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Processo nº 513/2024/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 07 de Novembro de 2024

ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Adjudicação


____________________
Rui Pereira Ribeiro









Processo nº 513/2024/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 07 de Novembro de 2024
Requerentes: A
    B有限公司, e
C, Limitada
Entidade Requerida: Chefe do Executivo da RAEM
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A,
  B有限公司, e
  C, Limitada,
  que conjuntamente com a empresa D有限公司, constituíram o Consórcio A - B – C, Limitada - D, com os demais sinais dos autos,
  Requerendo a intervenção principal provocada de D有限公司vêm requerer a suspensão de eficácia do despacho de S. Exa. o Senhor Chefe do Executivo datado de 06.05.2024 que adjudicou o contrato de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane”.
  Para tanto alegam que a 1ª Requerente tinha formado com a companhia E有限公司(E. Ltd.) “A, ORIGINWATER em Consórcio” e que desde 28.08.2018 foi celebrado com a RAEM o contrato relativo à “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane, cujo prazo do contrato foi renovado até 31.08.2024, pelo que, tendo o projecto sido adjudicado às contra-interessadas a 1ª Requerente foi impedida de continuar a prestar serviços, razão pela qual este acto é positivo.
  Quanto às demais Requerentes invocam que a Jurisprudência tem vindo a entender que o acto administrativo que decide um concurso público pode ser suspenso por não ser um acto puramente negativo, antes produzindo alterações na Ordem Jurídica.
  Mais invocam que tendo cada concorrente o seu próprio projecto de concepção e construção se não for suspenso o acto de adjudicação, quando o recurso contencioso vier a ser julgado procedente e o empreendimento adjudicado às Requerentes, seja para continuar o projecto das contra-interessadas, seja para demolir o construído e começar de novo, estas terão de investir mais recursos para cumprir o contrato o que lhes causará prejuízos.
  Invocam igualmente prejuízos de valor consideravelmente elevado de difícil/impossível reparação para a RAEM, bem como a inexistência de grave lesão do interesse público e de fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
  Foram citadas a Entidade Requerida e as Contra-interessadas F有限公司, G有限公司e H, Limitada para querendo contestar.
  A Entidade Requerida veio contestar invocando que o acto em causa é para todas as Requerentes de conteúdo negativo sem qualquer vertente positiva, pelo que, não é possível a sua suspensão.
  Mais alega que as Requerentes não invocam prejuízos de difícil reparação que possam resultar para si da não suspensão do acto de adjudicação, bem como, a grave lesão do interesse público caso seja decretada a suspensão por impedir a normal continuidade da operação e manutenção da estação e a verificação de fortes indícios da ilegalidade do recurso contencioso por um dos elementos do consórcio não o ter subscrito.
  Pelas Contra-interessadas foi deduzida contestação invocando em síntese que o acto não é passível de suspensão, caso assim não se entenda a suspensão de eficácia do acto lesará gravemente o interesse público, bem como que a execução da adjudicação não causa prejuízo de difícil reparação, invocando por fim a litigância de má-fé das Requerentes.
  As Requerentes responderam ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  A, B有限公司, C有限公司, sociedades comerciais melhor identificadas nos autos, vieram requerer a suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo que adjudicou a obra de «Modernização, operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane» às Contra-interessadas.
  Foram apresentadas contestações pela Entidade Recorrida e pelas Contra-interessadas.
  2.
  (i)
  Decorre do disposto nos artigos 120.º e 121.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
• a execução do acto causar previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
• a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
• do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
  (ii)
  No caso, cremos dever entender-se, à luz da jurisprudência firmada pelo Tribunal de Última Instância (TUI), que o acto aqui em causa é susceptível de suspensão de eficácia (cfr. acórdão do TUI de 27.09.2018, processo n.º 69/2018).
  (iii)
  (iii.1)
  Cremos, no entanto e salvo o devido respeito, que do processo resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito.
  Na verdade, como já tivemos oportunidade de defender no processo principal, ocorre aí ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário activo. Pelo seguinte.
  Como entre nós já foi decidido pelo Tribunal de Última Instância, no acórdão tirado no Processo n.º 160/2020, entre as sociedades comerciais que, no âmbito de um concurso público como aquele que está em causa nos presentes autos, se apresentam a concorrer em consórcio, existe, no eventual recurso contencioso dirigido contra o acto de adjudicação do contrato, uma situação de litisconsórcio necessário activo (tem sido esse, também, o entendimento que a jurisprudência portuguesa tem seguido: entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 8.6.2004, processo nº 0489/04, acórdão do STA de 24.9.2008, processo n.º 402/08, acórdão do STA de 4.11.2010, processo nº 0216/08 e acórdão do STA de 20.9.2011, processo n.º 556/11).
  Na verdade, a proposta que as sociedades apresentam em consórcio é única e indivisível e por força dessa indivisibilidade, também no plano das relações externas, o direito à adjudicação surge como não fraccionável em dois direitos parcelares. Sendo conjunta e incindível a titularidade do direito à adjudicação, só em conjunto, em convergência de vontades, as duas empresas consorciadas têm o poder de a exigir. Não é concebível, pois, que um membro do consórcio, individualmente, a possa exigir para si, nem, tão-pouco, que o possa fazer, para os demais membros, contra a vontade destes (assim, Ac. do STA de Portugal de 24.9.2008, processo n.º 402/2008, acima citado).
  Assim, quando as sociedades que integraram o consórcio concorrente estão desacompanhadas, na respectiva pretensão impugnatória dirigida contra o acto de adjudicação, de uma sociedade que integrou esse consórcio no procedimento pré-contratual, verifica-se que as mesmas, nessa situação, não têm, substantivamente falando, direito a essa adjudicação e daí que a impugnação contenciosa não possa, ab initio, atingir o seu efeito útil normal, o qual não se esgota na mera anulação do acto, mas visa, igualmente, a prática de um novo acto de adjudicação a favor do consórcio preterido em sede de execução do julgado anulatório.
  No caso, estando as Requerentes, no recurso contencioso, desacompanhadas de um dos membros do consórcio, daí decorre a respectiva ilegitimidade naquele recurso por preterição de litisconsórcio necessário activo, a qual, parece-nos, não é sanável mediante a intervenção provocada da consorciada em falta.
  Na verdade, julgamos seguro concluir, à luz de um juízo baseado nas regras da experiência comum, que a sociedade comercial que não acompanhou as Requerentes no recurso contencioso, não pretende impugnar o acto de adjudicação aqui recorrido. Isso mesmo é corroborado pela circunstância, que é do nosso conhecimento funcional, de aquela sociedade ter desistido do recurso contencioso que correu termos neste Tribunal sob o n.º 876/2023 interposto pelas aqui Recorrentes também dirigido contra um acto de adjudicação.
  Neste conspecto, a verificada ilegitimidade, ao contrário daquilo que em regra sucede, é insusceptível de sanação por via da provocação da intervenção principal do membro do consórcio em falta, uma vez que «só na convergência real e actual da vontade das consorciadas a decisão da acção pode produzir o seu efeito útil normal» (cfr., neste sentido, o Acórdão do STA de 20.9.2011, processo n.º 556/11, antes citado).
  A inviabilidade do suprimento da ilegitimidade activa resultante da preterição de litisconsórcio necessário deriva, pois, do facto de, a ser procedente o recurso contencioso, nem assim ser possível a adjudicação ao consórcio preterido, dado o desinteresse nessa adjudicação, que, segundo cremos, está suficientemente demonstrado, por parte de uma das sociedades consorciadas.
  Por ser manifesta a ilegitimidade das Requerentes para interporem o recurso contencioso dirigido à impugnação do acto suspendendo, cremos que se mostra, assim, não estar verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  (iii.2)
  A não se entender desta forma, parece-nos, em qualquer caso, que as Requerentes não logram demonstrar que a execução do acto suspendendo lhes causará, previsivelmente, prejuízo de difícil reparação.
  Como é sabido, por razões que se prendem com a necessidade de evitar o entorpecimento da actividade administrativa que poderia advir de uma utilização menos criteriosa e dilatória do recurso contencioso, a mera interposição deste não tem efeito suspensivo da eficácia do acto de que se recorre. É o que resulta da norma do artigo 22.º do CPAC.
  A mais importante excepção a esta regra encontra-se justamente na previsão da suspensão da eficácia do acto quando da execução deste possa resultar para o particular prejuízo de difícil reparação. Como, a este propósito, referiu o Tribunal de Última Instância na sua decisão de 14.11.2009, tirado no processo n.º 33/2009, «não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação».
  É ao requerente que cabe o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, devendo fazê-lo por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas, não bastando alegar a existência de prejuízos, com a mera utilização de expressões vagas e genéricas e sem concretização factual.
  Por outro lado, as Requerentes dedicam grande parte do respectivo requerimento inicial a procurar demonstrar que a execução do acto é susceptível de causar prejuízos de difícil reparação, não a elas, mas à Região, os quais, como se compreende, não têm qualquer relevância no presente contexto.
  Pode dizer-se, estamos modestamente em crer, que, nos presentes autos, as Requerentes não se desincumbiram do ónus que sobre elas recaía de concretizar e demonstrar sumariamente os prejuízos tidos como prováveis e difíceis de reparação.
  De resto, como Tribunal de Segunda Instância tem vindo a decidir, importa considerar que, «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto» (veja-se o acórdão do TUI de 27.09.2018, processo n.º 69/2018)
  No caso, afigura-se-nos que nada se extrai dos autos que aponte no sentido de que, a não se suspender a adjudicação, possam daí resultar para as Requerentes prejuízos insusceptíveis de reparação pecuniária, pelo propendemos a considerar que não se encontra preenchido o requisito a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
  3.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o presente pedido de suspensão de eficácia.».
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
  
  Da legitimidade das Requerentes.
  Pelas Requerentes A, B有限公司, C, Limitada, e a empresa D有限公司foi constituído o Consórcio A - B – C, Limitada - D.
  O presente pedido de suspensão de eficácia do acto de adjudicação foi requerido apenas por A, B有限公司 e C, Limitada, tendo sido requerida a intervenção principal provocada da empresa D有限公司, a qual também integra o consórcio.
  Nem a Entidade Requerida nem as contra-interessadas deduziram oposição à intervenção principal provocada requerida.
  Citada a empresa a intervir esta silenciou.
  Tendo as Requerentes e a empresa D有限公司, constituído o Consórcio A - B – C, Limitada - D, não sendo o consórcio “o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si, de forma concertada, a realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos” referidos no artº 529º do C.Com. – cf. artº 528º do C.Com. - e consequentemente não tendo, nem personalidade jurídica, nem capacidade judiciária, a legitimidade activa para a acção apenas é assegurada pela intervenção de todas as empresas que o constituem, sendo esta uma situação de litisconsórcio necessário prevista no artº 61º do CPC.
  Tal como tem vindo a ser sustentado pela Doutrina e Jurisprudência no caso de litisconsórcio necessário activo, caso nem todos os sujeitos queiram instaurar a acção a única via que aqueles que o pretendem fazer têm é instaurar a acção e requerer a intervenção principal provocada dos demais nos termos do artº 267º do CPC1.
  Requerida a intervenção principal provocada dos não requerentes, deferida aquela e citado o chamado, sendo uma situação de litisconsórcio activo, a sentença constitui quanto a este caso julgado mesmo que não intervenha na causa nos termos do artº 270º, al. a) do artº 262º e artº 61º, todos do CPC.
  No caso em apreço o sujeito que faz parte do consórcio e aqui não intervém como Requerente, foi citado e silenciou, pelo que, face a todo o exposto se tem por deferida a requerida intervenção principal provocada e regularizada a instância, julgando-se as partes legitimas.
  No mesmo sentido se entende no Acórdão do TUI de 30.10.2020 proferido no processo nº 160/2020 embora a situação ali apreciada seja distinta uma vez que decorre da desistência da instância em sede de recurso contencioso de um dos consortes.
  
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

1. Por anúncio publicado no BO nº 19 de 10.05.2023 foi aberto concurso público dos serviços de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane”;
2. As agora Requerentes concorreram ao concurso público referido na alínea anterior;
3. Por Despacho de 06.05.2024 de S.Exa. o Senhor Chefe do Executivo foi adjudicado o contrato de “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane” ao Consórcio composto pelas F有限公司, G有限公司e H, Limitada.

b) Do Direito
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
  
  Sustentando as Requerentes que o acto cuja suspensão se pede apesar de ter conteúdo negativo tem uma vertente positiva, vêm a Entidade Recorrida e as contra-interessadas invocar que o acto em causa tem conteúdo negativo e não é susceptivel de suspensão.
  Para se determinar se um acto administrativo é de conteúdo positivo ou negativo e se um acto negativo tem ou não vertente positiva há que avaliar se o mesmo introduz alguma alteração na esfera jurídica do interessado.
  No caso dos concursos públicos os candidatos têm a perspectiva de que no final venha a ser proferido acto de adjudicação a seu favor, contudo, tal mais não é do que uma mera expectativa, pelo que, se tal não vier a acontecer não decorreu daí alteração alguma na esfera jurídica do interessado.
  São várias as decisões em que a Jurisprudência concluiu que no caso dos concursos públicos a adjudicação a determinado sujeito, para o concorrente a quem não foi feita a adjudicação é um acto neutro uma vez que a sua esfera jurídica em nada se altera2.
  Este tem sido o entendimento deste Tribunal.
  Contudo, tem vindo, também, a entender-se que a vertente positiva dos actos negativos se pode traduzir no efeito útil do recurso contencioso.
  Como muito bem se invoca no requerimento inicial, se é certo que o acto de adjudicação não inova na esfera jurídica do interessado a quem não é feita a adjudicação, não é menos certo que a adjudicação retira qualquer efeito útil ao recurso contencioso ao impedir que obtido provimento nesse venha a ser alterada a esfera jurídica do interessado sendo-lhe adjudicado o objecto do concurso.
  Nesta medida, tem vindo a ser sustentado que o acto apesar de negativo tem uma vertente positiva, uma vez que é praticado um acto de conteúdo positivo – o de adjudicação – que indirectamente se reflecte na esfera jurídica do interessado.
  Sobre esta matéria já se pronunciou o TUI no Acórdão de 13.11.2019 proferido no processo que correu termos sob o nº 112/2019:
  «Acto de conteúdo negativo.
  Ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, a eficácia do acto administrativo dos autos pode ser suspensa porque ela tem utilidade evidente para o recorrente. “Na verdade, a suspensão do acto que decide de um concurso público tem um evidente interesse para o candidato preterido e é efectivamente possível. Com a suspensão da eficácia do acto, o candidato retira uma vantagem. Com esta suspensão, a adjudicação não pode tornar-se efectiva, o que corresponde ao interesse do candidato preterido na manutenção do statu quo, até à decisão final do recurso contencioso que decida da adjudicação. Só assim se garante o princípio da tutela jurisdicional efectiva, a que se refere o artigo 2.º”3».
  Destarte, acompanhando aquela que é a jurisprudência do TUI e que melhor garante o princípio da tutela jurisdicional efectiva, entendemos que no caso em apreço estamos perante um acto negativo que apresenta uma vertente positiva, sendo possível a suspensão nos termos da al. b) do artº 120 do CPAC, julgando-se improcedente a excepção da insusceptibilidade da suspensão de eficácia suscitada pela Entidade Requerida.
  
  Assim sendo, impõe-se apurar da eventual existência dos demais requisitos.
  Reza o artº 121º do CPAC o seguinte:
  «1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.».
  
  Estes requisitos são de verificação cumulativa, salvo as situações previstas nos nºs 2, 3 e 4.
  
  Vejamos então.
  
  Sobre o sentido do que se entende prejuízo de difícil reparação a que alude a alínea a) do artº 121º do CPAC mostra-se apropriado ver José Cândido de Pinho na obra indicada a pág. 215 na anotação 10 ao artº 121º “por muito merecedores de consideração que todos possam ser, o legislador só toma em boa conta os prejuízos que dificilmente possam ser reparados pelas vias normais ressarcitórias”, o que significa que o legislador na densificação do conceito “prejuízos de difícil reparação” apenas tinha em vista a possibilidade de reparação através de compensação.
  Ora, os prejuízos que se invocam para além de serem hipotéticos seriam sempre financeiramente passíveis de serem ressarcidos através das competentes acções para o efeito.
  Por outro lado, tal como também tem vindo a ser unânime na nossa jurisprudência o requisito do prejuízo de difícil reparação tem de ser concretizado com base em factos concretos de onde se possa aferir a verificação do mesmo, não podendo resultar de forma alguma de conjecturas de possiveis situações futuras mas incertas das quais possa, eventualmente, vir a resultar um prejuízo.
  Ora é precisamente isto que as Requerentes alegam, uma incerta e eventual situação de onde possa resultar um prejuízo.
  Logo não se invocam factos concretos de onde possa resultar o invocado prejuízo.
  Prejuízo esse que a acontecer, segundo o que decorre das alegações das Requerentes seria sempre financeiro e como tal indemnizável.
  Destarte, impõe-se acompanhar o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público no sentido de que as Requerentes não invocam prejuízos próprios que fossem de difícil ou impossível reparação.
  
  Em igual sentido se decidiu no citado Acórdão do TUI onde se diz:
  «3. Prejuízos de difícil reparação
  No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido que a execução deste cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso [alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso].
  Como dissemos no acórdão de 14 de Novembro de 2009, no Processo n.º 33/2009, “Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
  A anulação de um acto que decide a atribuição de licenças em número fixo, no âmbito de um concurso público, tem sempre inconvenientes, mais fáceis ou mais difíceis de serem ultrapassados.
  No caso dos autos, se o recurso contencioso interposto pelo ora recorrente fosse procedente, não haveria qualquer inconveniente que a Administração, em vez de 40 licenças de notário privado, atribuísse 41, para remediar um erro seu: bastava a alteração do Despacho do Chefe do Executivo n.º 231/2017.
  Mas ainda que assim não fosse, não alegou o ora recorrente no recurso contencioso qualquer prejuízo de difícil reparação da execução do acto para o recorrente, como se vê da leitura dos mencionados artigos 24.º e 25.º, únicos dedicados ao tema.».
  
  Quanto aos demais prejuízos invocados seriam da RAEM o que não se enquadra na previsão da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
  
  Também invoca a Entidade Recorrida que não se demonstra que a suspensão não determina grave lesão do interesse público dado que está em causa não só a manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Coloane como também a urgência da modernização das instalações.
  Ora, sendo do conhecimento público a necessidade do funcionamento das Estações de Tratamento de Águas Residuais, seja por razões de saúde pública seja por razões ecológicas, acrescido ainda que o contrato a adjudicar prevê também a modernização das instalações, é evidente que o adiamento da adjudicação de um contrato desta natureza, adiamento esse poderia ser de anos considerando o decurso normal de uma acção judicial desta complexidade e as instância de recurso a que poderá subir, dúvidas não subsistem que a suspensão de eficácia do acto de adjudicação iria colidir com o interesse público subjacente ao acto de adjudicação em causa.
  Pelo que, também o requisito da alínea b) do artº 121º do CPAC não está verificado.
  
  Também neste sentido veja-se o Acórdão do TUI de 13.11.2019 proferido no processo 112/2019 quando está em causa a prestação de serviços à população.
  
  Sendo a verificação dos requisitos enunciados cumulativa a não verificação dos das alíneas a) e b) é bastante para se concluir pela improcedência da requerida suspensão de eficácia, ficando prejudicada a apreciação dos demais, sem contudo deixar de se fazer uma referência que não acompanhamos a posição adoptada no Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público quanto à existência de fortes de indícios da ilegalidade do recurso pelas fundamentos invocados no que concerne à legitimidade activa das Requerentes, sendo certo que, a situação actual nos autos de recurso contencioso é diferente da referida no parecer.
  
  Da invocada má-fé.
  Não resulta dos autos que as Requerentes mais não tenham feito do que invocar uma posição em direito sustentável com vista a proteger os seus interesses, pelo que, não estão verificados os pressupostos do artº 385º do CPC, sendo de indeferir o pedido de condenação como litigantes de má-fé.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos indefere-se o pedido de suspensão de eficácia do acto.
  
  Custas a cargo das Requerentes fixando-se a taxa de justiça em 4Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 07 de Novembro de 2024

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
  
1 Veja-se Viriato Lima em Manual de Direito Processual Civil, Acção Declarativa Comum, 3º Ed., pág. 231/232.
2 Nesse sentido veja-se José Cândido de Pinho em Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, Vol. II, anotações ao artº 120º, pág. 191.
3 VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Macau, CFJJ, 2015, p. 341.
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513/2024/A SUSPENSÃO 1