Processo n.º 596/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 30 de Outubro de 2024
ASSUNTOS:
- Elemento de posse em matéria de usucapião
SUMÁRIO:
I – É de aferir-se a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
II – Em matéria de usucapião, a presunção é (e deve ser) invocada, com o intuito de dar como provada a posse em nome de quem vem exercendo um poder de facto sobre o prédio em causa, cabe ao Recorrente produzir prova de que, apesar do exercício deste poder de facto, a Recorrida não era possuidora em nome próprio mas sim, por exemplo, ao abrigo de um contrato de arrendamento, como arrendatária, de depósito, como depositária, de comodato, como comodatária, etc, quando essa prova não foi produzida, nem indicou concretamente os elementos probatórios constantes dos autos em sede do recurso que permitam sustentar uma decisão diversa tirada pelo Tribunal a quo, é de manter a decisão recorrida.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 596/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 30 de Outubro de 2024
Recorrentes : - A (ausente)
- Herdeiros Incertos de A (A之不確定繼承人)
- Demais Interessados Incertos (其他不確定利害關係人)
Recorrida : - B
*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, os herdeiros Incertos de A e demais Interessados Incertos, Recorrentes, representados pelo MP, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 13/03/2024, vieram, em 05/04/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 512 a 524, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o Recorrente não se conforme com a douta sentença proferida em 13 de Março de 2024, que julga procedente a presente ação, declarando a B como proprietária do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1XXX6, a folhas XX, do livro XX, dada a sua aquisição por usucapião.
A. Impugnação da matéria de facto
2. O Recorrente não se conforme com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto, concretamente no que se refere aos factos 70, 73 e 74, dados como provados na aludida sentença.
3. Ao abrigo dos artigos 599, nº 1 e 629º do Código de Processo Civil, o Recorrente impugna a decisão de facto sobre a resposta dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 66º, 69º e 70º de Base Instrutória que foram julgados como provados.
a. Da resposta dada aos quesitos 66° e 70° da Base Instrutória
4. A resposta dada aos quesitos 66° e 70° da Base instrutória pela sentença recorrida é "provado".
5. Salvo o devido respeito ao entendimento diferente, o Recorrente não se concorda com esta resposta do douto Tribunal a quo em relação aos quesitos 66º e 70º da Base instrutória, estes dois factos não devem ser dados como provados.
6. Segundo o depoimento da testemunha C (que é funcionária da Recorrida) e o do testemunha D na audiência de discussão e julgamento (O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 44:06-46:22; 1:30:04-1:31:24), a Recorrida arrendou o imóvel em causa através do anúncio interno, um dos ocupantes atuais do imóvel é o seu funcionário, ora o testemunha E, e o outro é testemunha D, este encontrou o imóvel em causa através dos seus amigos.
7. Uma vez que a Recorrida apenas arrendou o imóvel em causa através de anúncio interno, é difícil que os interessados, nomeadamente quem não é funcionário da Recorrida, tomarem conhecimento desse arrendamento.
8. A maneira de publicar o anúncio do arrendamento do imóvel em causa pela Recorrida apenas é face a determinadas pessoas, em princípio, os seus funcionários, não é susceptível de ser conhecido por outros interessados directa ou indirectamente afetados por essa actuação da Recorrida.
9. Assim, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deve dar como não provado o quesito 66° da base instrutória.
10. Relativamente ao quesito 70° das base instrutória, comparamos os documentos 98 e 253 com outros contratos de arrendamentos (doc.55, 73, 78, 83, 92, 214, 226, 240), todos juntos com a p.i, os documentos 98 e 253 designam-se por "acordo" ("協議書") e mediante dos quais a Recorrida entregou o imóvel em causa a outra parte para usar e gerir (cujo teor chinês original é “交予乙方使用管理”).
11. Quanto aos documentos 98 e 253 juntos com a p.i, segundo o depoimento do Sr. testemunha F (o disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 1:16:24-1:20:37), porque a Recorrida não é verdadeira proprietária do imóvel, portanto, passou a celebrar simples acordos de gestão com os ocupantes do imóvel em vez de celebrar contratos de arrendamento como fazia anteriormente.
12. Isto demonstra que a Recorrida sabia perfeitamente que ela não é verdadeira proprietária do imóvel, portanto, não tem direito a celebrar contratos de arrendamento com os ocupantes, sob pena de não ser necessário a Recorrida alterar de propósito a designação e teor dos documentos 98 e 253 junto com a p.i.
13. Face aos documentos 98 e 253 junto com a p.i em conjugação com o depoimento do Sr. Testemunha F, o Recorrente entende que deve dar-se como não provado o quesito 70° da Base Instrutória.
b. Da resposta dada ao quesito 69° da Base Instrutória
14. O Tribunal a quo julgou como provado o quesito 69° da base instrutória ("De forma ininterrupta?").
15. No entanto, quanto ao piso térreo do imóvel em causa, conforme o facto provado 24, a senhora G apenas permaneceu no piso térreo até a sua morte em 1995 e a filha desta entregou o imóvel à Recorrida no Janeiro de 1995.
16. 10 anos após desta entrega do imóvel pela filha da senhora G, a Recorrida voltou a arrendar o piso térreo ao testemunha D em 1/10/2005 (veja-se o facto provado 25).
17. A Recorrida não alegou nenhum facto relativamente a este período de interrupção mais de 10 anos (durante Fevereiro de 1995 até 30/9/2005) em relação a ocupação do piso térreo do imóvel em causa.
18. Além disso, segundo o depoimento da sra. Testemunha C (o disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 33:27-34:08), durante o ano 1995 até 2005, o piso térreo estava vazio, não estava ocupado por ninguém.
19. O Tribunal a quo ao dar como provado o quesito 69° da base instrutória, está em desconformidade tanto aos documentos 53, 54 e 55 junto com a p.i, como ao depoimento da Sra. testemunha C.
20. Na realidade, a Recorrida não arrendou o piso térreo a ninguém durante mais de 10 anos (01/02/1995 até 30/9/2005) e não está nenhum facto provado no tocante a ocupação do piso térreo durante este período de interrupção, portanto, o Recorrente entende que o quesito 69° da base instrutória deve ser dado como não provado.
21. Pelo exposto, o Recorrente entende que os factos 70°, 73° e 74° da sentença recorrida não devem ser dados como provados.
B. Erro na aplicação da lei
22. O Tribunal a quo com base nos factos provados, designadamente, os factos provados 6°, 7°, 70° a 77°, julgou pela existência de "corpus possidendi" e "animus possidendi" por parte da Recorrida, mesmo que esta não consiga provar a alegada doação.
23. Salvo o devido respeito, conforme o entendimento do Recorrente, o Tribunal a quo não se deve concluir pela existência de "animus possidendi" da Recorrida.
24. In casu, não foi dado provado o quesito 1°-A da Base Instrutória ("o imóvel foi doado à Autora?"), ou seja, a Recorrida não provou a origem da sua alegada posse.
25. Com base nos factos provados, a Recorrida arrendou o imóvel em causa, recebendo rendas, pagando as contribuições prediais nos anos de 1975 e 1976, os arrendatários pagaram as tarifas referentes ao consumo de água, electricidade, telefone e gás, assim, o Tribunal a quo concluiu pela existência de "animus possidendi". Todavia, estes actos materiais podem ser efetuados por qualquer pessoa, não tem que ser necessariamente o proprietário.
26. A Recorrida não conseguiu provar como é que teve acesso ao imóvel, mesmo que tenha arrendado o imóvel aos terceiros e estes efetuaram as despesas ordinárias do imóvel, no entanto, tais actos podem ser praticados em virtude de tolerância do proprietário registado ou foram praticados por quem estar em representação do proprietário registado.
27. A Recorrida nem sequer sabia quando e como é que teve acesso ao imóvel em causa (dado que o quesito 1-A da Base Instrutória foi julgado como não provado), não é razoável esta entender a si mesma praticou os actos em causa na qualidade da legítima dona.
28. Segundo o depoimento do testemunha F, a Recorrida sabia perfeitamente que ela não é verdadeira proprietária do imóvel, portanto, alterou de propósito a designação e teor dos alegados contratos de arrendamento, passou a celebrar apenas acordos de gestão.
29. A situação semelhante ao nosso caso encontra-se no acórdão do Tribunal de Segunda Instância com processo n° 149/2020, 27 de Setembro de 2023 citado no artigo 39° acima, o caso deste acórdão até vai mais longe, uma vez que não foi demonstrada a doação, julgou consequentemente como não provados os factos relativamente a corpus, bem como a animus possidendi.
30. Além disso, o Tribunal a quo entenda que funciona a presunção do artigo 1176°, nº 2 do Código Civil, assim julgou que a Recorrida seja dotada de "animus possidendi".
31. Todavia, segundo o entendimento do douto acórdão do TSI com processo n° 729/2020 citado no artigo 42° acima, quem invoca posse de determinada coisa, é necessário provar o seu "corpus" e "animus", ou seja, mesmo que exista presunção legal do artigo 1176°, nº 2 do Código Civil, não faz dispensar a prova do elemento subjectivo para ser um possuidor.
32. O Recorrente entende que os quesitos 66° e 70° da Base Instrutória não devem ser dados como provados, assim, não deve o Tribunal a quo presumir o "animus" nos termos do artigo 1176°, nº 2 do Código Civil.
33. Faltando os factos relativamente ao "animus" da Recorrida, esta não adquiriu a alegada posse por empossamento, o Tribunal a quo não deve aplicar o art.1187°, al. a) do Código Civil.
34. Se o douto Tribunal de Segunda Instância entendesse que a Recorrida fosse possuidor, mesmo que seja assim, como o Recorrente entende que o quesito 66° da Base Instrutória não se deve ser dado como provado, a posse da Recorrida não se pode ser qualificada como posse pública.
35. O Tribunal a quo ao concluir que a posse da Recorrida seja pública, violou o artigo 1186° do Código Civil.
36. Assim, nos termos do art.1225°, nº 1 do Código Civil, o prazo da usucapião ainda não deve começar a contar uma vez que a posse da Recorrida não é uma posse pública.
37. Se o douto Tribunal de Segunda Instância entendesse que a posse da Recorrida fosse pública, conforme o entendimento do Recorrente, não deve ser considerado provado o quesito 69° da Base Instrutória, descontando o período de interrupção de 10 anos, ainda não está decorrido o prazo para usucapião de 20 anos (1/10/2005 até à 22/06/2021, data da entrada da p.i da presente ação), assim, o Tribunal a quo violou o artigo 1221° do Código Civil.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes do TSI que concedam provimento ao presente recurso, e:
- nos termos do artigo 629° do Código de Processo Civil, revoga a decisão da matéria de facto que padece do erro na apreciação de provas, passando os factos 70°, 73° e 74° a ser considerados como não provados; e em consequência,
- revoga a sentença recorrida por aplicação errada dos art.1176°, n.º 2 e art.1187°, al. a) do Código Civil e julgar improcedente o pedido da aquisição por usucapião formulado pela Recorrida, fazendo a costumada JUSTIÇA!
*
B, Recorrida, ofereceu a resposta constante de fls. 532 a 582, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Vem o recurso a que ora se responde interposto da douta decisão proferida a final pelo Digno Tribunal Judicial de Base e pela qual o pedido deduzido pela Autora, ora Recorrida, foi julgado totalmente procedente.
2. Sendo as questões a decidir, a Impugnação da matéria de facto quanto à resposta dada aos quesitos 66° e 70° da Base Instrutória e da resposta dada ao quesito 69° da mesma Base e ainda do Erro na aplicação do Direito, por violação do artigo 1221° do Código Civil, no entanto, e como se verificará ao longo da presente resposta, as teses do Digno Ministério Público, ora Recorrente, carecem de qualquer fundamento, devendo o recurso a que ora se responde improceder e manter-se o decidido na douta sentença recorrida.
3. No que respeita à resposta dada aos quesitos 66° e 70° da Base Instrutória e à matéria vertida nos quesitos 72º, 73°, e 74° veio o ora Recorrente colocar em crise a posição assumida pelo Digno Tribunal de Primeira Instância quando decidiu dar tais factos como provados, sendo que os aludidos quesitos têm o seguinte teor:
"A Autora praticou os sobreditos actos e actua sobre o prédio, desde pelo menos 1975, como sua dona à vista de todos?" Provado (quesito 66 da Base Instrutória)
"Na convicção de que o mesmo lhe pertence?" Provado (quesito 70 da Base Instrutória)
"Dele retirando todas as utilidades em proveito próprio?" Provado (quesito 72 da Base Instrutória)
"A Autora nunca foi abordada seja por quem for para reclamar quaisquer direitos sobre o aludido prédio?" Provado (quesito 73 da Base Instrutória)
"Durante mais de 45 anos em que, nunca ninguém reivindicou ou pediu à Autora a devolução do imóvel, nem a devolução das receitas provenientes das rendas?" Provado que durante os mais de 45 anos em que a Autora praticou os actos acima referidos, nunca ninguém reivindicou ou pediu à Autora a devolução do imóvel, nem a devolução das receitas provenientes das rendas (quesito 74 da Base Instrutória), sendo que a Recorrente levantou duas questões sendo uma relativa à Posse Pública e outra relativa ao animus possidendi.
4. O Digno Ministério Público considera que a ora Recorrida não tem uma posse pública sobre o imóvel, suportando tal fundamento com o depoimento da testemunha C , funcionária da Recorrida, transcrito da gravação do disco O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 44:06-46:22), e ainda com o depoimento da testemunha D, arrendatário do imóvel desde 2005, transcrito da gravação o disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 1:30:04-1:31:24,
5. Considerando que a ora Recorrida arrendou o imóvel através de um anúncio interno, sendo que um dos arrendatários actuais é seu funcionário, a testemunha E, e que a outra testemunha D soube do imóvel através de um amigo, sustentando tal alegação com o facto de o imóvel ter sido arrendado através de um anuncio interno, e isso ser difícil ser conhecido pelos interessados.
6. Ora, a verdade é que a alegação produzida pelo Digno Ministério Público começa desde logo por ser contraditória, isto porque de acordo com o que foi dito em audiência pela testemunha por si citada, D, este tomou conhecimento do arrendamento através de amigos, tal como se comprova pelas suas resposta a instâncias da Digna Magistrada do Ministério Público: (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:27:29-1:28:08), sendo que daqui se retira, que a testemunha D tomou conhecimento por amigos que com certeza sabiam, por ser público, que a B dispunha de casas com rendas mais acessíveis para arrendar, salientando-se que o próprio D não era funcionário da Recorrida, trabalhava na construção civil, tal como confirmado em audiência pela testemunha E, a instâncias do Meritíssimo Juiz e da mandatária da Recorrida (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 49:02-51:03), 1:46:00-1:46:54)
7. Aliás, a própria testemunha E, declarou em Tribunal que antes de ser funcionário da Recorrida era vendilhão (vendendo comida frita) e foi-o durante os anos 90 (1990 e seguintes), tendo sido o anterior arrendatário do primeiro piso H (cfr. Doc. 104), que sabendo da sua frágil situação financeira, o deixou partilhar o piso consigo até 2012, altura em que o mesmo H, saiu do piso e o E solicitou à Recorrida o arrendamento do mesmo (cfr. Doc. 212), podendo ser confirmada pelas suas declarações constantes das transcrições que a seguir se identificam (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:33:18-1:38:22)
8. Desta forma se notará, sem dúvida que o imóvel era conhecido pelo público em geral, de que pertencia à Recorrida e esta o dava para arrendamento, tendo ficado provado nestes autos que a Recorrida fez uma utilização normal da coisa, não tendo de forma alguma ocultado esta utilização, fê-lo á vista de toda gente e sem a oposição de ninguém pelo menos desde 1975, ou seja, durante os mais de 45 anos em que a ora Recorrida, na posse do imóvel, praticou todos os actos materiais de forma reiterada, tais como o arrendamento do imóvel, a sua manutenção (obras e arranjos quando necessários), à vista de todos, sem oposição de ninguém.
9. Com efeito, e sendo a Recorrida uma Associação com fins de beneficência e sendo esta conhecida em todo o território de Macau, não poderá esta ter mais publicidade nos seus actos de caridade, nomeadamente na atribuição de tecto aos necessitados, através de rendas muitas vezes simbólicas e mais tendo sido declarado pelos dois arrendatários da Recorrida que durante todo o tempo em que viveram na casa até à actualidade, sempre foi à Recorrida quem pagaram a renda, e a quem pediam a sua intervenção sempre que obras e remodelações eram necessárias no imóvel e que em todos estes anos nunca ninguém foi à casa reclamar a propriedade da mesma ou lhes pedir que a abandonassem ou até que lhes pagassem qualquer renda, tal como se infere das seguintes transcrições: (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de são e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:19:05-1:19:23) e (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:25:46-1:26:40)
10. A testemunha E declarou até que se não fosse este processo estava convencido que a casa estava registada em nome da Associação, tal como se pode comprovar pelo que por si foi dito em julgamento (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:41:42-1:42:53).
11. Mas mais, o Digno Ministério Público debruça-se apenas nos depoimentos das testemunhas que estiveram em Tribunal, testemunhos esses que são importantes e reveladores da posse pública do prédio pela Recorrida, ignorando, no entanto, por completo todos os outros arrendamentos que foram feitos ao longo de quase 50 anos pela Recorrida a outras pessoas, tal como o demonstram os documentos originais juntos pela Recorrida à petição inicial com os números 5 a 274.
12. Com efeito, e a título de exemplo, podemos inferir dos Docs. 6 e 37 juntos à petição inicial e que se referem ao arrendamento do piso térreo a G em 19/04/1981, que também esta não era funcionária da Recorrida. Isto porque do documento 37 se pode retirar que G, nascida em 1911, tinha 70 anos quando solicitou à Recorrida o arrendamento em 19/04/1981 (cfr. Doc.6 junto à petição inicial), aliás, tal foi referido em audiência pela testemunha E, tal como se vê nas declarações que se encontram insertas em: (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:44:05-1:45:22).
13. Não procedendo mais uma vez o argumento do Digno Ministério Público de que o arrendamento do imóvel estava confinado aos funcionários da Recorrida, não podendo por isso ser conhecido pelos interessados, não sendo uma posse pública e notória, já que a Recorrida nunca o escondeu, nem nunca solicitou aos arrendatários para ocultarem a quem quer que seja que o prédio estava a ser arrendado, já que a posse era de tal forma pública que as pessoas sabiam da existência do imóvel, sendo que a testemunha E, antes de ser funcionário da Recorrente, tinha já disso conhecimento.
14. Não existindo por parte da Recorrida qualquer ocultação nestes actos materiais de posse por si praticados e preenchendo-se por isso, o consignado nos artigos 1186° e 1187º a) ambos do Código Civil de Macau, já que a posse foi exercida pela Recorrida de modo a poder ser conhecida pelos interessados. E por isso, a posse do imóvel exercida pela Recorrida é totalmente pública, não podendo sufragar-se aquilo que aqui é alegado pelo Recorrente, não sendo de apontar na douta sentença recorrida qualquer violação da lei ao ter dado os quesitos 66° e 70° da Base Instrutória bem como a matéria vertida nos quesitos 72°, 73°, e 74° da mesma Base, como provados.
15. Já quanto ao animus possidendi, não é pelo facto de a Recorrida ter alterado o nome do arrendamento de "contrato" para "Acordo" tal como consta em dois documentos juntos aos autos (Doc.98 e Doc. 253 da petição inicial) que lhe é por isso retirado animus à sua posse sobre o imóvel, tal como pugnado pelo Recorrente Ministério Público usando as declarações da testemunha F constantes do áudio (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 1:16:24-1:20:37)bem como não é também por não ter ficado provado que o imóvel tenha sido doado à Recorrida que por isso, tal como alegado pelo Recorrente se não venha a reconhecer que a Recorrida tem o animus sobre o imóvel.
16. A testemunha F, funcionário da Recorrida, justificou de uma forma simplista tal mudança de designação, pois não é jurista e não se pode exigir a um funcionário administrativo da Recorrida, sem formação jurídica, que saiba explicar os termos e pormenores jurídicos de um contrato de arrendamento, sendo um contrato um acordo de vontades com o objectivo de criar, alterar ou extinguir um direito entre as partes envolvidas. Sendo que esse acordo ou contrato de arrendamento foi celebrado entre a Recorrida e os seus sucessivos arrendatários durante mais de 45 anos até ao presente.
17. Na verdade, a intenção do consignado no "Acordo" não é nada mais nada menos do que a intenção que está consignada nos "Contratos de Arrendamento" e mesmo que fosse intenção da Recorrida dar o uso e a administração do imóvel ao arrendatário, isso mais não é do que seguir a via do arrendamento, já que esse arrendamento foi confirmado por ambas as testemunhas D e E.
18. Mesmo que assim fosse e a Recorrida tivesse dado a administração do imóvel ao arrendatário, tal como doutamente referido no Acordão do TSI de 1/03/2018 do processo no 891/2005 "Pois, por um lado, a posse pode ser exercida por interposta pessoa, por detentor, por exemplo, portanto a posse não obriga o possuidor a permanecer continuada ou ininterruptamente nas frações autónomas (...)."
19. Aquilo que importa retirar do depoimento da testemunha é que este tratava do imóvel e administrava o imóvel como se a Recorrida, sua entidade patronal, fosse a dona deste, retirando daí as rendas e destinando-as à prática de actos de caridade, fim para o qual esta Associação foi criada, e isso é evidente quando a testemunha C a instâncias do Meritíssimo Juiz a propósito do documento 5 junto à petição inicial, diz que tal como aí designado a pertença do imóvel à B ("nosso hospital") era de 100%. (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21- 0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 49:02-51:03)
20. E o mesmo pode ver visto nos documentos 6 (referente ao ano de 1981), 54 (referente ao ano de 2005), 104 (referente ao ano de 1983) e ainda o 213 (referente ao ano de 2012) todos juntos à Petição inicial, tendo sido esse o entendimento do Digno Tribunal "a quo" sendo um dos pontos no qual fundou a sua convicção para dar como provado o animus da Recorrida sobre o imóvel.
21. Para além disso, e através dos depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas, nomeadamente C, F, funcionários da Recorrida e D e E, arrendatários da Recorrida, temos presentes factos instrumentais, bem demonstrativos de que a Recorrida, para além o arrendamento, tratava e cuidava do imóvel, fazendo todo os actos de administração da mesma designadamente reparações ou obras, era quem fazia aos arrendatários todas as recomendações sobre medidas de cuidado e segurança a tomar com o imóvel, em especial na época de tufões e tempestades, bem como as obras quando ocorriam estragos no prédio, tudo isto através dos seus funcionários, tal como se pode ouvir nas declarações da testemunha C insertas no áudio (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 34:43-36:24), bem como as declarações da testemunha F (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29- Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:01:33-1:01:59; 1:07:27-1:08:13) e ainda pela testemunha D (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:28:58-1:29:53)
22. Não pode, e dizemo-lo sempre com todo o respeito, o Digno Ministério Público fundar as suas alegações em frases soltas proferidas pelas testemunhas, e retiradas do contexto de cerca de duas horas de audição de depoimentos claros e isentos, em audiência de discussão e julgamento, e tentar, com isso, retirar aquilo que é a verdadeira convicção destas mesmas testemunhas que atribuem e caracterizam o animus da B em relação ao imóvel em causa nos presentes autos
23. Isto porque, vem o Recorrente alegar com base numa passagem do Acórdão do TSI com o processo nº 729/2020, o qual, com todo o respeito, em nada se compara com o caso em apreço, que: "quem invoca a posse de determinada coisa é necessário provar o seu corpus e animus, ou seja mesmo que exista a presunção legal do artigo 1176º, nº 2 do Código Civil, não faz dispensar a prova do elemento subjectivo para ser possuidor.", mais invocando que o Tribunal não poderia basear-se na presunção legal constante no artigo 1176°, n ° 2 do Código Civil de Macau para assim dar como provado o animus da Recorrida.
24. O animus possidendi, no caso concreto ficou mais do que provado pelo depoimento das testemunhas em audiência, inferindo-se do próprio modo de actuação ou utilização do imóvel pela Recorrida, bem como do poder de facto que esta exerce sobre o imóvel há mais de 45 anos, e ainda através dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos quesitos 2 a 74 da Base Instrutória.
25. É que recorrendo à Jurisprudência comparada, o Supremo Tribunal de Justica de Portugal pronunciou-se sobre esta presunção da seguinte forma no Acordão de 29/01/2019 com o numero de processo 376/10.1TBLNH.L1S1: "A presunção é invocada, sim, com o intuito de dar como provada a posse em nome da Recorrida, em virtude de esta vir exercendo um poder de facto sobre o prédio. Cabia aos Recorrentes produzir prova de que, apesar do exercício deste poder de facto, a Recorrida não era possuidora em nome próprio mas sim, por exemplo, ao abrigo de um contrato de arrendamento, como arrendatária, de depósito, como depositária, de comodato, como comodatária, etc[16], Essa prova não foi, contudo, produzida, pelo que se deu - e bem - por provada a posse da (em nome da) Recorrida."
26. Ora, o Recorrente não logrou trazer para os autos qualquer prova que contrariasse esta presunção, tendo sido sim a Recorrida, através das quatro testemunhas por si apresentadas, bem como através de todos os documentos juntos à petição inicial, quem logrou dar como provado o animus que esta tem sobre o imóvel, devendo por isso manter-se os factos 66, 70, 72, 73 e 74 da Base Instrutória como provados, bem como a decisão proferida pelo Digno Tribunal a quo, já que nada a esta há a apontar como violadora da lei.
27. Quanto à resposta ao quesito 69° da Base Instrutória, sempre se dirá que o prédio sito na Rua da Roseira, n. 26 é um todo e tal como referido no quesito 1 da Base Instrutória, "O imóvel em causa é de natureza urbana, composto por piso térreo e um andar, sito no n. 26 da Rua da Roseira, em Macau. (...)." o qual foi dado como provado e que não foi impugnado pelo Recorrente, salientando-se que tal como está referido no relatório da resposta aos quesitos da matéria de facto constante da base instrutória na parte inicial relativa à convicção do Tribunal, foi feita inspeção no local onde se situa o imóvel objecto da presente acção e que este será um dos factos sobre o qual o Tribunal baseou também a sua convicção.
28. O imóvel objecto dos presentes autos trata-se de uma casa com um piso térreo e um primeiro andar, com uma saída comum para o exterior, tal como confirmado na acima referida inspecção ao local, sendo que a Recorrida exerceu a posse durante 45 anos sobre a totalidade do imóvel, não tendo sido o facto de ter estado cerca de 10 anos sem arrendar o piso térreo que lhe retira a posse deste piso.
29. A Recorrida estando na posse do imóvel podia arrendá-lo ou não. A verdade é que o imóvel consta nos ficheiros da Associação Recorrida há pelo menos 45 anos, tendo a Recorrida optado pelo arrendamento dos dois pisos do mesmo, mas poderia ter - lhe dado outro fim, tal como por exemplo, para armazenamento de materiais, etc.
30. E o Recorrente nem sequer coloca em crise o facto inserto no quesito 2 da Base Instrutória, admitindo também como factos assentes e provados os factos constantes dos quesitos 3 e 4, admitindo, portanto, que há mais 45 anos a Recorrida está no controlo efectivo do imóvel, no seu todo.
31. Isso decorre também dos 269 documentos originais que estão na posse da Recorrida e que esta juntou à sua petição inicial, os quais transpiram a convicção inabalável da ora Recorrida de estar a dispor de todo o imóvel e sobre este tem o controle efectivo tendo-o utilizado como um bem que é seu desde logo, e a título exemplificativo o inserto nos documentos 149 e 158 juntos à petição inicial,
32. Por outro lado, tal como foi comprovado pelas testemunhas para além de arrendar o imóvel, era a Associação que fazia obras e reparações ao locado sempre que era necessário, pelo qual também aqui terá que falecer o argumento do Digno Ministério Público em relação ao quesito 69°, nada havendo a apontar neste aspecto ao decidido pela douta sentença recorrida.
33. Já quanto ao alegado Erro na aplicação da Lei alega então o ora Recorrente, que enferma a douta decisão de erro na aplicação do Direito por violação do artigo 1221° do Código Civil, socorrendo-se a Recorrente do facto de, no período compreendido entre 1995 e 2005, a Recorrida não ter dado de arrendamento o piso térreo, invocando que a "A Recorrida não alegou nenhum facto relativamente a este período de interrupção mais de 10 anos (durante Fevereiro de 1995 até 30/9/2005) relação a ocupação do piso térreo do imóvel em causa." (cfr. artigo 23.° das alegações de recurso).
34. Ora, a Recorrida, actuando como proprietária do imóvel - o que vem fazendo pacificamente e sem oposição desde 1974 - tem a faculdade de dispor livremente sobre o bem, podendo alterar a própria substância da coisa, podendo escolher o fim a que se destina, fazer uso do mesmo, celebrar contratos de arrendamento ou destinando-o a outros fins, até por exemplo para armazenamento de objectos ou materiais, importando apenas que era a Recorrida quem tinha o controlo efectivo sobre o bem.
35. O simples facto da Recorrida poder optar pelo (não) arrendamento do piso térreo 1995 e 2005 demonstra por si só que apenas e só à Recorrida assiste o direito de celebrar contratos de arrendamento sobre o imóvel em apreço, ou de dispor do mesmo conforme melhor lhe prouver, porquanto, sempre actuou na plena convicção do direito que lhe assiste, mantendo o imóvel no seu domínio, sem que nunca ninguém exigisse à Recorrida a devolução do mesmo, ou viesse arrogar-se da qualidade de senhorio, sendo tal conduta demonstrativa do exercício de pleno do direito de propriedade pela Recorrida sobre o imóvel.
36. Sem qualquer justificação, vem a Recorrente a artigos 36. e 37. do recurso invocar que "A Recorrida não conseguiu provar como é que teve acesso ao imóvel (...)" e "A Recorrida nem sequer sabia quando e como é que teve acesso ao imóvel em causa ( ... ), não é razoável esta entender a si mesma praticou os actos em causa na qualidade de legítima dona." ora, afigura-se que a Recorrente confunde o instituto da usucapião, exigindo o cumprimento de alegados requisitos que não se encontram plasmados na lei.
37. Ora, o ordenamento jurídico em Macau adopta a concepção subjectiva da posse, sendo integrada pelo corpus e o animus, sendo que para que se verifique a usucapião - a posse tem de ser mantida por certo lapso de tempo, com o corresponde exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa (corpus) e com a intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados (animus).
38. Tendo enconta o estatuído no artigo 1221.° do Código Civil no caso em apreço não se logrou provar a doação do imóvel à Recorrida e por isso, tal como descrito e bem, no douto libelo proferido nos presentes autos "(...) mas a Autora não registou o fundamento da posse, o prazo de prescrição para a usucapião nos termos do artigo 1221º do Código Civil só se completa ao fim de 15 anos se for de boa fé, e ao fim de 20 anos se a posse for de má fé. Uma vez que a aquisição do imóvel em causa pela Autora não foi provada, deve presumir-se que se trata de uma posse de má fé, nos termos do disposto do n° 2 do artigo 1184°. Não existem factos suficientes nos autos para ilidir a presunção (a este respeito, o facto 71 não foi provado após a audiência de discussão e julgamento). Por isso deve presumir-se que a posse é de má fé. Considerando que a posse da Autora sobre o imóvel em causa iniciou pelo menos em 1975, à data da propositura da acção (22 de Junho de 2021) essa posse durava há mais de 20 anos. Pelas razões expostas, o pedido da Autora para que o Tribunal declare que adquiriu o título de propriedade do bem imóvel por usucapião deve ser considerado justificado.". (Tradução livre da nossa responsabilidade).
39. Assim, não sendo a posse registada e tendo decorrido entre a data do início e a data da presente acção um período superior a 20 anos (aliás, neste caso há mais de 45 anos) estão reunidas as condições referidas no artigo 1221.º do Código Civil para a Recorrida adquirir, por usucapião, a propriedade do imóvel, objecto dos presentes autos.
40. Veja-se ainda os requisitos constantes no artigo 1192.º do Código Civil, conforme resulta dos presentes autos, a Recorrente não abandonou o imóvel; não perdeu, destruiu ou retirou o imóvel do seio comercial; não cedeu o imóvel; e não concedeu a posse a outrem, ou seja, a Recorrida nunca se viu desapossada do referido imóvel desde 1974, mantendo-se o mesmo afecto à sua gestão desde essa data - há quase 50 anos - não tendo a Recorrente logrado provar a alegada desafectação dos prédios do domínio da Recorrente, contrariamente ao que ficou claramente demonstrado pelo Tribunal a quo nos factos provados 6 a 77 e pela extensa documentação carreada para os autos pela ora Recorrida - cfr. docs. 5 a 274 juntos com a petição inicial.
41. No mais, e tendo em conta o que diz o artigo 1181.° do Código Civil, a presunção que a posse continua em nome de quem a começou, é ilidível, por ser juris tantum, tendo logrado a Recorrente ilidir tal presunção - o que se compreende, porquanto não subsistem fundamentos válidos (de facto ou de direito) para tal.
42. Para além do exercício material de um poder de facto sobre o referido imóvel, é patente que sempre existiu por parte da Recorrente um comportamento de titular do direito correspondente aos actos praticados, conforme igualmente entendeu muito bem o Tribunal a quo nos presentes autos a esse propósito, e recorrendo-se à Jurisprudência Comparada veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Portugal, de 25-02-2014 proferido no âmbito do Processo n.º 1350/11.6TBGRD.C1,
43. E, tal como acima exaustivamente expendido, foi o que sucedeu no caso em recurso, por isso, e perante toda a factualidade dada como provada, é certa a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, ou seja, a Recorrida exerceu nos seus mais de 45 anos de utilização do imóvel sito na Rua da XX n° XX, em Macau, uma posse não titulada (cfr. Artigo 1183° , à contrario sensu, do Código Civil), de má fé (cfr. Artigo 1184°, nº. 2), pacífica ou sem violência (cfr. Artigo 1185°) e pública (cfr artigo 1186°, todos do mesmo diploma) estando, por isso reunidos todos os requisitos para a Recorrida adquirir, por usucapião, o direito de propriedade sobre o acima referenciado prédio.
44. A ora Recorrente não tem assim razão naquilo que alega e no que vem pedir a este Venerando Tribunal, já que foi proferida decisão justa pelo Tribunal a quo, não se podendo apontar qualquer vício ou violação de qualquer disposição legal na decisão proferida, pelo que o Recurso a que ora se responde não poderá na sua totalidade senão improceder.
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora é uma associação com fins não lucrativos, registada na Direcção dos Serviços de Identificação de Macau como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa. (已證事實A項)
2. A Autora tem por objectivo praticar actos de beneficência, prestar serviços médicos e desenvolver acções académicas em benefício da população. (已證事實B項)
3. O imóvel em causa encontra-se inscrito na matriz predial da Direcção dos Serviços de Finanças com o nº 3XXX1 e com o valor de MOP2.160,00. (已證事實C項)
4. E encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1XXX6, a folhas XX, do livro XX, onde se encontra registado em nome do primeiro Réu A, conforme inscrição nº 1XXX7 (Livro G14, folhas 110) (Cfr. Doc. 4). (已證事實D項)
- 經審判聽證後獲得證明的事實:(相關認定事實的依據見卷宗第475至485背頁)
5. O imóvel em causa é de natureza urbana, composto por piso térreo e um andar, sito no nº XX da Rua da XX, em Macau, confrontando a norte com a Rua da XX, a sul com a Rua dos XX, a Este com a Rua da XX e a oeste com o Terreno que se presume omisso na CRP junto à Rua da XX. (對待證事實第1條的回答)
6. Pelo menos a partir do ano de 1975 a Autora começou a efectuar o controlo e disposição efectiva do aludido imóvel e começou a dar de arrendamento o acima identificado imóvel. (對待證事實第2條的回答)
7. A receber rendas. (對待證事實第3條的回答)
8. E a destiná-las à prática de actos de caridade. (對待證事實第4條的回答)
9. Na década de 1970, a fim de organizar e tornar mais eficiente a gestão e arquivamento dos assuntos referentes à Associação, esta começou a arquivar os pedidos para arrendamento. (對待證事實第5條的回答)
10. E segundo os registos documentais existentes em 20/10/1976 foi feito à Autora o pedido por I para o arrendamento de todo o piso térreo (antigamente designado como primeiro andar), pela renda mensal de MOP25,00. (對待證事實第6條的回答)
11. O qual se encontrava arrendando a J. (Cfr. Doc. 5 junto com a p.i.). (對待證事實第7條的回答)
12. Por sua vez em 19/04/1981, GG, solicitou à Autora o arrendamento do aludido piso térreo do imóvel pela renda mensal de MOP30,00 (Cfr. Doc.6 junto com a p.i.), por um período de cerca de 4 anos. (對待證事實第8條的回答)
13. Arrendamento que foi aprovado pela Autora, a qual deu de arrendamento o aludido imóvel a GG, mediante o pagamento de uma renda mensal de MOP36,00. (對待證事實第9條的回答)
14. Ainda segundo os registos documentais existentes na Associação, em 11/01/1985 foi feito à Autora o pedido por GG para renovação do contrato de arrendamento do piso térreo (antigamente designado como primeiro andar) (Cfr. Doc.17 junto com a p.i.). (對待證事實第10條的回答)
15. O qual foi aprovado, sendo a renda mensal paga à Autora no valor de MOP50,00. (對待證事實第11條的回答)
16. Em 5/01/1987 a renda mensal do aludido piso térreo foi aumentada pela Autora para MOP60,00. (對待證事實第12條的回答)
17. Passando a arrendatária G a pagar tal valor à Autora. (對待證事實第13條的回答)
18. Em 3/01/1989 a renda mensal do aludido piso térreo foi aumentada para MOP72,00 (Cfr. Doc. 37 junto com a p.i.) e aceite por ambas as partes. (對待證事實第14條的回答)
19. Passando a arrendatária G a pagar tal valor à Autora. (對待證事實第15條的回答)
20. Em 8/03/1991 a renda mensal do aludido piso térreo foi aumentada pela Autora para MOP86,00. (對待證事實第16條的回答)
21. Passando a arrendatária G a pagar tal valor à Autora. (對待證事實第17條的回答)
22. Em 6/01/1993 a renda mensal do aludido piso térreo foi aumentada para MOP104,00, (Cfr. Docs.47 e 48 juntos com a p.i.). (對待證事實第18條的回答)
23. Passando a arrendatária G a pagar tal valor à Autora. (對待證事實第19條的回答)
24. A referida arrendatária permaneceu no piso térreo do aludido imóvel até à sua morte em 1995, altura em que a filha da falecida, entregou o locado à Autora, pagando a renda correspondente ao mês de Janeiro do mesmo ano (Cfr. Doc. 53 junto com a p.i.). (對待證事實第20條的回答)
25. O aludido piso térreo do imóvel voltou a ser dado para arrendamento pela Autora, desta vez a D, em 2005, pelo período de um ano, (1/10/2005 a 30/09/2006) (Cfr. Docs. 54 e 55 juntos com a p.i.), tendo-se prolongado até Agosto de 2008. (對待證事實第21條的回答)
26. Sendo a finalidade para armazém e mediante o pagamento à Autora da renda mensal de MOP650,00. (對待證事實第22條的回答)
27. O referido contrato sofreu sucessivas renovações tendo a renda mensal sido actualizada por acordo entre o arrendatário D e a Autora em Setembro de 2008, para o valor de MOP720,00. (對待證事實第23條的回答)
28. Por sua vez, em 1/10/2010 é celebrado novo contrato de arrendamento entre a Autora e D, pelo período de 2 anos (1/10/2010 a 30/09/2012), sendo desta vez a finalidade para habitação (Cfr. Doc. 73 junto com a p.i.). (對待證事實第24條的回答)
29. Pelo pagamento de uma renda de MOP720,00. (對待證事實第25條的回答)
30. Em 22/11/2012, é celebrado novo contrato de arrendamento entre a Autora, e D, pelo período de 2 anos (1/10/12 a 30/09/2014), sendo a finalidade para habitação (Cfr. Doc. 78 junto com a p.i.). (對待證事實第26條的回答)
31. Sendo o pagamento de renda mensal no valor de MOP1.080,00. (對待證事實第27條的回答)
32. Em 01/10/2014, é celebrado novo contrato de arrendamento entre a Autora e D, pelo período de 2 anos (1/10/2014 a 30/09/2016), sendo a finalidade para habitação (Cfr. Doc. 83 junto com a p.i.). (對待證事實第28條的回答)
33. Sendo o pagamento de renda mensal no valor de MOP1.300,00. (對待證事實第29條的回答)
34. Em 07/10/2016, é novamente celebrado novo contrato de arrendamento entre a Autora e D, pelo período de 2 anos (1/10/2016 a 30/09/2018), sendo a finalidade para habitação (Cfr. Doc. 92 junto com a p.i.). (對待證事實第30條的回答)
35. Sendo o pagamento de renda mensal no valor de MOP1.500,00. (對待證事實第31條的回答)
36. Em 31/08/2018, é celebrado novo contrato de arrendamento entre a Autora e D, desta vez pelo período de 3 anos (1/10/2018 a 30/09/2021), sendo a finalidade para habitação (Cfr. Doc. 98 junto com a p.i.). (對待證事實第32條的回答)
37. Sendo o pagamento de renda mensal no valor de MOP1.500,00. (對待證事實第33條的回答)
38. Já quanto ao primeiro piso (antigamente designado como segundo andar), segundo os registos documentais existentes em 20/10/1976 foi feito à Autora, o pedido por K para o arrendamento do primeiro piso, pela renda mensal de MOP4,00.(Cfr. Doc. 103 junto com a p.i.). (對待證事實第34條的回答)
39. Por sua vez, em 19/05/1983, relativamente ao mesmo piso foi feito à Autora, o pedido por H para o arrendamento do mesmo primeiro piso (Cfr. Doc. 104 junto com a p.i.). (對待證事實第35條的回答)
40. Tendo sido acordado entre ambos o pagamento da renda mensal de MOP70,00. (對待證事實第36條的回答)
41. Em Janeiro de 1985 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso e por deliberação da Assembleia da Associação foi decidido aumentar em 30% a acima referenciada renda mensal para o montante de MOP91,00, (Cfr. Doc. 111 junto com a p.i.). (對待證事實第37條的回答)
42. Rendas que foram pagas pelo arrendatário. (對待證事實第38條的回答)
43. Em Janeiro de 1987 o arrendatário H voltou a requerer à Autora, na qualidade de proprietária do imóvel, a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso (Cfr. Doc. 119 junto com a p.i.). (對待證事實第39條的回答)
44. Tendo sido decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP109,00. (對待證事實第40條的回答)
45. Em Janeiro de 1989 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso (Cfr. Doc. 127 junto com a p.i.). (對待證事實第41條的回答)
46. E foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP131,00. (對待證事實第42條的回答)
47. Em Janeiro de 1991 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso e por deliberação da Assembleia da Associação foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP157,00, (Cfr. Doc. 133 junto com a p.i.). (對待證事實第43條的回答)
48. Rendas que foram pagas à Autora pelo arrendatátio. (對待證事實第44條的回答)
49. Provado o que consta da resposta dada ao quesito 43º. (對待證事實第45條的回答)
50. Provado o que consta da resposta dada ao quesito 44º. (對待證事實第46條的回答)
51. Em Janeiro de 1993 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso e por deliberação da Assembleia da Associação foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP189,00, (Cfr. Doc. 139 junto com a p.i.). (對待證事實第47條的回答)
52. Rendas que foram pagas pelo arrendatário à Autora. (對待證事實第48條的回答)
53. Em Janeiro de 1997 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso e por deliberação da Assembleia da Associação foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP272,00, (Cfr. Doc. 149 junto com a p.i.). (對待證事實第49條的回答)
54. Rendas que foram pagas pelo arrendatário à Autora. (對待證事實第50條的回答)
55. Em Agosto de 2006 o arrendatário H voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso e por deliberação da Assembleia da Associação foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP299,00, com efeitos a partir de 1/09/2006(Cfr. Doc. 158 junto com a p.i.). (對待證事實第51條的回答)
56. O arrendatário H permaneceu no locado até 2012, tendo para o efeito pago as respectivas rendas à Autora. (對待證事實第52條的回答)
57. Em 10 de Agosto de 2012 o arrendatário H informa a Autora que vai proceder à devolução do locado e assim cessar o contrato de arrendamento que tem com a Autora (Cfr. Doc. 212 junto com a p.i.). (對待證事實第53條的回答)
58. E em 29/08/2012 EE requer junto da Autora o arrendamento do primeiro piso pelo pagamento de uma renda no valor de MOP500,00 (Cfr. Doc. 213 junto com a p.i.). (對待證事實第54條的回答)
59. Tendo sido celebrado contrato de arrendamento entre Autora, na qualidade de proprietária do imóvel, e E pelo período de 2 anos, de 1/09/2012 a 31/08/2014(Cfr. Doc. 214 junto com a p.i.). (對待證事實第55條的回答)
60. E tendo sido também acordado entre ambos o pagamento da acima referida renda mensal de MOP500,00. (對待證事實第56條的回答)
61. Em Agosto de 2014 o arrendatário E voltou a requerer à Autora a renovação do contrato de arrendamento do primeiro piso pelo período de dois anos (1/09/2014 a 31/08/2016) e foi decidido aumentar a renda mensal para o montante de MOP580,00, (Cfr. Doc. 226 junto com a p.i.). (對待證事實第57條的回答)
62. Rendas essas que foram pagas à Autora. (對待證事實第58條的回答)
63. Em Agosto de 2016 foi decidido aumentar a renda para o montante de MOP640,00 e renovado contrato de arrendamento pelo período de 2 anos (1/09/2016 a 31/08/2018) (Cfr. Doc. 239 e 240 juntos com a p.i.). (對待證事實第59條的回答)
64. Rendas essas que foram pagas à Autora. (對待證事實第60條的回答)
65. Em 2/07/2018 foi decidido manter a renda de MOP640,00 e renovado contrato pelo período de 1/09/2018 a 31/08/2021) (Cfr. Doc. 253 junto com a p.i.). (對待證事實第61條的回答)
66. Rendas essas que foram pagas à Autora. (對待證事實第62條的回答)
67. De Fevereiro de 2021 até à presente data (data da propositura da presente acção) o arrendatário E tem pago à Autora as respectivas rendas. (對待證事實第63條的回答)
68. Conforme o convencionado entre a Autora e os arrendatários, durante o período de arrendamento do referenciado imóvel, as tarifas referentes ao consumo de água, electricidade, telefone e gás foram sempre pagas pelos próprios arrendatários. (對待證事實第64條的回答)
69. A Autora efectuou o pagamento das respectivas contribuições prediais nos anos de 1975 e 1976 relativas ao aludido imóvel, já que após esse ano verificou-se a isenção de pagamento desta contribuição, dado o baixo valor matricial do imóvel. (對待證事實第65條的回答)
70. A Autora sempre praticou os sobreditos actos e actua sobre o prédio, desde pelo menos 1975, como sua dona à vista de todos. (對待證事實第66條的回答)
71. Sem violência. (對待證事實第67條的回答)
72. Nem oposição de ninguém. (對待證事實第68條的回答)
73. De forma ininterrupta. (對待證事實第69條的回答)
74. Na convicção de que o mesmo lhe pertence. (對待證事實第70條的回答)
75. Dele retirando todas as utilidades em proveito próprio. (對待證事實第72條的回答)
76. A Autora nunca foi abordada seja por quem for para reclamar quaisquer direitos sobre o aludido prédio. (對待證事實第73條的回答)
77. Durante os mais de 45 anos em que a Autora praticou os actos acima referidos, nunca ninguém reivindicou ou pediu à Autora a devolução do imóvel, nem a devolução das receitas provenientes das rendas. (對待證事實第74條的回答)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
O MP veio a impugnar a matéria de facto constante dos quesitos 66º, 69º e 70º BI.
Os quesitos e as respectivas respostas em causa têm o seguinte teor:
QUESITO 66º:
A Autora sempre praticou os sobreditos actos e actua sobre o prédio, desde pelo menos 1975, como sua dona à vista de todos?
PROVADO.
*
QUESITO 69º:
De forma ininterrupta?
PROVADO.
*
QUESITO 70º:
Na convicção de que o mesmo lhe pertence?
PROVADO.
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
*
O Tribunal decidiu a matéria de facto nos seguintes termos ao nível de fundamentação:
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, na inspecção feita no local onde se situa o imóvel objecto da presente acção e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os factos constantes da acta, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
Antes de mais, por força da cópia da planta junta a fls. 458 e verso, conjugada com o depoimento da Sra. L, Chefe da Divisão de Cadastro, o Tribunal considerou provado o quesito 1º.
Por força dos depoimentos das testemunhas (que são funcionários da Autora e inquilinos do imóvel em discussão), em conjugação com a prova documental carreada aos autos, resulta demonstrado cabalmente que, desde os anos 70 do século passado, tem sido a Autora quem ocupa, utiliza, e que celebra contratos de arrendamento com os respectivos inquilinos recebendo as rendas e fruindo ininterrupta e exclusivamente do imóvel em causa, como se a sua legítima dona fosse, à vista de outrem e sem oposição de ninguém. Pelo que, o Tribunal considerou provada a matéria constante dos quesitos 2º a 70º, 72º a 74º.
Contudo, não foram os quesitos 1º-A e 71º dados como provados. Quanto à matéria do quesito 1º-A, a Autora não juntou nenhum documento que titula a “doação” por si invocada, sendo certo que, as afirmações feitas pelas testemunhas em audiência não passam de meras opiniões e especulações pessoais delas que não podem possuir o valor necessário para sustentar a veracidade da matéria constante do quesito. Já em relação à matéria constante do quesito 71º, muito embora a ocupação e fruição do imóvel, por parte da Autora, ao longo das últimas décadas, e a convicção de o mesmo lhe pertencer, a verdade é que, para além da inexistência de qualquer título que documente a invocada doação ou aquisição do imóvel, não está demonstrado nos presentes autos o momento ou em que circunstância e por quem é que foi feita a tal doação a favor da Autora, pelo que, na falta de prova para revelar o elemento subjectivo da Autora, foi o quesito 71º considerado não provado.
1) – Ora, compulsados os elementos constantes dos autos, verifica-se uma abundância de documentos juntos, nomeadamente os recibos de rendas, referidos ao período dos anos de 1981 a 2021 (fls. 34 a 328 dos autos). Ou seja, a convicção do julgador não foi formado apenas com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento;
2) – Ao recorrente compete indicar concretamente os pontos probatórios que permitam sustentar uma decisão sobre a factualidade diferente da fixada pelo Tribunal a quo, e não apenas dizer que o depoimento de X e Y não merece credibilidade! Pois, o Recorrente afirmou nas suas alegações do recurso:
“(...)
13.
Assim, com base no depoimento das testemunhas C e D, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deve dar como não provado o quesito 66° da base instrutória.
(...)
18.
Face aos documentos 98 e 253 junto com a p.i. em conjugação com o depoimento do Sr. testemunha F, o Recorrente entende que deve dar-se como não provado o quesito 70° da Base Instrutória.
(...)”
3) – O que o Recorrente está a fazer é atacar a convicção do julgador e não cumpriu o ónus especificado no artigo 599º nos termos acima transcritos, pois, as provas devem ser apreciadas em conjunto e não isoladamente.
4) – Depois, nas alegações finais, o Recorrente veio a fazer referência aos quesitos 73º e 74º da BI, defendendo que as respostas deviam ser igualmente NEGATIVAS. Os dois quesitos têm o seguinte teor:
"A Autora nunca foi abordada seja por quem for para reclamar quaisquer direitos sobre o aludido prédio?" Provado (quesito 73 da Base Instrutória)
"Durante mais de 45 anos em que, nunca ninguém reivindicou ou pediu à Autora a devolução do imóvel, nem a devolução das receitas provenientes das rendas?" Provado que durante os mais de 45 anos em que a Autora praticou os actos acima referidos, nunca ninguém reivindicou ou pediu à Autora a devolução do imóvel, nem a devolução das receitas provenientes das rendas (quesito 74 da Base Instrutória), sendo que a Recorrente levantou duas questões sendo uma relativa à Posse Pública e outra relativa ao animus possidendi.
Ora, relativamente a este ponto, importa destacar os seguintes aspectos:
a) – Á luz do que foi dito em audiência pela testemunha por si citada, D, este tomou conhecimento do arrendamento através de amigos, (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:27:29-1:28:08), sendo que daqui se retira, que a testemunha D tomou conhecimento por amigos que com certeza sabia, por ser público, que a B dispunha de casas com rendas mais acessíveis para arrendar, salientando-se que o próprio D não era funcionário da Recorrida, trabalhava na construção civil, tal como confirmado em audiência pela testemunha E, (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 49:02-51:03), 1:46:00-1:46:54), a própria testemunha E, declarou em Tribunal que antes de ser funcionário da Recorrida era vendilhão (vendendo comida frita) e foi-o durante os anos 90 (1990 e seguintes), tendo sido o anterior arrendatário do primeiro piso H (cfr. Doc. 104), que sabendo da sua frágil situação financeira, o deixou partilhar o piso consigo até 2012, altura em que o mesmo H, saiu do piso e o E solicitou à Recorrida o arrendamento do mesmo (cfr. Doc. 212), podendo ser confirmada pelas suas declarações constantes das transcrições que a seguir se identificam (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:33:18-1:38:22);
b) - Desta forma se notará que o imóvel era conhecido pelo público em geral, de que pertencia à Recorrida e esta o dava para arrendamento, tendo ficado provado nestes autos que a Recorrida fez uma utilização normal da coisa, não tendo de forma alguma ocultado esta utilização, fê-lo á vista de toda gente e sem a oposição de ninguém pelo menos desde 1975, ou seja, durante os mais de 45 anos em que a ora Recorrida, na posse do imóvel, praticou todos os actos materiais de forma reiterada, tais como o arrendamento do imóvel, a sua manutenção (obras e arranjos quando necessários), à vista de todos, sem oposição de ninguém.
c) - A testemunha E declarou até que se não fosse este processo estava convencido que a casa estava registada em nome da Associação, tal como se pode comprovar pelo que por si foi dito em julgamento (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:41:42-1:42:53).
d) - Os testemunhos demonstram que são importantes e reveladores da posse pública do prédio pela Recorrida, existem arrendamentos que foram feitos ao longo de quase 50 anos pela Recorrida a outras pessoas, tal como o demonstram os documentos originais juntos pela Recorrida à petição inicial com os números 5 a 274.
e) - Com efeito, e a título de exemplo, podemos inferir dos Docs. 6 e 37 juntos à petição inicial e que se referem ao arrendamento do piso térreo a G em 19/04/1981, que também esta não era funcionária da Recorrida. Isto porque do documento 37 se pode retirar que G, nascida em 19XX, tinha 70 anos quando solicitou à Recorrida o arrendamento em 19/04/1981 (cfr. Doc.6 junto à petição inicial), aliás, tal foi referido em audiência pela testemunha E, tal como se vê nas declarações que se encontram insertas em: (Cfr. O disco compacto de audio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 2, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09 (4@UR@HK101120319)_join, 1:44:05-1:45:22).
f) - Quanto ao animus possidendi, não é pelo facto de a Recorrida ter alterado o nome do arrendamento de "contrato" para "Acordo" tal como consta em dois documentos juntos aos autos (Doc.98 e Doc. 253 da petição inicial) que lhe é por isso retirado animus à sua posse sobre o imóvel, tal como pugnado pelo Recorrente Ministério Público usando as declarações da testemunha F constantes do áudio (Cfr. O disco compacto de áudio gravado na audiência de discussão e julgamento, 24.1.29 CV3-21-0045-CAO#17, Translator 3, Recorded on 29-Jan-2024 at 09.45.09(4@UR@HKW01220319, 1:16:24-1:20:37)bem como não é também por não ter ficado provado que o imóvel tenha sido doado à Recorrida que por isso, tal como alegado pelo Recorrente se não venha a reconhecer que a Recorrida tem o animus sobre o imóvel.
g) - Na verdade, a intenção do consignado no "Acordo" não é nada mais nada menos do que a intenção que está consignada nos "Contratos de Arrendamento" e mesmo que fosse intenção da Recorrida dar o uso e a administração do imóvel ao arrendatário, isso mais não é do que seguir a via do arrendamento, já que esse arrendamento foi confirmado por ambas as testemunhas D e E.
h) - E o mesmo pode ver visto nos documentos 6 (referente ao ano de 1981), 54 (referente ao ano de 2005), 104 (referente ao ano de 1983) e ainda o 213 (referente ao ano de 2012) todos juntos à Petição inicial, tendo sido esse o entendimento do Digno Tribunal "a quo" sendo um dos pontos no qual fundou a sua convicção para dar como provado o animus da Recorrida sobre o imóvel.
Pelo expendido, é considerar infundada a impugnação feita nesta parte.
5) – Pelo que, é de julgar improcedente a impugnação feita pelo Recorrente nesta parte do recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
Prosseguindo,
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
一、 案件敍述:
原告B,葡文名稱為B,在澳門身份證明局的登記編號為XX,針對針對以下被告
- 第一被告:A
- 第二被告:不確定繼承人 – HERDEIROS INCERTOS,及
- 第三被告:不確定利害關係人 – DEMAIS INTERESSADOS INCERTOS
提起現審理的通常宣告案。
透過卷宗第2至22頁的起訴狀,原告陳述稱其為一非牟利機構,並一直以公開、持續、和平及善意的方式使用涉案物業(物業標示編號1XXX6)超過四十年,甚至將涉案物業出租予第三人以收取租金。儘管涉案物業的登記所有權人為A,然而,原告至少自1975年起便擁有涉案物業。原告多年來以所有權人的身份對該物業作使用及管理,認定自己是該不動產的唯一所有權人。
基於上述理由,原告請求法庭:
“TERMOS EM QUE, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa deve a presente acção ser julgada procedente por provada e declarar para todos os efeitos legais a aquisição por usucapião do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1XXX6, a folhas XX, do livro XX, e inscrito sob o n° 1XXX7 (Livro XX, folhas 110) e sito em Macau na Rua da XX n° XX nomeadamente para a inscrição da Autora como sua única e legítima proprietária.”
*
在無法以本人方式對第一被告作傳喚後,法庭透過公示方式對三名被告作傳喚。
隨後,檢察院依照法律規定被傳喚代表三名被告,並提交了卷宗第395至396頁的答辯狀。
*
本案已依法並公開地進行了審判聽證。
***
二、 訴訟前提:
本院對此案具有管轄權。
本案訴訟形式恰當及有效。
訴訟雙方具有當事人能力及正當性,且已適當地被代理。
不存在待解決之無效、抗辯或其他先決問題。
***
三、 獲證事實:
(......)
***
四、 法律適用:
法院必須具體分析本案中獲視為已證之事實,並適用法律,以解決當事人之間的爭議。
本案中,原告請求法庭宣告其以取得時效方式取得涉案不動產的所有權。
《民法典》第1212條規定,“取得時效係指占有人對涉及所有權及其他用益物權之占有持續一定期間後,即可取得與其行為相對應之權利,但另有規定者除外。”
就何謂占有,《民法典》第1175條規定,“占有係指一人以相當於行使所有權或其他物權之方式行事時所表現之管領力。”
透過《民法典》第1175條以及第1177條a項可知,占有由兩部份,分別是占有體素以及所有權人(或其他物權)心素所組成。
體素指行為人對物行使某些權力時所作出之實質行為,而心素則是指行為人行事時具物權人之心態。
本案的獲證事實第6點顯示,原告至少自1975年起開始管理涉案不動
產,並將之出租予第三人。
對於其何時或如何開始對不動產進行管領,即使是原告本身亦沒有一個肯定的說法(就此,在起訴狀第8條中,原告指出:“o qual, apesar de não existir qualquer document arquivado junto dos Serviços da Autora, terá sido doado à Autora, para fins de beneficência, encontrando-se o referido imóvel situado nas imediações do M.”)。經過審判聽證,循“贈與”此一可能的事實版本所羅列的待證事實第1-A條最終亦未能獲得證實。可見,本案的獲證事實並未反映原告所主張的“占有”的來源事實,而面對此情況,須探討的是,來源事實的欠缺會否妨礙原告所主張的“占有”的成立。
除更佳見解外,儘管本案的獲證事實並未反映原告所主張的“占有”的來源事實,但本案同樣欠缺相應的事實,以顯示另一優於原告所主張“占有”的另一先前占有的存在,又或原告只是對涉案不動產存在“持有”的情況。本案的獲證事實所呈現的畫面是(尤其獲證事實第6、7、70至77點),至少自1975年以來,原告以所有權人的身份對該物業進行管理,包括繳納相關雜費,並認定自己是該物業的唯一所有權人。
按照《民法典》第1187條a項,占有得藉公開及重複作出相當於行使本權之實質行為而取得。
本案的獲證事實固然顯示原告對涉案不動產享有“體素”,在同一時間,不論是按照本案的獲證事實,抑或是適用《民法典》第1176條第2款,均須視原告對涉案不動產同樣享有“心素”。
基於上述理由,按照《民法典》第1187條a項的規定,須視原告至少自1975年起,透過對涉案不動產所作出的公開及重複,且相當於行使本權之實質行為,從而行使對涉案獨立單位的占有。
根據《民法典》第1185條及第1186條,原告非以強暴手段取得占有,因此該占有屬和平占有,亦屬公然占有。
由於占有屬和平及公然(因此不存在《民法典》第1222條及第1225條的情況),但原告並沒有就占有之依據作登記,根據《民法典》第1221條,若原告之占有屬善意則占有之取得時效僅在經過15年後方完成,而若屬惡意占有的情況,占有之取得時效僅在經過20年後方完成。
由於原告對涉案不動產的占有的取得並無依據,根據《民法典》第1184條第2款應推定為惡意占有。本案並無足夠事實推翻有關推定(就此,待證事實第71條經審判聽證後未能獲得證實),因此,應推定有關占有屬惡意。
考慮到原告對涉案物業的占有至少始於1975年,在其提起本訴訟一刻(2021年6月22日),該占有已持續超過20年。
基於上述理由,原告請求法庭宣告其以取得時效方式取得涉案不動產的所有權,應裁定理由成立。
***
五、 裁決:
綜上所述,本院裁定原告的訴訟理由成立,並宣告原告B以取得時效方式,成為標示於物業登記局第1XXX6號XX簿冊第XX頁物業的所有權人。
訴訟費用由原告承擔(《民事訴訟法典》第377條第2款),但不妨礙依法享有之主體豁免。
著令登錄本判決及依法作出通知。
*
Quid Juris?
Na sequência de imodificação da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, e praticamente, todas as questões levantadas pelo Recorrente já foram objeto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, nesta sede, não encontramos vícios que demonstrem a incorrecta aplicação de Direito, muito menos os alegados vícios invalidantes da decisão atacada.
Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, na sequência da não modificação da decisão sobre a matéria de facto, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I – É de aferir-se a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
II – Em matéria de usucapião, a presunção é (e deve ser) invocada, com o intuito de dar como provada a posse em nome de quem vem exercendo um poder de facto sobre o prédio em causa, cabe ao Recorrente produzir prova de que, apesar do exercício deste poder de facto, a Recorrida não era possuidora em nome próprio mas sim, por exemplo, ao abrigo de um contrato de arrendamento, como arrendatária, de depósito, como depositária, de comodato, como comodatária, etc, quando essa prova não foi produzida, nem indicou concretamente os elementos probatórios constantes dos autos em sede do recurso que permitam sustentar uma decisão diversa tirada pelo Tribunal a quo, é de manter a decisão recorrida.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Sem custas por isenção subjectiva.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 30 de Outubro de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(1o Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
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2024-596- usucapião-MP-recorreu 43