Processo n.º 790/2024
(Autos de recurso laboral)
Data: 5/Dezembro/2024
Recorrente:
- A (autor)
Recorrida:
- YYY Resorts, S.A. (ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A (autor) intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da YYY, S.A. no pagamento do montante total de MOP364.952,41, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP141.574,76 acrescida de juros legais a contar da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, interpôs o autor recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Ré (YYY) na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho);
2. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo, mostra-se em violação ao disposto no artigo 17° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e dos artigos 42º e 43º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos.
Mais detalhadamente.
3. Resulta da matéria de facto assente, entre outra, que:
- De 25/03/2008 e 31/12/2018, 02 а 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 е 01, 02/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7º);
(...)
- Entre 25/03/2008 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não fixou ao Autor em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (9º);
- Entre 25/03/2008 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado (10º);
- De 25/03/2008 e 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias) (11º);
- De 25/03/2008 e 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho (12º);
- De 25/03/2008 e 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado (13º).
4. Não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho efectivos prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
5. E, a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem que os mesmos constavam da Base Instrutória;
6. Ou melhor, diferentemente do que terá sido o entendimento do TJB, o que se impunha apurar eram os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7º dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8º dia, isto é após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório a tal respeito;
7. Trata-se, de resto, da interpretação que tem vindo a ser seguida de forma uniforme pelo douto Tribunal de Segunda Instância, relativamente a Processos totalmente idênticos ao presente, pelo que se “compreende mal” a insistência por parte do TJB em “não seguir” as decisões tomadas pelo Tribunal de Recurso quanto a uma mesma questão de direito.
Em concreto,
8. Resulta provado que: entre 25/03/2008 e 31/12/2008 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não fixou ao Autor em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas (9º) - e, como tal, que relativamente ao referido período o Autor prestou para a Ré 258 dias de trabalho efectivo - correspondente a 37 dias de trabalho prestado em dia destinado a descanso semanal (258/7dias) - deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$14,800.00 a título do dobro do salário correspondente à seguinte operação: (Mop$6,000.00/30 x 258 / 7 X 2) - e não só apenas MOP$7,371.43 correspondente a um dia de salário em singelo conforme parece resultar da decisão ora posta em crise, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, o que para todos os legais efeitos se requer.
9. Ao não entender assim, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
Ao que se diz acresce que,
10. Já se deixou dito resultar da Matéria de Facto provada que: entre 25/03/2008 (leia-se, para os presentes efeitos 01/01/2009) e 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 - descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau - a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias); que a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho e que a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado (cfr. pontos 11º, 12º e 13º);
11. Não obstante a referida matéria de facto provada, aquando do apuramento das quantias devidas pela Ré ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho efectivos prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
12. Ora, salvo o devido respeito, o que se impunha ao Tribunal a quo era apurar os dias de trabalho que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7º dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8º dia; isto é, após 7 dias de trabalho consecutivo;
13. De onde, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$141,398.52, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal - e não só de apenas MOP$18,317.05, conforme parece resultar da douta Sentença, correspondente ao seguinte (remuneração diária X número de dias de trabalho prestado em dia de descanso semanal);
14. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda às fórmulas de cálculo tal qual supra formuladas pelo Autor, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu a ré nos seguintes termos conclusivos:
“I. Veio o Autor, ora Recorrente, insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base no que respeita à fórmula de cálculo seguida pela douta decisão recorrida quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal durante o período entre 25/03/2008 a 31/12/2008, por entender que, nesse particular, a sobredita decisão enferma de erro de aplicação de Direito e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado no artigo 17º, do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, e ainda do artigo 42º e 43º da Lei n.º 7/2008;
II. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal nada há a apontar à Decisão Recorrida, que mais não é do que a fórmula que é sufragada pelo Tribunal de Última Instância;
III. Nos termos do preceituado no artigo 17º, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei n.º 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro);
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal;
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete;
VI. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base;
VII. E, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, de cujo sumário se aprende que “Não obstante, o trabalhador obrigado a trabalhar no dia de descanso deve auferir, para além do seu salário normal outro tanto equivalente àquele dia.”;
VIII. Diga-se aliás, que, em face da redacção conferida pela Lei 7/2008 ao artigo 43º, n.º 2, 1), tornou-se evidente a opção legislativa no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base;
IX. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, págs. 283 e 284);
X. Por entender que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, por ter condenado a Ré YYY, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$7,371.43, e que deveria ter sido o montante de MOP$14,800.00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de trabalho),
XI. E ainda, por entender que o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto no artigo 43º da Lei n.º 7/2008 por ter condenado a Ré YYY, a pagar ao Autor apenas a quantia de MOP$18,317.05 e que deveria ter sido o montante de MOP$141,398.52, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal durante o período de 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, alegando que não obstante a matéria de facto provada o Tribunal a quo: “(...) seguiu o outro raciocínio: dividiu o número total dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o mesmo havia descansado ao 8º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor (apenas) terá direito a auferir a diferença entre os dois.”
XII. Diga-se, desde logo que, quanto à actividade da empresa a mesma é pública e notória - é actividade de Casino e de laboração contínua -, ou seja, de vinte e quatro horas sobre vinte e quatro horas, como o Recorrente bem sabe pois foi guarda de segurança de um casino;
XIII. Nem se diga que pela matéria dada como provada na resposta aos quesitos 11º a 14º da sentença pois bem sabe o Recorrente porque alegou nos artigos 7º, 12º e 24º da sua petição inicial que após sete dias de trabalho consecutivo o Autor Recorrente gozava um período de vinte e quatro horas de descanso, o que foi confirmado pela testemunha ouvida em audiência de discussão e julgamento e ainda conforme consta da fundamentação na resposta dada à matéria de facto;
XIV. Assim, se o Recorrente gozou efectivamente de um dia de dispensa ao trabalho em cada oitavo dia, o cômputo efectuado a final pelo douto Tribunal a quo de compensar o Recorrente pelo trabalho prestado ao sétimo dia de trabalho consecutivo entre 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, não poderia ter sido calculado de modo diferente pois no que respeita às compensações pelos dias de descanso semanal, com a entrada em vigor em 01/01/2009 da Lei n.º 7/2008, o legislador deixou de exigir o gozo consecutivo do descanso semanal por cada quatro semanas, conforme se prevê no n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008, isto é: «O gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, casos em que o trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de quatro dias por cada quatro semanas.».
XV. No caso dos autos e como supra se referiu, a Lei admite a concessão do descanso em cada oitavo dia como descanso semanal nos termos do n.º 2 do art.º 42º da Lei n.º 7/2008,
XVI. Ora, conforme e alegado pela YYY, ora Recorrida, nos artigos 59º e 60º da Contestação, por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem como, em função da natureza do sector de actividade da Recorrida – Casino – que é de laboração contínua, poderá o empregador ter a necessidade de fixar e atribuir esses dias de descanso semanal não ao sétimo dia, mas num outro dia do mês.
XVII. Nesta medida, verificando-se no caso sub judice uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 42º da Lei n.º 7/2008 e resultando da matéria de facto dado como provada que o Recorrente gozou o descanso compensatório ao 8º dia, bem andou o douto Tribunal a quo no apuramento do montante indemnizatório, devendo, por isso, improceder também aqui o Recurso a que ora se responde.
XVIII. Pelo que e, face a todo o exposto, não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser julgado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Entre 25/03/2008 e 27/03/2023, o Autor esteve ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
O Autor respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
O Autor prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
Entre 25/03/2008 e 27/03/2023, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (E)
Período
Dias de férias e/ou de ausência
2008
24
2009
24
2010
24
2011
24
2012
24
2013
24
2014
24
2015
24
2016
24
2017
24
2018
24
23/08/2019 a 06/09/2019
15
05/10/2019 a 06/10/2019
2
04/11/2019 a 13/11/2019
10
2020
24
2021
24
2022
24
Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (F)
Entre 25/03/2008 e 27/03/2023, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal e de subsídio de alojamento: (1º)
De
A
Salário de base mensal
Subsídio de Alojamento
25-03-08
31-12-08
$5,500.00
$500.00
01-01-09
31-01-11
$5,500.00
$1,000.00
01-02-11
31-07-11
$5,775.00
$1,000.00
01-08-11
31-12-11
$6,275.00
$500.00
01-01-12
31-01-13
$6,903.00
$500.00
01-02-13
31-12-13
$7,318.00
$500.00
01-01-14
31-12-14
$7,684.00
$500.00
01-01-15
31-07-18
$8,069.00
$500.00
01-08-18
31-03-19
$10,000.00
$500.00
01-04-19
31-10-21
$10,600.00
$500.00
Desde o início da relação de trabalho e até 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (2º)
Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (3º)
Entre 25/03/2008 e 31/10/2021, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de todos os dias/turnos que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo dos dias em que o Autor não prestou trabalho. (4º)
A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (5º)
A Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (6º)
De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7º)
A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8º)
Entre 25/03/2008 e 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas. (9º)
Entre 25/03/2008 e 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado. (10º)
De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (11º)
De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (12º)
De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório na sequência do trabalho prestado. (13º)
A Ré pagou sempre ao Autor o salário correspondente aos dias de descanso semanal. (14º)
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M
Entende o autor ora recorrente que o trabalho prestado em dias de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma maioritária neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que aufiram salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No que toca ao número de dias em que o autor deixou de gozar descanso semanal, provado ficou que entre 25.03.2008 e 31.12.2008, descontados os períodos em que o autor esteve de férias, a ré não fixou ao autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, nem pagou ao autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em cada um dos sétimos dias, após a prestação de seis dias de trabalho consecutivo.
No caso vertente, o autor prestou desde 25/03/2008 até 31/12/2008, 37 dias de trabalho em dias de descanso semanal.
Nesta conformidade, por o autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP14.800,00 (MOP6.000/30 x 37 dias x 2), devida a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal.
*
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito da Lei n.º 7/2008
Alega o autor que prestou trabalho desde Fevereiro de 2009 até Fevereiro de 2021 e não tendo a entidade patronal, ora ré, fixado o período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias, tendo apenas gozado descanso no oitavo dia, daí que entende ter direito a receber uma compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal conforme o mapa de apuramento consagrado nas alegações de recurso.
A ré defende que a sentença recorrida não está inquinada por qualquer erro de cálculo.
Em boa verdade, a questão ora levantada foi objecto de apreciação por este tribunal superior em acórdãos similares, mas reiteradamente decidida em sentido contrário pela primeira instância.
O trabalhador tem direito a gozar um período de descanso remunerado de vinte e quatro horas consecutivas por semana. Esta é a regra e que está prevista no n.º 1 do artigo 42.º da Lei das Relações de Trabalho.
Como observa José Carlos Bento da Silva e Miguel Pacheco Arruda Quental1, “as razões que justificam a existência de um dia de descanso prendem-se com motivos de ordem física e psíquica (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a própria família) e também por razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou para que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex. de repartições públicas, etc.).”
Ao mesmo tempo o legislador admite excepção que consta do n.º 2 do mesmo artigo 42.º.
Diz o n.º 2 do artigo 42.º do mesmo diploma legal que o gozo do período de descanso pode não ter frequência semanal em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável.
Face à norma citada, afigura-se-nos que a lei laboral não impõe que o descanso semanal ocorra necessariamente no sétimo dia de trabalho, podendo, em caso de acordo entre as partes ou quando a natureza da actividade da empresa o torne inviável, ser gozado em outro dia.
No caso dos autos, em vez de gozar um dia (ou seja, vinte e quatro horas consecutivas) de descanso dentro de cada período de 7 dias, provado está que o trabalhador só gozou o repouso semanal no oitavo dia.
Mais precisamente, ficou provada nos autos a seguinte matéria:
- De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos;
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia;
- Entre 25/03/2008 e 31/12/2008 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor em cada sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas;
- De 25/03/2008 a 31/12/2018 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório em sequência do trabalho prestado;
- De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias);
- De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho;
- De 25/03/2008 a 31/12/2018, 02 a 04, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não concedeu ao Autor um dia de descanso compensatório na sequência do trabalho prestado.
Ora bem, face à matéria de facto acima descrita, verifica-se que o autor prestou trabalho ao sétimo dia e apenas gozou o descanso no oitavo dia, não se vislumbrando acordo a esse respeito entre autor e ré.
E não se diga que a natureza da actividade da ré tornava inviável a concessão de descanso semanal no sétimo dia. Na verdade, apesar de a actividade da ré ser contínua (24 horas por dia), esta não logrou demonstrar por que razão não podia conceder aos seus trabalhadores descanso semanal no sétimo dia e necessariamente no oitavo dia, pelo que, na falta de prova dessa pretensa inviabilidade, como sendo entidade patronal a ré violou o direito ao repouso semanal do autor, passando este a ter direito à compensação pelo trabalho prestado no sétimo dia.
Determina a alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008 que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório e auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
Ora bem, tendo o trabalhador ora autor gozado repouso no oitavo dia, somos a entender que esse dia de descanso remunerado no oitavo dia após a prestação de sete dias consecutivos de trabalho deve ser entendido como dia de descanso compensatório.
Em consequência, considerando que, entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2018, nos meses de Fevereiro, Março, Abril e Novembro de 2019, nos meses de Fevereiro, Junho, Julho e Dezembro de 2020, e nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021, a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho, o autor tem direito a receber a respectiva compensação pecuniária (acréscimo de um dia) prevista nos termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2008, no montante de MOP141.465,10, nos termos a seguir discriminados:
- entre 1.1.2009 e 31.1.2011 --- 102 dias (711 : 7) x MOP216,67 = MOP22.100,34;
- entre 1.2.2011 e 31.7.2011 --- 24 dias (169 : 7) x MOP225,83 = MOP5.419,92;
- entre 1.8.2011 e 31.12.2011 --- 20 dias (143 : 7) x MOP225,83 = MOP4.516,60;
- entre 1.1.2012 e 31.1.2013 --- 53 dias (371 : 7) x MOP246,77 = MOP13.078,81;
- entre 1.2.2013 e 31.12.2013 --- 45 dias (312 : 7) x MOP260,60 = MOP11.727,00;
- entre 1.1.2014 e 31.12.2014 --- 49 dias (341 : 7) x MOP272,80 = MOP13.367,20;
- entre 1.1.2015 e 31.7.2018 --- 175 dias (1222 : 7) x MOP285,63 = MOP49.985,25;
- entre 1.8.2018 e 31.3.2019 --- 28 dias (202 : 7) x MOP350,00 = MOP9.800,00;
- entre 1.4.2019 e 31.10.2021 --- 31 dias (218 : 7) x MOP370,00 = MOP11.470,00.
Desta forma, procedem as razões aduzidas pelo autor, sendo revogada a sentença quanto a esta parte, ficando a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP156.265,10(MOP141.465,10+MOP14.800,00), devida a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente A e, em consequência, revogar a sentença na parte respeitante à quantia devida pela ré a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, nos termos acima consignados, confirmando a sentença em tudo o mais.
Custas pela ré, nesta instância, e pelas partes na proporção do decaimento, em primeira instância.
Registe e notifique.
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RAEM, 5 de Dezembro de 2024
(Relator)
Tong Hio Fong
(Vencido apenas quanto à questão do trabalho prestado em dias de descanso semanal no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M. A meu modesto ver, o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição (“dobro” esse que, na minha opinião, consistiria na soma do salário diário e um dia de acréscimo). Sendo assim, provado que entre 25/03/2008 e 31/12/2008 o autor já recebeu da ré YYY o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá apenas o direito a receber mais um dia de acréscimo, sob pena de estar o autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17.º, o autor estará a receber 4 dias de salário.
Pelo que não merece, a meu ver, reparo a fórmula aplicada pelo tribunal recorrido para cálculo da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, no âmbito no Decreto-Lei n.º 24/89/M.)
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
1 Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau, CFJJ, 2006, pág. 92
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Recurso Laboral 790/2024 Página 1