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Processo nº 486/2023
(Reclamação para a conferência)

Data: 18 de Dezembro de 2024
Recorrente: A
Entidade Requerida: Conselho Superior da Advocacia
Contra-Interessada: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos, veio instaurar a presente acção pedindo que:
1. Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e recusado pelo CSA pela sua deliberação junta como doc. nº 3 (art. 104º/1 do CPAC), acto vinculado esse a proferir pelo CSA consubstanciado na declaração, pelo CSA, da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas, devendo determinar-se especificamente ao CSA, o que também se pede, que deverá aprovar deliberação, no prazo fixado pelo Tribunal, que extinga o processo disciplinar em causa por motiva de prescrição do mesmo.
2. Decidir se a B, representada pela sua direcção, deverá ser chamada à acção como contra-interessado, como, a bem da celeridade processual, desde já se requer, e em caso afirmativo, nos termos, entre outros, dos arts. 60º do CPAC e 6º/2 e 427º/1-a) do CPC, chamar a intervir nesta acção, na qualidade de contra-interessado, a B, com sede na Av. da XX, XX, Edf. XX, XXº XX, Macau, representada pela sua direcção.
3. Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção, bem como a direcção da B, caso este seja chamada à acção e se oponha ao pedido do autor.
  
  Citada a Ré e a contra-interessada vieram estas em sede de contestação invocar a excepção do caso julgado porquanto em acção de condenação à prática do acto devido que correu termos neste Tribunal sob o nº 1157/2020 já foi proferida decisão relativamente ao objecto destes autos havendo identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido.
  
  O Autor replicou pugnando pela improcedência das excepções invocadas.
  Proferido despacho saneador foi julgada procedente a excepção do caso julgado com os fundamentos constantes de fls. 407 a 412 os quais aqui se dão por reproduzidos.
  
  Não se conformando com aquele despacho vem o Autor reclamar para a conferência invocando em síntese que a primeira acção ali indicada tem como objecto a “omissão de um acto” e a segunda acção, esta que agora nos ocupa, tem como objecto a prática de um acto que “indefere o pedido do Autor”.
  
  Admitida a reclamação e notificadas a parte contrária e a contra-interessada para responderem vieram estas pugnar pelo indeferimento da reclamação.
  
  Dada Vista dos Autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, por este foi emitido o seguinte Douto Parecer:
  «(i)
  Constitui objecto da presente reclamação para a conferência a douta decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Relator que julgou procedente a excepção de caso julgado e absolveu a Ré da instância, constante de fls. 407 a 412 dos presentes autos.
  (ii)
  (ii.1)
  Creio, com todo o respeito, que não ocorre a excepção de caso julgado. Muito brevemente, pelo seguinte.
  A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por finalidade de evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou repetir uma decisão anterior, com o que se procura, não só atingir um objectivo de economia processual, como também proteger o prestígio e autoridade dos tribunais e dar corpo ao princípio estruturante da segurança jurídica associado ao caso julgado.
  Ocorre repetição da causa quando duas acções são idênticas entre si em relação aos respectivos sujeitos, pedido e causa de pedir. No caso em apreço, não é controvertido que as partes são as mesmas na acção que correu termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 1157/2020 e na presente acção. A questão está, pois, em saber se o objecto do processo, definido pelos pedidos e pela causa de pedir é o mesmo.
  Vejamos.
  (ii.2)
  O Autor instaurou no Tribunal de Segunda Instância a acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos que aí correu termos sob o n.º 1157/2020, em reacção a uma situação de indeferimento tácito, ou de recusa da Administração de decidir o requerimento que apresentou ao Réu no sentido de ser declarada a prescrição do procedimento disciplinar contra si instaurado. Pediu o Autor que se determinasse ao Réu que praticasse o acto de declaração da prescrição do dito procedimento.
  Nessa acção foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou o Réu «a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias contados a partir da data do trânsito em julgado [da]decisão (...)».
  À luz interpretativa da fundamentação dessa decisão, parece-me relativamente linear concluir no sentido de que, pronunciando-se sobre a pretensão do Autor, o Tribunal de Segunda Instância, na referida acção, decidiu duas coisas:
  - decidiu, em primeiro lugar, que o Réu estava legalmente obrigado a apreciar o requerimento que lhe foi apresentado pelo Autor e a proferir decisão expressa sobre o mesmo;
  - decidiu, em segundo lugar, quanto à questão da prescrição propriamente dita, que a definição jurídica nessa matéria cabia à Administração, sem prejuízo de intervenção sindicante subsequente por parte do Tribunal.
  Significa isto, portanto, que o Tribunal de Segunda Instância entendeu que competia à Administração apreciar, em primeiro grau, a questão da prescrição suscitada pelo Autor, e que o único incumprimento que havia a sancionar, e que acabou por justificar a procedência da acção, era o incumprimento de dever de decidir que consubstanciou o indeferimento tácito da pretensão de extinção do procedimento disciplinar com fundamento em prescrição que o Autor antes deduzira perante o Réu.
  O acórdão proferido na acção com o n.º 1157/2020 não se pronunciou, pois, de nenhuma forma, sobre o mérito da suscitada questão da prescrição. Ora, a nosso modesto ver, o sentido dessa falta de pronúncia sobre essa questão crucial só pode ser, no concreto contexto da decisão em apreço, o de que se intendeu remeter para a Administração, em primeira linha, a resposta à dita questão, não implicando, pois, uma qualquer nulidade da sentença que o Executado estivesse onerado a invocar, mas, antes, uma intencional abstenção de decisão sobre a questão com base no entendimento de que, nessa matéria, a intervenção do tribunal é necessariamente de segundo grau no confronto com uma anterior decisão administrativa expressa. Num certo sentido, o Tribunal entendeu que havia um obstáculo ao conhecimento do mérito da prescrição.
  Como se vê, no processo n.º 1157/20020, a pretensão do Autor foi configurada pelo próprio Tribunal não como uma pretensão de condenação da Administração a tomar a uma decisão com um certo conteúdo, mas como uma pretensão de condenação da Administração a decidir com o conteúdo que ela própria considerasse ser o legal, num quadro que era de silêncio da Administração.
  A presente acção, pelo contrário, surge em reacção à decisão expressa, entretanto proferida pela Administração na sequência da anterior condenação. Agora, a pretensão já não é a de que a Administração decida, porque a Administração já decidiu, mas, antes, que seja condenada a decidir num certo sentido, declarando a prescrição do procedimento disciplinar.
  Não há, portanto, identidade entre o objecto da primeira acção, tal como resultou da configuração que lhe foi dada pelo tribunal, e o objecto da presente acção. Por isso, este Tribunal não será colocado, de modo algum, na alternativa de contradizer ou repetir a decisão anterior. Bem pelo contrário. Anteriormente o Tribunal condenou a Administração a decidir sem, todavia, ter fixado o conteúdo dessa decisão; agora é chamado a fiscalizar a legalidade da decisão concretamente proferida pela Administração na sequência daquela condenação. Não ocorre, portanto, no meu modesto entendimento e, repito, com todo o respeito pela posição doutamente sufragada na decisão reclamada, a excepção de caso julgado.
  (iii)
  Concluindo, parece ao Ministério Público, salvo melhor opinião, que a presente reclamação para a conferência deve ser deferida.».
  
  Foram dispensados os Vistos dada a simplicidade da questão.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO
  
  Dizemos no despacho objecto desta reclamação o seguinte:
  «Invocam a Ré e a contra interessada que o pedido agora formulado e a causa de pedir é a mesma da acção que correu termos neste Tribunal sob o nº 1157/2020.
  Como resulta da sinopse dos autos em consequência daquela acção foi instaurada uma execução para prestação de facto que correu termos neste Tribunal sob o nº 1157/2020/A e no Tribunal de Última Instância sob o nº 25/2024, tendo terminado por Acórdão deste último Tribunal cuja certidão consta de fls. 281 a 323 e de onde resulta se concluir que o acto a cuja execução se havia condenado havia já sido praticado.
  Entre aquela acção e esta que ora nos ocupa é evidente a identidade de sujeitos.
  No que concerne à causa de pedir e pedido mostra-se adequado pela síntese que dali resulta transcrever a factualidade que foi dada por assente e esteve subjacente à acção executiva supra identificada, a saber:
  1. O exequente foi condenado pelo CSA, por deliberações de 6-Julho-2017 e de 27-Julho-2017 (esta após reclamação da Direcção da B), em pena disciplinar suspensa pelo período de três anos, por factos ocorridos e consumados em 12-Agosto-2002 (há 21 anos) [docs. constantes do processo disciplinar, cuja junção aos autos se requereu no Proc. nº 1157/2020].
  2. Foram tempestivamente interpostos recursos daquelas deliberações do CSA, um pela Direcção da B (Proc. nº 776/2017), outro pelo ora exequente (Proc. nº 690/2018), os quais se encontram pendentes junto do TSI e TUI [docs. Juntos ao Proc. nº 1157/2020, por requerimento de 29.04.2021].
  3. Em 1-Setembro-2020 e, depois, em 1-Novembro-2020, o autor suscitou junto do CSA que decretasse a prescrição do procedimento disciplinar [docs. nºs 1 e 2 da p.i. do Proc. nº 1157/2020].
  4. O CSA ignorou os dois pedidos deste seu Colega (exequente), representado por outro seu Colega (o signatário) e não respondeu aos seus pedidos, quer deferindo, quer indeferindo.
  5. Em 10-Dezembro-2020, tendo ocorrido o indeferimento tácito, o exequente instaurou acção judicial que deu lugar aos autos nº 1157/2020, formulando o seguinte pedido:
  Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
  1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
  Subsidiariamente
  2) Que se digne anular o acto de indeferimento tácito do pedido do autor de 1-Novembro-2020.
  3) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
  6. O TSI, por despacho de 22-Janeiro-2021 (fls. 20 dos autos nº 1157/2020), proferiu despacho de aperfeiçoamento por razão atinente ao facto de o exequente (ali autor) ter feito dois pedidos, (1) um para a prática de acto administrativo legalmente devido, (2) outro de recurso contencioso de anulação.
  7. Em 3-Fevereiro-2021, o exequente apresentou nova acção judicial com o seguinte pedido:
  Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs certamente suprirão, requer que se digne dar provimento à presente acção, e consequentemente,
  1) Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
  2) Condenar o CSA em custas e procuradoria condigna, uma vez que foi a violação do dever de decisão (art. 11º do CPA) pelo longo período de mais de 90 dias que deu desnecessariamente causa a esta acção.
  8. Em 5-Maio-2022 - após o decurso da acção, que incluiu o chamamento da Direcção da B como contrainteressada - o TSI deu integral provimento ao recurso do exequente e proferiu, nestes autos, o Acórdão condenatório com a decisão seguinte:
  Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente a acção, condenando-se o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data do trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal.
  9. O TSI não condenou o autor em custas.
  10. O CSA não interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância do Acórdão condenatório, tendo-se conformado com o mesmo.
  11. O exequente também não interpôs recurso do Acórdão.
  12. Em 23-Maio-2022, o Acórdão condenatório do TSI transitou em julgado.
  Resulta também daqueles autos e destes que em 05.08.2022 o Presidente do CSA notificou o Exequente do extracto de uma deliberação, alegadamente tomada em 26-29 de Julho de 2022 em que deliberou no sentido de que o processo disciplinar não tinha prescrito.
  Na acção “sub judice” vem o Autor invocar em suma toda aquela factualidade reiterando que em 01.09.2020 e em 01.11.2020 suscitou junto do CSA que declarasse a prescrição do procedimento disciplinar e que em 05.08.2022 o Presidente do CSA notificou o Exequente do extracto de uma deliberação, alegadamente tomada em 26-29 de Julho de 2022 em que deliberou no sentido de que o processo disciplinar não tinha prescrito.
  Para tanto invoca esta factualidade nos artigos 37 e seguintes da p.i. fazendo referência aos documentos 1, 2 e 3 que com aquela foram juntos.
  Na sua argumentação sustenta o Autor que como este Tribunal de Segunda Instância na acção que correu termos sob o nº 1157/2020, para além de mandar praticar o acto devido, não mandou que o mesmo fosse praticado com o sentido que devia ter sido de declarar a prescrição do procedimento disciplinar, então vem agora pedir expressamente que condene à prática do acto devido e também que condene a decidir no sentido indicado.
  Conclui por isso o Autor que este pedido é novo e que não houve ainda pronúncia sobre o mesmo.
  (…)
  Vejamos então.
  O pedido na acção que correu termos sob o nº 1157/2020 era:
  -Determinar ao Réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e omitido (art. 104º/1 do CPAC), consubstanciado na declaração da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas.
  O pedido nesta acção é:
  -Determinar ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e recusado1 pelo CSA pela sua deliberação junta como doc. nº 3 (art. 104º/1 do CPAC), acto vinculado esse a proferir pelo CSA consubstanciado na declaração, pelo CSA, da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação respectivas, devendo determinar-se especificamente ao CSA, o que também se pede, que deverá aprovar deliberação, no prazo fixado pelo Tribunal, que extinga o processo disciplinar em causa por motivo de prescrição do mesmo.».
  Em ambas as acções o Autor pretende a condenação da Ré a praticar um acto que entende ser devido.
  Da leitura dos dois pedidos resulta que o Autor pretende que seja declarada a prescrição do procedimento disciplinar.
  Contudo, a causa de pedir da primeira acção foi o indeferimento tácito, ou seja, a omissão da prática de acto algum que definisse a situação do Autor.
  Com base nesta causa de pedir – omissão da prática do acto – entendeu este Tribunal ser de julgar procedente a mesma condenando à prática do acto, mas sem lhe definir o conteúdo.
  Na acção agora “sub judice” a causa de pedir é a prática de um acto que se entende ter conteúdo vinculado e que foi praticado noutro sentido.
  O que nos induziu em erro foi que em ambos os pedidos se pretende a declaração de prescrição do procedimento disciplinar.
  Porém, de uma leitura mais atenta dos pedidos e a causa de pedir invocada, verifica-se agora não ser idêntica, pois se a primeira acção emerge da “não prática de um acto” a segunda acção emerge de um “acto que foi praticado com um conteúdo errado” o qual sendo vinculado equivale à “recusa do acto”.
  Saber se o acto praticado era ou não de conteúdo vinculado e se essa decisão havia de ser tomada no sentido pedido, é questão de direito a apreciar e decidir em sede de julgamento do mérito da acção.
  Nesta fase, o que importa é que a primeira acção foi intentada com base na al. a) do artº 103º do CPAC e a acção “sub judice” foi intentada com base na al. b) do mesmo preceito legal, resultando da argumentação usada que na prática, a Ré ao decidir pela não prescrição do procedimento disciplinar se recusou a praticar o acto de conteúdo vinculado que consistia na declaração daquela prescrição.
  Aqui chegados, acompanhamos o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, e penitenciando-nos do lapso, impõe-se julgar procedente a reclamação, revogando o despacho reclamado.
  
III. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando-se procedente a reclamação apresentada, revoga-se o despacho de fls. 407 a 412 na parte em que julgou procedente a excepção do caso julgado e em consequência julga-se improcedente a invocada excepção do caso julgado e que não existem outras excepções ou questões prévias que obstem à decisão da causa.
  
  Uma vez que o processo permite a apreciação total do pedido, abra vista dos autos ao Ministério Público nos termos al. b) do nº 1 do artº 429º do CPC e dos nº 1 e 2 do artº 99º do CPAC.
  
  Sem custas.
  
  Notifique.
  RAEM, 18 de Dezembro de 2024

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)


1 Realce e sublinhado nosso
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486/2023 RECL P/CONF 6