Processo n.º 455/2024
(Autos de recurso cível)
Data: 28/Novembro/2024
Recorrente:
- A, S.A. (1ª ré)
Recorrido:
- B (autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Nos autos de acção ordinária intentada por B, devidamente identificado nos autos (doravante designado por “autor” ou “recorrido”), contra a A S.A. (denominada “1ª ré” ou “recorrida”) e a C S.A. (2ª ré), a 2ª ré foi julgada absolvida do pedido, enquanto a 1ª ré foi condenada a pagar ao autor uma indemnização no montante total de MOP619.759,06, acrescido de juros legais.
Inconformada, recorreu a 1ª ré jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente articulou factos na sua contestação - artigos 15º e 16º - com os quais procurou demonstrar que actuou com o cuidado e diligência devidos, prevenindo assim o entendimento de que existiria no caso uma presunção de culpa.
2. O artigo 430º do CPC dispõe que deverá ser selecionada a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
3. A sentença recorrida lançou mão do artigo 486º do Código Civil para estabelecer uma presunção de culpa e, consequentemente, uma inversão do ónus de prova.
4. Os factos constantes dos artigos 15º e 16º da contestação não constituem mera impugnação mas, ainda assim, não foram seleccionados para a base instrutória, o que motivou reclamação da Recorrente e, na abertura da audiência de discussão e julgamento, um pedido de ampliação da base instrutória, pedidos que foram indeferidos por despacho de fls. 191 e por despacho proferido em audiência.
5. A presunção estabelecida pelo artigo 486º do Código Civil é ilidível e os dois referidos factos têm natureza nuclear, sendo absolutamente indispensáveis para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, enquanto factos que demonstram que a Recorrente tomou as medidas e precauções necessárias, exigíveis segundo as circunstâncias, para prevenir a ocorrência de danos, permitindo-lhe, assim, ilidir uma qualquer presunção de culpa.
6. Ao não selecionar a matéria de facto relevante para a decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, o despacho de fls. 191, bem como o despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento que negou a ampliação da base instrutória, violaram o disposto no artigo 430º do Código de Processo Civil.
7. A Sentença Recorrida serviu-se de factos que não foram alegados por nenhuma das partes, em contravenção do princípio dispositivo, consagrado no artigo 5º do CPC.
8. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos factos notórios ou de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, das condutas e circunstâncias que apontem para um uso anormal do processo e dos chamados factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
9. Tratando-se de factos essências complementares, deveria, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5º do CPC, ter sido dada às Rés a oportunidade de sobre ele se pronunciarem e de sobre ele exercerem o contraditório, o que não sucedeu.
10. No caso destes autos, o TJB deveria (i) convidar o Autor a corrigir ou completar a petição inicial (n.º 1 do artigo 397º do CPC); ou (ii) em audiência de julgamento, ampliar a base instrutória (artigo 553º do CPC).
11. Não tendo o TJB procedido nestes termos, não pode a Sentença Recorrida lançar mão do facto de o piso da casa de banho ser de mármore para nele encontrar fundamentação de facto, mesmo que o considerasse facto essencial complementar.
12. A Sentença incorre também em erro na apreciação da prova e consequentemente na decisão da matéria de facto, por não decidir de acordo com a prova produzida, no que respeita facto integrado na alínea D dos factos considerados na Sentença Recorrida.
13. Ao contrário do que se afirma na fundamentação da Sentença Recorrida, resulta claramente dos Autos, nomeadamente do depoimento prestado pelas testemunhas em audiência de julgamento, que a casa de banho onde ocorreu o acidente não só era limpa permanentemente como havia duas pessoas destacadas para o efeito.
14. Os acidentes que ocorrem nas casas de banho sucedem às vezes, sendo que a água que cai no pavimento da casa de banho é, de um modo geral, provocada pelos utilizadores dos lavabos.
15. O Recorrido saiu da casa de banho com o seu pé esquerdo embrulhado num saco de plástico até ao tornozelo, que o mesmo removeu após sentar-se no chão.
16. Este facto impõe, só por si, uma resposta totalmente diferente ao quesito 2), que deverá ser simplesmente dado como não provado.
17. A Sentença Recorrida considerou desadequadamente a prova testemunhal produzida nos autos, fazendo uma errada valoração da prova produzida, pelo que se impugna a matéria de facto, por via dos mecanismos previstos nos artigos 599º e 629º, n.ºs 1, a) segunda parte e 2 do CPC.
18. O direito substantivo consagra o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, estatuindo no n.º 1 do artigo 477º do CC que, aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
19. Os pressupostos que habilitam a essa responsabilização cifram-se na existência de facto voluntário pelo agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
20. Do n.º 1 do artigo 477º do CC extraem-se ainda com clareza as modalidades que a ilicitude pode revestir: violação de direitos subjectivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios.
21. No caso em apreço, existia, por parte da Recorrente, o dever genérico de conservar as suas instalações - e sobretudo as abertas ao público -, em estado de não oferecerem perigosidade para os seus utentes.
22. Entendeu o TJB que, ao abrigo do disposto no artigo 486º, n.º 1 do CC, existe uma presunção de culpa contra a Recorrente, que tinha a obrigação de vigiar a casa de banho onde o Recorrido teve o acidente.
23. Para que exista a especial responsabilidade por danos ocasionados pelas coisas, deve exigir-se que o dano seja realmente causado pela coisa, isto é, pelos perigos particulares que ela implique ou, pela sua “intrínseca eficiência danosa”.
24. No caso da casa de banho pública dos autos, estando em causa o material de que é revestido o seu pavimento, é evidente que este não encerra, de per se, quaisquer perigos particulares.
25. Não existindo qualquer inversão do ónus da prova quanto à alegada culpa da Recorrente, o Recorrido não cumpriu com o onus probandi dessa mesma culpa ao longo dos autos.
26. Assentando a responsabilidade civil da Recorrente na omissão ilícita e culposa de deveres gerais de cuidado e de deveres de segurança, cabia ao Recorrido o ónus de alegar e provar, designadamente, (i) quais os deveres violados ou omitidos; (ii) qual a fonte jurídica desses deveres; (iii) quais os factos integradores dos demais pressupostos a que alude o artigo 477º do CC, nada disto tendo o Recorrido feito.
27. Ao aplicar o disposto no artigo 486º, n.º 1 do CC, a Sentença Recorrida violou as normas que dispõem sobre a repartição da culpa e o ónus da prova, nomeadamente, os artigos 335º, n.º 1, 337º, n.º 1 e 480º, n.º 1 todos do CC.
28. A Recorrente agiu diligentemente, tendo cumprido cabalmente com os seus deveres de manutenção e de alerta/aviso a que se encontrava adstrita, de forma a afastar os potenciais perigos derivados da utilização da casa de banho pública.
29. Subsidiariamente, o Recorrido contribuiu com culpa para o acidente ocorrido na casa de banho e, nessa medida, deverá reduzir-se a indemnização a conceder nessa exacta medida, nos termos do artigo 564º, n.º 1 do CC.”
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Ao recurso respondeu o autor, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“I. 對清理批示聲明異議及擴大基礎內容之請求提出爭議
1. 被上訴人同意卷宗第191頁原審法院批示之內容,被上訴人提出答辯狀第15條及第16條加入調查基礎內容之請求不獲批准,由於其僅為對調查基礎列第2條和第3條的內容(分別對應起訴狀第17條、第18條)之“單純爭議”。
2. 根據調查基礎列第2條、第3條的內容(分別對應起訴狀第17條、第18條),已涉及可以清楚了解到被上訴人之摔倒原因,是否基於上訴人之員工由於在案發時正在清潔廁所地板而導致地面濕滑所引致;以及是否在廁所門口和廁所內均沒有任何關於地面濕滑的警告。
3. 即使擴大事實調查基礎內容亦對被訴判決沒有影響,因為該等事實與現時庭審上由證人提出的事實沒有必要的關係且未獲證實。
II. 違反處分原則
4. 地板是由雲石材質構成,只是對地板的一項描述,該等事實的存在僅用作推斷存在權利或抗辯所建基之(創設性)事實,即為輔助性事實。
5. 並不構成違反《民事訴訟法典》第5條第3款規定之處分原則。
III. 判決中事實事宜之錯誤
6. 即使法院認為應該重新審視相關證據,最後亦不可能得出上訴人所希望的結果。
7. 上訴人試圖引用部分證據來質疑原審法院的自由心證。
8. 原審判決在認定事實的推論中符合邏輯及生活經驗法則,原審法庭採納G之證言結合卷宗內書證,如判決所述,“然而,正如本法庭在卷宗第407至413頁批示所指,證人G表示洗手間因使用率高故洗手區經常因客人洗手致地面濕滑,故長期在洗手間不同位置放置了三個《小心地滑》的告示牌,亦安排清潔人員當值。當日收到意外通報後其即時到事發洗手間且發現洗手間地下有水漬,而當值人員則不在場,並從保安人員知悉發生意外地點為洗手區。”
9. 上訴人引用證人D證言試圖質疑法院的心證。
10. 證人D表示被上訴人左腳腳眼位套着一個紅色膠袋,其陳述之版本與另外的證人(被告其他員工)陳述的版本是不一致。
11. 根據一般經驗法則,一般人是不會在腳眼位置套着膠袋,尤其在室內洗手間。
12. 在庭審中,證人D表示,在洗手間外被上訴人曾經用廣東話與其溝通。然而,被上訴人為中國黑龍江省人,其完全不懂廣東話,只能用普通話交流。
13. 證人D陳述的版本有很多細節與卷宗的背景資料不相符。考慮到案發的洗手間是經常發生客人摔倒的意外,不排除證人D將本案的細節與其他摔倒事件的細節混淆。儘管原審法院沒有作出解釋,最終證人D之證言沒有被採納。
14. 上訴人似乎只是節錄部分對自己有利的證人證言,並且企圖以自己審查證據的方式質疑法院的心證,然而,這不能意味著原審判決沾有審判錯誤的瑕疵。
15. 因此,原審判決不存在上訴人所指之事實問題認定錯誤之瑕疵。
IV. 上訴人之非合同民事責任
16. 在對上訴人的司法見解表示充分尊重的情況下,被上訴人不認同本案適用《民法典》第477條及第480條的理解。
17. 被上訴人完全認同原審法院的法律理解,認為應適用《民法典》第486條。
18. 上訴人所引用之司法判決完全不適用於本案,其事實前提與本案的前題是完全不同,亦沒有清楚說明適用《民法典》第477條及第480條的依據及相關司法見解,並沒有任何適用的參考價值。
19. 原審法院的判決存在對於侵害人(上訴人)是否存在過錯的分析。
20. 在被上訴人是完全不認同在洗手間內長期放置地滑告警告牌及長期派兩名清潔工作員清理地板已達到對善良家父之注意要求。
21. 更何況,“長期派兩名清潔工作員清理地板”的事實未獲原審法院證實。
22. 上訴人是可以合理預見地面不時出現水漬,使用者有可能摔倒,而洗手間的地板對使用者的安全存在潛在危險的情況下,上訴人應採取預防措施,例如在地板上添加防滑膠、更換地板等。
23. 因此,即使本案應適用《民法典》第477條及第480條,上訴人亦需要承擔責任。
V. 被害人/被上訴人在事故中的過錯
24. 上訴人引用一份於2017年發表的科學研究,但上訴人沒有闡述上述的研究與被害人/被上訴人存在過錯的關聯性,單純一份科學研究報告顯然不能支持被害人/被上訴人存有過錯或存有過失。
25. 上訴人引用證人D證言,指出被上訴人在意外中存有過錯,而證人D證言沒有被原審法院所採納且不能證實被上訴人存有過錯。
26. 被上訴人完全認同原審法院判決,“針對原告方面,除地面濕滑外未能證實原告在是次跌倒意外存在個人過錯。”
綜上所述,應裁定上訴人所提起的上訴理由不成立,並維持原審法院的判決。
請求一如既往作出公正裁判!”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado o julgamento, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
No dia 27 de Janeiro de 2018, por volta das 9:00, o Autor deixou o quarto do Hotel “E”, em que permaneceu a noite anterior, e deslocou para o Casino do mesmo Hotel. (alínea A) dos factos assentes)
Logo após o acidente, chegaram vários trabalhadores das Rés para auxiliarem o Autor que, nessa altura, nem se conseguia levantar, tendo as Rés sido informadas do acidente de imediato. (alínea B) dos factos assentes)
Por volta das 10:00, o Autor entrou numa das casas de banho dentro do “Casino E”, escorregou-se e caiu no chão. (resposta ao quesito 1º)
A queda deveu-se ao facto de que o chão da casa de banho estava molhado. (resposta ao quesito 2º)
O Autor foi transportado para o Hospital Kiang Wu, através de uma ambulância, onde fez uma radiografia que refere que o Autor sofre de “1.左脛、腓骨遠端雙骨折,斷端輕度錯位。2.左踝關節脫位。” (resposta ao quesito 4º)
Uma vez que já tinha viagem de regresso à China marcada, o Autor decidiu regressar à China, mesmo com os seus ossos (fíbula e tíbia esquerda) quebrados. (resposta ao quesito 5º)
O Autor foi internado no Hospital da China Continental (哈爾濱骨科醫院), desde 29 de Janeiro de 2018 até 6 de Março de 2018 (36 dias). (resposta ao quesito 6º)
Durante o internamento, o Autor teve que ser operado. (resposta ao quesito 7º)
Em resultado do acidente, o Autor foi transportado para o Hospital Kiang Wu, onde lhe foi feita uma consulta preliminar, nomeadamente, uma radiografia. As despesas da radiografia tirada no Hospital Kiang Wu ascendem o montante global de MOP742,00. (resposta ao quesito 8º)
No Hospital da China Continental (哈爾濱骨科醫院) o Autor recebeu vários tratamentos hospitalares, bem como foi submetido a análises de sangue e a exames imagiológicos e, ainda, a uma operação cirúrgica, cujas despesas ascendem o montante global de RMB33.252,571, equivalente a MOP42.230,76. (resposta ao quesito 9º)
Após a operação cirúrgica, o Autor tinha imensas dificuldades de se movimentar, principalmente durante o internamento no Hospital, este viu-se obrigado a contratar uma auxiliar, cujas despesas ascendem o montante global de RMB33.600,00, equivalente a MOP42.672,00. (resposta ao quesito 10º)
Em 14 de Maio de 2018, a fim de se examinar o estado de recuperação dos ossos, o Autor foi submetido a outra radiografia, o que despendeu o montante de RMB110,00, equivalente a MOP139,70. (resposta ao quesito 11º)
Na altura do acidente, o Autor era empregado de “F網絡工程有限公司” e desempenhava a função de vice-director-geral (副總經理), auferindo uma remuneração anual de RMB200.000,00, equivalente a MOP254.000,00. (resposta ao quesito 12º)
Em virtude do acidente, para além do período de internamento, o Autor jamais conseguiu regressar ao trabalho porque necessitava de permanecer em casa para sua recuperação, implicando-lhe a ter faltas no trabalho, sem remuneração, desde o dia 27 de Janeiro de 2018 até ao dia 26 de Janeiro de 2019, perfazendo um total de 12 meses. (resposta ao quesito 13º)
Logo depois do acidente, o Autor nem conseguiu levantar-se e teve que ser levado, de ambulância, até ao Hospital Kiang Wu. (resposta ao quesito 14º)
A operação cirúrgica causou 4 buracos na parte inferior da perna esquerda do Autor para enfiar 2 ferros que passam pela sua perna esquerda, os quais ainda não são removidos até ao presente momento. (resposta ao quesito 15º)
Esta operação cirúrgica foi feita com anestesia regional, o que obrigou o Autor a ver todo o procedimento e que causou-lhe muito receio e mau estar. (resposta ao quesito 16º)
Após a operação cirúrgica, o Autor teve que permanecer na cama por vários dias, sem poder movimentar. (resposta ao quesito 17º)
Durante o internamento, o Autor teve que suportar as dores que lhe causavam pela movimentação da parte inferior da sua perna esquerda. (resposta ao quesito 18º)
O emprego do Autor sempre esteve ligado à área de construção, o que exigia esforço físico, no entanto, por causa das dores e da impossibilidade de constante deslocação a pé, o Autor, até ao dia 26 de Janeiro de 2019, não conseguiu voltar a desempenhar a sua função. (resposta ao quesito 20º)
Em consequência do acidente, o Autor sofre de incapacidade permanente parcial (IPP), com coeficiência de desvalorização fixada em 0,03. (resposta ao quesito 20º-A)
A 1.ª Ré é uma sociedade anónima, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º SO 15702. (resposta ao quesito 21º)
A 2.ª Ré é uma sociedade anónima, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º SO 19845. (resposta ao quesito 22º)
O “Casino E” é um estabelecimento comercial detido e operado pela 1.ª Ré ao abrigo do contrato de subconcessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino na RAEM. (resposta ao quesito 23º)
E o hotel “E” é um estabelecimento comercial detido e operado pela 2.ª Ré. (resposta ao quesito 24º)
*
Analisemos, por partes, as questões levantadas pela recorrente.
A ré recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida no quesito 2º da base instrutória, alegando a existência de erro na apreciação da prova.
O tribunal recorrido respondeu ao quesito da seguinte forma:
Quesito 2º - “A queda deveu-se ao facto do trabalhador das rés estar a lavar o chão da casa de banho, estando a mesma toda molhada?”, e a resposta foi: “Provado apenas que a queda deveu-se ao facto de que o chão da casa de banho estava molhado.”
Ora bem, dispõe o artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
A convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental. Compete ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
É frequente que uma versão factual seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada por outros. Nesses casos, cabe ao tribunal valorar esses depoimentos de acordo com sua íntima convicção.
Ademais, não se tratando de prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cabendo ao julgador a liberdade de valoração e a decisão baseada em sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em conformidade com as regras da lógica e da experiência comum.
Assim, no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só será viável se se conseguir demonstrar a ocorrência de erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou a violação das regras de repartição do ónus da prova.
Analisada a prova produzida na primeira instância, entendemos que à 1ª ré, ora recorrente, não assiste razão.
O tribunal recorrido deu como provado o quesito 2º com base no depoimento das testemunhas e na prova documental, todos os quais estão sujeitos à livre apreciação do tribunal. E a recorrente pretende apenas sindicar a íntima convicção do tribunal recorrido, formada a partir da livre apreciação e valoração global das provas apresentadas nos autos.
Aliás, se atentarmos para a fundamentação da matéria de facto bem elaborada pelo tribunal recorrido, a seguir transcrita, não restam dúvidas de que a decisão quanto à matéria de facto questionada pela recorrente não merece qualquer censura:
“至於原告滑倒的原因,證人D清楚表示發現原告左邊褲腳有明顯水印,並指出洗手間長期放置了《小心地滑》的告示牌;證人G則交代了娛樂場洗手間的清潔模式及流程,表示洗手間因使用率高故洗手區經常因客人洗手致地面濕滑,故長期在洗手間不同位置放置了三個《小心地滑》的告示牌,亦安排清潔人員當值。當日收到意外通報後其即時到事發洗手間且發現洗手間地下有水漬,而當值人員則不在現場,並從保安人員知悉發生意外地點為洗手區。另一任職第二被告公司的證人H提及澳門巴黎人娛樂場內洗手間發生多次客人滑倒的意外,其一主要原因為地面濕滑。
基於上述,結合卷宗第378至385頁文件所顯示洗手間內舖設雲石地板之情況,本法庭認為僅可穩妥認定原告在進入巴黎人娛樂場內洗手間因雲石地板有水漬致滑倒,且事發時洗手間有放置《小心地滑》的告示牌,並得以對調查基礎內容第1至2項疑問作出回答,第3及25項則不視為獲得證實。”
Face à prova produzida nos autos, não conseguimos encontrar qualquer erro grosseiro e manifesto por parte do tribunal recorrido na análise da prova ou na apreciação da matéria de facto controvertida. Os elementos trazidos aos autos permitam chegar à mesma conclusão a que chegou o tribunal a quo. Assim, considerando que a convicção formada pelo tribunal recorrido não merece qualquer reparo, esta parte do recurso deve, necessariamente, ser considerada improcedente.
A recorrente alega ainda que a sentença recorrida se baseou em factos não alegados pelas partes.
Vejamos.
Na sentença recorrida, foi destacado que o piso da casa de banho é de mármore, o que o torna escorregadio.
De facto, a natureza do piso – se de mármore ou de outro material - não foi abordada pelas partes em seus articulados, nem foi objecto de quesitação. A recorrente argumenta que o juiz a quo considerou esse facto apenas ao interpretar e aplicar o direito, violando, portanto, o princípio do dispositivo.
Em boa verdade, o n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil permite que o juiz considere oficiosamente os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
Conforme resulta dos autos, o juiz concluiu que a natureza do piso era de mármore com base na análise da prova documental apresentada pela própria ré recorrente (fls. 378 a 385 dos autos).
Não se tratando de uma questão essencial, mas de um mero facto instrumental, e considerando que a prova foi devidamente junta aos autos, com a possibilidade de as partes se pronunciarem, não se verifica qualquer violação do princípio do dispositivo.
Improcede, assim, esta parte do recurso.
A recorrente também alega que o juiz do tribunal a quo cometeu um erro ao indeferir o aditamento de dois quesitos, especificamente os artigos 15º e 16º da contestação. A recorrente sustenta que, uma vez que a sentença recorrida optou pela existência de uma presunção de culpa, essa matéria deixa de ser mera impugnação e se configura como facto essencial da ré. Diz a ré que isso lhe permitiria demonstrar que tomou medidas e precauções necessárias para prevenir a ocorrência de danos, possibilitando, assim, ilidir a presunção de culpa.
A ré apresentou nos artigos 15º e 16º da contestação o seguinte:
Artigo 15º - “Na altura, a referida casa-de-banho estava a ser limpa e arrumada por um dos funcionários da 2ª ré.”
Artigo 16º - “Enquanto procedia às operações de limpeza e arrumo, o funcionário da 2ª ré colocou a sinalização de aviso para o piso escorregadio, com os dizeres “小心地滑” e “CAUTION SLIPPERY FLOOR”, junto aos lavatórios.”
Conforme a decisão do juiz a quo, tal matéria foi considerada desnecessária, uma vez que se tratava de impugnação referente aos artigos 17º e 18º da petição inicial, os quais foram selecionados como quesitos 2º e 3º da base instrutória.
E estatui-se nos quesitos 2º e 3º da base instrutória o seguinte:
Quesito 2º - “A queda deveu-se ao facto do trabalhador das rés estar a lavar o chão da casa de banho, estando a mesma toda molhada?”
Quesito 3º - “Não estava qualquer aviso de piso escorregadio à porta da casa de banho, nem mesmo dentro da casa de banho?”
Em nossa opinião, entendemos que aquela matéria é pertinente para a ré.
De facto, considerando que o autor alegou factos constitutivos do seu direito, tais como: a ré era dona das instalações sanitárias destinadas ao uso público, o chão estava molhado, sendo essa circunstância a causa da queda do autor, e que lhe resultou em danos e prejuízos. Nesse caso, a ré recorrente poderia alegar factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo autor, demonstrando que agiu de maneira diligente, como um bom pai de família, tudo com vista a infirmar o efeito pretendido pelo autor.
É importante salientar que, embora o juiz a quo tenha formulado o quesito 3º de forma negativa (com a resposta “não provada”), isso não implica que o quesito esteja provado de maneira positiva.
Assim, considerando que a matéria do artigo 15º da contestação já foi abordada no quesito 2º, não há necessidade de renovar esta parte da matéria na base instrutória.
Enquanto a matéria do artigo 16º da contestação não se configura como mera impugnação, mas sim um facto pertinente para a decisão da causa, procedem as razões aduzidas pela ré recorrente nesta parte, deferindo-se o aditamento do facto contido no artigo 16º da contestação, com o seguinte teor: “O funcionário da 1ª Ré colocou a sinalização de aviso para o piso escorregadio, com os dizeres “小心地滑”e “CAUTION SLIPPERY FLLOR”, junto aos lavatórios?”.
Nesta conformidade, a questão de mérito deve ser reapreciada e decidida pelo Tribunal a quo, após o julgamento do facto aditado.
Deste modo ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela ré recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ré, ora recorrente, A S.A. e, em consequência, revoga a sentença recorrida e, em substituição, defere o aditamento de um novo quesito, devendo o mérito ser conhecido de novo após o julgamento do facto aditado.
Custas pela parte vencida a final.
Registe e notifique.
***
RAEM, 28 de Novembro de 2024
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 需要指出,原告在起訴狀就此部分支出所請求賠償的金額為人民幣33.232,57元,折合澳門幣42,205.36元。
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Recurso Cível 455/2024 Página 9