Processo n.º 913/2023
(Autos de recurso contencioso)
Data: 16/Janeiro/2025
Recorrente:
- A
Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, devidamente identificada nos autos, inconformada com o despacho do Exm.º Secretário para a Segurança que declarou a caducidade da sua autorização de residência, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, tendo apresentado na petição de recurso as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente Recurso da Decisão do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, adiante Entidade Recorrida, de 20 de Junho de 2017, notificado à ora Recorrente, pelos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, em 13 de Novembro de 2023, através da Notificação n.º 200349/CRSMNOT2/2017P, que declarou a caducidade da Autorização de Residência da Recorrente.
2. Pelos fundamentos que adiante melhor se expõe, está a Recorrente em crer que o referido Despacho se encontra enfermado de um conjunto de vícios de facto e de direito, razão pelo qual deverá o mesmo ser declarado nulo e sem efeitos.
Em concreto,
3. Por Despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, de 14 de Janeiro de 2013, foi autorizada a residência da ora Recorrente (ao tempo menor de idade), por razões de reagrupamento familiar.
4. A partir de 19 de Fevereiro de 2013, a Recorrente passou a ser titular do BIR não permanente n.º 15XXXX7(2), emitido pelas autoridades competentes da RAEM (cfr. cópia do referido documento de identificação, que se junta sob o Doc. 3).
5. A Recorrente é de Nacionalidade Paquistanesa e professa a religião Islâmica.
6. Em meados do ano de 2016, a Recorrente ausentou-se da RAEM, tendo-se deslocado para o Paquistão, sua Terra Natal, a fim de prosseguir os seus estudos.
7. Com efeito, não existia na RAEM uma qualquer Instituição de Ensino que lecionasse na língua materna da Recorrente, nem que ensinasse tendo por base o curriculum de ensino Islâmico.
8. Enquanto esteve ausente, a Recorrente esteve inscrita e frequentou com aproveitamento uma Escola Secundária no Paquistão.
9. Para além das referidas finalidades de estudo, a deslocação da Recorrente para o exterior da RAEM destinou-se, ainda, a prestar assistência física e medicamentosa à sua Mãe, que ao tempo se encontrava muito doente e, bem assim, com vista a poder acompanhar a sua irmã mais velha, que sofre de deficiência física e mental grave.
10. Ao tempo, a Mãe da Recorrente sofria de uma doença grave e prolongada, vindo a falecer, em 8 de Agosto de 2019.
11. Entre 2019 até meados do ano de 2023, a Recorrente não regressou à RAEM, em virtude da crise pandémica (COVID-19), que infelizmente assolou o Mundo inteiro e, de modo especial, a Índia e o Paquistão.
12. Durante o período que esteve ausente, a Recorrente sempre manteve um contacto próximo com os seus familiares e amigos que residem na RAEM.
13. Todos os familiares próximos da Recorrente (com excepção da referida irmã que sofre de grave doença física e mental) são residentes permanentes da RAEM, aqui vivendo e aqui tendo todo o seu centro de vida.
14. A Recorrente e a sua família, são cidadãos honestos, trabalhadores, estando completamente bem integrados na comunidade local, tendo sempre cumprido com as suas obrigações legais.
15. A família da Recorrente possui meios de subsistência e de capacidade financeira que permitem suportar a vida da Recorrente na RAEM e é na RAEM que a Recorrente deseja viver, na companhia próxima dos seus amigos e familiares.
16. Para além da família que se encontra e reside de forma permanente na RAEM, a Recorrente não tem quaisquer outros familiares no estrangeiro e, em concreto, no Paquistão.
17. Se a Decisão Recorrida não for cancelada, a Recorrente será obrigada a regressar sozinha para o Paquistão.
18. Nos modos de viver da Comunidade Muçulmana, não “é bem visto” e não é “bem aceite” que uma jovem, mulher, solteira possa residir sozinha e sem ser com a respectiva família, sob risco de forte crítica e de pressão social, que poderá até vir a traduzir-se em actos de violência física.
19. A Recorrente e a sua família já não possuem quaisquer ligações e/ou propriedades e/ou bens no Paquistão, pois é na RAEM que os membros da família da Recorrente residem e é na RAEM que têm todo o seu centro de vida e de trabalho.
20. A Recorrente nunca teve intenção de “abandonar” a RAEM. A “ausência temporária” da Recorrente deveu-se a justificados motivos de estudo e de acompanhamento familiar, sendo que a Recorrente nunca teve intenção de deixar no futuro de residir na RAEM.
21. Pelo contrário, é na RAEM que a Recorrente deseja viver, na companhia do seu Pai, dos seus irmãos e de outros familiares próximos.
22. Desde que se “ausentou” para o exterior, a Recorrente não recebeu qualquer comunicação por parte da Entidade Recorrida.
23. Apenas no passado dia 13 de Novembro de 2023, a Recorrente recebeu a “triste notícia” de que a sua Autorização de Residência havia sido cancelada, por caducidade!
24. A Recorrente desconhece, contudo, os fundamentos de facto e de Direito que terão conduzido à referida Decisão, visto que nunca lhe foi entregue uma cópia da mesma.
25. Durante o tempo que esteve ausente e quando regressou a Macau, a Recorrente sempre acreditou que era portadora de um documento de identificação (leia-se, de um BIR não permanente) válido (tendo, desde logo, em conta, a data de validade constante daquele: 14-12-2025).
26. Ao chegar a Macau no dia 13/11/2023, a Recorrente viu-se completamente “desamparada” e sem qualquer tipo de apoio logístico e/ou jurídico, tendo-lhe apenas sido dito que: “não podes entrar em Macau”, “vais receber um papel” (escrito em português, língua que a Recorrente não compreende) e “vais-te embora” para Hong Kong!
27. Dos vícios do Acto Recorrido:
A) Da (falta) de Audiência do Interessado:
28. Consta da “Notificação” entregue, em mão, à Recorrente, no passado dia 13 de Novembro de 2023, a referência ao PROCEDIMENTO DE AUDIÊNCIA ESCRITA, que terá sido “agendada” no decurso do ano civil de 2017.
29. E, como tal, numa data em que a Recorrente se encontrava ausente da RAEM, por razões de estudo e de assistência familiar, conforme se deixou dito.
30. A Recorrente não recebeu pessoalmente qualquer “notificação” para a referida “Audiência escrita”.
31. Mais se estranha, que, consta da “notificação” entregue à Recorrente no dia 13/11/2023, que a AUDIÊNCIA ESCRITA terá sido apresentada pelo Pai da Recorrente.
32. Em 2017, a Recorrente já era maior de idade e não conferiu poderes ao seu Pai (ou a qualquer outra pessoa) para a representar perante as Entidades Públicas de Macau.
33. A Recorrente não foi notificada nem exerceu o seu direito à audiência prévia de interessado.
34. A Audiência escrita mostrava-se de primordial importância para a ora Recorrente, antes do Acto de revogação (por caducidade) da sua Autorização de Residência na RAEM, porquanto a mesma teria tido oportunidade de explicitar as razões e os motivos pelos quais se encontrava ausente da RAEM e que, seguramente, teriam sido aceites, como justificação para a sua ausência.
35. Até hoje a Recorrente desconhece a razão pela qual a sua Autorização de Residência foi cancelada.
36. A falta de audiência da Recorrente antes de ser proferida a Decisão Recorrida, traduz-se numa violação clara e manifesta do regime legal da “audiência de interessado”, padecendo a Decisão Recorrida de um vício de violação de lei, que gera a sua anulabilidade, nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
b) Da (falta de) Participação:
37. Salvo o devido respeito, está a Recorrente em crer que a Decisão Recorrida é igualmente desconforme com o princípio geral da colaboração entre a Administração e os particulares, tal qual previsto no artigo 9º do CPA, visto que a Entidade Recorrida não procurou apreender as verdadeiras razões e os motivos pelos quais a Recorrente se encontrava “ausente” no Paquistão.
38. De onde, a violação do regime da audiência do interessado e a falta de consideração pela Entidade Recorrida das razões pelos quais a Recorrente se encontrava ausente no Paquistão, traduz-se numa violação clara e manifesta do Princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, nos termos previstos no artigo 9º do CPA, razão pela qual o acto recorrido é anulável, nos termos do artigo 21º, n.º 1 alínea d) do CPAC.
c) Da (ausência) de Boa Fé:
39. Salvo o devido respeito, está a Recorrente em crer que a Decisão Recorrida é também violadora do Princípio da boa fé exigida nas relações entre a Administração Pública e os particulares, na medida em que a Entidade Recorrida agiu no desconhecimento da Recorrente, procedendo à prática de um Acto com grande e manifesta repercussão no dia a dia e no futuro da Recorrente, sem que tivesse sido sequer dado oportunidade àquela de se justificar.
40. Isto é, cabia à Entidade Recorrida, de boa fé, ter informado a Recorrente da Decisão tomada pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o que manifestamente não aconteceu … e sem que se perceba, em concreto, a razão de a “Notificação” entregue à Recorrente em 13/11/2023, fazer referência ao Senhor ex-Secretário para a Segurança…
41. De onde, salvo melhor opinião, está a Recorrente em crer que a Decisão Recorrida se mostra em desconformidade com o Princípio da boa fé que obriga a que no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé, nos termos do disposto no artigo 8º do CPA.
42. A Decisão Recorrida é, pois, manifestamente violadora do princípio da boa fé administrativa e, salvo melhor opinião, traduz-se numa violação clara e manifesta do Princípio da boa fé, previsto no artigo 8º do CPA, sendo o acto recorrido anulável, nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
d) Da (total ausência de) Fundamentação:
43. Como se disse, até hoje a Recorrente não foi notificada do Despacho de Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, de 20 de Junho de 2017, que terá procedido ao cancelamento da sua Autorização de Residência, e a que se refere a “Notificação” entregue à Recorrente em 13/11/2023.
44. De onde, até hoje a Recorrente desconhece os motivos de facto e de Direito que terão levado o Exmo. Senhor Secretário à prática do Acto Recorrido, o que se mostra em completa oposição com o disposto no art. 115º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo que: é necessário que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão (…).”
45. De onde, salvo melhor opinião, se verifica uma grosseira insuficiência dos fundamentos de facto da decisão que são equivalentes à falta de fundamentação, havendo uma violação do regime de fundamentação contido desde logo no artigo 115º do CPA.
46. Pelo que a Decisão Recorrida padece igualmente de um vício de falta de fundamentação da matéria de Direito, que nos termos da fundamentação concretamente formulada é inexistente, nada se dizendo sobre a base legal para a decisão que foi tomada.
47. Estando a violar frontalmente, de forma clara e manifesta, o regime de fundamentação contido do artigo 115º do CPA, na sua dimensão da fundamentação de Direito.
48. A não disponibilização à ora Recorrente uma cópia do Despacho do Senhor Secretário da Segurança que determina o Cancelamento (por caducidade) da Autorização de Residência da Recorrente, conforme é legalmente obrigatório, nos termos da alínea a) do artigo 70º do CPA, configura um grave e manifesto vício de falta de fundamentação, por padecer de uma fundamentação de facto insuficiente e de uma total falta de fundamentação de Direito, razão pela qual deve a mesma ser anulada nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
e) Da (manifesta) Falta de Razoabilidade:
49. No entender da Recorrente, a decisão recorrida é também manifestamente desrazoável, porquanto não teve em conta os motivos justificativos da razão da ausência da Recorrente na RAEM.
50. Desde logo, porque, a Entidade Recorrida nem permitiu que a Recorrente, por si só, pudesse ter exercido os seus elementares direitos de defesa e de participação, conforme acima explanados.
51. De onde, salvo o devido respeito, a decisão recorrida é totalmente desrazoável, por não ter em mínima consideração a concreta situação da ora Recorrente e, neste sentido a Decisão Recorrida padece de um vício de total desrazoabilidade, consistente numa total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionário, razão pela qual deve a mesma ser anulada nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer-se a anulação do Acto Recorrido, pois só assim se fará a costumada Justiça!”
*
Regularmente citada, a entidade recorrida apresentou contestação, defendendo a extemporaneidade do recurso e sua improcedência, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
“31º A Recorrente impugna o Despacho do Secretário para a Segurança datado de 20 de Julho de 2017, que declarou, nos termos conjugados da alínea 3) do n.º 2 do artigo 9º da Lei n.º 4/2003 e a alínea 1) do artigo 24º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, a caducidade da Autorização de Residência concedida em 14 de Janeiro de 2013.
32º O pressuposto da concessão da Autorização de Residência foi reagrupamento familiar na RAEM, o qual deixou de se verificar em 2017, motivado por escolhas pessoais da Recorrente.
33º A Recorrente residiu na RAEM de 2013 a 2016 e fora da RAEM desde meados de 2016, o que por si só é bem demonstrativo dos laços que possam ter sidos estabelecidos com a RAEM e os outros locais onde efectivamente reside.
34º A Recorrente mudou a sua residência para fora da RAEM e não informou a Administração como era sua obrigação legal.
35º A Recorrente foi notificada para a morada indicada no processo de autorização de residência, designadamente para efeito de audiência dos interessados, bem como do conteúdo do acto administrativo que declarou a caducidade da Autorização de Residência.
36º As notificações efectuadas no procedimento administrativo são “perfeitas” uma vez que foram concretizadas na residência escolhida para o efeito pela Recorrente, ainda que, as mesmas tenham sido assinadas pelo seu pai, e dão-se por consumadas no dia em que foram assinadas.
37. Não se verifica a alegada falta de fundamentação de facto e de direito, existindo total correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração agiu.
38. A Entidade Recorrida agiu sempre de Boa Fé e concedeu à Recorrente todas as garantias administrativas previstas em Lei.
39. O preceito da alínea 1) do artigo 24º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 é um normativo imperativo, sendo vinculado o poder aí consagrado, não deixando margem de livre apreciação à Administração, o que implica que a arguição da alegada “desrazoabilidade” seja incoerente.
40º Verifica-se a caducidade do direito de recorrer, uma vez que o prazo de interposição de recurso contencioso tem natureza substantiva, correndo continuamente desde a data da notificação.
Nestes termos e nos mais de direito, ainda com o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a decisão recorrida.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem questões prévias, excepções nem nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da excepção – Caducidade do direito de recurso - suscitada pela entidade recorrida:
A mãe da recorrente formulou, em 2012, o pedido de autorização de residência na RAEM para si e para seus filhos B, A (recorrente) e C, com o objectivo de agrupamento familiar. (cfr. fls. 96 e 97 do processo administrativo)
D ou E, pai dos menores, é residente permanente da RAEM. (cfr. fls. 95 do processo administrativo)
Posteriormente, foi concedida a autorização de residência na RAEM aos requerentes. (cfr. fls. 98 a 101 do processo administrativo)
A recorrente deixou a RAEM em 27.3.2016, através do aeroporto, tendo regressado à terra natal.
Em Fevereiro de 2017, o Serviço de Migração enviou uma carta registada para o endereço em Macau fornecido/declarado pela recorrente, na qual se propunha a caducidade de sua autorização de residência, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para oferecer resposta. (cfr. fls. 97, 128 a 129 do processo administrativo)
Essa carta não foi reclamada pela recorrente. (cfr. fls. 130 do processo administrativo)
O pai da recorrente recebeu, em Abril de 2017, tal notificação. (cfr. fls. 134 do processo administrativo)
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, de 20.6.2017, foi declarada a caducidade da autorização de residência concedida à recorrente. (cfr. fls. 154 a 156 do processo administrativo)
Em 7.8.2017, o pai da recorrente foi notificado pessoalmente sobre o referido despacho e se comprometeu a informar a recorrente sobre seu conteúdo. (cfr. fls. 163 do processo administrativo)
O recurso contencioso interposto pela recorrente deu entrada neste TSI no dia 13.12.2023.
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Aberta vista inicial ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Na contestação, a entidade recorrida solicitou a rejeição do recurso contencioso em apreço, arrogando que o qual foi interposto fora do prazo legalmente previsto.
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Repare-se que a recorrente não foi a requerente da autorização de residência, adquirindo a autorização de residência temporária em virtude de ela ser filha e, assim, membro do agregado familiar do E quem tinha solicitado e obteve a autorização de residência temporária estendida à ora recorrente (cfr. doc. de fls. 122 a 123 do P.A.).
Importa frisar que em 07/08/2017 o supramencionado E recebeu pessoalmente a notificação do despacho atacado nestes autos, declarando expressamente que “本人於07/08/2017收到通知書,並知悉其內容。另承諾將此通知書給其利害關係人。” (doc. de fls. 163 do P.A.)
Salvo o devido respeito, colhemos que é aplicável ao caso sub judice a jurisprudência do Venerando TSI que inculca (cfr. Acórdão prolatado no Processo n.º 792/2012, e ainda o Acórdão no Processo n.º 182/2014): A notificação por carta registada com aviso de recepção, comum nos procedimentos administrativos, considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio real do destinatário, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e dá-se por consumada no dia em que foi assinado o aviso de recepção, mesmo que por pessoa diversa do notificando.
Sendo assim e dado que o presente recurso contencioso foi interposto em 14/12/2023 (vide. fls. 2 e 3 dos autos), não há nenhuma dúvida de que a sua interposição excede, em larga medida, os prazos previstos no n.º 2 do art. 25.º do CPAC e, deste modo, é irremediavelmente extemporânea.
Na petição inicial, a ora recorrente invocou, na totalidade, cinco vícios, quais são sucessivamente a falta da audiência da recorrente, a falta da participação dela, a ausência da boa fé, a total ausência de fundamentação e ainda a manifesta falta de razoabilidade.
A existir, todos estes vícios determinariam apenas a anulabilidade do despacho em escrutínio. E não se descortina nenhum vício que possa germinar a nulidade ou a inexistência jurídica desse despacho.
Tudo isto torna concludente e indiscutível que se verifica in casu a caducidade do direito de recurso contencioso consignada na alínea h) do n.º 2 do art. 46.º do CPAC.
Visto que o recurso contencioso em apreço não foi liminarmente rejeitado e de acordo com a douta jurisprudência fixada no Acórdão pelo TSI no Processo n.º 20/2013 (Não tendo, porém, sido tomada tal decisão liminar, constituindo a irrecorribilidade uma excepção dilatória inominada (art. 413º do CPC), a solução adequada ao caso, pese embora o disposto no art. 62º, nº 4, do CPAC, deve ser a absolvição da instância, com assento no art. 230º, nº 1, al. e), do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC.), a supramencionada caducidade implica que se deve absolver a entidade recorrida da instância.
***
Por todo o expendido acima, o parecer do M.ºP.º é no sentido da procedência da excepção invocada na contestação.”
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Considerando as ponderações fundamentadas expostas pelo Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público que antecede, diremos que o presente recurso contencioso foi interposto fora do prazo legal.
Efectivamente, a Administração tentou notificar a recorrente no endereço fornecido por ela, mas a tentativa foi infrutífera, uma vez que a carta de notificação não foi reclamada.
Ao abrigo do disposto no artigo 27.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003: “Os indivíduos a quem seja concedida a autorização de residência devem comunicar ao Serviço de Migração qualquer mudança de residência, no prazo máximo de 30 dias a contar da data em que a mesma ocorra.”
Os interessados têm o dever de comunicar à Administração qualquer mudança de residência, o que não ocorreu por parte da recorrente.
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, no âmbito do Proc. n.º 792/2012: “A notificação por carta registada com aviso de recepção, comum nos procedimentos administrativos, considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio real do destinatário, ainda que o aviso não tenha sido assinado por este, e dá-se por consumada no dia em que foi assinado o aviso de recepção, mesmo que por pessoa diversa do notificando.”
No caso em apreço, a Administração não conseguiu notificar a recorrente no endereço que ela indicou, nem que esta cumpriu seu dever de comunicar a mudança de residência aquando do regresso à sua terra natal.
Assim, pese embora a notificação tenha sido recebida por pessoa diferente da destinatária, entendemos que a notificação à recorrente (feita na pessoa do pai) foi considerada consumada e efectiva, devendo, portanto, a contagem do prazo para a interposição do recurso contencioso iniciar-se a partir do dia seguinte à notificação.
Isto posto, considerando que o presente recurso contencioso deu entrada neste TSI em 13.12.2023, já havia decorrido o prazo para sua interposição, pelo que verificada está a excepção de caducidade do direito de recurso, devendo a entidade recorrida ser absolvida da instância, conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso e alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código de Processo Civil.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI julga procedente a excepção de caducidade do direito de recurso invocada pela entidade recorrida e, em consequência, absolve-a da instância, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, alínea a) e 62.º, n.º 1, do CPAC, e 230.º, n.º 1, alínea e) do CPC.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 16 de Janeiro de 2025
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man
(2o Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
Recurso Contencioso 913/2023 Página 30