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Processo nº 99/2023
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes elementos identificativos dos autos, propôs, no Tribunal Administrativo, “acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual” contra a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU e B, pedindo, a final, que fossem os RR. condenados a pagar:

“a) uma indemnização por violação do direito do A., em resultado da omissão ilícita do pedido de autorização para utilização da sua obra, consubstanciado na execução de 6 réplicas (1+5) do edifício do Grande Prémio de Macau, que a CGPM executou para promoções efectuadas fora da RAEM, que se estima no montante de MOP 102,994.40, a liquidar em sede de incidente de liquidação, nos termos supra expostos, ou em alternativa, uma indemnização baseada na equidade, nos termos legalmente aplicáveis;
b) uma indemnização por violação do direito do A., em resultado da omissão ilícita do pedido de autorização para divulgação e publicação da sua obra, utilização da sua obra, em resultado da omissão dos RR. na “atribuição” ao autor da obra originária de forma generalizada e continuada em toda a publicação e em toda a divulgação da obra de arquitectura originária, que se fixa em MOP 3,840,103.50, nos termos oportunamente expostos, ou em alternativa, uma indemnização baseada na equidade, nos termos legalmente aplicáveis;
c) uma indemnização devida a título de danos morais, a definir ao abrigo da equidade, nos termos oportunamente expostos;
d) assim como sejam os Réus condenados a suportar quaisquer custas e encargos processuais, aos quais deverá acrescer os custos com procuradoria condigna, (…)”; (cfr., fls. 292 a 355 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após adequada tramitação processual, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo decisão absolvendo os RR. de todos os pedidos deduzidos; (cfr., fls. 1596 a 1604).

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Do assim decidido recorreu o A. (“A”), (cfr., fls. 1615 a 1630), e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 06.07.2023, (Proc. n.° 195/2023), negou-se provimento ao recurso; (cfr., fls. 1666 a 1683-v).

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Novamente inconformado, traz agora o dito A. o presente recurso para este Tribunal de Última Instância.

Na sua motivação de recurso produz as seguintes conclusões:

“1. O objecto do presente recurso cinge-se ao teor do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal a quo nos presentes Autos (constante de fls. 1666 e seguintes dos mesmos, para cujo teor respeitosamente se remete V. Exas.), nos termos do qual negou provimento ao recurso oportunamente interposto contra a decisão do Tribunal Administrativo que julgou improcedente a presente acção e, consequentemente, absolveu os 1.º e 2.º Recorridos dos pedidos formulados pelo Recorrente.
2. Em face da matéria de facto dada como assente e provada no âmbito dos presentes Autos, considera o Recorrente – salvo melhor e fundamentada opinião – que se impunha decisão diametralmente oposta àquela proferida pelo Venerando Tribunal a quo, tendo tal Tribunal violado as normas legalmente aplicáveis ao caso em apreço.
3. Actualmente, na R.A.E.M., os direitos de autor encontram-se elevados à categoria de direitos fundamentais, tendo a sua protecção assento e sendo decorrência, em primeira linha, da própria Lei Básica da R.A.E.M., mais concretamente do seu artigo 125.º.
4. As obras de arquitectura gozam de tutela jurídica expressa no artigo 2.º, n.º 1, alíneas g) e l) do RDADC, sendo esta tutela garantida independentemente do seu mérito (artigo 1.º, n.º 1 do mesmo diploma legal).
5. Conforme se pode retirar da disposição contida no artigo 139.º do RDADC, legislador consagrou como "autor da obra de arquitectura ou de design o criador da sua concepção global e respectivo projecto" – in casu, o Recorrente.
6. Enquanto criador intelectual da obra "Novas Instalações do Grande Prémio de Macau", o Recorrente é o titular originário dos direitos de autor sobre a mesma (artigo 9.º, n.º 1 do RDADC).
7. O legislador da R.A.E.M. conferiu respaldo e protecção às diversas vertentes da obra de arquitectura (quer projecto, quer obra materializada) nos termos do disposto nas alíneas g) e l), do n.º 1 do artigo 2.º do RDADC.
8. Nos termos do artigo 7.º do RDADC, o autor de obra protegida é titular de um direito pessoal e de um direito patrimonial sobre a mesma, cabendo-lhe, por exemplo, o poder exclusivo de utilizar e explorar economicamente a obra e de autorizar a sua utilização e exploração económica, total ou parcial, por terceiro, assim como o poder exclusivo de ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade.
9. À luz da alínea l) do parágrafo 3 do artigo 56.º RDADC, a utilização lícita da Obra de Arquitectura é a construção de obra de arquitectura segundo o respectivo projecto, de que assiste ao autor o direito exclusivo de autorizar.
10. Foi tão somente esse direito patrimonial de autor que a RAEM adquiriu, não se vislumbrando ter existido qualquer alienação total e absoluta dos direitos patrimoniais de autor.
11. Uma criação intelectual fixa-se tanto em "coisas incorpóreas" como em "coisas corpóreas" - na doutrina o "corpus mysticum" (o bem intelectual) e o "corpus mechanicum" (o bem material) -, onde a posse de um não determina a posse do outro, conforme previsto tanto na redacção do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 46980, como do artigo 8.º do RDADC.
12. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 56.º do RDADC, "pertence em exclusivo ao autor a faculdade de escolher livremente os processos e as condições de utilização e exploração económica da obra".
13. Encontrando-se elencados, de forma não exaustiva, os meios ou formas de utilização das obras protegidas, no n.º 3 do artigo 56.º do mesmo RDADC, formas essas que o legislador (reitera) assistir ao autor o direito exclusivo de fazer ou autorizar. mais acrescentando que "as diversas formas de utilização e exploração económica da obra são independentes umas das outras e a adopção de qualquer delas pelo autor, ou por pessoa autorizada, não prejudica a adopção das restantes pelo autor ou terceiros devidamente autorizados" (cfr. n.º 4 do artigo 56.º do RDADC).
14. A qualidade de autor da obra em apreço nos presentes autos não resulta do contrato mas sim da letra da lei, encontrando-se devidamente dada como assente na alínea B) dos Factos Assentes, não oferecendo qualquer discussão.
15. A utilização da obra por terceiros depende de autorização do seu autor, autorização esta que tem de ser dada por escrito, presumindo-se a sua onerosidade e carácter não exclusivo (cfr. artigo 26 e artigo 27.º, n.º 2, ambos do RDADC). No caso concreto, tal autorização nunca ocorreu.
16. O direito de autorizar a difusão da obra pela fotografia assiste exclusivamente ao autor da obra, conforme estabelece a alínea e) do n.º 3 do artigo 56.º do RDADC, sem excepção para a obra de arquitectura.
17. A difusão da obra de arquitectura é proveito superveniente do autor pela utilização de obra de arquitectura (confronte-se a alínea l) do n.º 3 do artigo 56.º do RDADC), nomeadamente se dessa difusão resultou apreço pela obra – como aconteceu no caso sub judice –, o qual só se consubstancia se ao autor lhe for reconhecido o direito de ser identificado na obra (nos termos do n.º 2 do artigo 142.º do RDADC), assim como nos registos fotográficos da mesma (cfr. n.º 2 do artigo 154.º do mesmo diploma), no mesmo universo de publicação e de divulgação.
18. Afastar o nome do autor da "atribuição" da paternidade da obra que lhe é devida, prejudica, senão mesmo destrói, o nexo entre o apreço que a obra nutre e o nome do seu autor, suprimindo esse e todos os prováveis proveitos supervenientes, consubstanciando, por isso, um dano cuja origem é uma omissão ilícita.
19. O acervo fotográfico da obra de arquitectura de que o Recorrente é autor foi proveito dos titulares dos direitos patrimoniais do livro publicado e foi proveito da RAEM em acção de promoção, sem que tal o Recorrente tenha consentido ou autorizado, por qualquer meio, consubstanciando dessa forma um proveito da RAEM à custa de outrem (o Recorrente).
20. A reprodução intencional e programada da obra de arquitectura, na sua vertente tridimensional, em réplicas mesmo que à escala, feita a partir de informação do projecto, ou informação retirada da obra edificada, produzindo uma presença significativa no espaço público (vd. resposta ao quesito n.º 9) que teve exactamente em vista a apreensão e a evocação do Grande Prémio de Macau através da obra de arquitectura, constitui uma ingerência num bem alheio pela concretização corpórea supletiva e não autorizada ao que foi acordado para a elaboração de um projecto de arquitectura.
21. A publicação gráfica e videográfica efectuada – e que subsistiu em publicação – é de carácter promocional (vd. resposta ao quesito n.º 14), onde se fez uso da obra de arquitectura para evocar o Grande Prémio de Macau (resposta ao quesito n.º 3) de onde não constou qualquer atribuição, em qualquer forma admissível, sequer discricionária ao Recorrente, enquanto autor da mesma (vd., por exemplo, resposta aos quesitos n.º 6, 7, 8, 9, 14, 15, 16, 17).
22. Mesmo que tal não se entendesse – sem jamais conceder –, ainda assim assistiria ao Recorrente o respeito absoluto pelo seu direito pessoal de autor, nos termos do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo 7.º do RDADC – maxime, ser identificado como autor no original. em cada exemplar e em qualquer publicidade.
23. Contrariamente ao entendimento expresso pelo Venerando Tribunal a quo, tratando-se de obras de arquitectura, tal identificação do autor da obra jamais poderá considerar-se como limitado à sua identificação "por forma bem legível, não só em cada cópia dos estudos e projectos, como ainda junto ao estaleiro da construção e na própria construção, depois de concluída" (dr. n.º 2 do artigo 142.º do RDADC).
24. Tal redundaria numa limitação inaceitável dos direitos e legítimas expectativas dos autores de obras de arquitectura que, como aquela em causa nos presentes autos, foi merecedora de reconhecimento público, tendo sido premiada – resposta ao quesito n.º 2 da Base Instrutória – e utilizada para evocar o Grande Prémio de Macau (maxime, a sobejamente conhecida Torre de Controlo) em diverso material promocional e de cariz publicitário por parte da RA.E.M., com vista à promoção do referido evento, conforme decorre da decisão sobre a matéria de facto.
25. O próprio legislador não se quedou alheio a tais preocupações, estatuindo que o autor da obra protegida deve ser identificado no original da mesma, assim como em cada exemplar e em qualquer publicidade (n.º 3 do artigo 7.º do RDADC), bem como que das fotografias de obras de artes plásticas (como é o caso das obras de arquitectura) deve constar a identificação do autor da obra fotografada (n.º 2 do artigo 154.º do RDADC).
26. Cumpre notar que a falta de identificação do autor no livro, nas fotografias, nos posters e nas réplicas supra identificadas, não só faz parte da argumentação e da causa de pedir do Recorrente, como igualmente conforma um dos pedidos deduzidos contra os Recorridos, tal como resulta da conjugação dos artigos 33.º a 37.º, 43.º a 44.º, 46.º a 49.º, 51.º, 80.º a 87.º, 115.º, 117.º a 119.º, 183.º a 202.º, 208.º a 213.º da Petição Inicial, bem como a alínea c) do seu petitório.
27. Com o devido respeito (que é muito!), ao contrário do pugnado pelo douto Tribunal Administrativo e secundado pelo Venerando Tribunal a quo, todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual dos Recorridos encontram-se verificados no caso sub judice.
28. O Recorrente sofreu danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (artigo 489.º, n.º 1, do Código Civil), como também sofreu danos patrimoniais.
29. Estatui o n.º 3 do mencionado artigo 489.º do Código Civil que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso as circunstâncias referidas no artigo 487.º do mesmo diploma legal.
30. Ao decidir nos termos pugnados na sentença objecto do presente recurso, verifica-se que o Tribunal a quo violou, nomeadamente, as disposições legais contidas nos artigos 4.º, n.º 2, 7.º e 176.º do DL n.º 46980; artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril; artigo 2.º, n.º 1, alínea g), artigo 7.º, n.º 2, artigo 7.º, n.º 3, alíneas a) e b), artigo 41.º, artigo 56.º, parágrafo 3, alíneas e) e l), artigo 57.º, n.º 1 e 2, artigo 142.º, n.º 2, bem como o artigo 154.º, n.º 2 do RDADC; artigos 477.º, 487.º e 489.º do Código Civil”; (cfr., fls. 1694 a 1714-v).

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Após contra-alegações da entidade recorrida, (REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU), pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 1718 a 1724-v), vieram os autos a esta Instância.

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Adequadamente processados, (atento o estatuído no art. 52°, n.° 2 e 3 da Lei n.° 9/1999), e nada parecendo obstar, cumpre apreciar.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo foi considerada como relevante e assente a seguinte “matéria de facto”:

“- O A. se encontra inscrito na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (doravante designada por “DSSOPT”) desde 1991 a 1995, 1997, 1998, 2004, 2005 e de 2008 a 2015, sob o n.º 1342/1991, na modalidade de elaboração de projectos de arquitectura (alínea A) dos factos assentes).
- É o autor do projecto de arquitectura das “Instalações para o Grande Prémio e Silo-Auto no Novo Terminal Marítimo no Porto Exterior” (alínea B) dos factos assentes).
- A RAEM é a dona da referida obra (alínea C) dos factos assentes).
- Essa obra foi concluída em 1993 (alínea D) dos factos assentes).
- A organização, a contratação e o acompanhamento da elaboração do projecto e da execução dessa obra coube ao Departamento de Edificações da DSSOPT (alínea E) dos factos assentes).
- À data da construção do Edifício do Grande Prémio, quem titulava o cargo de Director da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) era o 2.º R., que também foi o titular do cargo de Coordenador da extinta Comissão do Grande Prémio de Macau (CGPM). (alínea F) dos factos assentes).
- O Edifício do Grande Prémio localiza-se em frente ao Terminal Marítimo do Porto Exterior, que reconhecidamente se afigura como uma das principais portas de entrada de Macau (alínea G) dos factos assentes).
- As imagens destas instalações são difundidas mundialmente em todos os tipos de registos mediáticos, todos os anos, pela ocasião do Grande Prémio de Macau (alínea H) dos factos assentes).
- Em cerimónia realizada em 6 de Outubro de 1997, o Edifício do Grande Prémio venceu o Prémio de Arquitectura do Território de Macau, do ano de 1992, organizado pela Associação dos Arquitectos de Macau e atribuído por um júri onde estavam representadas diversas entidades públicas e privadas, entre as quais a DSSOPT, a DST e o Instituto Cultural (IC) (alínea I) dos factos assentes).
- O A. efectuou várias comunicações, após da publicação do B.O. n.º 5, II Série, de 30/01/2013, de anúncio para a adjudicação da empreitada designada “Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau”, tendo como destinatários, o Presidente da Associação dos Arquitectos de Macau (vide fls. 197 dos autos), o Presidente do IC (vide fls. 201 e verso dos autos), o 2.º R (vide fls. 198 e verso dos autos), o Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (vide fls. 186 e verso e 199 e verso dos autos), o Director da DSSOPT (vide fls. 188 e verso e 193 a 194 e verso dos autos), o Secretário para as Transportes e Obras Públicas (vide fls. 202 a 203 dos autos) (alínea J) dos factos assentes).
- Por ofício de 25/03/2013, com n.º de referência: 209/B/CGPM/2013, foi notificado ao A. pelo 2.º R., o seguinte:
“…Acusamos a sua resposta de 6 de Março de 2013, em que, apesar de dar nota da sua compreensão pelos compromissos assumidos com a FIA, manifesta a sua discordância com as razões para a demolição, numa fase inicial, da Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio, nos termos que constam do nosso Ofício de 5 de Março de 2013.
Não obstante o projecto de arquitectura ter sido encomendado e contratado à C para quem ao tempo V. Exa. trabalhava, tivemos o ensejo de, antes de proceder à contratação de serviços para a demolição da Torre, informar e explicar a V. Exa. os motivos ponderosos que a impõem, procurando, dessa forma, obter a sua compreensão.
Não sendo esse desiderato possível, queremos assegurar-lhe que, independentemente do repúdio que venha a fazer quanto à paternidade da obra, o nome de V. Exa. não será invocado no futuro…” (vide fls. 204 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea K) dos factos assentes).
- Por ofício datado de 09/07/2013, com n.º de referência: 1839/GSASC/2013, foi notificado ao A. pela Chefe do Gabinete Substituta do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, o seguinte:
“…Na sequência da nossa comunicação do passado dia 23 de Abril, encarrega-me S. Ex.ª o Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de comunicar a V.ª Ex.ª que, após a recolha da informação, no âmbito dos serviços da nossa tutela, relativa ao desenrolar do processo de demolição do Edifício do Grande Prémio, este Gabinete constatou, e lamenta, ter havido uma comunicação deficiente relativamente à notificação a V.ª Ex.ª.
Quanto à autoria do projecto, pode V.ª Ex.ª estar seguro que, em circunstância alguma, deixaremos de invocar o nome do seu autor.…”(vide fls. 207 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea L) dos factos assentes).
- Em 15/11/2013 foi feito o lançamento do livro “Macau Grand Prix at 60 - A Diamond Celebration”, publicado por “D”, uma casa editorial fundada em 1989, sediada em Swindon, Reino Unido, especializado na concepção, produção e publicação de livros sobre arquitectura, engenharia e construção, com uma linha editorial ocasional em livros sobre história do desporto motorizado, sem ter identificado o A. referente a autoria da obra (alínea M) dos factos assentes).
- No edifício do Grande Prémio não consta a identificação do A. (alínea N) dos factos assentes).
- A elaboração dos projectos das “Instalações para o Grande Prémio e Silo-Auto no Novo Terminal Marítimo no Porto Exterior” foi adjudicada à “E”, conforme despacho de 02/03/92, do Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de Macau, tendo o contrato sido celebrado em 18/05/1992 (vide fls. 474 a 482 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea O) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 14/02/2013, exarado sobre a Proposta n.º 001/PR/CGPM/2013, de 02/01/2013, foi autorizada em Fevereiro de 2013 a produção do livro “The Macau Grand Prix at 60. A Diamond Celebration”, em 3000 exemplares, com um custo total de MOP1.032.968,00, suportado pelo Fundo de Turismo (vide fls. 629 a 632 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea P) dos factos assentes).
- Pela deliberação do Conselho Administrativo do Fundo de Turismo, de 20/11/2013, exarado sobre a Proposta n.º 1279/MK/CGPM/2013, de 19/11/2013, foi autorizada a venda do livro ao público por um preço de MOP380,00 por cada exemplar, tendo em conta que o custo de produção de cada exemplar do livro foi de aproximadamente MOP350,00 (vide fls. 634 a 635 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea Q) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Chefe do Executivo, de 27/06/2006, exarado sobre a Proposta n.º 70/GAD/2006, de 02/06/2006, foi adjudicado o “Projecto de arquitectura e engenharia de estruturas e instalações electromecânicas das futuras instalações da Direcção dos Serviços de Turismo e Grande Prémio” por ajuste directo, com dispensa de consulta a outras entidades da especialidade, à “E1” (antigamente denominada como “E”), por ser esta empresa a entidade que tinha desenvolvido o “Projecto do Novo Terminal de Jetfoil em Macau, do Edifício do Grande Prémio e do Parque de Estacionamento” na mesma zona onde se pretendia avançar com o projecto a desenvolver (vide fls. 662 a 668 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea R) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 05/11/2012, exarado sobre a Proposta n.º 137/B/CGPM/2012, de 14/03/2012, foi autorizada a dispensa de realização de concurso público e autorização de consulta da nova proposta para a reconstrução da Torre de Controlo do Edifício de Grande Prémio, como parte do projecto já elaborado, à E1, por ajuste directo, com dispensa de consulta a outras entidades de especialidade, nos termos das alíneas a) e e) do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 30/89/M, de 15 de Maio, tendo em consideração que o projecto de reconstrução da Torre de Controlo é uma parte do projecto já realizado, em consequência do projecto das futuras instalações do Edifício do Grande Prémio e, conhecendo as instalações existentes terá mais facilidade nas necessárias adaptações a realizar (vide fls. 721 a 722 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea S) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 08/03/2013, exarado sobre a Proposta n.º 131/B/CGPM/2013, de 06/03/2013, foi autorizada o procedimento administrativo para adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições e de Fundações para a Nova Torre de Controlo do Edifício do Grande Prémio de Macau», publicado através do anúncio publicado no B.O. n.º 5, II Série, de 30/01/2013 (vide fls. 724 e 726 a 729 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea T) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 08/05/2013, exarado sobre a Proposta n.º 261/B/CGPM/2013, de 29/04/2013, foi autorizada a adjudicação dos «Serviços para o projecto de reconstrução do Edifício do Grande Prémio, fase 2» à “E1”, por ajuste directo, com dispensa de consulta a outras entidades de especialidade (vide fls. 739 a 742 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea U) dos factos assentes).
- Pelo despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 09/10/2013, exarado sobre a Proposta n.º 941/B/CGPM/2013, de 27/09/2013, foi autorizada a adjudicação da empreitada designada «Obras de Demolições no Edifício do Grande Prémio de Macau» (vide fls. 765 a 768 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea V) dos factos assentes).
- A CGPM apresentou, em 17/01/2014, uma proposta para a extinção do procedimento administrativo de adjudicação das obras e foi autorizada por despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 29/01/2014 (vide fls. 770 a 772 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito) (alínea W) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- É estipulado no ponto 8 do «Caderno de Encargos - Contratação de Projectos», versão de 1988, o seguinte:
“…8. Propriedade intelectual
8.1. Após o pagamento dos honorários correspondentes às diferentes fases do projecto, todos os documentos elaborados pelos autores dos projectos para a execução do contrato são propriedade do Governo, ficando reservados para aqueles apenas os direitos de natureza pessoal, com o alcance definido no Código do direito de autor.
8.2. Fica vedado à Administração facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto.
8.3. O autor do projecto não poderá revelar a terceiros, total ou parcialmente o conteúdo do trabalho e documentos fornecidos pela Administração, sem autorização desta, prestada por escrito, quaisquer que sejam os fins para que pretenda tal utilização.…”(resposta ao quesito 1° da base instrutória).
- Em cerimónia realizada em 6 de Outubro de 1997, o Edifício do Grande Prémio venceu o Prémio de Arquitectura do Território de Macau, do ano de 1992, organizado pela Associação dos Arquitectos de Macau e atribuído por um júri onde estavam representadas diversas entidades públicas e privadas, entre as quais a DSSOPT, a DST e o Instituto Cultural (IC) (resposta ao quesito 2° da base instrutória).
- A Torre de Controlo foi utilizada para evocar o Grande Prémio de Macau em acções de promoção fora da RAEM (resposta ao quesito 3° da base instrutória).
- O Edifício do Grande Prémio é uma realização importante no currículo profissional do A. (resposta ao quesito 4° da base instrutória).
- O portal electrónico do Grande Prémio de Macau, que a CGPM administra, mantém em publicação, desde 2001, sem menção ao A., um total de pelo menos 246 fotos, com imagens de promoção do evento desportivo que retratam o Edifício do Grande Prémio, desde 9 de Janeiro de 2014, sem restrição regional, das quais:
- Em 15 registos se faz de parte do Edifício do Grande Prémio palco de “foto de grupo” (registos n.ºs 26, 36, 38, 63, 86, 101 e 110 do ponto 1. do anexo 1 do documento nº 6 junto com a petição inicial a fls. 152 a 180; registos n.ºs 126 e 163 do ponto 2. do anexo 1 do mesmo documento nº 6; registos n.ºs 212, 213, 215, 216, 220 e 230 do ponto 3. do anexo 1 do referido documento);
- Em 2 desses registos o Edifício do Grande Prémio é o tema fotográfico (registos n.ºs 226 e 227 do ponto 3. do anexo 1 do documento nº 6 junto com a petição inicial a fls. 152 a 180);
- Ainda que o mesmo portal electrónico mantém em publicação nas referidas condições, designadamente sem menção ao A., 2 home pages cuja concepção gráfica utiliza imagens do Edifício do Grande Prémio construído em 1993, publicadas e acessíveis até aos dias de hoje (registos n.ºs 226 e 227 do ponto 4. do anexo 1 do documento nº 6 junto com a petição inicial a fls. 152 a 180) (resposta ao quesito 6° da base instrutória).
- Sem mencionar o nome do autor da obra, a DST efectuou divulgação em posters urbanos, com foto em destaque do mesmo Edifício (resposta ao quesito 7° da base instrutória).
- O Museu do Grande Prémio vem exibindo um painel do mesmo Edifício, onde não se identificou o A. (resposta ao quesito 8° da base instrutória).
- A CGPM publicou e mantém em publicação 20 fotos de, pelo menos, 6 réplicas do mesmo Edifício, as quais foram construídas em espaços públicos por ocasião de promoções efectuadas fora da RAEM, pelo menos, em Xangai, em Pequim, em Hong Kong, em Cantão e em Jiangmen, que não identificavam o nome do A. (resposta ao quesito 9° da base instrutória).
- Com esclarecimento que, assim como o autor alegou desconhecer (art. 65º da P.I.), não se provou que a “Base Usage Rate (BUR)” foi alguma vez utilizada para qualquer cálculo com qualquer ligação objectiva ou subjectiva à RAEM, designadamente para acordos aqui celebrados, para fotografias aqui feitas, para fotógrafos ou outros titulares de direitos sobre fotografias aqui residentes ou aqui não residentes (resposta ao quesito 11.º-A da base instrutória).
- No portal electrónico de promoção do Grande Prémio de Macau, a CGPM fez uso de um acervo fotográfico que usa como palco o recinto do edifício de cujo projecto de arquitectura o demandante é autor e que faz composição e monografia fotográfica desse edifício, sem que em situação alguma desse portal electrónico se invocasse o nome do autor da obra de arquitectura (resposta ao quesito 14° da base instrutória).
- Em iniciativas de promoção anuais do Grande Prémio de Macau da DST, por via de posters em espaço público, fez-se uso de um acervo fotográfico do edifício de cujo projecto de arquitectura o demandante é autor, sem que em situação alguma dessa publicação se invocasse o nome do autor da obra de arquitectura (resposta ao quesito 15° da base instrutória).
- No museu do Grande Prémio faz-se uso de um acervo fotográfico que faz monografia fotográfica do edifício de cujo projecto de arquitectura o demandante é autor, sem que em situação alguma dessa publicação se invocasse o nome do autor da obra de arquitectura (resposta ao quesito 16° da base instrutória).
- No livro de promoção do Grande Prémio de Macau, que a CGPM patrocinou, fez-se uso de um acervo fotográfico que usa como palco o recinto do edifício de cujo projecto de arquitectura o demandante é autor sem que em situação alguma dessa publicação se invocasse o nome do autor da obra de arquitectura (resposta ao quesito 17° da base instrutória).
- Com a utilização do Edifício do GP, alguns desses locais mais mediáticos passaram a nele estar instalados como, durante o período de preparação e realização do GP, as instalações para garagem/PIT, Centro de Imprensa, Sala de Entrevistas, Sala VIP da Organização, Podium e Salas VIP, sendo uma parte do Edifício a Torre de Controlo (resposta ao quesito 20° da base instrutória).
- O “Paddock” (集車站) está localizado junto do Edifício (resposta ao quesito 21° da base instrutória).
- E a Linha de Partida/Chegada do circuito, a partir do GP de 1993, está em frente do Edifício (resposta ao quesito 22° da base instrutória).
- É dificilmente evitável a captação da imagem integral ou parcial do Edifício nas fotografias ou fonografias realizadas com vista à reportagem dos acontecimentos pontuais do evento, desde a sua preparação até à sua completa conclusão (resposta ao quesito 23° da base instrutória).
- As várias actividades de divulgação organizadas pela DST no interior da China, Hong Kong, Japão, Coreia, Malásia, Portugal, Inglaterra e Irlanda, utilizando como elementos dessa promoção fotografias, textos, imagens impressas em segmentos publicitários de jornais e revistas, painéis de informação, “backdrop”, etc., são acções promocionais do Grande Prémio, não do Edifício ou da sua arquitectura (resposta ao quesito 24° da base instrutória).
- A imagem do Edifício apareceu também em painéis de promoção nas feiras de turismo, em conjunto com vários monumentos de Macau, porquanto a promoção do GP está intimamente associada à promoção do turismo de Macau (resposta ao quesito 25° da base instrutória).
- Nas acções de promoção turística de Macau realizadas em Beijing (2006), Shanghai (2009) e Cantão (2012) foram representados alguns monumentos de Macau e apresentadas cenas típicas do evento GP com a utilização de uma representação da Torre de Controlo do Edifício, com alusão à data do evento e a representação de carros de corrida, do pódio, e outros elementos (resposta ao quesito 26° da base instrutória).
- Essas representações eram apenas da Torre de Controlo do Edifício, como montagens simbólicas desta parte do Edifício, e não de todo o edifício (resposta ao quesito 27° da base instrutória).
- O Edifício do GP, virado para a parte do circuito onde se marca a Linha de Partida/Chegada, e no qual funcionam as instalações para garagem/PIT, Centro de Imprensa, Sala de Entrevistas, Sala VIP da Organização, Podium e Salas VIP, etc., é um dos elementos essenciais da realização do evento (resposta ao quesito 28° da base instrutória).
- O “website” do “Grande Prémio de Macau”, lançado já em 2002, no qual os visitantes podem encontrar, através dos diversos “items”, fotografias dentro de determinados “álbuns”, por exemplo, Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 Suncity, SJM Taça GT Macau, Corrida da Guia, Inspecção do Circuito, Actividades dos Pilotos, Parada, Fora de Pista, Conferência de Imprensa, Actividades Diversas, etc., assim como relatos de diversos acontecimentos do evento ao longo da sua realização em Macau durante várias décadas, são exibidas com o exclusivo objectivo de memorizar o evento ao longo de décadas desde a sua 1ª realização (resposta ao quesito 29° da base instrutória).
- Até final de 2016, foram oferecidos 510 exemplares e vendidos 55 exemplares do livro “The Macau Grand Prix at 60. A Diamond Celebration” no total, sendo 11 exemplares vendidos pelo Museu, 9 vendidos nas ocasiões do evento e os restantes 35 exemplares foram vendidos pela Imprensa Oficial de Macau e pela Livraria Portuguesa (resposta ao quesito 30° da base instrutória).
- Desde 2005, o plano da Administração sempre foi a demolição e a reconstrução de todo o Edifício do GP, como parte de um novo complexo de edificações abrangentes de novas instalações da DST (resposta ao quesito 31° da base instrutória).
- Com o esclarecimento que a distribuição gratuita não é a única finalidade da Administração relativamente ao livro (resposta ao quesito 32° da base instrutória).
- O propósito da “Associação de Fotógrafos do Reino Unido” é apenas o de proteger os direitos dos fotógrafos pelas suas criações artísticas, e não os direitos daqueles ou daquilo que é fotografado ou retratado (resposta ao quesito 33° da base instrutória)”; (cfr., fls. 1597 a 1600-v e 1669-v a 1676-v).

Do direito

3. Pelo A., (A), vem interposto o presente recurso do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que, como se deixou referido, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo que absolveu os RR. de todos os seus pedidos aí deduzidos.

Da análise e reflexão que sobre o decidido e agora alegado e concluído nos foi possível efectuar, cremos que bem andaram as Instâncias recorridas, motivos não havendo para se conceder provimento ao presente recurso do ora recorrente.

Passe-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Vejamos.

Após Acórdão a decidir a “matéria de facto dada como provada” (e atrás transcrita), e procedendo à apreciação dos pedidos pelo A., ora recorrente deduzidos, assim decidiu o Tribunal Administrativo:

“Conforme se alega na petição inicial, o ora Autor arroga-se ser autor do projecto de arquitectura da obra associada às “Novas Instalações do Grande Prémio de Macau”, enquanto seu criador intelectual, sendo titular originário dos direitos de autor sobre a obra arquitectónica. O direito seu foi alegadamente lesado pela actuação ilícita dos Réus, na medida em que por estes a obra foi facultada a utilização por terceiro sem autorização do Autor, e sem ter o seu nome figurado nas obras executadas, em termos mais concretos, mediante 1) a execução de 6 réplicas do edifício do Grande Prémio de Macau para as actividades promotoras externas; 2) e a divulgação da obra nos registos fotográficos e no universo de publicação.
Além do mais, sofreu o Autor, em consequência dessa actuação dos Réus, os danos patrimoniais no valor de MOP 3,840,103.50, correspondente a 24% do uso do acervo fotográfico no portal electrónico da Comissão de Grande Prémio de Macau, de que a 1.a Ré vem beneficiando, e no valor de MOP 102,994.40, relativamente ao benefício que esta tirou na execução de 6 réplicas do edifício do Grande Prémio de Macau para os fins publicitários, como ainda os danos morais, a definir ao abrigo da equidade.
Como se vê, o que está em causa é uma obra de arquitectura cuja construção foi já concluída em 1993, com base num projecto adjudicado à “E”, em 2/3/1992 (conforme as alíneas D) e O) dos factos assentes), a constituição do direito de autor associado a essa obra arquitectónica encontrava-se regulada pela Lei vigente à altura – ou seja, pelo Código do Direito de Autor aprovado pelo DL n.º 46980, de 27 de Abril de 1966, estendido a Macau pela Portaria n.º 679/71, de 7 de Dezembro. Não obstante, com a entrada em vigor do DL n.º 43/99/M de 16 de Agosto, relativamente aos direitos de autor que não tenham ainda caducado, o alcance da protecção legal passava a ser tal concedido por novo diploma, com ressalva dos “negócios jurídicos validamente celebrados face à legislação anterior”, segundo o previsto na norma transitória - o artigo 221.º, n.º 1 do DL n.º 43/99/M.
Nesta conformidade, o ora Autor é titular do direito de autor da obra de arquitectura “instalações para o Grande Prémio e Silo-Auto no Novo Terminal Marítimo no Porto Exterior”, obra intelectual essa incluída na alínea l) do artigo 2.º do Código do Direito de Autor de 1966, na qualidade do seu criador intelectual ao abrigo da norma do artigo 8.º, por ser ele o autor do projecto (conforme resulta da alínea B) dos factos assentes). Sendo assim, cabe ao Autor, dentro dos limites da lei, “o poder de dispor da obra e de utilizá-la ou fruí-la, ou autorizar a sua utilização ou fruição por terceiros, no todo ou em parte.” – conforme previsto no artigo 4.º, n.º 2 do Código de 1966.
O direito de que o Autor era titular abrange, de acordo com o disposto no artigo 5.º desse Código, direitos de carácter patrimonial e direitos de carácter pessoal, chamados direitos morais, sendo que os primeiros são livremente transmissíveis e os segundos inalienáveis, “mas por morte do autor o seu exercício, enquanto a obra não cair no domínio público, compete aos seus herdeiros e representantes.” (conforme se prevê nos artigos 55.º, 57.º n.º 2, conjugados com o artigo 5.º, n.º 1 do referido Código).
Por sua vez, ainda conforme se depreende da alínea C) dos factos assentes, “A RAEM é a dona da referida obra.”, ou seja, titular do direito de propriedade da obra, por via da transmissão operada através do contrato celebrado em 18/5/1992 com a “E”, no pressuposto de que o Caderno de Encargos da versão de 1988, documento concursal a que se refere a resposta ao quesito 1.º da base instrutória era aquele que integrava o respectivo processo de contratação – pois, conforme o convencionado mediante a cláusula 8.1 do Caderno, “…todos os documentos elaborados pelos autores dos projectos para a execução do contrato são propriedade do Governo, ficando reservados para aqueles apenas os direitos de natureza pessoal, com o alcance definido no Código do direito de autor.” (sublinhado nosso).
Donde é linear que resta ao Autor direito de autor na vertente pessoal, sendo que o direito na vertente patrimonial pertence à RAEM, por via do contrato celebrado em 18/5/1992. Não tendo o seu direito caducado nos termos previstos no DL n.º 43/99/M, deve-se ir buscar nele as normas legais que confiram sua protecção.
A este respeito, segundo a norma estabelecida no artigo 7.º do DL n.º 43/99/M, sendo titular do direito pessoal de autor da obra arquitectónica, o Autor goza do exercício dos seguintes poderes: “a) Manter a obra inédita; b) Reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade; c) Retirar a obra de circulação, nos termos do artigo 48.º; d) Assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor.” – conforme o disposto no n.º 3 do artigo. Enquanto que a RAEM, na qualidade do titular do direito patrimonial, tem os poderes exclusivos de: “a) Utilizar e explorar economicamente a obra e de autorizar a sua utilização e exploração económica, total ou parcial, por terceiro; b) Ser remunerado pela utilização que terceiro faça da obra, nos casos em que a autorização do autor para essa utilização seja dispensada por lei” – conforme o disposto no n.º 2.
Se é verdade que o alcance do direito pessoal de autor resulta do elemento literal da citada norma, por contraposição ao do direito pessoal também nela definido, é incontroverso que nunca seria legítimo ao Autor neste processo pôr entraves à utilização da obra por parte dos Réus, o que não se passava do exercício dos poderes que já existiam na sua própria esfera jurídica, face ao previsto nas normas legais.
No entanto, as limitações introduzidas ao exercício do poder de utilização da obra protegida poderiam decorrer do teor cláusula 8.2 do Caderno de Encargos, referida no quesito 1.º da base instrutória – nos termos da qual, “Fica vedado à Administração facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto, sem prévia autorização ou acordo do autor do projecto.”
À partida, não poderíamos deixar de formular nossa reserva quanto à invocabilidade desta cláusula contratual por parte do ora Autor, tendo em consideração a presença da outra cláusula 3.1 do Caderno de Encargos, onde se referiu o seguinte “o autor do projecto, entendido como empresa, técnico ou grupo de técnicos que contrata com o dono da obra a elaboração do projecto, responsabiliza-se pela constituição da equipa técnica para elaboração do projecto e assistência técnica, devendo indicar na proposta a sua constituição nominal.” (veja-se o documento junto a fls. 1393 dos autos). Não sendo o Autor projetista com quem contratava o dono de obra, mas a “E” (conforme demonstrada na alínea O) dos factos assentes), o mesmo não é considerado como “autor do projecto” para efeito convencional, e carece, por conseguinte, de legitimidade para opor à RAEM as limitações daí resultantes.
Por outro lado, ainda que por dita cláusula se tivesse atribuído o direito de autorização ao projetista enquanto terceiro do contrato, não ocorreu no caso dos autos nenhum comportamento por parte dos Réus, susceptível de consubstanciar “facultar a terceiros a utilização, reprodução ou a comunicação do projecto.”
Neste ponto, conforme se alega o Autor, a utilização da obra não consentida, por isso ilícita, consiste na execução das réplicas do edifício do Grande Prémio de Macau por parte da CGPM nas actividades promocionais externas, e na divulgação e publicação da imagem do edifício nos acervos fotográficos, criados e utilizados no portal electrónico de promoção, nos posters em espaço público nas iniciativas promocionais, no museu do Grande Prémio e nas publicações da promoção do Grande Prémio de Macau patrocinadas pela CGPM, conforme os factos apurados através das respostas aos quesitos 6.º a 9.º, 11.º-A, 14.º a 17.º da base instrutória. É evidente que nenhum desses factos apontou para a eventual utilização dos projetos da autoria do ora Autor. Além do mais, o único facto quesitado quanto a isto, que no fundo não se passaria de uma mera argumentação falaciosa sua – “As utilizações destas réplicas passam necessariamente pela manipulação de elementos do projecto original feita por outros, nomeadamente, desenhos?” (cfr. Quesito 10.º da Base Instrutória) – não ficou provado.
Contudo não se contente o Autor com as meras proibições decorrentes daquela cláusula convencional, vem ainda invocar a utilização da obra não consentida nas formas previstas no disposto do artigo 56.º do DL n.º 43/99/M, assim como a sua publicação e divulgação não autorizada. Aqui deve-se adiantar que a existência daquela cláusula limitativa nunca pôde ter por efeito esvaziar o poder de utilizar e explorar a obra que nos termos da Lei, decorra do direito patrimonial do autor atribuído à 1.a Ré.
Ao contrário do que parece entender o Autor, a utilização da obra protegida nas formas exemplificadas no artigo 56.º, n.º 3 faz-se, segundo a sua espécie e natureza, de acordo com o previsto no n.º 1 daquele artigo – não se deve afirmar que qualquer obra protegida pode ser utilizada indistintamente, em todas as formas indicadas no referido preceito legal, mas apenas aquela que melhor se compadece com a sua natureza e tal norma do n.º 3 deve ser lida em conjugação com as utilizações reguladas para cada espécie de obra protegida em especial, nos artigos 67.º a 194.º do DL.
Tratando-se de um projecto de arquitetura, a sua utilização consiste na “construção de obra de arquitectura segundo o respectivo projecto” – segundo o previsto na alínea I) do n.º 3 do artigo 56.º, com as limitações especiais decorrentes da previsão nos artigos 140.º, 144.º, 146.º-A do DL n.º 43/99/M. Fora disso, não se configuraria uma utilização dessa obra protegida, muito menos a utilização que carece da autorização do respectivo autor. Neste sentido, a utilização da obra arquitetónica na situação vertente verificou-se ao tempo da conclusão da obra em 1993 (conforme a alínea D) dos factos assentes).
Nesta conformidade, não poderia haver lugar à utilização da obra de arquitectura através da sua reprodução, naqueles termos descritos pelo Autor, com a simples captação das imagens do edifício do Grande Prémio de Macau nas fotos e com a sua consequente inclusão nos posters – Do que se trata aqui não é de proteger os direitos que decorrem para o autor da obra fotográfica nos termos do disposto dos artigos 149.º a 156.º do DL n.º 43/99/M.
Isto é, estando em causa uma obra de arquitectura, para o efeito de autorização do respectivo autor, a Lei equipara, de modo expresso, à reprodução da obra “a repetição da construção de obra de arquitectura, segundo o mesmo projecto” – nos termos previstos no artigo 140.º n.º 3 do DL n.º n.º 43/99/M (Enquanto que as normas ínsitas nos n.º 1 e 2 do preceito legal se aplicam às obras de artes plásticas, gráficas e aplicadas).
Além disso, como acima mencionado, nem sequer foi provado nenhum facto que se prenda com a efectiva reprodução dos projetos do edifício do Grande Prémio de Macau.
Por sua vez, quanto à alegada publicação e divulgação, já não se deve falar da sua admissibilidade sem levar em conta os preceitos legais que as definem para efeitos da aplicação do DL n.º 43/99/M, nos seguintes termos: “1. Considera-se publicação o acto de trazer licitamente ao conhecimento do público uma obra através da reprodução, por qualquer modo, do respectivo suporte material e da colocação dos exemplares à disposição desse mesmo público, em termos que, tendo em consideração a natureza da obra, satisfaçam razoavelmente as necessidades deste. 2. Considera-se divulgação o acto de trazer licitamente uma obra ao conhecimento do público por quaisquer meios que não preencham os requisitos do número anterior, como sejam a representação de obra dramática ou dramático-musical, a exibição cinematográfica, a recitação de obra literária, a execução de obra musical, a transmissão ou a radiodifusão, a construção de obra de arquitectura ou de obra plástica nela incorporada e a exposição de qualquer obra artística.” (sublinhado nosso).
Ao abrigo dessa norma, a captação das imagens do suporte material da obra de arquitectura – o Edifício do Grande Prémio de Macau – naquelas fotos tiradas por um fotógrafo assim como a sua exibição e divulgação destas perante o meio público e social estão longe de poder consubstanciar quer a publicação da obra (que exige como seu requisito, a reprodução do respectivo suporte material e da colocação dos exemplares à disposição do público), quer a divulgação da obra de arquitectura que se tinha entretanto efectuado há muito com a respectiva construção.
Resumindo, no caso dos autos, não ocorreu nem a reprodução da obra da arquitectura, nem a publicação ou divulgação da mesma que carece da autorização do autor, nem qualquer outra forma da utilização do projecto por terceiros, limitada por efeitos convencionais.
É por conseguinte, insustentável a arguição da omissão ilícita da identificação do autor, uma vez que no caso da obra de arquitectura, a Lei apenas impõe a identificação do autor, “não só em cada cópia dos estudos e projectos, como ainda junto ao estaleiro da construção e na própria construção, depois de concluída.” (cfr. o disposto no artigo 142.º, n.º 2 do DL n.º 43/99/M). E a omissão da identificação no edifício o Grande Prémio de Macau já construído, tendo sido abordada à parte noutro processo (Processo n.º: 273/16-RA), nunca serviu de causa de pedir nesta acção interposta. Aliás, no caso que temos aqui, a protecção da obra de arquitectura na vertente acima apontada nunca se estende, em lado nenhum, às fotografias tiradas e exibidas ainda com inclusão da imagem do suporte material construído segundo aquele projecto.
Desse modo, na ausência de nenhuma actuação ilícita concretamente imputável aos dois Réus, inexiste título para os chamar à responsabilização.
Aqui chegado, a pretensão do Autor deve ser indeferida pela manifesta improcedência. Uma vez que não lhe assiste o direito a qualquer indemnização, não se mostra necessário apreciar a excepção peremptória de prescrição cujo conhecimento foi relegado pela juiz do saneador a fls. 853v dos autos.
(…)”; (cfr., fls. 1601 a 1604 e 1676-v a 1681).

Conhecendo do recurso que do assim decidido interpôs o dito A., ora recorrente, (e confirmando integralmente a decisão sobre a matéria de facto considerada provada), assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância no seu Acórdão agora objecto do presente recurso:

“Na sua argumentação nas alegações e conclusões de recurso o Autor limita-se a reproduzir a argumentação antes usada e que na Douta decisão recorrida é fundamentadamente refutada, nada mais havendo a acrescentar ao que ali foi dito e que detalhadamente justifica a improcedência dos argumentos que repetidamente se voltaram a invocar.

Na sua argumentação e na interpretação que o Autor faz do Regime do Direito de Autor e direitos conexos parece não ter em consideração a diversidade da natureza das obras protegidas e previstas no artº 2º do Decreto-Lei nº 43/99/M.
A forma como se executa a protecção dos direitos de Autor e direitos conexos de um texto de carácter literário, de um espectáculo dramático-musical, de uma pintura e de projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, sendo igual na essência no que concerne à protecção dos direitos do Autor não é igual na prática por ser diferente a natureza da obra protegida, o que é explicado na decisão recorrida.
A diversidade de situações previstas numa lei de protecção de direito de Autor torna-a num diploma que não é de fácil interpretação e que demanda atenção aos pormenores de cada situação em concreto.
No que concerne à arquitectura as obras protegidas são os projectos, esboços e obras plásticas a ela respeitantes.
Pese embora as epígrafes dos diplomas legais não sejam lei elas ajudam-nos por vezes a melhor compreender o espírito do legislador. Após o indicado artº 2º que define as obras protegidas, temos no mesmo diploma legal o Título II que visa definir “da utilização da obra protegida” e nesse mesmo Título do diploma legal o artº 56º que visa definir as formas de utilização.
Já sobejamente citado na decisão recorrida e nas várias peças deste processo, a alínea l) do nº 3 do artº 56º do Decreto-Lei nº 43/99/M define que a forma de utilização da obra protegida na também alínea l) do nº 1 do artº 2º do mesmo diploma - os projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura -, ali se dizendo que a forma de utilização desta obra protegida é “a construção de obra de arquitectura segundo o respectivo projecto”.
Mas esta utilização da obra protegida cabe nos direitos patrimoniais da obra os quais como consta da decisão recorrida e bem, pertencem à RAEM.
De igual modo pertence ao titular do direito patrimonial sobre a obra protegida o exercício dos direitos previstos no artº 56º da Decreto Lei nº 43/99/M.
Ou seja, é à RAEM que pertence o direito de construção da obra de arquitectura segundo o projecto e caso esteja em causa, também, o direito a autorizar a difusão pela fotografia da obra em causa.

O que o Autor invoca é que o proprietário do imóvel construído com base no projecto por si elaborado, em acções de promoção da RAEM e do Grande Prémio exibiu fotografias onde é retratado o edifício, achando-se o Autor com direito a autorizar que essas mesmas fotografias bem como as reproduções do edifício houvessem de ter sido por si autorizadas. Vejam-se os pedidos formulados que emergem apenas da omissão do pedido de autorização.
Não lhe assiste razão uma vez que não tem o direito patrimonial sobre a obra protegida.

Nos termos do nº 3 do indicado artº 7º no exercício dos direitos pessoais do Autor cabe-lhe apenas ser identificado como Autor, sendo que essa identificação é feita nos termos do nº 2 do artº 142º do decreto-Lei nº 43/99/M - o que aliás está em consonância com a forma de utilização da obra prevista na alínea l) do nº 2 do indicado artº 56º - e não nos termos em que o Autor pretende ser identificado nestes autos, pelo que, com este argumento também não lhe assitiria razão, apesar de, este argumento – a falta de identificação da obra protegida nas réplicas e fotografias – apesar de invocado na argumentação, não é causa de nenhum dos pedidos nos termos em que estão formulados, pelo que, não podendo o tribunal decidir para além do que está pedido, nunca poderia proceder a acção com esse fundamento.

Mais invoca o Autor nas suas alegações a título de Jurisprudência comparada um Acórdão do STJ de Portugal de 21.04.1988 proferido no processo nº 075686, o qual versa sobre um eventual contrato de reprodução de um livro e o direito do Autor a poder retirar a obra de circulação e respectivas consequência, situação que não tem analogia alguma com a dos autos.

Menos ainda ajuda à decisão do caso o indicado Acórdão da Relação do Porto que versa sobre a cópia de um filme alegadamente realizado em colaboração.

Destarte, concordando integralmente com a Douta decisão recorrida a qual sem descurar a objectividade e a síntese, faz uma análise pormenorizada e clara da situação subjacente aos autos, subsumindo-a correctamente às normas legais aplicáveis, aderindo sem reservas à fundamentação que da mesma consta, e improcedendo a argumentação e as conclusões de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos”; (cfr., fls. 1681 a 1683).

Aqui chegados, e em face do que se deixou exposto, (e que merece a nossa inteira concordância), muito não se mostra necessário acrescentar para se demonstrar da falta de razão do A., ora recorrente, pois que, atento o que “provado” está, e que não vem impugnado, nem se mostra de alterar, imperativa se nos apresenta a “solução” dada à pretensão deduzida, que se limita a ser a justa e correcta aplicação do regime legal que sobre aquela matéria incide.

Vejamos.

Pois bem, a necessidade de tutela da criação pelo autor vem-se afirmando nos últimos séculos, iniciando-se, tanto quanto julgamos saber, a partir do Século XV, especialmente, em 1710, com a entrada em vigor da primeira Lei sobre direitos autorais, conhecida como o “Estatuto da Rainha Ana” que dizia apenas respeito a obras literárias.

Constituindo hoje o “Direito de Autor” um ramo do direito em pleno e constante desenvolvimento, (pense-se, tão só, nos efeitos das “novas tecnologias”), e, assim, de crescente relevância jurídica, social e económica, adequado parece de o compreender como uma modalidade de “propriedade intelectual”, integrando mesmo um “direito fundamental”; (cfr., a propósito, o art. 125°, § 2° da L.B.R.A.E.M., onde se estatui que: “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau protege, nos termos da lei, os resultados alcançados pelos autores nas criações literárias, artísticas e outras, bem como os seus legítimos direitos e interesses”, e, a nível de direito ordinário, o Decreto Lei n.° 43/99/M de 16.08, com o qual se aprovou o “regime do direito de autor e direitos conexos” e que já foi várias vezes citado ao longo dos presentes autos, podendo-se, sobre o tema, ver, v.g., L. M. Menezes Leitão in, “Direito de Autor”, 2011; J. de Oliveira Ascensão in, “Direito de Autor e Direitos Conexos”, 2012; e, com especial interesse para o litígio dos presentes autos, Pontes Neto in, “O direito autoral e o arquitecto”, Revista de Direito, U.S.P., Vol. 77, 1982, pág. 165 a 176; A. Cordeiro in, “Direito de Autor e Obra Arquitectónica”, na Separata da Lusíada-Revista de Ciência e Cultura, n.° 1, Agosto, 1992; Luciana Freire Rangel in, “O direito de autor na obra de arquitectura”, U.S.P., 1998; M. Victoria Rocha in, “Obras de arquitectura como obras protegidas pelo Direito de Autor”, in “Contratos de Direito de Autor e de Direito Industrial”, 2011; e, mais recentemente, Anna A. V. de Figueiredo in, “A proteção autoral na obra arquitetónica”, U.S.P., 2020).

Ora, como cremos que sabido é, o objeto primário da proteção conferida pelo Direito de Autor é a “obra”, ou seja, a “exteriorização da criação intelectual”, integrando um conjunto de prerrogativas reconhecidas e conferidas à pessoa física (ou jurídica) sua criadora, podendo estas dividir-se, (essencialmente), em “literárias” e “artísticas”, (com origem nos domínios literário, artístico ou científico, sendo, qualquer que seja o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação ou o objectivo; cfr., art. 1°, n.° 1 do D.L. n.° 43/99/M), protegidas pelo “direito de autor” as seguintes obras:
- as “literárias”, que compreendem as peças de teatro, romances, poemas, letras de canções, publicações científicas, programas de computador; etc…, (não sendo, v.g., protegidas pelo direito de autor, as notícias diárias e os relatos de factos com caráter meramente informativo, os discursos políticos, e os textos oficiais de caráter legislativo, administrativo ou judiciário, bem como as traduções oficiais destes textos); e,
- as “artísticas”, onde surgem como exemplos, as obras cinematográficas, programas de televisão, programas de rádio, composições musicais, cartazes publicitários, pinturas, esculturas, e, com particular relevo para a situação dos presentes autos, as obras de arquitetura; (cfr., art. 2° do citado diploma legal, valendo a pena aqui referir que a “Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas” de 09.09.1886, in B.O. n.° 29, de 19.07.1999, passou também a proteger “a obra arquitectónica” com a sua revisão ocorrida em 1908).

A proteção legal conferida pelo “direito de autor”, (no art. 7° do mesmo D.L. n.° 43/99/M considerado como seu “conteúdo”), traduz-se em faculdades de caráter patrimonial, os chamados “direitos patrimoniais”, e de natureza pessoal, os chamados “direitos morais”; (cfr., n.° 1).

Os primeiros, (“patrimoniais”), dizem especialmente respeito à utilização e exploração económica da “obra (intelectual)”, podendo ser, total ou parcialmente, transferidos e/ou cedidos a outras pessoas; (cfr., n.° 2).

Os segundos, (“morais”), asseguram a autoria e integridade da criação ao autor da obra, e são, em geral, intransmissíveis e irrenunciáveis; (cfr., n.° 3).

Exemplificando, diríamos que os “direitos patrimoniais” sobre uma música (original) podem ser cedidos ou transmitidos para terceiro para efeitos da sua exploração comercial, e, mesmo assim, os “direitos morais” (ou pessoais), continuam a ser reconhecidos ao seu autor, mantendo este o direito de como tal ser reconhecido; (foi, aliás, e v.g., o que sucedeu com a música dos “Beatles” que, não obstante vendidas para a sua exploração comercial, não deixam de continuar a ser reconhecidas como da sua autoria).

Em causa no litígio dos presentes autos não estando agora os referidos “direitos patrimoniais” – pois que com o pagamento pela Administração Pública dos honorários ao ora recorrente acordados pela elaboração do projecto de arquitectura em questão, (o “Edifício do Grande Prémio de Macau”), pelo mesmo (recorrente) foi transmitido o seu “direito patrimonial” sobre o mesmo, mantendo-se, apenas, titular do aludido “direito pessoal ou moral” – sendo também esta a “realidade” que resulta do teor da resposta ao quesito 1° – centremos a nossa atenção neste (concreto) “direito” e seus “efeitos”.

Pois bem, (especificamente) sobre estes mesmos “direitos (morais ou pessoais)”, prescreve o já referido art. 7°, n.° 3 do referido D.L. n.° 43/99/M que:

“O direito pessoal de autor compreende os poderes de:
a) Manter a obra inédita;
b) Reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade;
c) Retirar a obra de circulação, nos termos do artigo 48.º;
d) Assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor”.

Pronunciando-se sobre estas “faculdades” nota A. Chaves que as mesmas correspondem ao direito que “tem o autor de ver reconhecida a sua "paternidade" da obra, de ver preservada a intangibilidade da mesma, no sentido de que não possa ser modificada, alterada, mutilada ou adaptada, a não ser mediante o seu expresso consentimento. É como que o reflexo da sua personalidade na parte mais nobre, que é a atividade criadora”; (in “Direito de Autor do Arquiteto, do Engenheiro, do Urbanista, do Paisagista, do Decorador”).

E, em conformidade com o estatuído no atrás transcrito art. 7°, n.° 3 do referido D.L. n.° 43/99/M, (e com o até agora considerado), cabe dizer que não se vislumbra como chegar a uma solução favorável à pretensão do A., ora recorrente.

Com efeito, (e tal como já alegava na sua petição inicial, cfr., fls. 292 a 355, reclamando o pagamento de uma indemnização por danos que diz ter sofridos), considera o ora recorrente que o seu “direito de autor” foi violado, dado que, sem a sua autorização, foram divulgadas “fotografias” do dito “Edifício do Grande Prémio” em iniciativas promocionais levadas a cabo pelo Governo da R.A.E.M., expondo-se, também, (seis) réplicas, à escala, deste mesmo Edifício.

E, como com clareza, consistência e acerto já o explicitaram as Instâncias recorridas, nem a referida divulgação das ditas “fotografias”, nem a exposição das aludidas “réplicas”, constituiu ou integra qualquer (forma de) desrespeito ao “direito de autor” que, o ora recorrente, como autor do projecto de arquitectura do dito edifício (obviamente) mantém.

Na verdade, tratando-se, como efectivamente se trata, de uma “obra de arquitectura edificada em local público”, para a realização de um evento desportivo também aberto ao público, (e que, como é igualmente público e notório, tem grande impacto a nível internacional), é por demais evidente que, uma vez concluída (a obra), a mesma passe a ficar, (pela própria natureza das coisas), em permanente e integral “exposição pública” (e ao total acesso de todo e qualquer interessado), podendo, assim, em qualquer momento, e como acontece com tantos outros edifícios de Macau, (v.g., hotéis, complexos turísticos, a “Torre da Praia Grande”, e mesmo os edifícios da Assembleia Legislativa e deste Tribunal de Última Instância), ser observada, apreciada e fotografada, sem necessidade de qualquer autorização ou consentimento de quem quer que seja, nomeadamente, do seu respectivo dono, assim como do seu (respectivo) “autor do projecto de arquitectura”, (para melhor se constatar tal “realidade”, basta atentar na factualidade dada como provada nas alíneas G) e H), assim como na resposta ao “quesito 23°” da base instrutória, que tem, respectivamente, o seguinte teor que aqui se passa a transcrever:
- “O Edifício do Grande Prémio localiza-se em frente ao Terminal Marítimo do Porto Exterior, que reconhecidamente se afigura como uma das principais portas de entrada de Macau”; cfr., alínea G) dos factos assentes;
- “As imagens destas instalações são difundidas mundialmente em todos os tipos de registos mediáticos, todos os anos, pela ocasião do Grande Prémio de Macau”; cfr., alínea H) dos factos assentes; e,
- “É dificilmente evitável a captação da imagem integral ou parcial do Edifício nas fotografias ou fonografias realizadas com vista à reportagem dos acontecimentos pontuais do evento, desde a sua preparação até à sua completa conclusão”; cfr., resposta ao quesito 23° da base instrutória).

Dest’arte, lógica e necessária é pois a conclusão – a que igualmente chegaram as Instâncias recorridas – no sentido de que a “leitura” que o ora recorrente faz do estatuído no art. 56°, n°s 2 e 3, alínea e) do D.L. n.° 43/99/M, com base no qual reclama, como seu, o “direito de difusão pela fotografia da obra em questão”, não se apresenta como a razoável e adequada, pois que não atende à “natureza” e “especificidade” da aludida “obra”, (sobre a qual alega ter-se incorrido em violação do seu “direito moral de autor”).

O mesmo sucede, aliás, (e como igualmente não podia deixar de ser), com o (seu) reivindicado “direito a ser identificado” nos registos fotográficos, pois que, em nossa opinião, tal apenas deve ocorrer quando se trate de “obras fotográficas”, não se mostrando de olvidar a específica inserção sistemática do comando legal que invoca como seu fundamento legal, (o art. 154°, n.° 2 do aludido diploma legislativo), e que se encontra precisamente no capítulo referente a tais “obras fotográficas”, evidente sendo desta forma a solução a adoptar.

Por fim, e quanto às alegadas “réplicas”, outra poderia ser a situação se, em causa estivesse a “repetição da construção de uma obra de arquitectura de acordo com o mesmo projecto”.

Porém, in casu, não houve lugar a uma “repetição desta natureza”.

Com efeito, no caso dos autos, e como cremos que em bom rigor se impõe concluir, adequado não se mostra de considerar sequer que em causa estão “réplicas”, na medida que o que realmente ocorreu, foi, tão só, de uma elaboração de uma “montagem, estilizada e representativa do edifício” em questão, dispensada estando assim (igualmente) qualquer “autorização” para o efeito, (visto não se tratar de uma “repetição da construção da obra segundo o mesmo projecto”).

Em face do que se deixou exposto, necessária é pois a já adiantada “solução” para a presente lide recursória, (sendo também de consignar que, independentemente do demais, e seja como for, imperativa teria de ser a improcedência do pelo A., ora recorrente peticionado, pois que, concretamente provado não estando qualquer “dano”, totalmente inviável teria que ser também o pagamento a seu favor de qualquer indemnização).

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 12 de Setembro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

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