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Processo n.º 616/2024 Data do acórdão: 2024-11-14
Assuntos:
– recurso extraordinário
– revisão da sentença
S U M Á R I O
1. Distinguem-se duas fases da revisão da sentença, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
2. Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do Código de Processo Penal).
3. E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.os 439.°, 441.° e 442.° do Código de Processo Penal).
4. Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do Código de Processo Penal, confrontadamente).
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 616/2024
(Autos de recurso extraordinário de revisão da sentença)
Requerente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I - RELATÓRIO
A arguida A, condenada pela prática de um crime de burla contra a pessoa ofendida B, por sentença já transitada em julgado no Processo Comum Singular n.o CR1-21-0355-PCS do Tribunal Judicial de Base (TJB), veio pedir a revisão dessa decisão condenatória com invocação do art.o 431.o, n.o 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal (CPP), alegando que, segundo a matéira de facto dada por provada no superveniente acórdão condenatório do Processo Comum Colectivo n.o CR4-23-0114-PCC do TJB, foi uma outra pessoa, chamada C, que, com uso da identidade da própria ora requerente, burlou a referida pessoa ofendida no montante de nove mil e quinhentos dólares de Hong Kong (cfr. o teor do requerimento de revisão a fls. 2 a 9v do presente processado).
Sobre o pedido de revisão, o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal Judicial de Base pronunciou-se a fls. 16 a 21v no sentido de procedência.
Subsequentemente, foi emitida, a fls. 66 a 71v, informação judicial à luz do art.o 436.o do CPP, no sentido de provimento do pedido de revisão.
Subido o processado para este Tribunal de Segunda Instância, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 79 a 80v, opinando pela procedência do pedido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A ora requerente A foi condenada, por sentença de 28 de Abril de 2022, já transitada em julgado em 18 de Maio de 2022, do Processso Comum Singular n.o CR1-21-0355-PCS do TJB, como autora material, na forma consumada, de um crime de burla (cometido em 2 de Agosto de 2021), p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 1, do CP, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, e também condenada no pagamento de nove mil e quinhentos dólares de Hong Kong (com juros legais) de indemnização pecuniária à pessoa ofendida B (cfr. o teor dessa sentença, ora certificado a fls. 22 a 28 do presente processado).
A arguida C do Processo Comum Colectivo n.o CR4-23-0114-PCC do TJB ficou aí condenada, por acórdão de 12 de Janeiro de 2024 (cfr. o teor desse acórdão, certificado a fls. 43 a 56 do presente processado), pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de burla (no valor de nove mil e quinhentos dólares de Hong Kong, cometido em 2 de Agosto de 2021, contra a pessoa ofendida chamada B), de um crime de uso de documento de identificação alheio (i.e., em concreto, do documento de identificação da ora requerente A) e de um crime de prestação de falsas declarações sobre a identidade, na pena única de um ano e seis meses de prisão efectiva, e condenada também no pagamento de nove mil e quinhentos dólares de Hong Kong de indemnização (com juros legais) à pessoa ofendida B.
De acordo com a fundamentação fáctica desse acórdão, a arguida C utilizou a identidade da ora requerente A no decurso da burla cometida contra a pessoa ofendida B.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A arguida A condenada no subjacente Processo n.o CR1-21-0355-PCS do TJB pede agora a revisão da decisão condenatória aí proferida e já transitada em julgado.
Como se sabe, distinguem-se duas fases da revisão, a saber: o judicium rescindens e o judicium rescissorium.
Na primeira fase, a de judicium rescindens (juízo rescindente), só cabe julgar se procede o fundamento da revisão da sentença (cfr. maxime o art.º 437.º, n.° 3, do CPP).
E se sim, entrar-se-á na fase subsequente, a de judicium rescissorium (juízo rescissório), em que haverá que proferir nova sentença, depois de se efectuarem as diligências absolutamente indispensáveis e efectuado novo julgamento (cfr. os art.os 439.°, 441.° e 442.° do CPP).
Daí se retira que apesar da admissão da revisão, o recurso pode deixar de obter o provimento a final (cfr. os art.ºs 443.° e 445.° do CPP, confrontadamente).
No caso concreto em análise, atenta a matéria de facto provada no superveniente acórdão condenatório da arguida C do Processo Comum Colectivo n.o CR4-23-0114-PCC, é evidente que os factos aí provados no respeitante à identidade de qual a pessoa real que burlou a mesma pessoa ofendida B no valor de nove mil e quinhentos dólares de Hong Kong no dia 2 de Agosto de 2021 são absolutamente incompatíveis com a matéria de facto dada por provada neste ponto na anterior sentença condenatória do subjacente processo penal n.o CR1-21-0355-PCS.
Daí que o ora pedido de revisão não pode deixar de proceder à luz do art.o 431.o, n.o 1, alínea c), do CPP, sem mais indagação por ociosa.
IV - DECISÃO
Por todo o expendido, acordam em autorizar a revisão pretendida pela condenada A, reenviando, por conseguinte, o Processo Comum Singular n.o CR1-21-0355-PCS ao 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, para este Juízo efectuar novo julgamento, por um outro Juiz, sobre a causa penal desse processo.
Sem custas.
Fixam em duas mil e oitocentas patacas os honorários do Ilustre Defensor Oficioso da requerente, a pagar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Comunique a presente decisão ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 14 de Novembro de 2024.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
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