打印全文
Processo n.º 744/2024
(Autos de recurso civil)

Data: 28/Novembro/2024

Recorrente:
- A

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Correm no Tribunal Judicial de Base uns autos de separação de bens apensos à execução, em que é cabeça-de-casal B.
Por decisão da Exm.ª Juíza do Tribunal Judicial de Base, foi decidido que a dívida do executado C para com o exequente A, ora recorrente, não é uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, razão pela qual a referida dívida não foi relacionada no apenso de separação de bens.
Inconformado, recorreu o exequente, ora recorrente, jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “A. O Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento, de direito, tendo concluído de forma errada face ao direito vigente, ao entender que a dívida do executado para com o exequente, ora recorrente, não é uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, antes respondendo por ela apenas os bens do executado, e não os do seu cônjuge, pelo que não haverá que relacionar a dívida nos autos apensos de separação de bens, eliminando em consequência a dívida do exequente da relação de bens a inventariar nos autos de separação de bens apensos à execução.
     B. O artigo 3º, n.º 2, do Código Comercial, contém uma presunção legal segundo a qual os actos praticados por um empresário comercial se consideram que o foram no exercício da sua empresa, a não ser que o contrário resulte dos próprios actos ou das circunstâncias que rodearam a sua prática. Para ilidir esta presunção é necessário fazer prova do contrário, não basta presumir o contrário, como fez o Tribunal a quo.
     C. Ora, o Tribunal a quo entendeu que, como não foi feita prova de que o executado tenha continuado a exercer actividades comerciais após 1987, não se pode concluir que o contrato de empréstimo celebrado entre o ora recorrente e o executado o tenha sido no exercício do comércio – o que é uma subversão da referida presunção legal, pois infirmou a presunção com fundamento na falta de prova que a confirmasse.
     D. Não é ao exequente que cabe provar que o contrato de empréstimo foi celebrado pelo executado no exercício da sua empresa; é ao executado e/ou ao seu cônjuge que cabe fazer prova de que o não foi, se pretenderem ilidir a presunção legal, o que estes não fizeram. Considerando o contrário, tirou o Tribunal a quo uma conclusão ilegítima.
     E. Na falta de prova em contrário deve, pois, prevalecer a presunção legal: a celebração do contrato de empréstimo foi um acto que se deve legalmente presumir ter sido praticado no exercício da empresa pelo executado, decorrendo do mesmo uma dívida comercial para o executado.
     F. Em consequência, o pagamento da dívida em causa é da responsabilidade de ambos os cônjuges, dado que não foi feita prova de que não foi contraída em proveito comum do casal (artigo 1558º, n.º 1, alínea d) do Código Civil).
     G. Sendo esta uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondem pela mesma, na parte que sobrepasse os bens afectados à empresa (que não existem), os bens comuns do casal, e, subsidiariamente a estes e solidariamente entre si, os bens próprios de cada um dos cônjuges (artigo 1562º, alínea c) do Código Civil, e artigo 84º do Código Comercial).
     H. Pelo que, a dívida do executado ao exequente, ora recorrente, cujo pagamento é da responsabilidade de ambos os cônjuges, deve ser relacionada com os bens sujeitos a divisão nos autos de separação de bens apensos à execução.
     Nestes termos, e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, se requer que o presente recurso seja recebido e julgado procedente, por provado, revogando-se o despacho recorrido (de fls. 1355-1356, proferido no dia 15/12/2023), na parte em que manda eliminar a dívida do executado ao exequente, ora recorrente, da relação de bens a ser objecto de divisão nos presentes autos apensos de separação de bens, e substituindo-se o mesmo por decisão que mande incluir a referida dívida na relação de bens a inventariar e dividir, dado que a mesma é da responsabilidade de ambos os cônjuges, assim se fazendo a costumeira JUSTIÇA!”
*
Devidamente notificados, nenhum dos interessados responderam ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Alega o recorrente que o juiz a quo cometeu um erro de julgamento, argumentando que, ao contrário do que foi decidido, a dívida do executado para com o exequente, ora recorrente, deve ser relacionada para efeitos de divisão no apenso de separação de bens.
Decidiu-se na primeira instância o seguinte:
“財產目錄第二項債務(債權人為A)
首先,有關債務未有確定判決予以確認並不妨礙有關債務列入財產目錄,因利害關係人會在利害關係人會議對有關債務進行議決(見《民事訴訟法典》第990條第4款)。
財產目錄第二項債務為請求執行人A在主案執行案件主張執行之債務,源自被聲請人C於2011年7月28日簽署的一份借貸合同(見主案第6頁)。
卷宗第888頁的商業登記證明顯示被聲請人C是自然人商業企業主,於1974年進行登記。
根據《商法典》第3條第1款之規定,商行為係指:
a) 法律視乎商業企業之需要而特別規範之行為,尤其本法典所規範之行為,以及類似行為;
b) 因經營商業企業而作出之行為。
商業企業主所作之行為,視為因經營企業而作出之行為,但該等行為及作出行為之情況顯示出有關行為並非因經營企業而作出者除外(《商法典》第3條第2款)。
首先,借貸合同並非《商法典》第3條第1款a)項所指之行為。
卷宗第1304頁至第1324頁的回覆文件顯示被聲請人C在1987年之後沒有進行報稅。卷宗第888頁的商業登記亦顯示被聲請人C在1974年進行商業企業的開業登記後沒有再作出其他登錄。
由上述情況可認定,被聲請人C在1987年後沒有繼續進行商業活動。
主案第6頁的借貸合同中沒有提及有關借貸的原因或用途。
既然被聲請人C在1987年後沒有繼續進行商業活動,在欠缺其他證據顯示被聲請人C於2011年7月28日簽署主案第6頁的借貸合同是因經營商業企業而作出之行為的情況,本法庭無法認定被聲請人C簽署主案第6頁的借貸合同屬於商行為,亦因此無法推定有關借貸合同所衍生之債務為因經營商業企業而負之債務(見《商法典》第81條)。
因本法庭未能認定有關借貸合同所衍生之債務為被聲請人C在從事商業活動中所設定之債務,不適用《民法典》第1558條第1款d)項之規定。
考慮到本案不適用《民法典》第1558條第1款d)項之規定,且債權人未有證明有關債務屬於《民法典》第1558條第1款a)項至c)項所指之債務,本法庭無法認定有關債務屬於夫妻雙方負責之債務。
正如本法庭在卷宗第1242頁背頁至第1243頁背頁的批示指出,由於本程序為劃分財產案,並非被聲請人C的遺產之分割/財產清冊程序,僅需將由被聲請人C與其配偶雙方負責之債務列入財產目錄,毋需將被聲請人C之個人債務列入財產目錄。
因此,在本劃分程序中,毋須將債權人為A的債務列入財產目錄。基於上述,現命令刪除財產目錄第二項債務(債權人為A)。”
*
Analisemos.
No presente caso, está documentalmente comprovado que entre o exequente e o executado foi celebrado um acordo segundo o qual aquele concedeu ao último um empréstimo no montante de HKD500.000,00, tendo o executado reconhecido ser devedor do exequente na referida quantia.
Além disso, ficou demonstrado que o devedor era empresário comercial a partir de 1974, tendo o mesmo deixado de declarar rendimentos para efeitos do imposto complementar a partir de 1987.
Uma vez que o executado deixou de declarar rendimentos para efeitos do imposto complementar a partir de 1987, o juiz a quo concluiu que, a partir dessa data, o executado C deixou de exercer suas actividades comerciais. Assim, determinou que o contrato de empréstimo celebrado em 2011 não deveria ser considerado um acto de comércio.
Entretanto, em nossa opinião, julgamos não ser essa a melhor interpretação.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Código Comercial, “Os actos praticados por um empresário comercial consideram-se tê-lo sido no exercício da respectiva empresa, se deles e das circunstâncias que rodearam a sua prática não resultar o contrário.”
Existe aqui uma presunção legal, ou seja, são considerados de comércio todos os actos dos empresários comerciais, a menos que se prove o contrário.
Como observa Miguel Pupo Correia, “…os actos dos comerciantes serão considerados comerciais se deles não resultar o contrário, isto é, que não são actos de comércio, por não terem relação alguma com o comércio de quem os praticou, ou seja, que não têm natureza nem causa mercantil.”1 2
Segundo o artigo 343.º do Código Civil, “1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz; 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Para que se possa destruir a prova plena, não é suficiente apresentar uma contraprova; é necessária a prova do contrário. Diz-se “prova do contrário” aquela que visa demonstrar não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente por prova plena, como acontece em casos de presunção legal ilidível (artigo 340.º do Código Civil).
No caso em análise, entre o exequente, ora recorrente, e o executado foi celebrado um acordo de empréstimo em 2011.
Entende o juiz a quo que, com base nas declarações de rendimentos apresentadas pelo executado à Direcção dos Serviços de Finanças, este deixou de exercer actividades comerciais a partir de 1987.
No entanto, conforme indicado na Declaração de Exercício de Actividade constante dos autos, o executado iniciou sua actividade comercial em 1974.
Embora seja verdade que, a partir de 1987, o executado não tenha mais apresentado junto da Direcção dos Serviços de Finanças, declarações de rendimentos para efeitos do imposto complementar, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos que isso por si não é suficiente para demonstrar que o empréstimo concedido pelo exequente a favor do executado não está relacionado à sua actividade comercial.
Na verdade, a prova do contrário exige uma prova mais firme para demonstrar que o facto presumido não é verdadeiro. Ou seja, seria necessário comprovar que o empréstimo concedido ao executado não possui natureza ou causa mercantil.
No caso dos autos, está comprovado que o executado é um empresário comercial, o que implica que todos os actos por ele praticados são presumidos como de comércio. O facto de não ter apresentado declarações de rendimento às autoridades competentes não é suficiente para ilidir essa presunção, pois as razões para a falta de apresentação de declarações podem ser diversas. Portanto, é essencial demonstrar o contrário, ou seja, provar que a dívida assumida pelo executado não se integra na sua actividade mercantil, o que não foi devidamente feito.
Ao abrigo do artigo 81.º do Código Comercial, “As dívidas comerciais do empresário comercial presumem-se contraídas no exercício da sua empresa.”
Por sua vez, determina-se no artigo 84.º do mesmo Código que “No caso de o empresário comercial ser casado num regime de comunhão de bens, pelas obrigações resultantes do exercício da sua empresa, que sobrepassem os bens afectados à mesma, respondem os bens comuns e subsidiariamente os bens próprios de cada um dos cônjuges.”
Mais se prevê no disposto da alínea d) do n.º 1 do artigo 1558.º do Código Civil que “São da responsabilidade de ambos os cônjuges: (entre outros) as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens ou da participação nos adquiridos”.
Assim, presumindo-se que a dívida do executado para com exequente, ora recorrente, foi contraída no exercício da empresa, e não tendo sido feita prova de que não foi contraída em proveito comum do casal ou que entre os cônjuges vigore o regime da separação de bens ou da participação nos adquiridos, devemos concluir que a responsabilidade pelo pagamento da dívida mencionada neste recurso recai sobre ambos os cônjuges.
Isto posto, essa dívida deve ser relacionada na relação de bens para que seja objecto de divisão no apenso de separação de bens.
Nestes termos, deve-se dar provimento ao recurso.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo exequente A e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e, em substituição, defere-se a inclusão da dívida do executado C para com o exequente na relação de bens, para que seja objecto de divisão no apenso de separação de bens.
Custas, nesta instância, pela cabeça-de-casal.
Registe e notifique.
***
 RAEM, 28 de Novembro de 2024
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man
(Segundo Juiz-Adjunto)
 
1 Direito Comercial, 7.ª edição revista e actualizada, 2001, pág. 62
2 Embora a redacção do artigo 2.º do Código Comercial Português — “Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar” — seja distinta da legislação da RAEM, não há uma diferença significativa em termos de substância.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Recurso Cível 744/2024 Página 19