Processo n.º 494/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 14 de Novembro de 2024
ASSUNTOS:
- “Acordos fiduciários” celebrados antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2022, de 14 de Novembro
SUMÁRIO:
I – Em Macau, até ao nascimento da Lei nº 15/2022, de 14 de Novembro, é pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a admissibilidade de negócios fiduciários na ordem jurídica em nome da liberdade e autonomia contratual consagrada no art. 405º/1 1 CC de 1966, ou artigo 399º do CCM, e da natureza meramente obrigacional das restrições decorrentes de negócios jurídicos ao direito de propriedade conforme prescreve o art. 1306° nº 1 CC de 1966, ou artigo 1230º do CCM.
II - Os negócios fiduciários reconduzem-se a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer em face de terceiros e até mesmo ente elas, mas obrigando-se o adquirente (pactum fiduciae; cláusula fiduciária) a só exercitar o seu direito em vista de certa finalidade.
III – Do quadro factual resulta provado que um imóvel do Recorrente foi vendido em 15/09/2021, sem instruções do mesmo, a partir dessa data o Reú tinha a obrigação de devolver ao Recorrente as quantias recebidas e os respectivos juros a partir da mesma data ao abrigo do disposto no artigo 1090º do CCM, e não a partir da data da citação, pois o Recorrido/mandatário passou a ter a obrigação de devolver as quantias recebidas a partir daquela data e não o fez.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 494/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 14 de Novembro de 2024
Recorrente : A
Recorrido : B
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 21/12/2023, veio, em 23/01/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 293 a 323, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. Autor e Réu celebraram dois contratos denominados de "Trust Agreement", em 7 de Maio de 2013 e em 21 de Julho de 2017, contratos que devem ser qualificados como "contratos de fidúcia", na modalidade de "fiducia cum amico", caracterizado pela doutrina como o negócio em que uma pessoa (o fiduciante) transmite bens ou direitos a outra pessoa (o fiduciário), obrigando-se o adquirente (fiduciário) a só exercitar esses direitos assim por si adquiridos em vista de uma certa finalidade (a cláusula fiduciária ou "pactum fiduciae"), que tanto pode ser a sua administração (para deles por exemplo obter frutos), como a sua alienação, no interesse da pessoa que lhos transmitiu (o fiduciante) ou de outras pessoas por ele designadas (beneficiários do fideicomisso), para quem deve transmitir os benefícios gerados ou resultantes dessa administração e disposição.
II. O negócio fiduciário tem dois elementos, o elemento real, integrado pela transmissão de bens ou direitos - pela qual, o fiduciário adquire irrevogávelmente um direito de propriedade oponível "erga omnes" - e o elemento obrigacional, integrado pela constituição de uma obrigação - cujo objecto consiste na administração ou disposição desses bens ou direitos, no interesse do fiduciante ou de terceiros por ele designados (beneficiários do fideicomisso), para quem, nas condições determinadas no negócio, deve transmitir os benefícios resultantes da sua administração ou disposição, ou a quem deve devolver os próprios bens e direitos, quando verificados o termo ou condição resolutivos do negócio fiduciário, ou a realização do seu fim ou a impossibilidade de o realizar.
III. A transmissão da propriedade dos bens ou direitos operada pelo fiduciante a favor do fiduciário, ou seja, feita pelo Autor a favor do Réu, deverá produzir todos os seus normais efeitos "erga omnes", i.e. entre as partes e em face de terceiros, tendo sido este o regime jurídico deste tipo de negócios até à entrada em vigor da Lei n.º 15/2022 (Lei da Fidúcia), lei que passou a permitir a constituição, com carácter real de restrições ao direito de propriedade do fiduciário sobre o património em fideicomisso, que não responde pelas dívidas do fiduciante (art. 11.° da referida lei).
IV. Pelo que, as regras aplicáveis à relação contratual entre Autor e Réu, uma vez transmitidos os direitos ou bens que integram o património fiduciário, são as regras do mandato, sendo estas que conformam o exercício dos direitos e faculdades decorrentes da propriedade de tais bens pelo fiduciário, na modalidade de mandato sem representação, ou sejam, as normas dos arts. 1106.° a 1110.° do C. Civil.
V. O Autor deu instruções ao Réu para vender a fracção "B2" do Edf. XXX, integrada no património fiduciário por determinado preço, e o Réu assim fez, mas do preço transferiu o sinal que havia recebido, no valor de HKD550,000,00, quando da celebração do contrato-promessa de compra e venda, mas do remanescente do preço HKD3,430,000.00, equivalente a USD440,000.00, só transferiu USD250,000.00, quando da celebração da escritura de compra venda em 18.02.2021, estando em falta a quantia de USD190,000.00, equivalente a MOP1,536,720.00, que, após interpelação em 04.03.2021 para proceder à sua transferência imediata por estar em mora, se comprometeu a transferir brevemente, o que nunca fez.
VI. O prazo acordado entre A. e R. para a transferência do remanescente do preço era a data da escritura, como o R. confessou, mas ainda que, assim, se não entenda, o R. foi extrajudicialmente interpelado para cumprir em 04.03.2021, e também nessa data reconheceu estar em mora no pagamento ao Autor da quantia de USD190,000.00, equivalente a MOP1,536,720.00, pelo que, está obrigado ao pagamento de indemnização pela mora, ou seja, ao pagamento de juros à taxa legal contabilizados, senão a partir da primeira das datas indicadas, a da escritura em 18.02.2021, a partir da segunda, 04.03.2021 - entendimento contrário faria indevida interpretação e aplicação do art. 794.°, n.ºs 1 e 2, a), do Código Civil.
VII. O Réu sem instruções ou autorização do Autor hipotecou a fracção "C3" do Edf. XXX ao "C Bank (Hong Kong) Limited", para obter um crédito de HKD2,500,000.00 para a sociedade "D Limitada" de que é sócio, por escritura de 18.10.2019, e arrecadou o dinheiro no seu património, e por contrato celebrado por escrito celebrado com o Autor em 19.01.2020 confessou que havia hipotecado a fracção sem autorização do Autor e havia utilizado a quantia mutuada pelo banco para necessidades pessoais e do seu comércio, comprometendo-se a pagar o saldo da dívida do empréstimo garantido por hippoteca ao referido banco até ao dia 01.07.2020, o que não fez.
VIII. O Réu vendeu a fracção "C3" do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, por escritura celebrada em 17.11.2022, sem instruções ou autorização do Autor e ocultando a venda, pelo preço declarado de HKD3,500,000.00 - que arrecadou no seu património e nunca transferiu -, inferior ao preço que no mercado o A. havia obtido com a venda das fracções equivalentes em área "B2" e "B3" do Edf. XXX de HKD3,800,000.00, causando-lhe assim, com o incumprimento culposo dos termos do contrato de fidúcia entre ambos celebrado, um prejuízo de HKD3,800,000.00 – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos artigos 787.°, 788.°, 556.° e 558.° do Código Civil.
IX. O Réu só pagou ao A. a quantia de USD35,829.00, equivalente a aproximadamente, HKD278,736.00, mas o A. pretende ainda que o mesmo o indemnize pelo remanescente dano que lhe foi causado com o incumprimento culposo pelo Réu da obrigações por si assumidas no contrato de fidúcia, com a quantia de HKD3,500,000.00 - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos artigos 787.°, 788.°, 556.° e 558.° do Código Civil.
X. A fracção "P10" do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, foi, conforme instruções do Autor ao Réu, por este hipotecada ao "Banco E, S.A.", para garantia de concessão de um crédito por este banco de MOP2,568,435.00, por escritura de 05.09.2019 e, de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022, o Autor transferiu para as contas afectas à amortização do empréstimo todos os meses a quantia de USD2,400.00, para pagamento da prestação mensal de MOP19,035.00.
XI. O Réu vendeu a fracção “P10” do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, por escritura celebrada em 15.09.2021, sem instruções ou autorização do Autor e ocultando a venda, pelo preço declarado de HKD5,230,000.00, equivalente a MOP5,397,360.00.
XII. O Réu arrecadou no seu património o saldo da venda - diferença entre o preço por si recebido com a venda e o dinheiro necessário ao pagamento integral da dívida garantida por hipoteca da fracção ao "Banco E, S.A.", que o Autor desconhece qual seja.
XIII. Ora, a falta de liquidez deste crédito, que se constituiu no património do Autor na data da venda da fracção “P10” do Edf. XXX, decorre de um facto ilícito do Réu e a sua iliquidez decorre de omissão de obrigações a que o Réu está adstrito nos termos do mandato que aceitou exercer no contrato de fidúcia. Assim, o Réu está constituído em mora no pagamento do saldo do produto da venda da referida fracção, desde a data da sua venda, isto é, desde 15.09.2021, a que deve acrescer a indemnização pela mora, ou seja, ao pagamento de juros à taxa legal contabilizados, desde essa data - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 794.°, n.ºs 2, b), e 4 do Código Civil.
XIV. O Réu está obrigado a pagar ao Autor a quantia de MOP291,168.00, das quinze prestações mensais indevidamente pagas para amortização do acima mencionado empréstimo feito pelo "Banco E S.A.", garantido por hipoteca da fracção “P10” do Edf. XXX, que o Réu indevidamente transferiu para pagamento das prestações mensais de amortização do empréstimo, após a data da sua venda, acrescida de juros de mora á taxa legal desde a data da citação, pelo que, a decisão do tribunal "a quo", que o condena a esse pagamento ao Autor está correcta e devidamente fundamentada em termos de facto e de direito.
XV. Já quanto à decisão de condenação do Réu ao pagamento ao Autor da quantia de MOP4,277,476.30, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 02.07.2020, apesar de na parte dispositiva estar correcta, está incorrecta no que diz respeito à sua fundamentação, porque a causa de pedir de tal pagamento é pura e simplesmente o o empréstimo de diversas quantias pelo Autor ao Réu, que nessa data somavam a quantia de USD528,867.00, junto como Doc. n.º 28 à P.I., e que conforme o contrato celebrado entre Autor e Réu no dia 19.01.2020, deveria ser paga diversas prestações, de montante e na data aí fixadas, dívida que se venceu na totalidade em 02.07.2020, pela imediata falta de pagamento pelo Réu da primeira prestação de amortização do empréstimo.
Termos em que,
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que dê acolhimento às conclusões extractadas.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. O R. é agente imobiliário e está licenciado para o exercício de tal actividade sob o n.º AI-10002287-8 pelo Instituto de Habitação, exercendo tal actividade para o empresário comercial, pessoa colectiva, que adoptou a firma “F Lda.”, em português, e “F有限公司”, em chinês, com sede em Macau, 澳門XXXXXXX, registada sob o n.º 18737(SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, pessoa colectiva licenciada para o exercício da actividade de mediador imbiliário sob a licença n.º MI-10000651-0, de que é sócio, detendo 50% do capital social de MOP 25,000.00.
2. O A. reside e sempre residiu nos Estados Unidos da América e, aproximadamente, desde 2005 que investe no mercado imobiliário de Macau, comprando, para revender com lucro, fracções autónomas para habitação de prédios em construção.
3. Com a entrada em vigor da Lei n.º 15/2022, o A. acordou com o R. que este passaria a prometer-comprar, comprar, prometer-vender e vender as fracções autónomas para habitação de prédios em construção.
4. (…) E que o A. pretendesse comprar para revenda com certa margem de lucro em seu próprio nome, mas por conta do A.
5. Em 07 de Maio de 2013 e em 21 de Julho de 2017 o A. e o R. celebraram dois acordos denominados por “Turst Agreement” - cfr. Doc.s n.ºs 3 e 4 da p.i., que aqui se têm por integralmente reproduzidos.
6. No contrato acima referido celebrado em 07 de Maio de 2013, o alegado “Património Fiduciário” era constituído pelas seguintes fracções:
a) Fracções “I1”, “J1”, “K1”, “L1”, todas do 1.º andar, “I3”, “J3”, “K3”, todas do 3.º andar, “O4”, “P4”, “Q4”, “R4”, “S4”, “T4”, todas do 4.º andar, “O5”, “P5”, “Q5”, “R5”, “S5”, “T5”, todas do 5.º andar, “O8”, “P8”, “Q8”, “R8”, “’S8”, “T8”, todas do 8.º andar, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado por “Magdalene”, construído no terreno dos prédios n.º 52 a 58 da Av. do XXXX, Macau, descrito sob o n.º 14282, fls. 111 do Livro B-38 na Conservatória do Registo Predial de Macau;
b) Fracções “A2”, “B2”, “C2”, “D2”, todas do 2.º andar, “A3”, “B3”, “C3”, “D3”, todas do 3.º andar, e “B4”, do 4.º andar, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado por “XXX”, construído no terreno s/n.º da XXXX, Macau, descrito sob o n.º 11533, fls. 32v do Livro B-31 na Conservatória do Registo Predial de Macau;
c) Fracções “A1”, “B1”, “C1”, todas do 1.º andar, “A2”, “B2”, “C2”, todas do 2.º andar, “A3” e “B3”, ambas do 3.º andar, “Ar/c”, do rés-do-chão e cave, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado “Cabana Verde”, construído no terreno dos prédios n.º 12 e 14 da XXXX, Taipa, Macau, descrito sob o n.º 4875, fls. 4v do Livro B-22 e 23041 do Livro B na Conservatória do Registo Predial de Macau.
7. No contrato acima referido celebrado em 21 de Julho de 2017, o alegado “Património Fiduciário” era constituído por:
a) Fracções “I10”, “J10”, “K10”, “L10”, “M10”, “N10”, “O10”, “P10” e “Q10”, todas do 10.º andar, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado “XXX”, Sub-condomínio C, construído num terreno sito na XXXXX, Macau, descrito sob o n.º 23295-C na Conservatória do Registo Predial de Macau.
8. Em 07.12.2018 A. e R celebraram contrato (cfr. Doc. n.º 5 da p.i., que aqui se tem por integralmente reproduzido), pelo qual, o A. emprestou ao R. nessa data a quantia de USD$275,000.00, montante que o R. se comprometeu a pagar, acrescido de 10% a título de juros, até ao dia 1 de Outubro de 2019, em quatro prestações:
a) Em 01.05.2019 a quantia de USD 50,000.00;
b) Em 01.06.2019 a quantia de USD 50,000.00;
c) Em 01.09.2019 a quantia de USD 100,000.00; e
d) Em 01.10.2019 a quantia de USD 102,500.00.
9. Mais ficou acordado no referido contrato que o pagamento de qualquer das prestações após o termo acordado para o seu pagamento, seria acrescida de juros de mora contabilizados à taxa de juro anual de 10%, contabilizados dia a dia até à data do seu efectivo pagamento, sem prejuízo de o A. poder considerar imediatamente devido todo o capital e juros através de notificação por escrito enviada por carta registada ao R. para o endereço mencionado no contrato.
10. O Réu não pagou o acima referido empréstimo nos termos acordados.
11. Algumas fracções foram vendidas pelo R. conforme instruções do A., após a celebração dos contratos definitivos de compra e venda, ficaram registadas a favor do R. as seguintes fracções, incluídas no alegado “Património Fiduciário” dos contratos acima mencionados:
- Fracção autónoma designada por “B2”, do 2.º andar “B”, para habitação, com entrada pelo n.º 2 da XXXX, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 274214G, doravante aqui designada por “Fracção “B2” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “B3”, do 3.º andar “B”, para habitação, com entrada pelo n.º 2 da XXXX, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 274220G, doravante aqui designada por “Fracção “B3” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “C3”, do 3.º andar “D”, para habitação, com entrada pelo n.º 2 da XXXX, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 274223G, doravante aqui designada por “Fracção “C3” do Edf. XXX”; e
- Fracção autónoma designada por “D3”, do 3.º andar “D”, para habitação, com entrada pelo n.º 2 da XXXX, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 274224G, doravante aqui designada por “Fracção “D3” do Edf. XXX”;
Todas do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado de “XXX”, n.ºs 2 e 2-A da XXXX, inscrito sob o artigo n.º 73837 na Matriz Predial de Macau, e descrito sob o n.º 11533, a fls. 32v do Livro B-31 na Conservatória do Registo Predial de Macau, com a constituição do regime de propriedade horizontal registada pela inscrição n.º 33430F, construído em terreno concedido por aforamento pela Região Administrativa Especial de Macau, conforme registado pela inscrição n.º 890, fls. 56 do livro F-2.
- Fracção autónoma designada por “I10”, do 10.º andar “I”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363496G, lavrada a fls. 102 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 56 do Notário Privado XXX, doravante aqui designada por “Fracção “I10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “J10”, do 10.º andar “J”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 367196G, doravante aqui designada por “Fracção “J10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “K10”, do 10.º andar “K”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363496G, doravante aqui designada por “Fracção “K10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “L10”, do 10.º andar “L”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363494G, doravante aqui designada por “Fracção “L10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “M10”, do 10.º andar “M”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363496G, doravante aqui designada por “Fracção “M10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “N10”, do 10.º andar “N”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363492G, doravante aqui designada por “Fracção “N10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “O10”, do 10.º andar “O”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363496G, doravante aqui designada por “Fracção “O10” do Edf. XXX”;
- Fracção autónoma designada por “P10”, do 10.º andar “P”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363489G, doravante aqui designada por “Fracção “P10” do Edf. XXX”; e
- Fracção autónoma designada por “Q10”, do 10.º andar “Q”, para habitação, com a aquisição definitivamente registada a favor do R. pela inscrição n.º 363496G, doravante aqui designada por “Fracção “Q10” do Edf. XXX”;
Todas do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado de “XXX”, Subcondomínio “C”, s/n.º da Rampa dos Cavaleiros e s/n.º da R. do Padre Eugénio Taverna, inscrito sob o artigo n.º 74098 na Matriz Predial de Macau, e descrito sob o n.º 23295-C do Livro B na Conservatória do Registo Predial de Macau, com a constituição do regime de propriedade horizontal registada pela inscrição n.º 35323F, construído em terreno concedido por arrendamento pela Região Administrativa Especial de Macau, pelo prazo de 25 anos a contar de 09.03.2011, nos termos do contrato de concessão formalizado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 9/2011, publicado no BORAEM n.º 10, II.ª Série, de 09.03.2011, conforme registado pela inscrição n.º 32969F.
12. Todas as despesas com a compra das fracções acima referenciadas, como as prestações do preço, o imposto de selo de transmissão, os honorários de advogado, os emolumentos de registo predial com os diversos actos de registo envolvidos, os emolumentos notariais e selo dos contratos-promessa e escrituras, as prestações de condomínio e outros encargos foram pagos com fundos / dinheiros do Autor.
13. O R., conforme instruções do A., para garantia de empréstimos com o fim de financiar parte do preço de aquisição das fracções, hipotecou as fracções “L10”, “N10” e “P10” do Edf. XXX.
14. A fracção “L10” do XXX foi hipotecada ao “Banco G, S.A.”, com sede em Macau, Av. da XXXXX, para garantia de concessão de facilidades bancárias da quantia de MOP 4,742,600.00, ao juro anual de 2.275%, acrescido de 6.10% em caso de mora e despesas emergentes de MOP 474,260.00, por escritura de 05.09.2019, lavrada a fls. 105 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 56 do Notário Privado XXX, conforme registado pela inscrição n.º 252497C na Conservatória do Registo Predial de Macau (cfr. Doc. n.º 15 da p.i., fls. 16).
15. A fracção “N10” do Edf. XXX foi hipotecada ao “Banco G, S.A.”, com sede em Macau, Av. da XXXXXXX, para garantia de concessão de facilidades bancárias da quantia de MOP 5,258,100.00, ao juro anual de 2.275%, acrescido de 6.10% em caso de mora e despesas emergentes de MOP 525,810.00, por escritura de 05.09.2019, lavrada a fls. 113 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 56 do Notário Privado XXX, conforme registado pela inscrição n.º 252493C na Conservatória do Registo Predial de Macau (cfr. Doc. n.º 15 da p.i., fls. 19).
16. A fracção “P10” do Edf. XXX foi hipotecada ao “Banco E, S.A.” com sede em Macau, Al. Dr. Carlos D’Assumpção n.º 418, para garantia de concessão de facilidades bancárias da quantia de MOP 2,568,435.00, ao juro anual de 2.275%, acrescido de 3% em caso de mora e despesas emergentes de MOP 256,844.00, por escritura de 05.09.2019, lavrada a fls. 121 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 56 do Notário Privado XXX, conforme registado pela inscrição n.º 252491C na Conservatória do Registo Predial de Macau (cfr. Doc. n.º 16 da p.i., fls. 32).
17. O A., desde Outubro de 2019 e até Dezembro de 2022, todos os meses tem transferido para as contas afectas à amortização dos empréstimos das acima referidas fracções que lhe foram indicadas pelo R., ou sejam, as contas n.ºs XXXX e XXXX do “Banco G, S.A.” as quantias de USD 3,350.00 e USD3,725.00 e para a conta n.º XXXXX do “Banco E, S.A.” a quantia de USD 2,400.00, para pagamento das prestações mensais de MOP 26,779.00, MOP 29,960.00 e de MOP 19,035.00).
18. O R., sem instruções ou autorização do A., hipotecou as fracções “B3” e “C3” do Edf. XXX ao “C Bank (Hong Kong) Limited”, Sucursal de Macau, como garantia de dois empréstimos feitos por este banco a favor da “D Limitada”.
19. Por escritura de 18.10.2019, lavrada a fls. 139, do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 1717 do Notário Privado XXX, o R. hipotecou ao “C Bank (Hong Kong) Limited”, com sede em Hong Kong e sucursal em Macau, XXXXXX, a fracção autónoma “B3” do Edf. XXX, como garantia de um empréstimo da quantia de HKD$2,500,000.00, ao juro anual de 4.875%, acrescido de 3% em caso de mora, com despesas emergentes de MOP 258,000.00, a favor da “D Limitada”, com sede em Macau, XXXXXX, “D”, conforme registado pela inscrição n.º 253908C na Conservatória do Registo Predial de Macau (cfr. Doc. n.º 7 da p.i., fls. 15).
20. Por escritura de 18.10.2019, lavrada a fls. 144 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 1717 do Notário Privado XXX, o R. hipotecou ao “C Bank (Hong Kong) Limited”, com sede em Hong Kong e sucursal em Macau, XXXXX, Lojas “C” e “D”, a fracção autónoma “C3” do Edf. XXX, como garantia de abertura de crédito em concessão de facilidades bancárias gerais da quantia de HKD$2,500,000.00, ao juro anual de 4.875% ao ano, acrescido de 3% em caso de mora, e despesas emergentes de MOP258,000.00, a favor da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que adoptou a firma “D Limitada”, com sede em Macau, XXXXXXX, (cfr. Doc. n.º 8 da p.i., fls. 15).
21. A sociedade mutuante, “D Limitada”, com sede em Macau, XXXXXXX”, está registada sob o n.º 67491(SO) na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau, tem o capital social de MOP$30,000,00, dividido em duas quotas de MOP$27,000.00 e MOP$3,000.00, subscritas por L e pelo R. B.
22. O R. em 19.01.2020 subscreveu um documento em que confessou que sem autorização do A. havia hipotecado as acima referidas fracções “B3” e “C3” do Edf. XXX ao “C Bank (Hong Kong) Limited”, Sucursal de Macau, como garantia de dois empréstimos que este banco lhe concedeu e que usou para necessidades pessoais e do seu comércio, declarando que as quantias em dívida, registadas nas contas afectas à amortização dos empréstimos nessa data, eram (cfr. Doc. n.º 28 da p.i., que aqui se tem por integralmente reproduzido):
- na conta n.º XXXX, relativa à amortização do empréstimo garantido pela fracção “B3” do Edf. XXX, de HKD 1,406,750.00; e
- na conta n.º XXXX, relativa à amortização do empréstimo garantido pela fracção “C3” do Edf. XXX, de HKD 1,930,911.00.
23. Em 12 de Novembro de 2019 o A. recebeu uma oferta para vender a fracção “B3” do Edf. XXX pelo preço de HKD$3,980,000.00, e, assim, deu instruções ao R. para proceder à venda da fracção por esse preço.
24. Por escritura de 27.02.2020, lavrada a fls. 88 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 66 da Notária Privada XXX, o R. vendeu a fracção “B3” do Edf. XXX, a H, solteira, maior, residente em Macau, XXXXXXX, pelo preço de MOP 4,099,400.00 (quantia equivalente, à taxa de câmbio fixada para efeitos notariais de 1.029 por Hong Kong Dólar, a HKD 3,980,000.00.
25. O R. no documento datado de 19.01.2020, confessava dever ao A. a quantia total de USD 528,867.00 – soma da quantia em dívida dos empréstimos que lhe haviam sido anteriormente feitos e que somava nessa data a quantia de USD 347,875.00 acrescida da quantia acima referida de USD 180,992.00 –, a pagar tal quantia de USD 528,867.00, acrescida de juros à taxa de 3.75% ao ano, em 72 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, que se venciam no dia 1 de cada mês e eram após liquidação aritmética de USD 8,998.08 por mês, que teriam início em 1 de Julho de 2020, mais se havendo comprometido a pagar até ao dia 01.07.2020 o saldo em dívida do empréstimo garantido por hipoteca da fracção “C3” do Edf. XXX ao “C Bank (Hong Kong) Limited”.
26. O R. não pagou o saldo em dívida do empréstimo garantido por hipoteca da fracção “C3” do Edf. XXX ao “C Bank (Hong Kong) Limited”.
27. E também não pagou uma sequer dessas prestações mensais de amortização do empréstimo de USD 528,867.00.
28. Relativamente à fracção “B2” do Edf. XXX o R., conforme instruções do A., vendeu a referida fracção, por escritura celebrada em 18.02.2021, lavrada a fls. 45 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 68 da Notária Privada XXX, a I, solteira, maior, residente em Macau, XXXXXX, pelo preço de HKD 3,800,000.00.
29. O R. transferiu o sinal que havia recebido, no valor de HKD 550,000.00, mas do remanescente do preço, HKD 3,430,000.00, só transferiu USD 250,000.00, estando em falta a quantia de USD 190,000.00, que após diversas interpelações ao pagamento feitas pelo A. e sua mandatária, o mesmo, nunca depositou.
30. Sem instruções ou autorização do A. o R., por escritura de 17.11.2022, a fls. 53 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 144 do Notário Privado XXX, vendeu a fracção “C3” do Edf. XXX a J, solteira, maior, residente em Macau, XXXXXX, “BU”, pelo preço de HKD$3,500,000.00, por escritura de 17.11.2022, a fls. 53 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 144 do Notário Privado XXX.
31. O A. pediu esclarecimentos ao R., que, na sequência, enviou ao A. uns contratos-promessa que “fabricou” e para “tentar apaziguar” o A. transferiu a quantia de USD 35,829.00, quantia equivalente a aproximadamente HKD 278,736.90, sem lhe dar conhecimento que a venda já havia sido efectuada e que havia recebido a totalidade do preço.
32. O A. só queria vender a fracção pelo preço porque havia vendido as fracções “B2” e “B3” do Edf XXX, ou seja, pelo preço de HKD 3,800,000.00 cada.
33. O R. vendeu, sem instruções do A. e sem lhe dar conhecimento da venda, arrecadando como seu o preço por si recebido pela venda, a fracção “P10” do Edf. XXX, a K, solteira, maior, residente em Macau, XXXXXX, pelo preço de HKD 5,230,000.00, equivalente a MOP 5,397,360.00, ao câmbio de MOP 1.032 por HKD 1.00, por escritura de 15.09.2021, a fls. 126 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 25 do Notário Privado XXX.
34. Porque o R. não deu conhecimento da venda ao A., o A. continuou a transferir mensalmente de Outubro de 2021 a Dezembro de 2022 para a conta n.º XXXXX do “Banco E, S.A.” a quantia de USD 2,400.00, para pagamento das prestações mensais de MOP 19,035.00, com o fim de amortizar o empréstimo de MOP2,568,435.00 e respectivos juros que havia sido contraído junto do “Banco E, S.A.”, conforme instruções por si dadas ao R..
35. O A. transferiu para a conta do R., a quantia de USD 36,000.00 (= USD$2,400.00 X 15 prestações mensais), equivalente a MOP 291,168.00, ao câmbio de MOP 8.088 por USD 1.00, sem para tal haver causa.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
一、案件概況
原告A,男,未婚,美國籍,居於United States of America, XXXXXX (身份資料詳載於卷宗),針對被告B,男,未婚,居於Macau, XXXXXX,“B”(身份資料詳載於卷宗),提起本通常宣告訴訟程序,請求法庭判處被告:
1. 向原告支付折合澳門幣4,277,476.30圓的款項,並附加自2020年7月2日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
2. 向原告支付折合澳門幣1,536,720.00圓的款項,作為因出售“XXX”大廈“B2”獨立單位後而獲得的價金,並附加自2021年2月18日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
3. 向原告支付折合澳門幣3,612,000.00圓的款項,作為因出售“XXX”大廈“C3”獨立單位後而獲得的價金,並附加自2022年11月17日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
4. 向原告支付折合澳門幣3,171,383.00圓的款項,作為因出售“XXX”大廈“P10”獨立單位後而獲得的價金,並附加自2021年9月15日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
5. 向原告支付有關原告錯誤轉帳的15期樓宇供款(關於“P10”獨立單位),合共折合澳門幣291,168.00圓,並附加自傳喚日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
6. 確認並宣告“XXX”大廈的“I10”、“J10”、“K10”、“L10”、“M10”、“N10”、“O10”、和“Q10”獨立單位構成“XXX Macau Real Property Trust”信託的組成部分,而原告是當中的委託人和受益人,被告是信託的受託人;
7. 解任被告在信託中的受託人職務。
*
被告經適當傳喚後,沒有提交答辯(卷宗第270頁)。
*
本法庭對此案具管轄權。
訴訟形式恰當。
雙方具當事人能力、訴訟能力及正當性。
沒有無效、抗辯或妨礙審理本案實體問題且依職權須即時解決的先決問題。
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二、事實
法院已依法定程序傳喚被告B,然而,被告並無在法定期限內作出答辯,為此,根據本案內所載資料以及澳門《民事訴訟法典》第405條第1款的規定,視被告承認原告於起訴狀內陳述的相關事實並以此作為裁判的基礎事實:
(......)
*
三、 法律部份
1. 原、被告之間訂立的協議的法律性質
在本案中,第一個須解決的問題是,原告與被告分別於2013年5月7日和2017年7月21日所簽訂的名為“TRUST AGREEMENT”的協議在法律上應被界定為什麼類型的協議。
根據兩份協議內的第M項條款,相信無爭議的是,應該適用澳門法律來解釋相關協議。
按照原告的主張,原告認為上述兩份協議構成“信託合同”,根據該合同,信託委託人須將自身的財產設定為信託財產,並移轉予信託受託人以便其對信託財產進行管理或於日後將信託財產出售,在信託合同生效期內,雖然財產是以受託人的名義持有,但受託人須為著信託受益人的利益行事,並將信託財產所產生或轉換而成的利益轉歸受益人所有。
因此,在原告的立場,已證事實第11條內提及的獨立單位雖登記在被告的名下,但透過原、被告雙方簽署的信託合同,該等不動產已構成信託財產,故原告作為信託受益人才是該等獨立單位的最終受益人。
誠言,正如原告所指出,直至第15/2022號法律(《信託法》)的生效後,本澳才正式設立有關信託的法律制度,在該法生效前,並不存在相關制度。
關於第15/2022號法律在時間上的適用方面,不得不指出的是,該法並不存在任何過渡性規定,使該法適用至過去發生的事實,亦即該法對過去事實並沒有追溯效力,且按照《民法典》第11條第1款及第2款上半部分的規定,該法律也僅應該對將來情況作出規範,所以,本人認為第15/2022號法律並不適用於本案。即使認為適用新法,但新法的適用實無助原告的主張,因為原告與被告於2013年5月7日和2017年7月21日簽訂的“TRUST AGREEMENT”協議在形式上並不符合第15/2022號法律第3條第2款的規定,而在信託受託人的資格方面也不符合該法第16條的規定。
本案中,按原告的主張及原、被告之間達成的所謂“信託協議”內容,原告希望藉該協議而獲得的法律效果並非僅限於債權效力,當中還涉及具物權效力的部分,例如信託財產在一般理解上便具有獨立財產的性質,即雖然有關財產表面上由受託人持有或登記於受託人名下,但該財產並不承擔受託人的私人債務,此外,信託財產所產生的利益最終是歸受益人所有,原告更指出希望透過本訴訟確認上指信託條款,以便日後以附註方式將信託條款登記至現時被告名下的不動產(組成信託財產的不動產)。
顯然,原告主張的信託財產的設定本身已跳出現行所有權制度的框架,屬於全新的物權類型。
根據《民法典》第1230條的規定,“除法律規定之情況外,不容許對所有權設定物權性質之限制或其他具有所有權部分內容之權利;凡透過法律行為而產生之不符合上述要求之限制,均屬債權性質。”
而現在原告主張的“信託協議”顯然是在違反物權類型法定原則下所訂立的協議,因為該“信託協議”創設了一項全新類型的所有權,又或至少是變更了原有所有權制度的規定。
因此,我們認為原告與被告分別於2013年5月7日和2017年7月21日所簽訂的“信託協議”根據《民法典》第1230條的規定,僅具債權性質。
關於信託協議或條款的有效性方面,普遍的司法見解僅接受其在合同自由原則指導下的有效性,但同時認為該協議或條款只具債權性質 – 見葡國最高法院於2006年5月11日的合議庭裁判,編號06B1501;葡國里斯本中級法院於1999年4月22日的合議庭裁判,編號0000382及葡國波爾圖中級法院於2002年4月11日的合議庭裁判,編號0230148(全部裁判可於www.dgsi.pt取得)。
那麼,接下來的問題是,原、被告之間的“信託協議”應該被界定為哪一類型的債權性質協議?
事實上,根據已證事實,原告其實並沒有將所謂的“信託財產”內的獨立單位的所有權移轉予被告,相反,是被告在取得該等獨立單位時使用了原告提供的資金,並按照“信託協議”被告有義務按原告的指示出售有關獨立單位,最終的出售所得將轉歸作為受益人的原告所有。
所以無論是買入相關獨立單位或出售相關獨立單位,被告只是按照原告的指示和為著原告的利益而行事,因此,我們認為原、被告的協議本質上只是《民法典》第1083條規定的委任合同,而且是典型的無代理權的委任合同。
關於這方面的理解,從比較法的角度可以參考葡國埃武拉(Évora)中級法院於2017年6月28日的合議庭裁判,編號687/16.2T8PTG.E1(可於www.dgsi.pt取得)。
*
2. 無代理權的委任所產生的權利
根據《民法典》第1083條的規定,“委任係指一方負有義務為他方計算而作出一項或多項法律上之行為之合同”。
根據同法典第1106條的規定,“以自己名義作出行為之受任人,取得及承擔由其所訂立之行為而產生之權利及義務,即使有關委任為參與該等行為或作為該等行為之相對人之第三人所知悉者亦然。”
另按同法典第1107條第1款的規定,“受任人有義務將在執行委任時所取得之權利,轉移予委任人”。
既然雙方訂立的“信託協議”應被視為單純無代理權的委任合同,一個僅具債權效力的協議,那麼,便不能確認原告所主張的“信託財產”之存在,因為信託的建立,實際上會使受託人取得具特殊限制的所有權,而無代理權的委任合同並不足以產生該相同的法律效果,亦不能成為作出物業登記的依據,基於此,法律上並無依據確認本案原告以信託受益人的身份針對“XXX”大廈的“I10”、“J10”、“K10”、“L10”、“M10”、“N10”、“O10”、和“Q10”獨立單位擁有權利,因為無代理權的委任與第15/2022號法律規定的信託制度是兩個截然不同的法律制度,兩者不能混為一談,故除了對不同見解給予應有尊重外,原告提出的第6項請求不能成立。
至於原告提出的第7項請求,由於原、被告之間具有的法律關係為無代理權的委任,兩者之間不存在所指稱的信託受益人和信託受託人之法律關係,同時也無法確立“XXX Macau Real Property Trust”的信託財產之法律地位,故原告請求解除被告作為信託受託人的職務的請求不能成立,相反,原告應考慮按一般規定廢止其向被告作出的委任。
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3. 原告在無代理權的委任合同下的權利
那麼,原告針對被告擁有什麼權利?正如上述援引的《民法典》第1107條第1款的規定,以及根據原、被告雙方的約定(分別見兩份“信託協議”的第H-3)項條款),被告有義務按委任合同執行原告的指示,將獨立單位出售及將出售所得交予原告,同時,被告也有義務按一般規定將在執行委任時所取得之權利轉移予原告,因此,被告有義務將因出售“XXX”大廈“B2”和“C3”獨立單位及“XXX”大廈“P10”獨立單位的所得,全數交付予原告。
1) 關於“XXX”大廈“B2”獨立單位
“B2”獨立單位方面,由於已證實被告已經將之出售予他人,但仍未將全數樓款轉交原告,至今尚欠餘款美元190,000.00圓,折合澳門幣1,536,720.00圓,故被告有責任向原告交還該金額。
此外,關於延遲利息方面,考慮到雙方未就交付出售獨立單位所得金額約定期限,為此,應按《民法典》第794條第1款及《民事訴訟法典》第565條第3款的規定,視傳喚日為相關債務到期日。另外,亦應根據《民法典》第795條1款及2款的規定,判處被告向原告支付自遲延日起以法定利率計算的遲延利息作為損害賠償。
2) 關於“XXX”大廈“C3”獨立單位
“C3”獨立單位方面,由於已證實被告已經將之出售予他人,但至今仍未將全數樓款轉交原告,經扣減已證事實第31條內提及的港幣278,736.90圓,被告有責任向原告交付餘款,但須強調的是,一如原告所指出般,被告在未經原告的同意和許可的情況下,私自將該獨立單位抵押予“C銀行(香港)有限公司”以獲取貸款,所以,在將單位出售他人時,該筆價金尚有必要扣減該銀行貸款1,之後,才能得出應交付予原告的樓款餘額。
法庭認為面對上述情況應依照《民事訴訟法典》第564條第2款的規定作出判處,但判處的金額須留待執行時作結算。
此外,關於延遲利息方面,考慮到債權金額須經結算但仍未結算,為此,根據《民法典》第794條第4款的規定,在結算前不產生遲延利息。
3) 關於“XXX”大廈“P10”獨立單位
“XXX”大廈“P10”獨立單位方面,由於已證實被告已經將之出售予他人,並收取了他人港幣5,230,000.00圓的價金,在扣除澳門大豐銀行貸出的樓宇按揭貸款後,被告至今仍未將餘下樓款轉交原告,惟原告至今尚未得悉上指被扣除的銀行貸款金額,故未能確切知悉被告應交還的樓款金額,儘管如此,法庭認為此一情況無礙法院依照《民事訴訟法典》第564條第2款的規定作出判處,但判處的金額須留待執行時作結算。
此外,關於延遲利息方面,考慮到債權金額須經結算但仍未結算,為此,根據《民法典》第794條第4款的規定,在結算前不產生遲延利息。
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4) 由原告多付的關於“XXX”大廈“P10”獨立單位的供款
根據已證事實,原告因起初不知悉被告將“XXX”大廈“P10”獨立單位出售他人一事(發生於2021年9月15日),仍於2021年10至2022年12月期間繼續向被告持有的大豐銀行帳戶(編號XXXXX)每月轉帳2,400.00美元用作支付樓宇供款,故原告請求被告返還一共15期的樓宇供款金額。
法庭認為原告之所以向被告轉帳上指金額是為著執行委任合同的目的,既然“P10”獨立單位已經出售他人並付清了銀行按揭貸款,那麼,被告根本毋須使用原告所轉帳的合共36,000.00美元的金額,而作為受託人有義務按委託人的指示向委託人交還本來用作執行委任合同而尚未動用的款項 – 見《民法典》第1087條e項。因此,被告有義務向原告交還相關款項。
關於延遲利息方面,考慮到雙方未就交付毋須使用的款項訂立期限,為此,應按《民法典》第794條第1款及《民事訴訟法典》第565條第3款的規定,視傳喚日為相關債務到期日。另外,亦應根據《民法典》第795條1款及2款的規定,判處被告向原告支付自遲延日起以法定利率計算的遲延利息作為損害賠償。
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4. 被告不履行委任合同條款引致的損害賠償
根據已證事實,被告於2019年10月18日分別將“XXX”大廈“B3”和“C3”獨立單位抵押予“C銀行(香港)有限公司”來獲得銀行貸款,但取得有關貸款後,被告將之用於其個人用途,與執行委任合同無關,因此,被告最終承諾向原告分72期償還合共折合澳門幣4,277,476.30圓的借款,第一期須於2020年7月1日支付,然而,於指定日期被告並沒有償還任何款項。
根據原、被告於2013年5月7日簽訂的“信託協議”中的第K-2項條款的規定,被告須就其故意或過失的行為引致的損失承擔責任,而被告在未經原告的同意下,私自將“XXX”大廈“B3”和“C3”獨立單位抵押予銀行來獲取用作個人用途的貸款的行為,顯然是違反了原、被告二人之間簽訂的協議,也違反了作為受託人負有的一般義務,該設定負擔的行為某程度上會使不動產的價值減少,因此,本案被告應向原告承擔賠償的義務。
根據已證事實,原告接受被告分期支付合共折合澳門幣4,277,476.30圓的款項來償還相關銀行貸款,本人認為既然雙方已就被告違反委任合同的行為約定了彌補損害的協議,那麼,被告應按該協議向原告支付約定的金額,但由於被告最後未能如期履行分期給付,根據《民法典》第770條第1款的規定,應視其餘分期給付即時及全部到期,故應裁定原告提出的第1項請求理由成立。
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四、 決定
综上所述,本庭認定原告的訴訟理由及請求部分成立,現判處被告B向原告A,支付﹕
1. 折合澳門幣4,277,476.30圓的款項,並附加自2020年7月2日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
2. 折合澳門幣1,536,720.00圓的款項,作為因出售“XXX”大廈“B2”獨立單位(物業資料詳見已證事實第6條b項)後而獲得的價金,並附加自傳喚日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止;
3. 因出售“XXX”大廈“C3”獨立單位後(物業資料詳見已證事實第6條b項)而獲得的價金,該金額以價金港幣3,500,000.00圓作計算,但須扣減已證事實第31條內提及的港幣278,736.90圓及“C銀行(香港)有限公司”貸出的樓宇按揭貸款餘額(見卷宗96頁),相關確切金額留待執行時作結算;
4. 因出售“XXX”大廈“P10”獨立單位(物業資料詳見已證事實第7條a項)後而獲得的價金,該金額以價金港幣5,230,000.00圓作計算,但須扣減澳門大豐銀行貸出的樓宇按揭貸款餘額,相關確切金額留待執行時作結算;
5. 折合澳門幣291,168.00圓,該數額相當於“XXX”大廈“P10”獨立單位的15期樓宇供款,並附加自傳喚日起以法定利率計算的遲延利息,直至完全支付為止。
最後,駁回原告針對被告提出的其餘請求。
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訴訟費用由原、被告按勝負比例承擔。
作出通知及登錄。
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Quid Juris?
Face o quadro factual assente, é de concluir que pelas partes foram celebrados acordos de “tipo fiduciário”, sendo certo que, na ausência de legislação que disciplinava esta matéria na altura, tais acordos são válidos e regidos pelo regime de mandato do CCM.
É pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a admissibilidade de negócios fiduciários na ordem jurídica (sobre esta problemática, cfr. Pedro Pais Vasconcelos, ob. cit., p. 277 e segs), em nome da liberdade e autonomia contratual consagrada no art. 405º/1 1 CC de 1966, ou artigo 399º do CCM, e da natureza meramente obrigacional das restrições decorrentes de negócios jurídicos ao direito de propriedade conforme prescreve o art. 1306° nº 1 CC de 1966, ou artigo 1230º do CCM (cfr. algumas decisões citadas aqui em nome de Direito comparado, Ac. STJ de 11-05-2006, da Rel. Lisboa de 22-04-1999 e da Rel. Porto de 11-04-2002, todos acessíveis pela INTERNET através de http://www.dgsi.pt).
E se, face à doutrina dominante, o “pacto fiduciário” tem eficácia meramente relativa, vinculando apenas o fiduciante e o fiduciário, já o negócio translativo do bem ou direito, sendo válido, tem eficácia absoluta, erga omnes, sendo, por isso, oponível a terceiros.
Em Macau, efectivamente até ao nascimento da Lei nº 15/2022, de 14 de Novembro, o negócio celebrado nestes termos é considerado como mandato sem representação, logo aplica-se o regime de mandato constante do CCM.
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Face ao teor dos acordos celebrados, trata-se, assim, da transmissão de uma coisa ou de um direito a alguém, assumindo o transmissário a obrigação de a restituir logo que realizado fosse o fim previsto, envolvendo o elemento real da transmissão e o elemento obrigacional da restituição. Ora, sem a verificação cumulativa dos referidos elementos não é legalmente permitido considerar a existência do negócio fiduciário propriamente dito.
Apesar de inexistir legislação sobre a fidúcia na altura, a doutrina tem vindo a admitir tal figura. Os negócios fiduciários reconduzem-se a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer em face de terceiros e até mesmo ente elas, mas obrigando-se o adquirente (pactum fiduciae; cláusula fiduciária) a só exercitar o seu direito em vista de certa finalidade. Pode ser esta, principalmente, uma finalidade de administração (v.g. arrendamento) ou de alienação dos respectivos bens no interesse do fiduciante (fidúcia cum amico), julgando-se só por este meio poder ela ser proveitosamente conseguida, ou uma finalidade de garantia (fiducia cum creditore), assim se pretendendo, entre outras vantagens, furtar o credor - fiduciário -, no caso de não ser pago, à demoras e contingências dum processo judicial (Cfr. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p.175).
Em teoria, os acordos em causa podem corresponder a uma fidúcia cum amico - os bens foram transmitidos para que o fiduciário o guardasse e administrasse, no interesse do fiduciante e, passado o tempo convencionado, lhe dêsse um destino, restituindo-o ao fiduciante ou entregando-o a outra pessoa, negócio este com grandes semelhanças com o mandato sem representação (Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 1995, p. 256).
O contrato fiduciário é constituído por uma atribuição patrimonial real - já que o fiduciário é investido numa situação jurídica, normalmente a propriedade plena - com eficácia erga omnes, limitada por uma convenção de natureza meramente obrigacional entre fiduciante e fiduciário (pacto fiduciário), oponível apenas entre estes, pela qual este se compromete a não exceder, no exercício do direito, o que seja necessário para a prossecução do fim e a restituir a coisa uma vez alcançado o fim (Cfr. Pedro Vasconcelos, ob cit., p. 260).
"Na sua estrutura - escrevem Maria João Romão Caneiro Vaz Tomé e Diogo Leite de Campos - o negócio fiduciário é composto por uma transferência actual de um direito real e a criação de uma obrigação. Mediante a primeira, o fiduciário adquire irrevogavelmente um direito de propriedade oponível erga omnes. Por outro lado, a obrigação cujo objecto consiste na administração dos bens, tem efeitos mais limitados: produz apenas e tão-somente efeitos relativos, inter partes. ( ... ) Assim, o conceito romanístico de fiduciae é constituído por dois elementos: de um lado, a parte real, traduzida na transferência do dominium da res para o fiduciário e, de outro, a parte obrigacional, o acordo mediante o qual o fiduciário assume, perante o beneficiário ou fideicomitente, os deveres de administrar o bem em beneficio do último sob determinadas condições e de retransferir a propriedade aquando do cumprimento do objectivo.
Essa retransmissão podia ser feita ao disponente originário ou a terceiro por si designado" (Cfr., A Propriedade Fiduciária (Trust) Estudo para a sua consagração no Direito Português, 1999, p. 201).
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Voltemos ao caso dos autos, tal como se refere anteriormente, os acordos são regidos pelo regime de mandato do CCM e o litígio é resolvido pelo mesmo, nomeadamente com o apelo aos artigos 1083º (noções) e 1087º (obrigações do mandatário) do CCM.
I - Relativamente à venda da fracção autónoma “C3”, o Recorrente defende o seguinte:
“VII. O Réu sem instruções ou autorização do Autor hipotecou a fracção "C3" do Edf. XXX ao "C Bank (Hong Kong) Limited", para obter um crédito de HKD2,500,000.00 para a sociedade "D Limitada" de que é sócio, por escritura de 18.10.2019, e arrecadou o dinheiro no seu património, e por contrato celebrado por escrito celebrado com o Autor em 19.01.2020 confessou que havia hipotecado a fracção sem autorização do Autor e havia utilizado a quantia mutuada pelo banco para necessidades pessoais e do seu comércio, comprometendo-se a pagar o saldo da dívida do empréstimo garantido por hippoteca ao referido banco até ao dia 01.07.2020, o que não fez.
VIII. O Réu vendeu a fracção "C3" do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, por escritura celebrada em 17.11.2022, sem instruções ou autorização do Autor e ocultando a venda, pelo preço declarado de HKD3,500,000.00 - que arrecadou no seu património e nunca transferiu -, inferior ao preço que no mercado o A. havia obtido com a venda das fracções equivalentes em área "B2" e "B3" do Edf. XXX de HKD3,800,000.00, causando-lhe assim, com o incumprimento culposo dos termos do contrato de fidúcia entre ambos celebrado, um prejuízo de HKD3,800,000.00 – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos artigos 787.°, 788.°, 556.° e 558.° do Código Civil.
IX. O Réu só pagou ao A. a quantia de USD35,829.00, equivalente a aproximadamente, HKD278,736.00, mas o A. pretende ainda que o mesmo o indemnize pelo remanescente dano que lhe foi causado com o incumprimento culposo pelo Réu da obrigações por si assumidas no contrato de fidúcia, com a quantia de HKD3,500,000.00 - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos artigos 787.°, 788.°, 556.° e 558.° do Código Civil.”
Ora, nestes termos importa destacar os seguintes aspectos:
A fracção autónoma foi vendida efectivamente por um preço de HK$3,500,000.00 sem instruções do Autor/Recorrente, e, existiu um facto assente com o seguinte conteúdo: “O A. só queria vender a fracção pelo preço porque havia vendido as fracções “B2” e “C3” do Edf XXX, ou seja, pelo preço de HKD 3,800,000.00 cada.”
Uma coisa é querer vender por um determinado preço, outra será o preço efectivamente pago na realidade. Inexiste facto assente que comprovou que a pessoa determinada, por exemplo, X, estava disposta a adquirir o imóvel pelo preço desejado pelo Recorrente (e faltam também outros elementos para fundamentar o pedido de indemnização nesse sentido), pelo que, tratando-se duma hipótese subjectivada pelo Autor, o pedido formulado nestes termos não pode ser atendido, improcede assim o recurso nesta parte.
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II – Relativamente à venda da fracção “P-10”, o Recorrente veio a defender o seguinte:
“X. A fracção "P10" do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, foi, conforme instruções do Autor ao Réu, por este hipotecada ao "Banco E, S.A.", para garantia de concessão de um crédito por este banco de MOP2,568,435.00, por escritura de 05.09.2019 e, de Outubro de 2019 a Dezembro de 2022, o Autor transferiu para as contas afectas à amortização do empréstimo todos os meses a quantia de USD2,400.00, para pagamento da prestação mensal de MOP19,035.00.
XI. O Réu vendeu a fracção “P10” do Edf. XXX, integrada no património fiduciário, por escritura celebrada em 15.09.2021, sem instruções ou autorização do Autor e ocultando a venda, pelo preço declarado de HKD5,230,000.00, equivalente a MOP5,397,360.00.
XII. O Réu arrecadou no seu património o saldo da venda - diferença entre o preço por si recebido com a venda e o dinheiro necessário ao pagamento integral da dívida garantida por hipoteca da fracção ao "Banco E, S.A.", que o Autor desconhece qual seja.
XIII. Ora, a falta de liquidez deste crédito, que se constituiu no património do Autor na data da venda da fracção “P10” do Edf. XXX, decorre de um facto ilícito do Réu e a sua iliquidez decorre de omissão de obrigações a que o Réu está adstrito nos termos do mandato que aceitou exercer no contrato de fidúcia. Assim, o Réu está constituído em mora no pagamento do saldo do produto da venda da referida fracção, desde a data da sua venda, isto é, desde 15.09.2021, a que deve acrescer a indemnização pela mora, ou seja, ao pagamento de juros à taxa legal contabilizados, desde essa data - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação do art. 794.°, n.ºs 2, b), e 4 do Código Civil.
XIV. O Réu está obrigado a pagar ao Autor a quantia de MOP291,168.00, das quinze prestações mensais indevidamente pagas para amortização do acima mencionado empréstimo feito pelo "Banco E S.A.", garantido por hipoteca da fracção “P10” do Edf. XXX, que o Réu indevidamente transferiu para pagamento das prestações mensais de amortização do empréstimo, após a data da sua venda, acrescida de juros de mora á taxa legal desde a data da citação, pelo que, a decisão do tribunal "a quo", que o condena a esse pagamento ao Autor está correcta e devidamente fundamentada em termos de facto e de direito.”
Ora, importa destacar o seguinte aspecto:
Efectivamente o imóvel foi vendido em 15/09/2021, altura em que a hipoteca devia ser expurgada igualmente nesta data, e tal venda não foi por ordem do Recorrente, ou seja, é uma decisão tomada pelo Réu, como este não contestou, não sabemos se tal venda visa exclusivamente defender os interesses do Recorrente, ou por outras razões atendíveis, pelo que, a partir dessa data o Reú tinha a obrigação de devolver tais quantias ao Recorrente, sob pena de incorrer em responsabilidade perante o mesmo. Nestes termos, não deve ser tomada em conta a data de citação (feita em 17/03/2023 -fls. 270 dos autos), para efeitos da mora do Réu (Cfr. artigo 1090º do CCM), pois o artigo 1090º do CCM estipula:
(Juros devidos pelo mandatário)
O mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas, ou remeter-lhas, ou aplicá-las segundo as suas instruções.
Pelo que, vai o Réu condenado a pagar ao Recorrente/Autor a quantia a calcular-se da seguinte forma: HKD$5,230,000.00 (equivalente a MOP5,397,360.00) – quantia garantida pela hipoteca devida ao Banco (expugada em 15/09/2021), acrescida de juros de mora à taxa legal calculada desde 16/09/2021 até efectivo e integral pagamento.
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Uma nota final:
Em 29/10/2024 (fls. 338) veio o Recorrente mediante sua mandatária a formular o seuginte pedido:
“(...)
6. O reconhecimento e declaração de que as fracções "I10", "J10", "K10", "L10", "M10", "N10", "O10", "Q10" do "Edf. XXX", descrito sob o n.º 23295C na Conservatória do Registo Predial de Macau, e "D3" do "Edf. XXX", descrito sob o n.º 11533 na Conservatória do Registo Predial de Macau são património fiduciário e estão integradas na fidúcia denominada "XXX Macau Real Property Trust" em que é fiduciante e beneficiário o A., nos termos dos contratos constitutivos celebrados em 07.05.2013 e 21.07.2017, e para todos os efeitos legais, designadamente para averbar a devida menção aos registos de aquisição das fracções a favor do R. na Conservatória do Registo Predial de Macau.
Com menção do seu trânsito em julgado por não haver sido objecto de recurso, como se pode verificar das alegações e conclusões do recurso para o Tribunal de Segunda Instância apresentado pelo Autor e, assim, haver transitado em julgado, para efeitos de proceder ao cancelamento do registo da acção na Conservatória do Registo Predial de Macau.
(...)”
Tal pedido já tinha sido apresentado em 17/04/2024 (fls. 326) junto to TJB, o qual veio a ser indeferido.
Compulsados os elementos dos autos, é de verificar-se, tal como o Recorrente afirmou, que contra este ponto não foi interposto recurso, mas cabe realçar aqui que, em regra, o recurso visa reapreciar pelo Tribunal ad quem a decisão tomada pelo Tribunal a quo, e não nova matéria, como esta matéria constante do requerimento autónomo não é objecto deste recurso e já tinha sido objecto de indeferimento, é impossível ao Tribunal ad quem deferir o pedido nos termos peticonados por falta manifesta de fundamentos, indo-se assim o mesmo indeferido.
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Síntese conclusiva:
I – Em Macau, até ao nascimento da Lei nº 15/2022, de 14 de Novembro, é pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a admissibilidade de negócios fiduciários na ordem jurídica em nome da liberdade e autonomia contratual consagrada no art. 405º/1 1 CC de 1966, ou artigo 399º do CCM, e da natureza meramente obrigacional das restrições decorrentes de negócios jurídicos ao direito de propriedade conforme prescreve o art. 1306° nº 1 CC de 1966, ou artigo 1230º do CCM.
II - Os negócios fiduciários reconduzem-se a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer em face de terceiros e até mesmo ente elas, mas obrigando-se o adquirente (pactum fiduciae; cláusula fiduciária) a só exercitar o seu direito em vista de certa finalidade.
III – Do quadro factual resulta provado que um imóvel do Recorrente foi vendido em 15/09/2021, sem instruções do mesmo, a partir dessa data o Reú tinha a obrigação de devolver ao Recorrente as quantias recebidas e os respectivos juros a partir da mesma data ao abrigo do disposto no artigo 1090º do CCM, e não a partir da data da citação, pois o Recorrido/mandatário passou a ter a obrigação de devolver as quantias recebidas a partir daquela data e não o fez.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento parcial ao recurso, passando a sentenciar nos seguintes termos:
1) - Relativamente à venda da fracção autónoma “P10” identificada nos autos, passa a condenar-se o Réu a pagar ao Recorrente/Autor a quantia a calcular-se da seguinte forma: HKD$5,230,000.00 (equivalente a MOP5,397,360.00) – quantia garantida pela hipoteca devida ao Banco (expugada em 15/09/2021), acrescida de juros de mora à taxa legal calculada desde 16/09/2021 até efectivo e integral pagamento (cfr. artigo 1090º do CCM).
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2) – Negar provimento ao recurso respeitante à venda da fracção autónoma “C3” identificada nos autos.
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3) – Quanto ao demais, mantém-se o decidido na sentença de 1ª instância.
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Custas pelas partes na proporção de decaimento.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 14 de Novembro de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(Primeiro Juíz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juíz-Adjunto)
1 根據已證事實,被告向原告承認了私自將“C3”獨立單位抵押予銀行來取得用於個人用途的貸款金額,就該部分的責任問題將於以下第4部分作出分析。
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