Processo n.º 748/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 07 de Novembro de 2024
ASSUNTOS:
- “Taxas de serviços” cobradas pelo empregador e distribuídas aos seus trabalhadores
SUMÁRIO:
I - Os artigos 2°, al. 4) e 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008 (Lei de Relações de Trabalho), de 18 de Agosto, definem apenas a remuneração de base que compreende os montantes cobrados pelo empregador ao cliente, a título de taxa de serviço e, distribuídos posteriormente aos trabalhadores. Mas as normas referidas não estabelecem uma obrigação ao empregador de partilhar para os trabalhadores todos os montantes cobrados à clientela a título de taxa de serviço.
II - À luz da experiência comum, é frequente que o empregador do restaurante guarda, por sua vontade, a maior parte das taxas de serviço cobradas aos clientes e distribui o restante aos empregados. Ou seja, hoje em dia nos restaurantes em Macau, o montante cobrado ao cliente, embora a título de “taxa de serviço”, já não se destina a recompensar o bom serviço prestado pelos empregados, mas antes torna-se um meio lucrativo do empregador. Defende-se igualmente que a entidade patronal a quem compete gerir e controlar os serviços, tem igualmente direito a partilhar tais “taxas de serviços”.
III - Dos elementos constantes dos autos resulta não provada a existência do acordo entre a Ré e a Autora (e os demais funcionários no restaurante) nem a declaração unilateral por parte da Ré de partilhar aos funcionários os montantes das taxas de serviço cobrados ao cliente, é de concluir pela inexistência da obrigação de a Ré distribuir aos trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados ao cliente a título da 10% de taxa de serviço, não obstante ficou provado que que a Autora recebia nos anos de 2010 e 2019 uma parte das taxas de serviço por vontade da Ré, motivo pelo qual é de negar o direito reclamado pela Autora.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 748/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 07 de Novembro de 2024
Recorrente : A
Recorrida : B Limitada (B有限公司)
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 19/06/2024, veio, em 28/06/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 345 a 353, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença que decidiu pela improcedência integral do pedido formulado pela Autora na condenação da Ré no pagamento da quantia de Mop$597.010,60, a título de “10% de taxas de serviço”, cobrada pela Ré como adicional nas contas dos clientes do "Restaurante XX" e não distribuídas à Autora, relativas ao período que medeia entre Maio de 2010 a Dezembro de 2019;
2. Pelas razões que, adiante melhor se expõem, está a Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de interpretação e de aplicação de direito quanto ao conteúdo da al. 7) do n.º 1 do art. 59.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com o referido preceito legal;
3. Mais se acredita que a douta Sentença em muito se afasta da posição que se acredita ser pacífica e que foi já seguida pelo douto Tribunal de Recurso e pelo Tribunal de Última Instância relativamente à questão de Direito.
Mais detalhadamente
4. Conforme - e bem - vem sublinhado pelo Tribunal a quo, a questão (de Direito) que aqui se coloca à apreciação do douto Tribunal de Recurso, consiste em saber se tendo o empregador (a Ré, na presente caso) cobrado, como adicional nas contas - "10% de taxa de serviço" - se estava ou não obrigado a distribuir pelos seus trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados aos clientes;
5. Dito de modo mais simples: importa saber se a Ré está(va) obrigada a distribuir pelos seus trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados aos clientes, como adicional nas contas, a título de "10% de taxa de serviço"; ou se, pelo contrário será legítimo à Ré fazer seus os referidos montantes, à luz do disposto na al. 7) do n.º 1 do art.59.º da Lei n.º 7/2008?
6. Em apertada síntese, entendeu o douto Tribunal a quo que não existe no ordenamento jurídico de Macau uma qualquer obrigação por parte do empregador de distribuir pelos trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados aos clientes a título de "10% de taxas de serviço";
7. Salvo o devido respeito, que é muito, está a Recorrente em crer que não obstante o mui douto raciocínio traçado pelo Tribunal a quo, aquele em muito se afasta da melhor interpretação do preceito e, salvo melhor opinião, da posição que tem vindo a ser pacificamente seguida pelas nossas doutas Instâncias superiores de Recurso, e mesmo pelo próprio Tribunal a quo, relativamente à mesma questão de direito.
8. Entre outros, do Ac. do TUI, pode ler-se que:
(...) Quanto à taxa de serviço, as dúvidas afiguram-se menos fundadas. Aqui há obrigatoriedade de pagamento, primeiro do cliente para com o titular do estabelecimento, e depois deste que recebe a taxa em nome próprio, como entidade patronal, para com os seus trabalhadores, incluindo aqueles que não tenham contribuído directamente na prestação do serviço. Mediante a formação de um «fundo», a repartir, segundo certas percentagens ou sistemas de pontuação, a taxa de serviço é na realidade um processo de determinar a medida da retribuição que globalmente corresponde ao pessoal e a que cabe a cada um dos respectivos componentes";
Acresce que,
9. A respeito da introdução das "taxas de serviço" na Lei n.º 7/2008, do Parecer da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, pode ler-se que: " (...) A qualificação jurídica altera-se quando o empregador controla a cobrança das gratificações de terceiros, as quais não dependem da vontade destes. É o caso das taxas de serviço incluídas como adicionais nas contas dos serviços cobrados aos clientes. Nas taxas de serviço «há obrigatoriedade de pagamento, primeiro do cliente para com o titular do estabelecimento, e depois deste que recebe a taxa em nome próprio, como entidade patronal, para com os seus trabalhadores (...).
Nesta situação a lei considera as atribuições patrimoniais resultantes da distribuição das taxas de serviço como estando compreendidas na remuneração de base;
Mais recentemente,
10. O douto Tribunal de Primeira Instância teve oportunidade de se pronunciar sobre o assunto no âmbito de um Processo - que se acredita ser em muito similar ao aqui em apreciação (Proc. LB1-20-0227-LAC, que correu contra a aqui Ré/Recorrida) - e nos termos do qual, com muito interesse, pode ler-se, entre outro, o seguinte:
''(...) As quantias recebidas dos clientes a título de "taxa de serviço" são entregues e ficam à guarda da Ré. A taxa de serviço cobrada pela Ré como adicional nas contas dos clientes não constitui uma receita própria da Ré, mas antes se destina a ser distribuída por todos os seus trabalhadores (...)
Por um lado, a referida taxa de serviço não constitui receita própria da Ré.
Isto significa que todas as taxas de serviço(s) são distribuídas (leia-se, devem ser distribuídas). Por outro lado, nem todas as quantias de taxas de serviço(s) foram distribuídas no ano de 2014 e 2017. Afigura-se-nos uma contradição".
11. Resulta do exposto, ser praticamente pacífico o entendimento de que, contrariamente às gorjetas, as “taxas de serviço” pagas pelos clientes como adicional nas contas, constituem retribuição e/ou salário, razão pela qual as mesmas foram integradas como sendo parte da remuneração de base. Não se tratam, pois, de rendimentos e/ou receitas da entidade patronal, nem à mesma será lícito tratá-las como tal, visto estar obrigada a entregar a sua totalidade aos seus legítimos destinatários, os trabalhadores, sob pena de estar em causa uma apropriação indevida de bens alheios, com a consequente obrigação de restituição, sem prejuízo, de procedimento criminal que ao caso couber;
In casu,
12. Resultando provado que, desde Abril de 2010, a Ré cobrava aos clientes do "Restaurante XX" um adicional de 10% (leia-se, de 8,68%, para ser mais exacto, conforme concluído pelo Tribunal a quo) sobre o valor total da factura a pagar pelo cliente, a título de "taxa de serviço", mas que apenas uma parte das mesmas foram distribuídas pelo funcionários, segundo um critério e proporção não apurados (cfr. quesitos 1.°, 5.° e 6.°), a douta Decisão Recorrida deixa adivinhar um manifesto erro de direito, traduzido numa errada interpretação e aplicação do disposto na al. 7) do n.º 1 do art. 59.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual deve ser declarada nula e substituída por outra que condene a Ré nas quantias reclamadas pela Autora no seu pedido inicial, o que desde já se invoca e requer;
13. Ou melhor, sabido que o legislador de Macau elegeu os "Montantes cobrados pelo empregador ao cliente, como adicional nas contas, sendo distribuído posteriormente aos trabalhadores" (vulgo, "taxas de serviço") como sendo um dos elementos que formam a remuneração de base, não foi para permitir que o empregador possa, a seu bel-prazer, dispor das mesmas, tratando-as como se fossem receitas da empresa. Pelo contrário, uma vez recebidas, as "taxas de serviço" destinam-se a ser integralmente distribuídas por todos os trabalhadores, seus principais e únicos destinatários;
14. Permitir que o empregador (no caso, a Ré) pudesse ter-se apropriado de uma parte (substancial, na leitura do próprio Tribunal a quo) do montante das "taxas de serviço" pagas pelos clientes do "Restaurante XX" será, antes de mais, dar cobertura a um acto ilícito e manifestamente contrário à lei;
15. No limite, estaremos perante uma apropriação abusiva (senão mesmo de natureza criminosa) por parte da entidade patronal (leia-se, da Ré), o que em caso algum poderá ser admissível;
16. Se outros argumentos não existissem, sempre se teria de concluir por um manifesto enriquecimento sem causa por parte da Ré, ao ter-se apropriado e feito suas quantias (ou uma parte substancial das mesmas) que, por força da lei, pertencem aos trabalhadores (leia-se, pertencem à Autora e aos seus demais ex-colegas de trabalho);
17. As "taxas de serviço" cobradas aos clientes não têm o empregador por destinatário. Tratam-se de um elemento da remuneração de base, relacionada com os resultados obtidos pelo empregador (leia-se, pela Ré no "Restaurante XX") de montante variável, mas a cujo pagamento o empregador (leia-se, a Ré) fica previamente vinculada: (X de receitas brutas do Restaurante apuradas pelo empregador equivale a Y a título de taxas de serviço para os trabalhadores);
18. De onde, resultando da matéria de facto provada que ao longo dos anos a Ré cobrou aos clientes do "Estabelecimento de Comidas XX" determinadas quantias a título de "taxas de serviço" e que das mesmas se apropriou (da totalidade e/ou de uma parte) não as tendo distribuído pelos seus trabalhadores, em caso algum se pode deixar de concluir que a Ré praticou um acto ilícito, pelo qual deverá ser judicialmente responsabilizada, mediante a obrigação de devolução aos seus legítimos proprietários e principais destinatários e, em concreto, à Autora (e aos seus ex-colegas de trabalho) do valor com que se locupletou, o que uma vez mais se requer;
Ademais,
19. A própria Ré já reconheceu que as "taxas de serviço" cobradas, como adicional nas contas, aos clientes do "Restaurante XX", se tratavam de quantias que pertencem ao conjunto de trabalhadores: “(...) A autora (aqui Ré) já sabe que existe um determinado valor que, de boa fé, reteve mas que cabe legalmente ao conjunto dos trabalhadores" (Cfr.fls.161);
Sem prescindir,
20. Resulta dos Relatórios de Vendas Diárias (“Daily Sales Reports”), que, todos os dias, a Ré discriminava e indicava em separado o valor das "taxas de serviço" ("Serviçe Charge") cobradas (leia-se, recebidas) dos clientes do "Estabelecimento de Comidas XX" (Cfr. fls. 167 a 181), o que deixa ver tratarem-se de quantias com uma natureza distinta das restantes "receitas" diárias auferidas pela Ré e provenientes dos seus clientes...;
21. Do que se-deixa ver que, salvo melhor opinião, nada autorizava a Ré a ficar com uma parte (substancial, acredita-se) dos montantes provenientes das "taxas de serviço" que eram cobradas aos clientes do "Restaurante XX". Ao invés, está a Recorrente em crer que a Ré estava obrigada a proceder à sua distribuição na integra e por todos os funcionários que prestassem trabalho no referido Estabelecimento de Comidas, por ser este o sentido literal e sistemático querido pelo legislador de Macau com a introdução da al. 7) do n.º 1 do art. 59.º da Lei n.º 7/2008;
22. Pelo exposto, está a Recorrente em crer que, ao invés do que terá sido concluído pelo Tribunal a quo, a Autora/Recorrente teria o direito a participar (com os seus demais ex-colegas) na totalidade das quantias recebidas pela Ré/Recorrida dos, seus clientes, a título de “10% de taxa de serviço”, e não só e apenes de comungar numa (pequena) parte das mesmas, razão pela qual deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos formulados pela Autora/Recorrente, o que uma vez mais se invoca e requer.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que proceda à condenação da Ré/Recorrida na quantia de Mop$597.010,60, a título de “10% de taxas de serviço” cobrada pela Ré como adicional nas contas dos clientes do "Restaurante XX", relativo ao período que medeia entre Maio de 2010 a Dezembro de 2019, assim se fazendo a sempre costumada JUSTIÇA!
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B Limitada (B有限公司), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 366 a 371, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A decisão final proferida nos presentes autos, pelo Tribunal Judicial de Base, não sofreu, nem sofre, de qualquer vicio de direito e os seus fundamentos de facto e de direito estão corretamente aplicados à situação concreta.
2. A decisão agora recorrida faz uma acertada e justa decisão face à matéria de factos provada e às questões de direito levantadas.
3. Ficou provado que a “A Ré distribuía por critério não apurado para os funcionários que exercessem funções no “Estabelecimento de Comida XX, uma parte das “taxas de serviço” (servisse charges) em proporção não apurada” (quesitos 5º e 6º).
4. Não ficaram provado os quesitos 10°, 14°, 18°, 22°, 30°, 34°, 38°, 42°, 46° dos presentes autos e isso faz concluir que Autora/Recorrente não conseguiu provar que "A Ré, nos autos 2010,2011,2012,2013,2014,2015,2016,2017,2018 e 2019, não pagou à Autora qualquer quantia a título de taxa de serviço".
5. Cabia à Autora provar que não recebia qualquer quantia a título da taxa de serviço ao longo dos autos.
6. A sentença recorrida não tem qualquer violação de lei e foram as testemunhas que a Autora/Recorrente apresentou que não conseguiu explicar nada de positivo e todo o seu conhecimento foi de ouvir dizer.
7. A Autora/Recorrente também não pede que seja alterada - em sede de recurso - a matéria factual não provada e isso faz com o recurso interposto esteja condenado à sua total improcedência.
8. A decisão posta agora em crise pela Autora/Recorrente mostra-se plenamente sustentada e ancorada, não se afigurando a mesma merecedora de qualquer mínimo reparo por parte do Tribunal da Segunda Instância.
TERMOS EM QUE não deverão ser acolhidas e relevadas as alegações de recurso apresentadas pela Autora/Recorrente, devendo ser mantida e inalterada in totum a decisão que considerou improcedente o pedido da Autora/Recorrente.
Mais requer que seja emitida, de imediato, guia para o pagamento da multa, porquanto, o presente acto foi praticado no 1º dia útil ao término do seu prazo legal que foi 25 de Julho de 2024.
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1). Entre 21 de Agosto de 2009 a 9 de Maio de 2020 a Autora esteve ao serviço da Ré. (A)
2). Desde 01/01/2018, a Autora prestou para a Ré funções de “Assistente do Embaixador de Culinária” (“Assistant to Culinary Ambassador) no “Estabelecimento de Comidas XX”. (B)
3). Desde Abril de 2010, a Ré “cobra” ao clientedo “Restaurante XX” um adicional de 10% sob o valor total da factura a pagar pelo cliente, a título de “taxa de serviço” (service charge). (1.º)
4). O adicional de 10% relativo à “taxa de serviço” (service charge) vem discriminado no final de cada factura, sendo pago pelo cliente conjuntamente com o pagamento da respectiva conta. (2.º)
5). O adicional de 10% correspondente à “taxa de serviço” (service charge) cobrado ao clientefica à guarda da Ré. (3.º)
6). A Autora (e os demais trabalhadores do “Restaurante XX”) não estava autorizada a receber e/ou a guardar para si qualquer montante proveniente da “taxa de serviço” (service charge). (4.º)
7). A Ré distribuía por critério não apurado para os funcionários que exercessem funções no “Estabelecimento de Comida XX”, uma parte das “taxas de serviço” (service charges) em proporção não apurada. (5.º e 6.º)
8). No ano de 2010, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$8.154.486,00. (7.º)
9). No ano de 2010, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (8.º)
10). No ano de 2010, trabalhavam no “Restaurante XX” 16 trabalhadores, divididos entre a cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (9.º)
11). No ano de 2011, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$11.275.212,00. (11.º)
12). No ano de 2011, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (12.º)
13). No ano de 2011 trabalhavam no “Restaurante XX” 17 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (13.º)
14). No ano de 2012, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$12.220.681,00. (15.º)
15). No ano de 2012, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (16.º)
16). No ano de 2012 trabalhavam no “Restaurante XX” 19 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (17.º)
17). No ano de 2013, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$14.401.369,00. (19.º)
18). No ano de 2013, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (20.º)
19). No ano de 2013 trabalhavam no “Restaurante XX” 31 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (21.º)
20). No ano de 2014, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$14.606.257,00. (23.º)
21). No ano de 2014, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (24.º)
22). No ano de 2014 trabalhavam no “Restaurante XX” 30 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (25.º)
23). No ano de 2014, a Ré distribuiu pelos funcionários do “Restaurante XX” (com excepcão dos funcionários C e D) a quantia de Mop$85.000,00 proveniente das “taxas de serviço” (servisse charges) cobradas ao clientedo “Restaurante XX”. (25-A.º)
24). No ano de 2014, a Ré entregou/distribuiu à Autora a quantia de Mop$7.500.00 a título de “taxa de serviço” (“service charge”). (26.º)
25). No ano de 2015, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$16.112.258,00. (27.º)
26). No ano de 2015, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (28.º)
27). No ano de 2015 trabalhavam no “Restaurante XX” 30 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (29.º)
28). No ano de 2016, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$19.366.786,00. (31.º)
29). No ano de 2016, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (32.º)
30). No ano de 2016 trabalhavam no “Restaurante XX” 30 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (33.º)
31). No ano de 2017, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$20.066.880,00. (35.º)
32). No ano de 2017, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (36.º)
33). No ano de 2017 trabalhavam no “Restaurante XX” 30 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (37.º)
34). No ano de 2018, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$19.675.485,00. (39.º)
35). No ano de 2018, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (40.º)
36). No ano de 2018 trabalhavam no “Restaurante XX” 29 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (41.º)
37). No ano de 2019, a facturação bruta da Ré no “Restaurante XX” foi de Mop$21.414.670,00. (43.º)
38). No ano de 2019, a Ré recebeu dos clientes do “Restaurante XX” a quantia correspondente a 8,68% da facturação bruta a título de 10% de taxa de serviço. (44.º)
39). No ano de 2019 trabalhavam no “Restaurante XX” 29 trabalhadores, divididos pela cozinha, serviço de mesa e serviço de limpeza. (45.º)
40). A “taxa de serviço” era cobrada a todos os clientes com excepção dos serviços do governo. (47.º)
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
1. – RELATÓRIO
A (cuja identificação consta dos autos), veio intentar a presente Acção de Processo Comum do Trabalho contra
A Ré-B LIMITADA, (anteriormente designado – “XXX, LIMITADA”),
Concluindo pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência fosse a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) A quantia de Mop$597,010.60 a título de “10% de taxa de serviço”, cobrada pela Ré como adicional nas contas dos clientes e não distribuída à Autora, relativa ao período que medeia entre Maio de 2010 a Dezembro de 2019, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) Em custas e procuradoria condigna.
A Autora alega que, em apertada síntese, trabalhava para a Ré no “Estabelecimento de Comidas XX” (doravante “Restaurante XX”) desde o ano 2010 até 2019. A Ré cobra ao clientedo “Restaurante XX” um adicional de 10% sob o valor total da factura a pagar pelo cliente, a título de “taxa de serviço”. O montante proveniente das “taxas de serviço” destinava-se a ser “partilhado” por todos os funcionários que exercessem funções no “Restaurante XX”. Porém, a Ré não distribuiu essas “taxas de serviço” à Autora excepto no ano 2014. Uma vez que as taxas de serviço integram-se na remuneração de base prevista nos artigos 2°, al. 4) e 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008, a Autora tem o direito de receber da Ré a quantia peticionada a título de “10% de taxa de serviço”, cobrada por esta última como adicional nas contas dos clientes e não distribuída àquela.
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Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 57 a 62 dos autos, defendendo que nunca acordou, combinou, ou decidiu, com os seus trabalhadores, incluindo a Autora, qualquer acordo escrito ou oral, para lhes ser atribuída uma “taxa de serviço” de 10% cobrada a clientes, e pelo menos 25% da clientela do Restaurante não pagava os 10% taxa de serviço, aliás se a Ré tivesse que aplicar um critério distributivo sempre atribuiria à Autora menos que 2% sobre o total anual recebido a título de 10% de taxa de serviço.
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Observando de todo o formalismo legal, cumpre decidir.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacional.
O processo é próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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2. – FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Resulta dos autos assente a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão em causa:
(...)
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2.2 –DE DIREITO
Cumpre analisar a matéria que vem alegada, os factos provados e aplicar o direito.
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Nos termos do art. 1079º, n 1º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”
Desse preceito resulta que são três elementos do contrato de trabalho: 1) prestação da actividade; 2) retribuição; e 3) subordinação jurídica.
No contrato de trabalho, a uma parte (trabalhador) incumbe a prestação duma actividade quer intelectual quer manual, bem como a sua disponibilidade junto de outra parte (empregador), por forma de que esta possa obter o resultado pretendido com outros meios de produção.
Em contrapartida, o trabalhador ganha retribuição como preço do trabalho prestado por ele, sendo essa retribuição paga normalmente em dinheiro.
A subordinação jurídica é característica mais importante do contrato de trabalho, que se traduz numa relação de dependência do trabalhador face às ordens, directivas e instruções do empregador na prestação da actividade daquele.
Segundo os factos provados, ficou demonstrado que, o Autor esteve ao serviço da Ré para, sob as suas ordens, direcção, instruções e fiscalização e com o local e horário de trabalho fixados por ela, exercer funções de guarda de segurança, ganhando remuneração paga pela Ré como preço do trabalho seu.
Nestes termos, dúvidas não restam em qualificar como relação laboral, as relações existentes entre o Autor e a Ré.
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Nos termos do art. 1079º, n 2º do Código Civil, “o contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.”
Quanto à lei especial aplicável, encontram-se no ordenamento jurídico de Macau regimes diferentes consoante o caso de trabalhadores-residentes e o de não residentes.
Sendo o Autor em causa trabalhador não-residente, aplica-se-lhe o respectivo regime. Como se sabe, a legislação especial relativa à relação laboral não residente é actualmente a Lei nº 21/2009, que entrou em vigor em 26 de Abril de 2010. Por força do artigo 20° deste diploma, é simplesmente aplicável à relação de trabalho em apreço a Lei n.º 7/2008.
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Na óptica da Autora, o montante proveniente das taxas de serviço cobrada ao clientedo “Restaurante XX” destinava-se a ser partilhado por todos os funcionários que exercessem funções naquele restaurante e a quantia partilha à Autora (e os demais funcionários) integra-se na remuneração de base prevista nos artigos 2°, al. 4) e 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008 Pelo que a Autora tem direito de receber da Ré a quantia peticionada.
Vejamos.
Está previsto no artigo 2°, al. 4) da Lei n.° 7/2008 que “«Remuneração de base», todas as prestações periódicas em dinheiro, independentemente da sua designação ou forma de cálculo, devidas ao trabalhador em função da prestação do trabalho e fixadas por acordo entre o empregador e o trabalhador ou por norma legal”.
Por sua vez, o artigo 59°, n.° 1, al. 7) da mesma lei preceitua que “1. A remuneração de base compreende, nomeadamente, as seguintes prestações periódicas:
…
7) Montantes cobrados pelo empregador ao cliente, como adicional nas contas, sendo distribuídos posteriormente aos trabalhadores;”.
Face aos factos dados como provados 3), 4), 5), 6) e 7), é de concluir que a cobrança das taxas de serviço era controlada pela Ré e não por vontade de terceiros.
Em primeira vista, parece que toda a taxa de serviço se integra no conceito da remuneração de base.
Todavia, o artigo 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008 regula mais uma condição – “sendo distribuídos posteriormente aos trabalhadores”, ou seja, a remuneração de base compreende apenas o montante das taxas de serviço cobrados pelo empregador ao cliente e, distribuídos posteriormente aos trabalhadores.
A questão levantada é a de saber se o empregador (a Ré no presente caso) tem obrigação de distribuir aos trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados ao clientea título da taxa de serviço.
No nosso modesto entender, os artigos 2°, al. 4) e 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008 definem apenas a remuneração de base compreende os montantes cobrados pelo empregador ao cliente, a título de taxa de serviço e, distribuídos posteriormente aos trabalhadores. Mas as normas supra referidas nunca estabelecem uma obrigação ao empregador de partilhar para os trabalhadores todos os montantes cobrados ao cliente a título de taxa de serviço.
Neste parâmetro, avancemos.
No caso em apreço, não ficou provado que existe em Macau norma legal imperativa normal (como o caso no Brasil1) e específica do sector de actividade de restaurante e estabelecimento de comida e bebida nem regulamento de empresa da Ré que os montantes das taxas de serviço cobrados pela Ré ao cliente são distribuídos aos funcionários no restaurante.
Igualmente não se provou a existência do acordo entre a Ré e a Autora (e os demais funcionários no restaurante) nem a declaração unilateral por parte da Ré de partilhar aos funcionários os montantes das taxas de serviço cobrados ao cliente.
Assim sendo, salvo devido respeito por opinião diversa, não se apresenta qualquer fonte da obrigação da Ré de distribuir aos funcionários no restaurante a totalidade dos montantes cobrados a título de 10% de taxas de serviço.
Será que se trata um uso de distribuir aos trabalhadores o montante das taxas de serviço cobrados ao cliente no sector em causa, ou seja, nos restaurantes em Macau?
Em primeiro lugar, a Autora não alegou os respectivos factos nem os provou.
Em segundo lugar, de experiência comum, o empregador do restaurante guarda por sua vontade, a maior parte das taxas de serviço cobradas ao cliente e distribui o restante aos empregados. Ou seja, hoje em dia nos restaurantes em Macau (e em Hong Kong, em Taiwan e mesmo na China) , o montante cobrado ao cliente, embora a título de “taxa de serviço”, já não se destina a recompensar o bom serviço prestado pelos empregados mas antes torna-se infelizmente um meio lucrativo do empregador.
Nestes termos, concluímos que não se trata um uso de distribuir aos trabalhadores a totalidade dos montantes das taxas de serviço cobrados ao clientenos restaurantes em Macau.
Por outro lado, ficou provado que cada ano a Ré distribuía por critério não apurado para os funcionários que exercessem funções no “Estabelecimento de Comida XX”, uma parte das taxas de serviço em proporção não apurada (facto provado 7)). Afigura-se-nos que a Ré guardava uma parte (supostamente maior) das taxas de serviço cobradas e procedia à distribuição dos restantes apenas por vontade sua.
Visto não existir a obrigação da Ré de distribuir aos trabalhadores no Restaurante XX, incluindo a Autora, a totalidade dos montantes cobrados ao cliente a título da 10% de taxa de serviço e, ficar provado que a Autora recebia cada ano entre 2010 e 2019 uma parte das taxas de serviço por vontade da Ré, aquela já não tem direito de receber mais a título de 10% de taxa de serviço cobrado ao cliente.
Pelo exposto, a pretensão da Autora não pode deixar de ser improcedente.
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se todos os pedidos formulados contra a Ré.
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Custas a cargo da Autora.
Registe e notifique.
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Quid Juris?
Ora, todas as questões levantadas pela Recorrente já foi objeto de reflexões por parte do Tribunal recorriod, e esta sede de recurso, a argumentação produzida pelo MM. Juiz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova.
Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I - Os artigos 2°, al. 4) e 59°, n.° 1, al. 7) da Lei n.° 7/2008 (Lei de Relações de Trabalho), de 18 de Agosto, definem apenas a remuneração de base que compreende os montantes cobrados pelo empregador ao cliente, a título de taxa de serviço e, distribuídos posteriormente aos trabalhadores. Mas as normas referidas não estabelecem uma obrigação ao empregador de partilhar para os trabalhadores todos os montantes cobrados à clientela a título de taxa de serviço.
II - À luz da experiência comum, é frequente que o empregador do restaurante guarda, por sua vontade, a maior parte das taxas de serviço cobradas aos clientes e distribui o restante aos empregados. Ou seja, hoje em dia nos restaurantes em Macau, o montante cobrado ao cliente, embora a título de “taxa de serviço”, já não se destina a recompensar o bom serviço prestado pelos empregados, mas antes torna-se um meio lucrativo do empregador. Defende-se igualmente que a entidade patronal a quem compete gerir e controlar os serviços, tem igualmente direito a partilhar tais “taxas de serviços”.
III - Dos elementos constantes dos autos resulta não provada a existência do acordo entre a Ré e a Autora (e os demais funcionários no restaurante) nem a declaração unilateral por parte da Ré de partilhar aos funcionários os montantes das taxas de serviço cobrados ao cliente, é de concluir pela inexistência da obrigação de a Ré distribuir aos trabalhadores a totalidade dos montantes cobrados ao cliente a título da 10% de taxa de serviço, não obstante ficou provado que que a Autora recebia nos anos de 2010 e 2019 uma parte das taxas de serviço por vontade da Ré, motivo pelo qual é de negar o direito reclamado pela Autora.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 07 de Novembro de 2024.
Fong Man Chong
(Relator)
Ho Wai Neng
(1º Adjunto)
Tong Hio Fong
(2º Adjunto)
1 Cfr. o art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943, para disciplinar o rateio, entre empregados, da cobrança adicional sobre as despesas em bares, restaurantes, hotéis, motéis e estabelecimentos similares, alterada pela LEI Nº 13.419, de 13 de Março de 2017.
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2024-748-taxa-de-serviços-não-dever-distribuição- 43