna ou não os respectivos requisitos, tem que entender-se os réus, ou, pelos menos saber-se as transacções de 2.º a 5.ª Rés, constavam ou não “o intuito de enganar terceiros”. Porém, observando todos os factos assentes deste processo, não constavam qualquer facto que corresponda o respectivo “intuito”.
29. Apesar de o acórdão recorrido ter referenciado o seguinte parágrafo: “(…) de facto, através das duas compras e vendas estipuladas, acima referidas, é sem dúvida que os contraentes em causa, desejavam deixar todo o mundo a saber que o bem imóvel visado ora caso jamais pertencia do 2.º Réu, e sim, pertencente à 3.ª Ré e ao 4.º Réu, fazendo com que esses últimos conseguissem a ficar registados como proprietários do bem imóvel, a fim de atingir o 2.º Réu não conseguir dispor o respectivo bem imóvel, antes de efectuar a liquidação das dívidas.” (vide a pág. 11 do acórdão recorrido)
30. Porém, a supra discussão era uma mera presunção do Juízo a quo, e não sendo um facto apurado, aliás, constava contradição interna.
31. Ademais, todas as transacções realizadas, mesma que cuja divergências entre as vontade e declaração, para qualquer público era óbvio que seja aparentemente um acto de transacção e entendendo que seja aparentemente um verdadeiro acto; caso fosse uma “transacção realizada com divergências entre as vontade e declaração”, facto este, é presumível que consta “o intuito de enganar terceiros”, então, é possível que os elementos de “simulação” sejam transformados para dois em vez de três.
(vi) Ampliação da base instrutória da causa
32. Como acima referido, a transacção visada ora caso, realizada entre os contraentes, se constasse ou não “o intuito de enganar terceiros”, é uma discussão principal neste processo. Perante a situação em que os Recorridos não consigam provar suficientemente o pressuposto aplicável, as suas pretensões devem ser indeferidas.
33. Porém, caso o Venerando Juiz entendesse que seja adequada através das diligências complementares de investigação dos factos, para conhecer o pressuposto de aplicação de existência ou não do artigo 11.º, assim, a 3.ª Recorrente entende que o Venerando Juiz deva aditar-se na Base Instrutória os seguintes factos, nos termos do artigo 629.º, n.º 4 do Código de Processo Civil:
“(1)
O motivo de celebração da escritura pública de compra e venda, entre a 3.ª Ré e o 4.º Réu, constante na alínea B) dos Factos Assentes, cujo intuito de enganar terceiros?
(2)
O motivo de celebração da escritura pública de compra e venda, entre a 2.º Réu e a 3.ª Ré, constante na alínea D) dos Factos Assentes, cujo intuito de enganar terceiros?
(3)
O motivo de celebração da escritura pública de compra e venda, entre a 4.º Réu e a 5.ª Ré, constante na alínea A) dos Factos Assentes, cujo intuito de enganar terceiros?”
(vii) Falta de fundamentação adequada na decisão de factos
34. Por fim, nos termos do artigo 556.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “2. A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.”
35. O artigo acima referido, exige que tantos aos factos entendidos ou não entendidos, ambos, têm que ser fundamentados especificadamente no acórdão as suas provas baseadas, tanto que seja em cada ou agrupadas as fundamentações contra qualquer factum probandum.
36. Quanto à importância de obrigação de especificação de aludida fundamentação, a 3.ª Recorrente entende que aqui se deva reproduzir a opinião citada, bem como a conclusão constante no Processo n.º 39/2012, do Tribunal de Última Instância, especialmente: “É, pois, manifesto que a fundamentação do julgamento em 1.ª instância, com uma mera indicação de documentos, do depoimento de partes e de inquirição de testemunhas, sem as indicar concretamente e sem as relacionar com as pronúncias sobre o julgamento dos factos, era manifestamente insuficiente.”
37. Porém, o Juízo a quo apenas deu melhor fundamentação no entendimento aos artigos 1.º, 3.º, 21.º a 25.º de factum probandum. Enquanto aos outros factum probandum que não tiveram fundamentados o entendimento, sendo também bastante relevante para a apreciação deste processo, designadamente, os factos dos artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 17.º, 26.º, que relacionavam directamente à procedência ou não dos requisitos de simulação das diversas transacções.
38. Pelo que ficando impossível discutir com clareza sobre o procedimento de formação de juízo do Tribunal a quo.
39. Ademais, o Tribunal a quo parece que duvidava a realidade do facto de compra da fracção visada ora processo, efectuada por 4.º Réu e 5.ª Ré, mas, não conseguindo entender-se por forma precisa que a respectiva compra e venda seja verdadeira ou não, e em consequente, entendeu o artigo 26.º de factum probandum, donde incluindo, a falta da vontade de compra da respectiva fracção, entre 4.º Réu e 5.ª Ré.
40. Relativamente aos artigos 21.º a 24.º de factum probandum, o Tribunal a quo que devido a falta das provas precisas, não deu entendimento ou deu entendimento parcial aos respectivos factos.
41. Aí, o Tribunal a quo empregava a mesma fundamentação (isto é, com dúvida) aos factos, mas, resultando um entendimento extremamente diferente, pois que, causando com dificuldade na interpretação.
42. Nos termos do artigo 629.º, n.º 5 do mesmo Código: “5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.”
43. Pelo que o Venerando Juiz deva ordenar ao Tribunal a quo de apresentar fundamentação, em subsidiária, em relação à decisão dos aludidos factos (designadamente os artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 17.º, 26.º); caso fosse impossível a apresentação da respectiva fundamentação, assim, devendo proceder novas diligências de investigação aos respectivos quesitos.
Nesta conformidade, requer-se ao Venerando Juiz que decida os fundamentos do presente recurso como procedentes, e:
(1) Condenar os fundamentos do presente recurso como procedentes, revogando o acórdão recorrido;
(2) Em subsidiário, apreciar novamente os artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 17.º, 26.º de factum probandum, alterando a condenação para a improcedência de todos os pedidos de Recorridos, em vez de anulação do acórdão recorrido, devido ao erro no julgamento;
(3) Identicamente, em subsidiário, alterando a condenação para a improcedência de todos os pedidos de Recorridos, em vez de anulação do acórdão recorrido, devido aos factos assentes insuficientes para a sustentação da decisão; ou
(4) Identicamente, em subsidiário, anulando o acórdão recorrido e ampliando a base instrutória da causa, reenviar os autos ao Tribunal a quo, para o novo julgamento contra os factos de ampliação da base instrutória;
(5) Com a improcedência de alínea (2) do Pedido, que ordene ao Tribunal a quo de apresentar fundamentação, em subsidiária, em relação à decisão de factos que faltavam a respectiva fundamentação, constante da Base Instrutória (designadamente os artigos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 17.º, 26.º); caso fosse impossível a apresentação da respectiva fundamentação, assim, devendo proceder novas diligências de investigação aos respectivos quesitos.
Contra-alegando vieram os Autores/Recorridos apresentar as seguintes conclusões e pedidos:
A. Quanto ao recurso da 3.ª Ré (ou seja, a 1.ª Recorrente) e do 4.º Réu (ou seja, o 2.º Recorrente)
1. A 3.ª Recorrente expressou que concorda plenamente com os fundamentos de recurso invocados pela 1.ª Recorrente e pelo 2.º Recorrente, e os dois Recorridos apresentaram, em 4 de Dezembro de 2023, junto do Mmo. TSI, a sua resposta ao recurso contra as referidas alegações de recurso apresentadas pela 1.ª Recorrente e pelo 2.º Recorrente (a seguir designada por “referida resposta ao recurso”).
2. Para os devidos efeitos, dá-se por integralmente reproduzido o teor da referida resposta ao recurso apresentada pelos dois Recorridos.
B. No que diz respeito a que a 3.ª Recorrente considerou que a decisão da matéria de facto feita pelo tribunal a quo sobre os quesitos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 17.º e 26.º da base instrutória não podiam ser objecto de um depoimento de parte na sua totalidade
3. No entanto, a 3.ª Ré e o 4.º Réu apresentaram o seguinte fundamento de defesa:
- Quando a 3.ª Ré comprou a fracção autónoma relevante ao 2.º Réu, confirmou claramente que o 2.º Réu era o proprietário, e o 2.º Réu nunca indicou à 3.ª Ré que não era o verdadeiro proprietário, mas apenas um administrador que detém a posse em nome de proprietário;
- A 3.ª Ré e o 4.º Réu não tinham conhecimento da existência dos Autores até serem notificados da petição inicial;
- Nos termos do artigo 284.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código Civil, os eventuais vícios de nulidade não são oponíveis à 3.ª Ré, enquanto terceiro de boa-fé, pelo que se extingue o direito dos Autores de intentar uma acção de declaração de nulidade;
- O 4.º Réu sabia perfeitamente que o titular do registo da fracção autónoma em questão era a 3.ª Ré e o 4.º Réu não sabia que a propriedade da 3.ª Ré poderia ter sido afectada pelos eventuais vícios anteriores.
4. O ónus da prova da boa-fé legalmente exigida deve recair sobre o adquirente superveniente que alega estar de boa-fé.
5. Parece que a 3.ª Ré e o 4.º Réu não conseguiram provar a ignorância dos vícios anteriores no tribunal a quo.
6. Pelo contrário, o Tribunal a quo constatou, com base nas informações constantes do processo, que o 2.º Réu não deveria ter tido qualquer ligação com a fracção em questão depois de 23 de Setembro de 2009, mas verificou-se, em fls. 360 do processo, que o 2.º Réu e o 4.º Réu assinaram um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, que mostrava que o 2.º Réu se comprometia a vender a fracção em questão ao 4.º Réu por HK$780.000,00, mas o 4.º Réu entregou posteriormente à 3.ª Ré o montante de HK$760.000,00, como consta de fls. 674 e 821 a 824 do processo, o que estava, em certa medida, em conformidade com as informações constantes do processo.
7. O tribunal a quo teve em conta não só o depoimento de parte do 2.º Réu, mas também a informação no processo, se existente, para determinar os factos relevantes a provar.
8. O 4.º Réu tinha impugnado que sabia perfeitamente que a 3.ª Ré era o proprietário registado da fracção em questão, mas a fls. 360 do processo mostrava que ele tinha celebrado um contrato-promessa de venda e compra da fracção em questão com o 2.º Réu, o que tornou impossível ao tribunal a quo reconhecer ou concordar com os factos do litígio para efeito de formar convicção.
9. O 2.º Réu fez uma declaração em tribunal de que o depoimento da parte, apesar de não tem força probatória plena, não impediria ao mesmo tempo o Tribunal de avaliar o depoimento da parte relevante de acordo com as disposições do artigo 354.º do CPC, como uma questão de direito e de livre apreciação das provas.
10. A decisão recorrida segundo a qual o tribunal a quo não violou qualquer regra de prova ao optar por se basear no depoimento da parte do 2.º Réu na sua determinação dos quesitos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 17.º com base instrutória.
11. E a fundamentação do tribunal a quo para a sua determinação da base instrutória sobre os quesitos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 17.º não indicava que se baseava apenas no conteúdo do depoimento de parte do 2.º Réu. Pelo contrário, só após a combinação das informações contidas nos autos, incluindo o conteúdo de fls. 360-363, 674 e 821-824 dos autos, é que se chegou a uma conclusão sobre os quesitos 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 17.º da base instrutória.
12. Em segundo lugar, a 3.ª Recorrente alegou que, de acordo com os materiais audiovisuais do julgamento, conjugados com a prova documental constante dos autos, a expressão de “transmitir novamente” constante da parte provada dos artigos 8.º e 13.º do factum probandum, os quais carecem de nenhuma prova, porque o depoimento de parte do 2.º Réu como parte respondeu ao conteúdo do factum probandum com as palavras “comprar” e “vender”.
13. O tribunal a quo não alterou fundamentalmente o conteúdo do factum probandum nas suas decisões de facto, e as alterações não foram vistas como tendo impedido as defesas das partes ou a defesa nas acções.
14. No caso em apreço, a existência das alterações factuais acima referidas não afectou o acórdão final devido à confirmação dos factos objectivos que poderiam conduzir à referida decisão sobre as alterações do factum probandum nos artigos 8.º e 13.º, especialmente o factum probandum nos artigos 7.º, 9.º e 11.º-12.º, o que também demonstrou o resultado reconhecido para a análise da prova pelo Tribunal a quo.
15. No que respeita ao artigo 17.º do factum probandum indicado pela 3.ª Recorrente, o depoimento da testemunha H explicou claramente a vontade real da 3.ª Recorrente de comprar a fracção em questão nessa altura, as dificuldades encontradas pela 3.ª Recorrente para se mudar para a fracção após a compra e o facto de a 3.ª Recorrente ser uma compradora pela primeira vez nessa altura e não ter qualquer experiência na compra de a fracção.
16. Para o pressuposto de determinar o factum probandum, o tribunal baseou-se não só nas alegações das partes e nos depoimentos das testemunhas, mas também examinou as provas documentais constantes do processo.
17. O processo apresentado pelos dois Recorridos através do processo n.º CV2-12-0028-CAO na petição inicial e seus anexos 1 e 2 (a seguir designado por referido processo), no qual se estabeleceu que a 3.ª Recorrente não era o verdadeiro proprietário da fracção em questão e que a compra e venda relevante era uma simulação, foi transitado em julgado, com efeito de caso julgado substantivo contra a 3.ª Recorrente.
18. A partir de fls. 361 dos autos, pode observar-se que a 3.ª Recorrente comprou a fracção em 13 de Abril de 2010 e subsequentemente assinou um acordo com K em 20 de Maio de 2010, no qual se comprometeu a ceder voluntariamente a fracção a K, e que K pagou à 3.ª Recorrente HK$6.000,00 e MOP$10.000,00 pelo custo da referida cessão.
19. Posteriormente, pode ver-se em fls. 362 dos autos que a 3.ª Recorrente celebrou um contrato-promessa de compra e venda de prédio em 12 de Agosto de 2010, prometendo vender a fracção em questão a K, que foi testemunhado pelo 1.º Recorrido e pelo 2.º Réu. Em fls. 363 dos autos, assinou um acordo contratual no qual se comprometeu a ser responsável pela prestação de não menos de MOP$25.000,00 por mês para efeitos de reembolso da hipoteca pelo banco em questão.
20. É evidente que o tribunal a quo teve em conta as informações constantes do processo para determinar o artigo 17.º do factum probandum e, na perspectiva do pessoa-cavalo-médio(sic.), se a 3.ª Recorrente tivesse comprado a fracção para habitação própria, ela, como compradora pela primeira vez de uma casa para habitação própria, teria ponderado cuidadosamente a questão.
21. Como afirma a 3.ª Recorrente, o 2.º Réu admitiu no julgamento do Tribunal a quo os artigos 17.º e 26.º do factum probandum. Com efeito, o artigo 17.º do factum probandum em que o 2.º Réu também participou, constituía efectivamente uma consequência desfavorável para o 2.º Réu.
22. O 2.º Réu explicou ao Tribunal que tinha a obrigação de ajudar a apurar a verdade nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do CPC, e que o 2.º Réu apenas tinha prestado declaração ao tribunal a quo o que devia saber.
23. Do mesmo modo, o tribunal a quo, depois de ouvir o depoimento de parte do 2.º Réu, teve em conta a informação por detrás do processo e, por conseguinte, considerou provados os factos relevantes.
24. Por conseguinte, o tribunal a quo não deixou de indicar quaisquer testemunhas ou provas documentais em que se baseou para determinar o artigo 17.º do factum probandum.
25. A fundamentação da decisão do Tribunal a quo de determinar relativamente ao quesito 17.º da base instrutória não refere que esta se baseia unicamente no conteúdo do depoimento de parte do 2.º Réu, mas sim que a determinação da base instrutória relativamente ao quesito 17.º foi efectuada no contexto das informações constantes do processo, incluindo as fls. 360-363 do processo, e à luz do conteúdo do caso julgado do processo acima referido.
26. Além disso, a 3.ª Recorrente alega que o artigo 26.º do factum probandum também não deve ser dado como provado porque o tribunal a quo não indicou quaisquer outras testemunhas ou provas documentais contra esses factos como base para o julgamento.
27. De facto, os depoimentos das testemunhas I e J demonstraram que não houve uma simples compra e venda entre as 2.ª e 3.ª Rés.
28. Tal como referido no artigo 18.º acima referido, o tribunal a quo deu como provada o artigo 26.º do factum probandum não só se baseia nos depoimentos das duas testemunhas acima referidas, mas também na combinação de todas as provas documentais no processo e no facto de nem a 3.ª Ré nem o 4.º Réu terem conseguido provar que não tinham conhecimento dos vícios anteriores.
29. Do ponto de vista de uma pessoa comum, seja qual for o ano em que se encontre, mesmo que tenha uma mentalidade de investimento, teria visitado a fracção que compra antes de considerar a compra, ao contrário da 3.ª Ré e do 4.º Réu no presente processo, que não visitaram a fracção antes de comprarem a fracção em questão, o que não é razoável.
30. Do mesmo modo, o tribunal a quo não deixou de identificar quaisquer testemunhas ou provas documentais em que se baseou na sua decisão quando determinava o artigo 26.º do factum probandum.
31. A fundamentação da decisão do Tribunal a quo de determinar a base instrutória em relação ao artigo 26.º é que a determinação em relação ao quesito 26.º da base instrutória foi efectuada após a consolidação de todos os elementos de prova documentais constantes do processo e dos depoimentos das testemunhas.
32. Por conseguinte, o tribunal a quo totalmente não violou todas as regras de prova ao considerar que o factum probandum se consideravam provados.
C. O tribunal a quo cometeu um erro na sua apreciação sobre as provas documentais constantes do processo, considerando parcialmente incorrecto no quesito 26.º da base instrutória.
33. A 3.ª Recorrente sugere que existe um contraditório manifesto nos fundamentos invocadas pelo tribunal a quo ao declarar o artigo 26.º do factum probandum, pelo que o artigo 26.º do factum probandum não deve ser considerada provado.
34. Com efeito, o tribunal a quo, tendo em conta a regra geral de experiência e os elementos constantes dos autos, reconheceu o artigo 26.º do factum probandum.
35. O facto de a data da assinatura não estar ou não identificada no conteúdo de fls. 360 do processo não afectou o reconhecimento do tribunal a quo de que, porque o 2.º Réu fez a venda e a compra ao mesmo tempo com a 3.ª Réu ou o 4.º Réu e ao mesmo tempo, através do depoimento de parte do 2.º Réu por parte do juiz do tribunal a quo, o juiz considerou que a versão como declarada pelo 2.º Réu era a verdadeira.
36. Vale a pena mencionar mais uma vez que, apesar de tanto a 3.ª Ré como o 4.º Réu terem impugnado isto, uma vez que ambos alegaram que eram terceiros de boa-fé, cabia-lhes provar que eram de boa-fé, se é que o eram.
37. No que respeita à parte relativa à 3.ª Recorrente, para além dos elementos constantes do presente processo e do caso julgado nos processos acima referidos, pode concluir-se que a 3.ª Recorrente tinha conhecimento do incidente.
38. O tribunal a quo confirmou igualmente, no artigo 28.º dos factos provados, que a 3.ª Recorrente nunca efectuou qualquer pagamento relativo à aquisição da fracção autónoma e que os Autores só começaram a pagar as prestações quando o 2.º Réu deixou de pagar as prestações.
39. Mediante a testemunha H, soube que a 3.ª Recorrente comprou a fracção para habitação própria, contudo, porque é que a 3.ª Recorrente não visitou a fracção em questão para a inspeccionar e porque é que o 2.º Réu foi responsável pelo pagamento da hipoteca quando a fracção estava hipotecada ao banco?
40. Porque é que assinou um acordo com K e o 2.º Réu quando comprou a fracção em questão, e porque é que o 2.º Réu ainda estava envolvido em todas estas relações complicadas, apesar de o 2.º Réu já ter vendido a fracção em 18 de Dezembro de 2009, até à transferência da fracção para a 3.ª Recorrente?
41. O Tribunal a quo tinha analisado as transacções entre os Réus como tendo circunstâncias invulgares e sendo diferentes das transacções imobiliárias normais.
42. O Tribunal a quo considerou que as informações constantes do processo eram suficientes para demonstrar que as 3.ª a 5.ª Rés tinham outras intenções na compra da fracção em causa e não tinham verdadeiramente a intenção de a adquirir.
43. Por conseguinte, a conclusão do tribunal a quo sobre a constatação do artigo 26.º do factum probandum baseou-se nas provas documentais do processo, bem como no testemunho, e não houve qualquer erro na apreciação no que diz respeito às provas documentais do processo.
D. Que o comportamento de compra e venda dos 2.º a 5.ª Réus não satisfez o elemento de simulação na sua totalidade
44. A 3.ª Recorrente salientou que os Réus no presente processo não tinham factos que correspondessem a uma “intenção” de enganar o terceiro.
45. Em primeiro lugar, importa referir que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão da matéria de facto (houve intenção de enganar o terceiro entre as 2.ª e 5.ª Rés), através de ter analisado as provas documentais e testemunhais constantes dos autos, e de ter combinado com o caso julgado dos processos acima referidos.
46. Do caso julgado no processo acima referido, podemos retirar os seguintes factos provados:
- Por acto notarial datado de 18 de Dezembro de 2009, o 4.º Réu, B, adquiriu a referida fracção autónoma da 3.ª Ré, A, Limitada; (facto provado A1 por caso julgado no referido processo)
- Em 06 de Maio de 2009, o 2.º Réu G celebrou um contrato-promessa de venda e compra da referida fracção autónoma com a 4.ª(sic.) Ré, A, Limitada; (Facto provado B1 por caso julgado no processo acima referido)
- Por requerimento datado de 7 de Maio de 2009, a 3.ª Ré, A, Limitada, registou em seu próprio nome a aquisição da mesma fracção autónoma comprada ao 2.º Réu, G; (facto provado C por caso julgado no processo acima referido)
- Por reconhecimento notarial datado de 23 de Setembro de 2009, o 2.º Réu, G, declarou que vendeu a fracção autónomo referido na alínea A à 3.ª Ré, A, Limitada, e que a 3.ª Ré declarou que iria comprar esta fracção; e que a 3.ª Recorrente (facto provado D do caso julgado do referido processo) não era a verdadeira dona de coisa da fracção em questão, e que o acto relevante de compra e venda era simulado.
47. Contudo, na decisão da matéria de facto, o Tribunal a quo também explicou que a fracção em causa foi vendida à 3.ª Ré em 23 de Setembro de 2009 e que o 2.º Réu deveria não conseguir celebrar o contrato-promessa de compra e venda com o 4.º Réu; e ao mesmo tempo, no contrato-promessa de compra e venda com o 4.º Réu mostrou que o 2.º Réu se tinha comprometido a vender a fracção ao 4.º Réu por HK$780.000,00, mas o 4.º Réu tinha subsequentemente entregue à 3.ª Ré o montante de HK$760.000,00, tal como indicado em fls. 674 e em fls. 821-824 dos autos, correspondia em certa medida.
48. O tribunal a quo confirmou igualmente, no artigo 28.º dos factos provados, que a 3.ª Recorrente nunca efectuou qualquer pagamento relativo à aquisição da fracção autónoma e que os Autores só começaram a pagar as prestações quando o 2.º Réu deixou de pagar as prestações.
49. O Tribunal a quo tinha analisado exaustivamente o comportamento da compra e venda entre os Réus e, no caso de uma compra e venda normal de um imóvel no mercado, o comportamento dos Réus apontava para a inexistência da declaração de vontade do verdadeiro acto de compra e venda.
50. Não é habitual que o processo indicado nos autos, na parte relativa aos factos dados como provados, que a compra do imóvel entre os Réus foi feita sem uma visita ao local do edifício e que todo o decurso desde a negociação de “compra” até à transação efectiva foi muito curto.
51. Os condutos dos Réus foram feitas de forma a fazer parecer externamente que a fracção em questão já não pertencia ao 2.º Réu, quando o verdadeiro objectivo era permitir que o 2.º Réu se despusesse da fracção em questão para que as dívidas de jogo do próprio 2.º Réu que tinha pudessem ser liquidadas.
52. Que os requisitos de simulação tinham sido satisfeitos pela conduta da compra e venda das 2.ª a 5.ª Rés, o Tribunal a quo analisou a conduta dos Réus e concluiu que havia uma intenção de enganar terceiros, pelo que o Tribunal a quo não violou qualquer princípio ou requisito do julgamento da prova no que respeita à questão de saber se se tratava ou não de uma “simulação”.
E. Quanto à ampliação da base instrutória da causa
53. Em primeiro lugar, após ter examinado os elementos dos autos, os depoimentos das partes e os testemunhos das testemunhas e, em particular, analisando os artigos 24.º, 28.º, 31.º-33.º dos factos provados e o caso julgado do processo acima referido, o tribunal a quo pôde concluir que os actos jurídicos praticados pelos 2.º a 5.ª Réus no presente processo eram todos simulados.
54. Em termos de ampliação da base instrutória da causa, neste caso, mesmo que os factos alegados pela 3.ª Recorrente não fossem incluídos na base instrutória, não teriam qualquer efeito material na decisão de facto do caso. Por conseguinte, não há necessidade de ampliar o facto da base instrutória.
55. No entanto, em relação à intenção de enganar o terceiro, o tribunal a quo também analisou correctamente que o comportamento das 2.ª a 5.ª Rés não só teria um efeito interno, como também teria um efeito externo (em detrimento dos dois Recorridos).
56. É importante referir que, ao investigar a simulação, a terminologia de julgamento dos elementos da simulação não deve ser objecto de uma pergunta de investigação.
57. O facto de a 3.ª Recorrente pretender acrescentar “com a intenção de enganar um terceiro” não é diferente da utilização directa da expressão “se o acto jurídico em causa é simulado”, porque o âmbito em causa é já uma matéria de facto, não um juízo sobre uma matéria de facto, mas um elemento a sujeitar a um juízo de valor e a um juízo de direito.
58. Por conseguinte, os dois Recorridos consideraram que o factum probandum eram suficientes para o tribunal a quo determinar se havia uma intenção de enganar o terceiro entre os Réus e que a ampliação da base instrutória deve ser indeferida.
F. A decisão de facto não fundamentou
59. A 3.ª Recorrente apontou que o tribunal a quo não tinha fundamentado concretamente para a decisão da matéria de facto e pediu que o tribunal a quo para ordenar a fundamentar melhor a sua decisão quanto à matéria de facto ou, na sua falta, que procedesse a uma nova produção de prova sobre os respectivos quesitos.
60. Como afirmam os dois Recorridos na alínea B da sua resposta ao presente recurso, o Tribunal a quo expôs as provas e as circunstâncias e fundamentou-as de forma pormenorizada na decisão da matéria de facto.
61. Todos os elementos de prova acima referidos contribuíram para fundamentar a decisão do tribunal a quo no sentido de considerar a convicção.
62. Tendo em conta o que precede, decide-se que todos os pedidos do recurso dos Recorrentes sejam improcedentes e que se mantém a decisão recorrida do Tribunal a quo, e todos os pedidos dos Recorrentes são indeferidos.
G. Quanto à falta do valor processual das referidas alegações apresentadas pela 3.ª Recorrente
63. A 3.ª Recorrente apresentou as alegações de recurso em 19 de Fevereiro de 2024, que foi examinada pelos dois Recorridos e considerada sem valor processual.
64. Um processo deve ter um determinado valor antes de poder ser objecto de recurso para um tribunal superior para um segundo julgamento.
65. Por conseguinte, tendo em conta a ausência do valor processual nas alegações apresentadas pela 3.ª Recorrente, vêm requerer a V. Exa. que solicite à 3.ª Recorrente que especifique o montante do valor e que prossiga com o subsequente processo de acção.
Pelo exposto, se houver alguma omissão no que precede, vêm requerer a Vossa Excelência se digne
1. Corrigi-las e completá-las de acordo com as disposições das leis relevantes, e aceitar a presente resposta ao recurso;
2. Julgar improcedentes os fundamentos e pedidos do recurso da 3.ª Recorrente;
3. Manter-se a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto relevante;
4. Exigir à 3.ª Recorrente que especifique o montante da prestação indicada no recurso;
5. Condenar a 3.ª Recorrente a suportar as despesas do processo e a procuradoria.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Do recurso interposto pela 3ª Ré e 4º Réu.
Dos pressupostos processuais.
Vem suscitado nas conclusões 1 a 4 do recurso dos 3º e 4º Réus que os Autores não têm legitimidade adjectiva para a acção nem interesse processual em agir.
Para o efeito alegam que não se tendo provado a simulação relativa do negócio celebrado entre os 1º e 2º Réus e sendo a acção julgada improcedente quanto ao pedido dos Autores de verem reconhecido o direito que invocam sobre o imóvel estes não têm qualquer interesse no mais que foi decidido, pelo que, se havia de concluir pela sua ilegitimidade adjectiva e falta de interesse em agir.
A ilegitimidade adjectiva não se confunde com a substantiva e nos termos do artº 58º do CPC resulta dos termos em que os Autores configuram a acção.
Não é por se concluir que os Autores não conseguiram provar que têm o direito que se arrogam que passam a ser parte ilegítima, o que acontece é, que se julga a acção improcedente sem prejuízo da legitimidade activa que inicialmente lhe foi reconhecida apenas porque invocaram ser titulares do direito, isto é, apenas com base nos termos em que configuram a relação material controvertida independentemente de tal se vir a provar ou não.
O mesmo se diga com o interesse em agir previsto no artº 72º do CPC.
O interesse em agir resulta da necessidade dos Autores em recorrer à via judicial para obter o reconhecimento do direito que se arrogam ser titulares.
Também aqui, não é por não se provar que os Autores têm o direito que se vai concluir pela falta de interesse em agir, mas sim pela improcedência da acção.
O interesse em agir resulta do direito que os Autores se arrogam ter e que pretendem ver reconhecido, não o poder ser, por outra via que não a judicial.
Ora, nos termos em que os Autores instauraram a acção bem se concluiu pela sua legitimidade e interesse em agir pelo que, nesta parte improcede a acção.
Da excepção do caso julgado quanto à 5ª Ré
Pese embora esta questão não tenha sido suscitada pelas partes, entendemos por bem fazê-lo para que não haja dúvidas e fique o registo de ter sido apreciada.
No artigo 38 das contra-alegações de recurso dos Autores vem dito que do processo CV2-12-0028-CAO resulta que é simulado o negócio de venda celebrado entre o aqui 4º Réu e a 5ª Ré.
Aquela sentença foi confirmada por Acórdão proferido neste Tribunal em 12.01.2017 no processo 72/2016.
A indicada Sentença e Acórdão constam de cópias juntas a fls. 78 a 105.
Contudo, consultados a referida Sentença e Acórdão dali resulta que na respectiva fundamentação se conclui que a compra feita pela aqui 5ª Ré era fictícia, porém não sendo objecto do pedido nem da acção a simulação, tal não se declara, concluindo-se pela improcedência da acção com base no abuso de direito.
Destarte, pese embora naquelas decisões seja apreciada a questão da veracidade da compra feita pela aqui 5ª Ré da fracção a que se reportam estes autos, o certo é que, a esse respeito nada se decide, pelo que, não há qualquer possibilidade de ocorrer a excepção do caso julgado quanto a esta matéria.
II.a FACTOS
No Recurso interposto pela 5ª Ré vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto quanto aos quesitos 8º, 11º, 12º, 13º, 14º, 17º e 26º da Base Instrutória.
Pretende a Recorrente que a factualidade constante dos quesitos 1º a 17º era impossível de ser dada como provada com base no depoimento de parte do 2º Réu, que os depoimentos das testemunhas H e J permitem concluir em sentido diverso, para além de que houve errada interpretação dos documentos que serviram de base à convicção do tribunal.
Os quesitos da base instrutória a que respeita a impugnação da decisão da matéria de facto, tinham a redacção e foram respondidos do seguinte modo:
«Quesito 8º
A 3.ª Ré, prometeu revender o imóvel ao 2.º Réu se lhe fosse pedido?
Provado: A 3.ª Ré prometeu transmitir novamente o imóvel ao 2.º Réu ou pessoa indicada por este se lhe fosse pedido.
Quesito 11º:
O 4.º Réu aceitou emprestar dinheiro ao 2.º Réu para a reaquisição e fixou um prazo de 3 a 6 meses para a restituição da quantia emprestada?
Ficou provado.
Quesito 12º:
O 2.º e o 4.º Réus combinaram que o 4.º Réu pagaria o preço da reaquisição à A LIMITADA, 3.ª Ré, e figuraria no contrato de compra e venda como comprador sendo o 2.º Réu, o verdadeiro comprador?
Ficou provado.
Quesito 13º:
O 4.º Réu, prometeu vender a fracção ao 2.º Réu, ou a quem este indicar para figurar no contrato como comprador, quando o 2.º Réu lhe devolvesse o dinheiro que recebera emprestado?
Provado: O 4.º Réu, prometeu transmitir novamente a fracção ao 2.º Réu, ou a quem este indicar para figurar no contrato como comprador, quando o 2.º Réu lhe devolvesse o dinheiro que recebera emprestado.
Quesito 14º:
Na sequência do acordado entre os 2.º e 4.º Réus, o 4.º Réu e a A LIMITADA, 3.ª Ré, celebraram, a escritura referida na alínea B)?
Ficou provado.
Quesito 17º:
A ora 5.ª Ré aceitou o pedido do 2.º Réu e celebrou o contrato de compra e venda?
Ficou provado.
Quesito 26º:
Nunca os 3.ª a 5.ª Réus quiseram comprar nem vender a fracção referida em A), mas permitir ao 2.º Réu pagar as dívidas de jogo que tinha e obterem garantia de pagamento dos empréstimos que lhe concediam para o efeito?
Provaram-se os dois pontos seguintes:
- Nunca os 3.ª e 4.º Réus quiseram comprar nem vender a fracção autónoma referida em A), mas permitirem ao 2.º Réu pagar as dívidas de jogo que tinha e obterem garantia de pagamento dos empréstimos que lhe concediam para o efeito;
- Nunca a 5.ª Ré quis comprar a fracção autónoma referida em A), mas permitir ao 2.º Réu pagar as dívidas que tinha.».
Como resulta da fundamentação do Tribunal “a quo” quanto à decisão sobre a matéria de facto, no que concerne ao depoimento de parte do 2º Réu este foi apreciado apenas no âmbito da livre convicção do tribunal nos termos do artº 354º do C.Civ., pelo que, nenhum erro na apreciação do mesmo se cometeu na decisão impugnada.
Relativamente à fundamentação do Tribunal “a quo” quanto à decisão sobre a matéria de facto o que consta é que:
«No caso, existem as provas e circunstâncias seguintes que merecem ter em consideração:
- De acordo com os dados constantes do registo predial (fls. 49 a 66 dos autos), em 6 de Maio de 2009, entre o 2.º réu e a 3.ª ré foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda, e mais tarde, em 23 de Setembro de 2009, foi celebrada oficialmente a escritura pública de compra e venda. Segundo consta do registo, o valor da transacção é de HK$300.000;
- Em 18 de Dezembro de 2009, entre a 3.ª ré e o 4.º réu foi celebrado a escritura-pública de compra e venda. Segundo consta do registo predial, o valor da transacção é de MOP400.000;
- Em 13 de Abril de 2010, entre o 4.º réu e a 5.ª ré foi celebrada a escritura pública de compra e venda;
- De acordo com os supracitados três registos, se o 2.º réu tivesse efectivamente cedido a fracção em causa à 3.ª ré, devia o 2.º réu, a partir de 23 de Setembro de 2009, deixado de ter qualquer ligação à fracção em causa. Contudo, conforme mostra a fls. 360 dos autos, parece que o 2.º réu, numa data incerta, celebrou com o 4.º réu o “contrato-promessa de compra e venda de prédio”, no qual mostra-se que foi o 2.º réu (mas não foi a 3.ª ré) quem prometeu vender ao 4.º réu a fracção em causa pelo valor de HK$780.000. Tal como acima foi indicado, a fracção em causa já foi vendida à 3.ª ré em 23 de Setembro de 2009, perante tal situação, teoricamente o 2.º réu não conseguiu celebrar com o 4.º réu o contrato-promessa de compra e venda, constante de fls. 360 do autos. Também é de salientar que, o valor de HK$780.000, de certa maneira, corresponde ao valor de HK$760.000, de fls. 674 e 821 a 824 dos autos, que foi entregue pelo 4.º réu à 3.ª ré;
- Depois de ter adquirido a fracção em causa em 13 de Abril de 2010, a 5.ª ré, em 20 de Maio de 2010, celebrou novamente com “K” o “acordo” constante de fls. 361 dos autos, nele tendo prometido que iria voluntariamente alienar a fracção em causa a “K”, bem como, consta na coluna de “assinatura de testemunha” do “acordo”, a assinatura do 1.º autor. Além disso, “K” ainda pagou à 5.ª ré HK$6.000 e MOP10.000 para servir de despesas na prática do supracitado acto de alienação. Face ao acto de celebração do “acordo” de fls. 361 dos autos, o que nos leva a duvidar é se a aquisição da fracção em causa pela 5.ª ré corresponde ou não à verdade;
- Em 12 de Agosto de 2010, a 5.ª ré celebrou o “contrato-promessa de compra e venda de prédio” de fls. 362 dos autos, prometendo que iria vender a fracção em causa a “K”, sendo como testemunhas o 1.º autor e o 2.º réu. Contudo, o que é incompreensível é que, depois de a 5.ª ré ter prometido vender a “K” a fracção em causa, o 2.º réu, no mesmo dia, celebrou o “acordo” constante de fls. 363 dos autos, nele tendo prometido que “responsabilizar-se-ia pelo pagamento mensal do valor não inferior a MOP25.000 para servir do pagamento de prestações do empréstimo bancário da fracção L do 1.º andar do Edifício XX sito na Rua dos XX n.º XX, Macau”. Além disso, no supracitado documento, para além da assinatura aposta por “K” como testemunha, também constam as assinaturas dos 1.º e 2.ª autores. Falando logicamente, como o 2.º réu, em 23 de Setembro de 2009, já celebrou a escritura pública de compra e venda e vendeu a fracção em causa à 3.ª ré, qual a razão ele fez a referida promessa sobre o pagamento de prestação do empréstimo bancário da fracção em causa, um ano depois da venda da fracção em causa?
- Além disso, sintetizados os depoimentos prestados pelas testemunhas L, M, N, O e P e em conjugação do documento de fls. 494 dos autos, este Tribunal acredita que, desde 2002 até à presente data, a fracção em causa tem vindo a ser apreendida pelos dois autores ininterruptamente. Seguindo a análise acima indicada, como o 2.º réu já celebrou com a 3.ª ré a escritura pública de compra e venda em 23 de Setembro de 2009, se fossem verdadeiras aquela transação ou a transação subsequente, qual a razão que os dois autores sempre apreendiam a fracção em causa?
- Segundo o depoimento prestado pela testemunha H (pai da 5.ª ré), tendo a mesma testemunha confirmado que foi o 2.º réu quem suportou as primeiras sete e oito prestações do empréstimo bancário após a celebração da escritura pública pela 5.ª ré (embora a testemunha tenha referido que os dois autores não queriam deixar de viver na fracção, cabendo ao 2.º réu pagar provisoriamente as prestações de empréstimo bancário). Além disso, a mesma testemunha também confirmou que para concluir a respectiva transacção, só basta a 5.ª ré assinar a escritura pública e que as despesas da transacção também não foram suportadas pela 5.ª ré;
- De acordo com os depoimentos das testemunhas I e J, o 2.º réu contactou o mediador imobiliário I e com a ajuda dele, o 4.º réu comprou a fracção em causa. Os depoimentos das supracitadas testemunhas, de certa maneira, justificam que a transacção feita entre o 2.º réu e a 3.ª ré não era uma simples compra e venda, uma vez que, caso o 2.º réu, em 23 de Setembro de 2009, tenha definitivamente vendido à 3.ª ré a fracção, é incompreensível porque o 2.º réu ia intervir na alienação da fracção feita entre o 2.º réu e o 4.º réu (até mais tarde a fracção foi alienada para a 5.º ré);
- Independentemente do valor predial constante do registo predial (MOP400.000) ou do preço constante do contrato-promessa de compra e venda de prédio, de fls. 360 dos autos (HK$780.000) ou do preço referido pela testemunha I segundo sua memória vaga (entre 700.000 e 900.000), há uma certa diferença entre tais preços e o valor do empréstimo (cerca de MOP1.230.000,00) contraído pela 5.ª ré junto do Banco Q durante um tempo curto (Abril de 2010), pelo que tendo cm consideração tal factor, bem como quer do depoimento da testemunha I quer do da testemunha J, todos não mostram se o 4.º réu visitou a fracção antes de celebrar a escritura pública de compra e venda com a 3.ª ré, ou se solicitou auxílio junto de mediador imobiliário quando não lhe foi entregue a fracção em causa depois de ter celebrado com a 3.ª ré a escritura pública de compra e venda, ou entrou em discussão com os dois autores que no momento ainda ocupavam a fracção em causa, tudo isso leva o Tribunal a duvidar se a fracção em causa adquirida pelo 4.º réu à 3.ª ré é uma transacção verdadeira?
Todas as provas e factores acima indicados são suficientes para que o Tribunal acredite a verdadeira causa por detrás de todas as transacções feitas entre o 2.º réu e a 5.ª ré e que a versão do depoimento de parte prestado pelo 2.º réu é a verdade dos factos. Além disso, os conteúdos acima indicados também são suficientes para justificar a razão pela qual o presente Tribunal deu como provadas todas as provas.».
A fundamentação apresentada mostra-se coerente e alicerçada em documentos conjugados com a livre apreciação do depoimento de parte do 2º Réu e das testemunhas indicadas, de onde resulta que desde a primeira vez que o 2º Réu supostamente vendeu a fracção autónoma nunca deixou de estar envolvido nas transacções subsequentes até à compra e venda entre o 4º e 5ª Réus, intervindo inclusivamente como testemunhas nalguns actos os aqui Autores.
Nada do que se invoca em sede de recurso põe em causa o acerto da decisão do Tribunal “a quo”.
Sobre esta matéria veja-se Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:«“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do Tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
Não raras vezes, pode acontecer que determinada versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras. Neste caso, cabe ao Tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
Ademais, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Assim, estando no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se conseguir lograr de que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova.».
Analisada a prova produzida na primeira instância, a saber, a prova documental junta aos autos e o depoimento das testemunhas, entendemos não assistir razão aos autores.
Destarte, não resultando da fundamentação do tribunal “a quo” quanto às respostas dadas à Base Instrutória, erro grosseiro e manifesto, de acordo com o disposto no artº 629º do CPC, impõe que se negue provimento ao recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto.
Na decisão recorrida foi apurada a seguinte factualidade:
1. Por apresentação de 28/04/2010, a ora 5.ª Ré tem inscrita a seu favor a aquisição, por compra a B, ora 4.º Réu, da fracção autónoma designada por “L1” do 1.º andar “L” do prédio sito em Macau, na Rua do XX n.ºs XX, Rua dos XX n.º XX e Rua da XX, n.º XX, denominado por “Edifício XX”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º1XXX7. (al. A) dos factos assentes)
2. Por escritura pública de 18 de Dezembro de 2009, B, 4.º Réu, adquiriu à A, LDA., 3.ª Ré, a fracção autónoma identificada em A). (al. B) dos factos assentes)
3. Por apresentação de 08/01/2010, o 4.º Réu inscreveu a seu favor a aquisição da mesma fracção autónoma, por compra à 3.ª Ré. (al. C) dos factos assentes)
4. Por escritura pública celebrada em 23 de Setembro de 2009, o 2.º Réu G declarou vender a fracção autónoma referida em A) à A, LDA., 3.ª Ré, a qual declarou comprá-la. (al. D) dos factos assentes)
5. Por apresentação de 07/05/2009, a A, LDA. 3.ª ré, inscreveu a seu favor a aquisição da mesma fracção autónoma, por compra a G, 2.º Réu. (al. E) dos factos assentes)
6. Por escritura pública de 23 de Abril de 2003, celebrada no Notário Privado do Dr. R, a fls. XX do livro XX, o sobrinho dos autores, G, 2.º Réu, declarou comprar a F, 1.ª Ré que declarou vender-lhe, a fracção autónoma referida em A). (al. F) dos factos assentes)
7. Por apresentação de 14/05/2002, foi inscrita a favor de G a aquisição, por compra a F, 1.ª Ré, da mesma fracção autónoma. (al. G) dos factos assentes)
8. Quando foi celebrada a escritura referida em D) constava do registo predial ser o 2.º Réu o proprietário da fracção autónoma referida em A) e não constava qualquer registo de acção de nulidade. (al. H) dos factos assentes)
- Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos (vd. fls. 837 a 843 fundamentos em que foram dados por provados os factos)
9. Foram os autores quem pretenderam adquirir a F, 1.ª Ré, a fracção autónoma referida em A) e quem pagou o respectivo preço mas permitiram ao seu sobrinho, 2.º Réu, celebrar o contrato de compra e venda pela escritura pública referida em F), a fim de fixar residência em Macau (Resposta dada ao art.º 1.º dos factos por provar)
10. O sobrinho dos autores, 2.º Réu, e os Autores acordaram que, não obstante fosse o sobrinho a constar como comprador no contrato de compra e venda, depois levado ao registo, os verdadeiros proprietários eram quem pagou o preço, ou seja os Autores. (Resposta dada ao art.º 2.º dos factos por provar)
11. O 2.º Réu comprou a F, 1.ª Ré, a fracção autónoma supra melhor identificada, tendo o preço pago suportado pelos Autores e tendo na escritura de 23 de Abril de 2002, celebrada no Notário Privado R, a fls. 53 do livro 77, ficado a constar como comprador o sobrinho dos Autores, G, 2.º Réu. (Resposta dada ao art.º 3.º dos factos por provar)
12. O objecto dos Autores era ajudar o sobrinho, G, 2.º Réu, natural da República Popular da China a fixar residência em Macau através de investimento imobiliário. (Resposta dada ao art.º 4.º dos factos por provar)
13. Provado que é conteúdo igual ao da resposta dada ao art.º 2.º dos factos por provar, (Resposta dada ao art.º 5.º dos factos por provar)
14. Em 2009, o 2.º Réu, começou a ter dividas de jogo. (Resposta dada ao art.º 6.º dos factos por provar)
15. Para as poder pagar o 2.º Réu celebrou contrato de promessa de compra e venda da fracção autónona referida em A) com a 3.ª Ré. (Resposta dada ao art.º 7.º dos factos por provar)
16. A 3.ª Ré prometeu transmitir novamente o imóvel ao 2.º Réu ou pessoa indicada por este se lhe fosse pedido. (Resposta dada ao art.º 8.º dos factos por provar)
17. Posteriormente, o 2.º Réu pretendia readquirir a fracção autónoma à 3.ª Ré, mas não tinha dinheiro nem conseguia empréstimo bancário para o efeito. (Resposta dada ao art.º 9.º dos factos por provar)
18. Por isso, pediu ajuda ao 4.º Réu, B. (Resposta dada ao art.º 10.º dos factos por provar)
19. O 4.º Réu aceitou emprestar dinheiro ao 2.º Réu para a reaquisição e fixou um prazo de 3 a 6 meses para a restituição da quantia emprestada. (Resposta dada ao art.º 11.º dos factos por provar)
20. O 2.º e o 4.º Réus combinaram que o 4.º Réu pagaria o preço da reaquisição à A LIMITADA, 3.ª Ré, e figuraria no contrato de compra e venda como comprador sendo o 2.º Réu, o verdadeiro comprador. (Resposta dada ao art.º 12.º dos factos por provar)
21. O 4.º Réu, prometeu transmitir novamente a fracção ao 2.º Réu, ou a quem este indicar para figurar no contrato como comprador, quando o 2.º Réu lhe devolvesse o dinheiro que recebera emprestado. (Resposta dada ao art.º 13.º dos factos por provar)
22. Na sequência do acordado entre os 2.º e 4.º Réus, o 4.º Réu e a A LIMITADA, 3.ª Ré, celebraram, a escritura referida na alínea B). (Resposta dada ao art.º 14.º dos factos por provar)
23. Como o 2.º Réu não tinha dinheiro nem conseguia empréstimo bancário para cumprir o acordado com B, pediu ajuda à 5.ª Ré C. (Resposta dada ao art.º 15.º dos factos por provar)
24. O 2.º Réu pediu à 5.ª Ré para figurar no contrato de compra e venda como comprador e contrair um empréstimo bancário hipotecário a fracção autónoma reivindicada sendo G, ora 2.º Réu, o verdadeiro comprador e a pessoa que iria pagar o empréstimo bancário contraído e as demais despesas. (Resposta dada ao art.º 16º dos factos por provar)
25. A ora 5.ª Ré aceitou o pedido do 2.º Réu e celebrou o contrato de compra e venda. (Resposta dada ao art.º 17º dos factos por provar)
26. O 2.º Réu pagou todas as despesas inerentes ao contrato de compra e venda e as primeiras onzes prestações do empréstimo bancário, deixando de o fazer em relação às prestações posteriores. (Resposta dada ao art.º 18º dos factos por provar)
27. Quando foi celebrado o contrato de compra e venda entre o 4.º Réu e a 5.ª Ré, o 4.º Réu tinha conhecimento dos factos ocorridos entre o 2.º Réu e a 5.ª Ré. (Resposta dada ao art.º 19º dos factos por provar)
28. C, 5.ª Ré, nunca pagou qualquer quantia pela aquisição da fracção autónoma reivindicada e apenas começou a pagar as prestações do empréstimo bancário quando o 2.º Réu deixou de o fazer. (Resposta dada ao art.º 20º dos factos por provar)
29. O 4.º Réu tinha conhecimento de que a titular do registo da fracção autónoma era a 3.ª Ré. (Resposta dada ao art.º 23º dos factos por provar)
30. Antes de celebração do contrato de compra e venda entre a 3.ª Ré e o 4.º Réu, não constava do registo predial o registo de qualquer acção. (Resposta dada ao art.º 24.º dos factos por provar)
31. Nunca o 2.º Réu quis vender a fracção referida em A), mas apenas pagar, com a ajuda dos 3.ª a 5.ª Réus, as dividas de jogos que tinha através da contracção de empréstimos com garantia de cumprimento. (Resposta dada ao art.º 25º dos factos por provar)
32. Nunca os 3.ª e 4.º Réus quiseram comprar nem vender a fracção autónoma referida em A), mas permitirem ao 2.º Réu pagar as dívidas de jogo que tinha e obterem garantia de pagamento dos empréstimos que lhe concediam para o efeito. (Resposta dada ao art.º 26º dos factos por provar)
33. Nunca a 5.ª Ré quis comprar a fracção autónoma referida em A), mas permitir ao 2.º Réu pagar as dívidas que tinha (Resposta dada ao art.º 26º dos factos por provar)
II.b DO DIREITO
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Cabe ao Tribunal analisar concretamente os factos dados como provados nos autos e aplicar a lei a fim de resolver os litígios das partes.
O Código Civil dispõe no seu art.º 232.º que:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. Negócio simulado é nulo.”
De acordo com a supracitada disposição da lei, para provar a simulação de um negócio jurídico, é dependente a verificação cumulativa dos três requisitos1
- Existência de uma declaração negocial;
- Um acordo entre declarante e declaratário, com intuito de enganar terceiros;
- Existência de divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
No presente caso, depois de analisados os factos provados, em particular, os pontos nºs 24, 28, 31 a 33, tal como indica o acórdão proferido no processo n.º CV2-12-0028-CAO, este Tribunal considera que as sucessivas cadeias do negócio jurídico feito entre o 2.º réu e a 5.ª ré são simuladas.
Segundo os factos dados como provados nos autos, mesmo que os 2.º a 5.ª réus tenham realizado os respectivos actos de compra e venda, na realidade, todos não tinham a vontade real de compra e venda, pelo que, já estão preenchidos os 1.º e 3.º requisitos acima indicados.
Relativamente ao supracitado 2.º requisito, é de salientar que os 2.º e 3.ª, e os 3.ª e 4.º réus, sem dúvida, esperavam criar uma aparência simulada através de celebração dos contratos de compra e venda, fazendo com que os outros pensem que eles já tivessem feito as transações de coisa através dos contratos de compra e venda, contudo, os efeitos jurídicos atingidos pelas transações não eram a vontade real de todos. Na verdade, através da celebração dos supracitados dois actos de compra e venda, as partes contratantes, sem dúvida, esperavam que todo o mundo exterior acreditasse que o imóvel em causa já não pertence ao 2.º réu, mas sim aos 3.ª e 4.º réus, de tal modo que os últimos pudessem ser registados como titulares do direito de propriedade do imóvel em causa, fazendo com que o 2.º réu não conseguisse dispor o imóvel em causa sem que tivesse liquidado as dívidas.
É de salientar que os contratos de compra e venda entre os 2.º e 3.ª, e entre 3.ª e 4.º réus são diferentes do acto de alienação com natureza de alienação fiduciária em garantia, uma vez que no negócio jurídico desse tipo, as partes ainda têm a vontade real de proceder à alienação, não obstante tentaram atingir o fim de garantia, mediante o meio de alienação.2 Uma vez que cedente não cumpra a sua dívida, pode o adquirente, segundo o acordo fixado entre ele e o cedente, apropriar-se do imóvel para seu próprio uso ou vendê-lo a terceiro (com ou sem determinado procedimento de avaliação) usando o preço para pagar o crédito que possui, devolvendo o saldo restante ao cedente caso haja, ou continuar a exigir ao cedente o pagamento da quantia em dívida quando o preço não seja suficiente para a liquidação do crédito. Quanto à própria alienação com natureza de alienação fiduciária em garantia, bem como à validade do acordo específico entre as duas partes sobre a disposição do imóvel pelo credor em caso de incumprimento da dívida por parte do cedente, no presente processo não se discute este caso.
Mas o que é diferente do presente caso, segundo os factos provados nos autos, os 2.º e 3.ª réus, e os 3.ª e 4.º réus não tinham vontade de compra e venda, mas todos, através de celebração do negócio jurídico de compra e venda, criaram uma aparência simulada. O próprio negócio jurídico, por um lado, fez com que o 2.º réu deixasse de ser registado como titular do direito de propriedade da fracção em causa e que não conseguisse dispor a fracção em causa, e por outro lado, fez com que os dois autores, que sempre ocupavam o imóvel em causa, provavelmente perdessem o uso contínuo do referido imóvel até que não conseguissem exigir do 2.º réu a restituição do imóvel em causa. Pelo que, não é possível de ser considerado o acto de compra e venda feito entre os 2.º e 3.ª réus e entre os 3.ª e 4.º réus, como efeito interno produzido apenas entre eles, uma vez que se o respectivo acto de compra e venda for considerado válido juridicamente, será produzido efeito desfavorável para o próprio 2.º réu até para terceiros (ou seja os dois autores). Em suma, os 2.º e 3.ª réus, e os 3.ª e 4.º réus tentaram criar no mundo jurídico a falsidade e irrealidade, todos não tinham a vontade de atingir os efeitos e aparência jurídicos, levando a que os outros acreditassem que as transações fossem verdadeiras, mas acabando por prejudicar os dois autores. Pelo que deve-se considerar que entre 2.º e 3.ª réus e entre os 3.ª e 4.º réus, existem o acordo com intenção de enganar terceiros.
É de salientar que a intenção de enganar terceiros não é igual à intenção de prejudicar terceiros. Quanto a isso, vale tomar como referência o ponto de vista do Dr. Manuel de Andrade (vd. trabalho acima indicado, pág. 173 e 174): “Mas a simulação pode ainda ser feita não com o intuito de prejudicar, mas só com o de enganar terceiros, e temos a simulação inocente. Nesta a intenção é apenas defender direitos próprios ou alheios (ut tuentur sua vel aliena; D., 4.3,2,1), ou conseguir satisfação para algum outro interesse não ilegítimo dos próprios simuladores ou de terceiro. Um caso destes é o das simulações com o intuito de pompa ou ostentação (honoris causa ou ad pompam). Assim, por ex., se um pai finge doar à filha somas avultadas para fazer ver que tem uma grande fortuna. Outro caso será o duma pessoa que finge vender um prédio a outra pessoa, quando na verdade lho quis doar, e procede deste modo para fugir à malquerença dos seus parentes sucessíveis, embora estes não sejam seus herdeiros legitimários, ou então o sejam mas estando a doação dentro dos limites da quota disponível, pelo que sempre poderia ser feita abertamente, sem lesar os direitos de quem quer que fosse. Outros casos ainda serão os das simulações obedecendo a um propósito de modéstia por parte de algum dos simuladores, ou feitas para salvar o crédito do simulado adquirente ou qualquer legítima susceptibilidade pessoal do mesmo simulador, ou até dum terceiro. Quando a esta última variante suponha-se uma venda ou doação simulada com o intuito de o fingido comprador ou donatário subsequentemente doar os respectivos bens a um terceiro que não estaria disposto a recebê-los do fingido alienante.”
Este Tribunal ainda quer salientar que o que os 3.ª e 4.º réus pedem que sejam julgadas improcedentes as razões invocadas pelos dois autores na acção, no sentido de ser registado novamente a seu favor o imóvel em causa, tal acto é presumivelmente o abuso de direito. Cabe a este Tribunal explicar as razões. De acordo com os pontos 16 a 26 dos factos provados, são suficientes para deduzir que a quantia emprestada pela 3.ª ré ao 2.º réu, bem como a quantia emprestada pelo 4.º réu ao 2.º réu, já foram liquidadas sucessivamente com a ajuda dada pelos 4.º e 5.ª réus, e nessa circunstância, de acordo com o respectivo acordo, devem os 3.ª e 4.º réus transmitir a fracção em causa ao 2.º réu ou à pessoa por si designada. Finalmente, com a ajuda dada pela 5.ª ré, o 2.º réu resolveu a relação entre ele e o 4.º réu com o empréstimo concedido pelo Banco Q, de tal modo que o imóvel em causa passou a ser registado a favor da 5.ª ré. De acordo com a decisão do processo n.ºCV2-12.0028-CAO já transitada em julgado que produziu à 5.ª ré os efeitos concretos do caso julgado, a 5.ª ré não é a verdadeira proprietária do imóvel em causa por ser simulado o acto de compra e venda. Os factos provados nos autos também são suficientes para suportar que exista a simulação na compra e venda feita entre os 4.º e 5.ª réus e pelo que é nula. E perante a situação acima indicada, deve a fracção autónoma em causa ser regressada ao 4.º réu (ou à 3.ª ré)? Por um lado, tal como a análise acima foi feita, se se considerar que entre o 2.º réu e a 3.ª ré existe a simulação, deve o imóvel em causa ser restituído ao 2.º réu. Mesmo que se considere, tal como invocam os 3.ª e 4.º réus, que nos negócios jurídicos feitos dos 2.º a 4.º réus não existe a intenção de enganar terceiros e pelo que não foi constituída simulação, então será que os 3.ª ou 4.º réus, depois de o 2.º réu lhes ter liquidado as dividas com a ajuda dada pela 5.ª ré e perante a nulidade da aquisição da 5.ª ré, ainda esperavam que eles iriam passar a ser titular do direito de propriedade do imóvel em causa sem violar o acordo fixado entre eles e o 2.º réu e que ainda são legítimos?
Contudo, de qualquer maneira, tal como a análise acima foi feita, este Tribunal entende que os negócios jurídicos feitos entre o 2.º réu e a 5.ª ré são simulados, pelo que deve cada transação ser decretada nula.
Também invocam os 3.ª e 4.º réus nas suas contestações que, nos termos do art.º 284.º, n.ºs 1, 2 e 4 do Código Civil, o eventual vício de nulidade invocado pelos dois autores não é oponível à 3.ª ré ou ao 4.º réu, como terceiros de boa fé.
Cabe analisar se os 3.ª e 4.º réus podem ser considerados como terceiros de boa fé, nos termos do art.º 284.º ou do 235.º do Código Civil.
A própria 3.ª ré é uma das partes do negócio simulado feito entre ela e o 2.º réu, e o próprio 4.º réu também é uma das partes do negócio simulado feito entre ele e a 3.ª ré, pelo que nos termos do art.º 284.º ou do art.º 235.º do Código Civil, tanto a 3.ª ré, quanto o 4.º réu, ambos não são terceiros.
Mesmo que se suponha que os dois são terceiros previstos nos art.º 284.º ou no art.º 235.º do Código Civil, as referidas disposições legais também exigem que o terceiro seja de boa fé. Nos termos do art.º 284.º, n.º4 do Código Civil, é considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável, e nos termos do art.º 235.º, n.º2 do Código Civil, a boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos. Daí pode-se saber que as supracitadas duas disposições legais também exigem que o terceiro, no mínimo, desconheça o vício anteriormente existente. Para provar a ignorância do vício anteriormente já existente, como um facto extintivo, deve cabe à parte que propriamente invoque ser terceiro fazer alegação e prova. Contudo, nos autos, todos os factos por provar quanto à ignorância do vício anteriormente existente por parte da 3.ª ré ou do 4.º réu não foram dados como provados, pelo que, de qualquer maneira, os dois réus não podem ser considerados como terceiros de boa fé previstos no art.º 284.º ou art.º 235.º do Código Civil.
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Quanto à alegada simulação relativa existente entre os 1.ª e 2.º réus, salvo melhor entendimento, este Tribunal considera que os pedidos dos dois autores não procedem. Importa salientar que os factos provados nos autos não dão para provar que a 1.ª ré, como vendedora inicial, tenha intervindo no negócio simulado indicado pelos dois autores, e/ou a 1.ª ré tenha conhecimento do acordo fixado entre os dois autores e o 2.º réu.
Quanto a isso, num processo com situação semelhante ao presente caso, o Tribunal de Segunda Instância (no acórdão proferido em 16 de Março de 2023 no processo n.º1120/2018) reconheceu e transcreveu a decisão do Tribunal de primeira instância (também tem valor de referência o acórdão do TSI proferido em 2 de Junho de 2022 no processo n.º252/2022 além disso, o supracitado trabalho do Dr. Manuel de Andrade, pág. 179 e 180), indicando:
“Analisando de forma abrangente os factos provados, este tribunal não verificou as circunstâncias que tornem inválida a conduta de compra de D, que justificassem a doutrina da aparência efectiva acima indicada, por exemplo, se o declaratário do acto de compra, ou seja, o titular do direito de propriedade da fracção autónoma, conheceu ou provavelmente conheceu a vontade real de D, e/ou o seu entendimento da declaração não corresponde ao sentido objectivo da declaração. Pelo que não é possível que este Tribunal negue a validade do acto de compra e venda e rejeite consequentemente a qualidade de propriedade obtida através do respectivo acto.
Ainda assim, mesmo que se reconheça a divergência entre a declaração e a vontade de D que seja suficiente para tornar inválido o acto de compra e venda, este Tribunal também não pode considerar inválido o acto de compra e venda sem que o declaratário, ou seja o titular original do direito de propriedade tenha intervindo na presente acção, consequentemente negando a invocação de D de ser proprietário da fracção autónoma antes de vender a fracção autónoma ao autor.
De acordo com o acima exposto, este Tribunal também não pode negar a aquisição válida da fracção autónoma em causa por parte do autor através do acto de compra e venda feito em 2015, nem excluir consequentemente a qualidade do autor como proprietário da fracção autónoma em causa.”
Com base nisso, os factos nos autos não são suficientes para levar o Tribunal a declarar a existência do vício de simulação relativa no acto de compra e venda entre os 1.ª e 2.º réus, e além disso, também não são suficientes para levar o Tribunal a considerar que já fosse celebrado efectivamente qualquer negócio jurídico entre os dois autores e a 1.ª ré, tal como pedem os dois autores, mas tal conclusão não obsta que os dois autores possam invocar junto do 2.º réu o direito que considerem possuir, segundo a eventual relação jurídica entre eles e o 2.º réu.».
Vem alegado por todos os Recorrentes que sendo os requisitos da simulação a Divergência entre a vontade real e a vontade declarada, Intuito de enganar terceiros e Acordo simulatório, não foram invocados nem ficou provado o intuito de enganar terceiros.
Da factualidade apurada o que resulta é que os Autores pagaram a fracção autónoma a que se reportam autos a qual foi adquirida pelo 2º Réu como sendo sua com vista a obter a autorização de residência em Macau com base no investimento.
Uma vez decorrido o prazo para passar a ser residente permanente o 2º Réu pediu dinheiro emprestado ao 3º Réu e como garantia do cumprimento da sua obrigação “vendeu-lhe” aquela fracção na condição do 3º Réu a voltar a por em nome do 2º Réu quando este pagasse ou do 3º Réu a vender a quem o 2º Réu indicasse. Em igual sentido se passou entre o 2º Réu e o 4º Réu que a comprou do 3º.
Nestes dois acordos mais não houve que um contrato de mútuo entre o 2º Réu e o 3º Réu e entre o 2º Réu e o 4º Réu. Mútuos esses que o 2º Réu lhes pagou, tendo aqueles feito aquilo a que se haviam obrigado vendendo a casa a quem o 2º Réu indicou.
Relativamente à 5ª Ré o que se fez foi ficcionarem que o 4º Réu vendia a fracção autónoma a esta, segundo o acordo que o 2º e 5ª Réus haviam feito, sendo que a 5ª Ré contraiu um empréstimo ao Banco alegadamente para pagamento da aquisição, empréstimo esse que o 2º Réu se obrigou a pagar, participando os Autores desses acordos.
Mais uma vez o que sucede é que perante a impossibilidade financeira do 2º Réu de contrair um empréstimo dando de garantia a fracção autónoma, foi ficcionada uma venda com um suposto comprador – a 5ª Ré – que tendo capacidade financeira para contrair empréstimo bancário o fazia, ficando o 2º Réu com o dinheiro que supostamente seria o pagamento do preço e ao mesmo tempo a obrigação de pagar o empréstimo.
O desentendimento surge quando o 2º Réu deixa de pagar as prestações do empréstimo e passa a ter de ser a 5ª Ré a fazê-lo porque havia sido quem contraiu o empréstimo.
Como facilmente resulta da factualidade apurada em todas estas situações houve o pacto simulatório e a divergência bilateral entre a vontade declarada e a real.
Quanto ao pacto simulatório no que concerne ao negócio celebrado com a 5ª Ré o intuito de enganar terceiros resulta da factualidade apurada uma vez que a simulada compra e venda visava iludir o banco para conceder o empréstimo.
A questão do intuito de enganar terceiros coloca-se quanto aos negócios celebrados entre o 2º e 3ª Réus e 3º e 4º Réus.
Sendo evidente a divergência entre a vontade declarada e a real e a existência do pacto simulatório coloca-se a questão de saber se também aqui há o intuito de enganar terceiros.
Esta questão é aflorada na decisão recorrida e muito bem resolvida, fundamentando-se que não estando em causa a necessidade de causar prejuízo efectivo, basta-se o intuito de enganar de uma forma generalizada.
Não podemos deixar de concordar.
Como ensina Oliveira de Ascensão em Direito Civil Teoria Geral, Vol. II, pág. 191 e seguintes, no Direito Civil a declaração é auto-suficiente para a produção de efeitos, contudo o legislador ressalva as situações de divergências intencionais.
No caso da reserva mental – artº 237º do C.Civ. – a declaração contrária à vontade real não deixa de produzir efeitos protegendo-se o declaratário do engano, salvo, se este conhecia a divergência.
Conhecendo o declaratário que a declaração era contrária à vontade real deixou de haver necessidade de proteger o declaratário o qual apenas se deixou enganar porque quis, sendo que nesta situação a reserva mental tem os efeitos da simulação, isto é, a declaração é nula.
No entanto no caso da reserva mental, como ensina Oliveira Ascensão, não é necessário o intuito de enganar terceiros.
Logo, pode concluir-se pela nulidade da declaração feita com reserva mental quando é do conhecimento do declaratário sem necessidade do “intuito de enganar terceiros”.
O que entende Oliveira Ascensão é que na simulação há sempre o intuito de enganar terceiros uma vez que a criação de uma aparência para ocultar o verdadeiro negócio pressupõe sempre essa intenção.
É esta ideia que é sustentada na decisão recorrida.
No caso dos autos, nos negócios celebrados entre 2º e 4º Réus houve a intenção de enganar criando a aparência de uma compra e venda quando o que se queria era fazer um mútuo com garantia. O simples facto de formalmente fazer um contrato quando o interesse e a intenção era de um outro distinto já constituiu uma violação do ordenamento jurídico criando a aparência de algo que não corresponde à realidade.
Esta “violação da ordem” criada pelo engano apenas se compreende pelo intuito de enganar (sendo certo que não se exige o prejuízo efectivo).
Não se exige que o terceiro sejam pessoas identificáveis e que eventualmente visem os seus interesses afectados com a simulação.
Sendo para o Direito Civil auto-suficiente a declaração para produzir efeitos, a intenção de “iludir”, “enganar” prestando declarações que não corresponde à vontade real é bastante para se concluir pelo intuito de enganar.
Por fim, não faria sentido algum que para a reserva mental se conclua pela simulação sem necessidade do “intuito de enganar terceiros” desde que a falta de correspondência entre a vontade real e a declarada seja conhecida do destinatário, e no caso da simulação em que essa divergência entre a vontade real e a declarada é bilateral se fosse mais longe exigindo que houvesse o intuito de enganar alguém determinado.
Destarte por analogia, tal como sustenta Oliveira Ascensão na obra indicada, há que entender que este intuito de enganar terceiros mais não é do que a intenção de “engano” criada pelo acordo em criar uma aparência que não corresponde à realidade.
Em sentido idêntico se decidiu em Jurisprudência comparada no STJ Português em Acórdão de 20.11.2003 proferido no processo 03B3002 consultado em www.dgsi.pt.
Destarte, bem se concluiu na decisão recorrida pela verificação do intuito de enganar terceiros e consequentemente pela nulidade da compras e vendas feitas entre o 2º e 3º Réus e o 3º e 4º Réus.
Havendo-se já supra, concluído estar demonstrado o interesse de enganar terceiros no negócio celebrado entre os 4º e 5ª Réus, impõe-se decidir em conformidade.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento aos recursos interpostos mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas a cargo dos Recorrentes.
Registe e Notifique.
Foi dado por assente nestes autos a seguinte matéria a qual está julgada com trânsito em julgado uma vez que dela não foi interposto recurso algum:
Quesito 2º:
O sobrinho dos Autores, 2.º réu, e os Autores acordaram que, não obstante fosse o sobrinho a constar como comprador no contrato de compra e venda, depois levado ao registo, os verdadeiros proprietários eram quem pagou o preço, ou seja os Autores?
Ficou provado.
Quesito 3º:
Os Autores, compraram a F, 1.ª Ré, a fracção autónoma supra melhor identificada, tendo os Autores, pago o preço e tendo na escritura de 23 de Abril de 2002, celebrada no Notário Privado R, a fls. 53 do livro 77, ficado a constar como comprador o sobrinho dos Autores, G, 2.º Réu?
Provado: O 2.º Réu comprou a F, 1.ª Ré, a fracção autónoma supra melhor identificada, tendo o preço pago suportado pelos Autores e tendo na escritura de 23 de Abril de 2002, celebrada no Notário Privado R, a fls. 53 do livro 77, ficado a constar como comprador o sobrinho dos Autores, G, 2.º Réu.
Quesito 4º:
O objectivo era ajudar o sobrinho, G, 2.º Réu, natural da República Popular da China, a fixar residência em Macau através de investimento imobiliário?
Provado: O objectivo dos Autores era ajudar o sobrinho, G, 2.º Réu, natural da República Popular da China a fixar residência em Macau através de investimento imobiliário.
Quesito 5º:
Ficou estipulado entre os Autores e o seu sobrinho, o réu G, que, não obstante, constar como titular no contrato de compra e venda depois levado a registo, os proprietários eram quem pagou o preço, ou seja, os ora Autores?
Provou-se que o conteúdo é igual ao da resposta ao art.º 2º dos factos por provar.
Desta matéria resulta que eventualmente possa ter sido cometido um crime de falsas declarações que possa ter estado na génese e servido de fundamento à obtenção de autorização de residência em Macau.
Face ao disposto na alínea c) do nº 2 do artº 122º do CPA e àquela que tem vindo a ser a Jurisprudência do Tribunal de Última Instância comunique ao Ministério Público remetendo cópia da decisão proferida em 1ª Instância para os efeitos que tiver por conveniente.
RAEM, 30 de Outubro de 2024
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
(2o Juiz-Adjunto)
1 Vd. acórdão do TUI proferido em 13 de Maio de 2015 no processo n.º69/2014.
2 Quanto à diferença entre o negócio jurídico fideicomissário e simulação, vd. a análise feita na «Teoria Geral da Relação Jurídica II», de Manuel de Andrade, (Coimbra, 1983, p.175)
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333/2024 CÍVEL 33