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Processo nº 19/2024
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em sede dos Autos de Recurso Civil e Laboral n.° 420/2023 proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte veredicto datado de 19.10.2023:

“I. RELATÓRIO
A e B, ambos, com os demais sinais dos autos,
vieram deduzir embargos à execução contra si instaurada pela Exequente
Grupo C Macau Limitada, também, com os demais sinais dos autos.

Proferida decisão foram julgados parcialmente procedentes os embargos julgando extinta a execução quanto ao 2º Embargante e prosseguindo quanto ao 1º Embargante.
Não se conformando com a decisão veio a Embargada e Exequente interpor recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões:
   1. Os fundamentos dos embargos da recorrida podem ser resumidos nos seguintes cinco pontos: 1. A recorrida e o 1º embargante não respondem solidariamente pelas obrigações; 2. Não existe relação jurídica de crédito entre a recorrente e os dois executados; 3. As obrigações em causa foram totalmente liquidadas; 4. A recorrida não é a verdadeira devedora; 6. Os juros de mora não devem ser calculados à taxa comercial.
   2. Quanto à questão de saber se a recorrida é a verdadeira devedora, a mesma defende que assinou os títulos executivos em causa apenas na qualidade de comissária do 1º embargante A, mas não em seu próprio nome. Argumenta, logo, que não é a mutuária, ou seja, não é a devedora das dívidas, pelo que não precisa de pagá-las.
   3. No entanto, considerando os factos apurados no julgamento, designadamente o contexto e circunstâncias em que os factos se desenrolaram, não é de concluir que a recorrida tenha assinado os respectivos títulos executivos apenas na qualidade de comissária do 1º embargante.
   4. De acordo com a alínea 11) do facto assente, a partir de, pelo menos, 2016, o 1º embargante A atingiu o limite da linha de crédito, o que significava que deixou de poder continuar a pedir emprestadas fichas mortas através de conta M95. Daí resulta que os créditos para jogo concedidos à recorrida, respectivamente em 3 de Setembro, 30 de Setembro e 2 de Outubro de 2016, contra a sua assinatura nos títulos executivos, eram novas dívidas.
   5. As alíneas 22) a 26), 37), 39) e 40) dos factos assentes indicam que a recorrida depositou na conta M95, nos mesmos dias em que pediu os empréstimos, quantias no valor global de HKD$3.000.000,00 (com o fim de permitir à conta obter novos empréstimos do igual valor), e depois assinou os títulos executivos para “levantar” fichas mortas de valor equivalente. No entanto, a partir do ponto de vista da sala VIP, a conta M95 já não era elegível para novos empréstimos. Além disso, foi a recorrida quem apareceu na tesouraria nas mencionadas datas, depositou as faladas quantias (de valor equivalente aos empréstimos), assinou os recibos de empréstimo, reconhecendo as dívidas e comprometendo-se a pagá-las, e acabou por levantar as respectivas fichas.
   6. Resulta provado do teor dos títulos executivos constantes das alíneas 3) a 5) dos factos provados que a recorrida assinou, respectivamente em 3 de Setembro, 30 de Setembro e 2 de Outubro de 2016, os “recibos de empréstimo”, onde declarou ter “pedido emprestadas” à recorrente, na qualidade de “mutuário”, as fichas mortas no valor indicado nos respectivos recibos, e “comprometeu-se a restituir os empréstimos dentro de 4 dias”.
   7. É claro que todos esses documentos contêm uma declaração de reconhecimento de dívida (artigo 452.º do Código Civil (CC)) feita pela recorrida, onde ela emitiu declaração negocial inequívoca no sentido de reconhecer as dívidas contraídas para com a recorrente, no valor global de HKD$3.000.000,00.
   8. Tendo em conta o disposto no artigo 452.º do CC, conjugado com os artigos 370.º, 387.º e 388.º do mesmo livro de leis, sabe-se que, porquanto a recorrida assinou pessoalmente os títulos executivos em causa, tais documentos fazem prova plena quanto às suas declarações no sentido de reconhecer as dívidas para com outrem, não sendo admitida prova testemunhal.
   9. Dos supra mencionados títulos executivos não conta qualquer palavra ou frase que indique que a recorrida agiu na qualidade de comissária do 1º embargante ou em nome de outrem.
   10. Do teor do documento de fls. 31 a 33 dos autos resulta que o dono da conta M95, ou seja, o 1º embargante A, nunca atribuiu poderes à recorrida para contrair empréstimos em seu nome.
   11. Fica demonstrado, pela alínea 44) dos factos provados e teor do “formulário dos dados actualizados de membro e da procuração”, de fls. 31 a 33 dos autos, que o dono da conta M95, ou seja, o 1º embargante A, nunca atribuiu poderes à recorrida para contrair empréstimo em seu nome. (sic)
   12. De acordo com o artigo 452.º, n.º 2 do CC, a supra referida declaração de reconhecimento de dívida deve constar de documento escrito.
   13. À luz dos n.ºs 1 e 2 do artigo 255.º do mesmo livro de leis, se se atribuir poderes a outrem para realizar negócio, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.
   14. In casu, se a recorrida quiser provar que não tenha assinado tais documentos em nome próprio, quer dizer que tenha actuado com poderes de representação (emitir as faladas declarações em nome do 1º embargante), tem de apresentar ou exibir a procuração escrita feita pelo constituinte A. No entanto, ficou demonstrado, quer pelos factos provados e quer pelos dados dos autos, que inexiste tal documento escrito de procuração.
   15. No que tange aos actos de mútuo ora em causa, tendo-se violado a supramencionada exigência de forma legalmente imposta, nunca foi estabelecida entre o 1º embargante e a recorrida (pelo menos a recorrida na qualidade de mutuário) uma relação de procuração juridicamente válida.
   16. No entender da recorrente, quanto à relação de mútuo aqui em causa, o que releva é que quando a recorrida assinou os títulos executivos para pedir empréstimos à recorrente, não constava dos referidos documentos de empréstimo qualquer menção no sentido de ela pedir os empréstimos em nome de outrem.
   17. No supra invocado processo cível cujos factos são semelhantes aos do presente processo, apesar de a agente ter exibido a procuração e fornecido duplicados, o Tribunal não deu como provado que ela agiu na qualidade de procuradora.
   18. Voltemos ao nosso caso, não constando dos títulos executivos que a recorrida os assinou como representante do 1º embargante, nem tendo a mesma exibido qualquer documento que permita provar a sua qualidade como procuradora do 1º embargante, impõe-se considerar, nos termos do artigo 388.º, n.º 1 do CPC, que a recorrida assinou os títulos executivos não na qualidade de representante do 1º embargante, mas sim em seu próprio nome.
   19. Além disso, de fls. 34 e 412 dos presentes autos consta uma garantia, em que o 1º embargante declara garantir os empréstimos da recorrida contraídos através da conta M95. Tal documento também demonstra a existência, entre os dois embargantes, de “relação de garantia”, mas não “relação de procuração”.
   20. Face ao exposto, e com devido respeito pela opinião diversa, a recorrente entende que, tendo em conta o conteúdo dos três recibos de empréstimo, que servem aqui de títulos executivos, os dados contidos na tabela de abertura de conta de fls. 31 a 33 dos autos, e a falada garantia de fls. 34 e 412, ponderando sobretudo a falta de qualquer menção de representação voluntária nos títulos executivos, nenhuma outra conclusão há a retirar que não seja a de que a recorrida ao assinar os títulos executivos não agiu na qualidade de comissária (ou procuradora) do 1º embargante.
   21. Caso assim se não entenda e considere que a recorrida realmente agiu como comissária do 1º embargante ao pedir emprestadas as fichas à sala VIP em questão, entendemos que tal não desobriga a recorrida de responder pelas dívidas para com a recorrente.
   22. Nos termos do artigo 1083.º e seguintes do CC, se a recorrida tivesse sido encarregada pelo 1º embargante de ir pedir fichas emprestadas à sala VIP em causa, existia entre os dois uma relação de mandato, em que era mandante o 1º embargante e mandatária a recorrida.
   23. A lei distingue entre mandato com representação e mandato sem representação (cfr. artigo 1104.º e seguintes e artigo 1106.º e seguintes do CC).
   24. De acordo com o artigo 1104.º do CC, o mandatário (neste caso concreto, a recorrida) só pode agir em nome do mandante (o 1º embargante) quando lhe hajam sido conferidos poderes de representação válidos.
   25. Devido à falta de procuração escrita válida, à relação de mandato entre a recorrida e o 1º embargante é apenas aplicável o regime de “mandato sem representação” previsto no artigo 1106.º e seguintes do CC.
   26. A recorrida agiu em nome próprio ao estabelecer com a recorrente a relação de crédito e declarar o reconhecimento das dívidas, embora haja entre a recorrida e outrem um mandato ou relação laboral.
   27. À luz do artigo 1106.º, tendo a recorrida agido em nome próprio, adquiriu os direitos e devia assumir as obrigações decorrentes dos actos de contracção de empréstimos. Fica, portanto, legalmente obrigada a pagar à recorrente as obrigações em questão.
   28. Face ao exposto, e salvo devido respeito, a recorrente é da opinião de que o Tribunal a quo ao conhecer da questão acerca da “qualidade da recorrida aquando da assinatura dos títulos executivos” tirou uma conclusão fáctica errada e incorreu em errada aplicação da lei, violando o disposto no artigo 452.º do CC, conjugado com os artigos 370.º, 387.º, 388.º, 255.º, n.ºs 1 e 2, 1104.º e 1106.º, todos do mesmo livro de leis. Logo, os embargos da recorrida deveriam ser julgados improcedentes neste segmento.
   29. Na hipótese de procedência do recurso, entendemos, por cautela de patrocínio, que é necessário impugnar as outras questões invocadas pela recorrida nos embargos, para evitar omissão de pronúncia.
   30. Quanto à solidariedade entre a recorrida e o 1º embargante A, das alíneas 7) a 10) dos factos provados resulta que a recorrente é uma empresária comercial que estabeleceu, no exercício da sua empresa (sala VIP em causa), relações de crédito para jogo com os dois executados.
   31. Além disso, atentas as alíneas C), D) e E) dos factos assentes e a circunstância de o 1º embargante ter acrescentado a sua assinatura nos três títulos executivos em causa, constata-se que a recorrida reconheceu todas as dívidas perante a recorrente nos dias dos factos, e depois, em 11 de Dezembro de 2018, o 1º embargante também confirmou à recorrente assumir o valor total das mesmas obrigações. Tanto o 1º embargante como a recorrida emitiram a declaração de vontade no sentido de assumir os créditos no seu valor integral.
   32. Concluindo, e salvo o devido respeito, a recorrente entende que, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. b), artigo 563.º e artigo 567.º do Código Comercial, e artigos 505.º e 506.º do CC, os dois executados devem responder solidariamente pelas dívidas em causa, por a recorrente ser empresária comercial, as obrigações ter nascido do exercício de uma empresa e haver a declaração de vontade das partes no sentido de responderem pela prestação integral.
   33. No que tange à questão de saber se existe ou não no caso concreto relação jurídica de crédito para jogo, realizado o julgamento, não ficaram provados os factos invocados pelos 1º embargante e recorrida a esse respeito.
   34. Considerando que existem nas respostas aos quesitos diferentes expressões, i.e., “levantar as fichas mortas” e “pedir emprestadas as fichas mortas”. Em geral, a palavra “levantar” é interpretada como “levantar dinheiro”, e o termo “pedir emprestadas…” como “pedir empréstimos”. Portanto, afigura-se-nos necessário esclarecer a V. Exas. as diferenças entre “levantar dinheiro” e “pedir empréstimos” na respectiva sala VIP.
   35. “Levantar dinheiro” significa que o titular da conta de jogo (no nosso caso, o 1º embargante), ou outra pessoa que aja sob instruções deste, levanta o saldo, quando exista, da respectiva conta, podendo este saldo ser em dinheiro ou fichas de dinheiro (vulgarmente conhecidas por “fichas vivas”).
   36. No caso de “pedir empréstimos”, os empréstimos são contabilizados separadamente (tal como no caso em apreço, os depósitos não eram automaticamente destinados ao pagamento das dívidas, devendo o titular da conta especificar qual dívida a liquidar), independentemente de a respectiva conta de jogo (neste caso, a conta M95 do 1º embargante A) ter ou não saldo. Em causa está uma relação de crédito para jogo, em que o mutuário pede emprestadas “fichas mortas” para jogo (fichas que só podem ser convertidas em dinheiro através de fazer apostas nos jogos), podendo o credor exigir-lhe o reembolso do valor equivalente em dinheiro.
   37. Qualquer pessoa que tenha obtido fichas mortas da tesouraria de sala VIP ou casino só pode usá-las nos jogos. Só desta forma podem as fichas mortas ser convertidas em dinheiro ou fichas de dinheiro
   38. Mais importante, a tesouraria de casino ou sala VIP não aceita o depósito de fichas mortas nas contas de jogo. Caso contrário, tais “depósitos” (de fichas mortas) farão aumentar o saldo da conta e o titular poderá exigir ao casino ou sala VIP que lhe pague dinheiro ou fichas de dinheiro do mesmo valor. Isso permitirá aos clientes converter as fichas mortas em dinheiro ou fichas de dinheiro contornando as faladas regras (de apostar nos jogos). O que viola as práticas habituais dos casinos e mesmo as leis do jogo.
   39. Claro, outra prática comum é que, se um cliente jogar com dinheiro, pode trocar o dinheiro por fichas mortas (prática vulgarmente conhecida como “compra de fichas”). Deste modo, quando use as fichas mortas para jogar pode também ganhar a “comissão de fichas” decorrente da conversão das fichas mortas em fichas de dinheiro.
   40. No entanto, o acordo que os 1º embargante e recorrida alcançaram com a recorrente não é o de “compra de fichas”, visto que as alíneas 32) e 37) a 43) dos factos provados demonstram que o dinheiro depositado pelo 1º embargante nas datas dos factos destinava-se ao pagamento das anteriores dívidas da conta M95.
   41. Portanto, quanto aos referidos montantes depositados, é mais correcto chamá-los de “pagamentos” em vez de “depósitos”, uma vez que os fundos não podiam ser livremente levantados como depósitos em geral, mas antes deviam ficar na conta para pagamento das antigas dívidas.
   42. Reparamos que o facto da alínea 14) dos factos assentes é susceptível de ser interpretado como uma prática de “compra de fichas” acima referida, mas há distinção.
   43. Em caso de “compra de fichas”, o dinheiro pago à sala VIP não é reembolsável, e o cliente deve usar todas as fichas nos jogos de forma a receber a comissão de fichas da sala VIP.
   44. Olhemos para o presente caso. No caso de as fichas mortas terem sido perdidas ao jogo, o dinheiro depositado pela recorrida não seria reembolsável (e, em vez de ser usado para liquidar a nova dívida contraída no mesmo dia, devia destinar-se ao pagamento das antigas dívidas); em caso de ganho no jogo, podia retirar os respectivos fundos depositados (claro que o novo empréstimo deve ser liquidado imediatamente), como se neste dia nunca tivesse sido contraído novo empréstimo nem efectuado qualquer pagamento das anteriores dívidas na conta.
   45. Assim sendo, os fundos depositados deveriam ser considerados “garantia” dos novos empréstimos (posto que a conta M95 já tinha grandes dívidas, e os 1º embargante e recorrida deixaram de poder pedir emprestadas fichas mortas através desta conta, cfr. factos provados n.º 12), em vez de ser considerados como destinados à “compra de fichas”.
   46. Ora, tendo-se afastado a possibilidade de os fundos em causa destinar-se à “compra de fichas”, devemos chegar à seguinte conclusão fáctica: a partir de 2016, a recorrente perdeu a confiança que tinha nos 1º embargante e recorrida (a relação entre estes dois será analisada infra) para poderem pedir-lhe emprestadas fichas mortas para jogo; portanto, para pedir emprestadas fichas mortas, tinham de depositar na conta M95 fundos de valor equivalente; e os fundos depositados só podiam destinar-se ao pagamento das antigas dívidas, para que o valor total das dívidas da respectiva conta não aumentasse mesmo que o novo crédito não fosse reembolsado, assim reduzindo o risco assumido pela recorrente.
   47. Importa salientar que não foi a pedido da recorrente que a recorrida depositou tais montantes na conta M95. A recorrida fez isso porque pretendia pedir empréstimos através da referida conta que, na altura e a ver da recorrente, já não estava em condições de aguentar mais risco de crédito.
   48. Isto quer dizer que a supra referida prática (de depositar fundos para poder levantar fichas mortas) visava garantir o risco de crédito da conta em questão, mas não permitir aos dois executados ganharem “comissão de fichas”.
   49. Além disso, ficou demonstrado, pelos elementos dos autos e factos provados, que todas as fichas mortas envolvidas nos três empréstimos em causa foram entregues directamente à recorrida pelos funcionários da sala VIP em causa. Tratando-se de fichas mortas exclusivamente para jogo, é claro que se destinavam aos jogos.
   50. A nosso ver, a relação jurídica de mútuo para jogo em causa começou a constituir-se quando os 1º embargante e recorrida começaram a negociar com os funcionários da embargada, e a constituição concluiu-se no momento em que um acordo foi alcançado e a recorrida obteve as fichas do balcão da tesouraria da sala VIP.
   51. Quanto à questão de saber se a recorrida entregou ou não as fichas a outros “clientes”, trata-se meramente de outras relações jurídicas estabelecidas entre os 1º embargante e recorrida e os seus “clientes” (considerando que não há nenhum facto provado que revele qualquer nexo directo entre tais chamados “clientes” seus e a recorrente).
   52. Na perspectiva da recorrente, o facto de a recorrida ir pedir emprestadas fichas mortas (em vez de “comprar fichas” com dinheiro) à sua sala VIP significa que esta veio estabelecer com consigo uma relação de mútuo para jogo na qualidade de apostadora ou jogadora.
   53. Na verdade, o 1º embargante e a recorrida podiam decidir livremente quem foi pedir empréstimo, seja a própria recorrida seja os alegados “clientes” seus. Não dispunha a recorrente de poder de interferência a esse respeito.
   54. Convém realçar novamente que, não há nenhum facto provado ou elementos dos autos que revele qualquer conexão directa entre os chamados “clientes” dos dois embargantes e a recorrente. Se todos os clientes que tenham pedido emprestadas fichas mortas à sala VIP acabassem por declarar que as fichas não se destinam ao uso pessoal, mas sim ao jogo dos outros “clientes”, e assim negar a existência da relação jurídica de crédito para jogo, os direitos e interesses de quem empreste as fichas – a recorrente neste caso concreto – seriam deixados sem protecção jurídica, sendo ainda violados os princípios da honestidade nos negócios e da protecção da segurança do comércio seguidos pelas leis em matéria civil e comercial.
   55. Face ao exposto, por as fichas mortas emprestadas pela recorrente à recorrida destinar-se ao jogo desta, tais actos de crédito preenchem o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 5/2004 e as outras disposições pertinentes, e constituem obrigações civis.
   56. No que toca à questão de saber se as obrigações foram pagas, realizado o julgamento, fica claro que a versão fáctica invocada pela recorrida não foi provada.
   57. A sentença a quo julgou improcedentes os embargos nesta parte, quer dizer que considerou que a recorrida ainda não pagou à recorrente os empréstimos descritos nos três títulos executivos em causa.
   58. Quanto à taxa dos juros moratórios, os embargos foram julgados improcedentes também neste segmento. Ou seja, aos créditos em causa pode acrescer, no caso de mora da recorrida, uma sobretaxa de 2% sobre a taxa comercial (taxa legal).

Contra-alegando vieram os Embargantes e Executados, ora Recorridos, apresentar as seguintes conclusões:
I. Na opinião da recorrente, é de revogar ou anular a sentença recorrida e de mudar a decisão no sentido de julgar improcedentes todos os embargos dos recorridos. Os recorridos discordam completamente.
II. Em primeiro lugar, os títulos executivos, os “recibos de depósito de fichas pelo cliente” a fls. 39 a 41 dos autos e os registos de depósito e de levantamento da conta n.º M95 a fls. 42 a 50 são todos princípios da prova por escrito, capazes de corroborar convincentemente que os recorridos assinaram os títulos executivos enquanto mandatários.
III. Primeiro, apensar de ser o 2.º recorrido que assinou as notas de empréstimo que constituem os títulos executivos, no documento está escrito “M95 A” e marcado sobre a linha horizontal para o “número de cliente”. Então, segundo o significado literal do documento, a recorrente considerava o proprietário da conta n.º M95 que é o 1.º recorrido como cliente que pediu o empréstimo, em vez da própria pessoa do 2.º recorrido.
IV. Segundo o art.º 370.º do CC, as notas de empréstimo acima referidas, que são documentos particulares, foram impressas e elaboradas pela recorrente, e assinadas pelo pessoal da recorrente, fazem prova plena quanto às declarações de vontade da recorrente. Pode-se ver que quem pediu os empréstimos foi o 1.º recorrido, em vez do 2.º recorrido.
V. Mais tarde o 1.º recorrido também assinou os títulos executivos. Também daqui segue que quem pediu os empréstimos foi o 1.º recorrido. Pois segundo o senso comum, o 1.º recorrido, não sendo o creditado e logo não responsabilizando-se pela liquidação das dívidas, não teria tido a obrigação de assinar os títulos executivos; e na qualidade do garante, o 1.º recorrido teria especificado nos títulos executivos que os assinou enquanto garante. Mas na realidade não o especificou.
VI. Segundo os recorridos, o que os títulos executivos demonstram é que o creditado foi o proprietário da conta M95, que era o 1.º recorrido e que o 2.º recorrido pediu emprestado o dinheiro mas apensas em nome do 1.º recorrido.
VII. Segundo, os “recibos de depósito de fichas pelo cliente” providenciados pela recorrente a fls. 39 a 41 dos autos e os registos de depósito e de levantamento da conta n.º M95 a fls. 44, 45 e 46 demonstram todos que os depósitos foram feitos na conta n.º M95 do 1.º recorrido
VIII. Nos “recibos de depósito de fichas pelo cliente” a fls. 39 a 41, onde está “acusa a recepção” lê-se “M95 A”. Logo, o 2.º recorrido considera os depósitos como dinheiro depositado pelo 1.º recorrido. Tal factos constam, de resto, da base instrutória números 14, 17, 19, 30, 31 e 32 e estão provados.
IX. Quanto à força probatória, os “recibos de depósito de fichas pelo cliente” e os registos de depósito e de levantamento da conta n.º M95 acima referidos foram todos submetidos pela recorrente. Trata-se de registos de depósito de fichas da recorrente e os correntes do proprietário da conta. Nos termos do art.º 374.º do CC, os registos constituem provas contra a recorrente. E segundo o art.º 370.º do CC, os registos fazem prova plena da vontade declarada pela recorrente.
X. Além disso, apesar do facto de que foi o 2.º recorrido que depositou o dinheiro no montante equivalente aos empréstimos, logicamente falando, se o dinheiro pertencesse ao 2.º recorrido que não era o proprietário da contra M95, como seria possível que o 2.º recorrido não depositasse as suas fichas numa conta não sua? Além disso, não há provas capazes de demonstrar que o 2.º recorrido pudesse levantar dinheiro da contra M95 de livre arbítrio. Portanto, do ponto de vista lógico e segundo a lei de experiência comum, os depósitos no montante total de HKD$3.000.000,00 não pertencia ao 2.º recorrido.
XI. Portanto, dos documentos submetidos pela recorrente acima referidos resulta que mesmo que foi o 2.º recorrido que praticou o acto, a recorrente considerou que tinha sido o 1.º recorrido que o fez. Portanto, a recorrente percebeu que foi um representante do 1.º recorrido que praticou o acto e que a declaração da vontade recebida tinha sido do 1.º recorrido, mas que foi o 2.º recorrido que agiu em nome do 1.º recorrido.
XII. Terceiro, a lei não exige que a procuração para o empréstimo seja efectuada por escrito.
XIII. Segundo os artigos 209.º, 211.º, 255.º, 1070.º a 1078.º do CC, na falta de preceito legal sobre a forma obrigatória que o empréstimo para jogos deve revestir, a sua validade não depende da observância de forma especial. Logo, nem é necessário que a autorização dada a outros para concessão de crédito para jogos deva observar formas especiais.
XIV. A celebração dos créditos para jogo aqui em causa e a procuração para que um terceiro conceda créditos para jogo podem tomar a forma oral, escrita ou através de declaração directa de vontade.
XV. Os documentos a fls. 31 a 33 dos autos demonstram apenas que no momento em que o 1.º recorrido assinou tais documentos, não tinha autorizado o 2.º recorrido para empréstimos. Mas isso não significa que após não tenha autorizado o 2.º recorrido.
XVI. Além disso, o acórdão que a recorrente citou era apenas uma decisão do TUI sobre um caso específico, que não é jurisprudência uniformizada. Não tem força vinculativa obrigatória para o presente caso no que se refere à aplicação da lei e do conhecimento. As circunstâncias de facto diferem totalmente. Naquele acórdão não se procedeu à apreciação jurídica da matéria de facto. Julgou-se improcedente a acusação de conhecimento em excesso com base no seguinte: “o autor não contestou o entendimento. Então, não se pode considerar que na sentença recorrida, com base nos trechos de gravação e nos documentos referidos pelo 1.º réu, tenha conhecido do recurso interposto da resposta dada pelo tribunal colectivo relativamente ao quesito n.º 1 da base instrutória.”
XVII. Quarto, as “garantias” a fls. 34 e 412 dos autos não podem demonstrar ainda que minimamente a declaração de vontade por parte do 1.º recorrido de garantir para os empréstimos do 2.º recorrido no presente caso.
XVIII. As dívidas para jogo podem atingir facilmente dezenas de milhares, uns milhões e mesmo até dezenas de milhões. Segundo a lei de experiência comum, sem especificar o montante garantido, como é possível que uma pessoa comum esteja disposta a garantir uma ou várias dívidas de montante desconhecido que podem totalizar dezenas de milhões?
XIX. Além disso, o 2.º recorrido assinou os títulos executivos em 03/09/2016, 30/09/2016 e 02/10/2016, enquanto o 1.º recorrido assinou as garantias em 21/12/2016. Por outras palavras, quando o 1.º recorrido assinou as garantias, já existiam, de facto, os três empréstimos referidos nos títulos executivos. Assim, se tivesse sido verdadeiramente para garantir as dívidas mencionadas nos títulos executivos, por que não se especificou quais as dívidas nas garantias? Além disso, entre a assinatura posterior pelo 1.º recorrido e a assinatura dos títulos executivos e das garantias há um espaço de 2 anos. Os recorridos não consideram necessários dois anos para praticar-se o acto de garantia.
XX. Na hipótese de entender que a assinatura posterior pelo 1.º recorrido nos títulos executivos equivale à garantia em termos de natureza, então, no momento de assinatura, porque não acrescentou “o garante” nos títulos executivos?
XXI. Obviamente, logo desde o princípio até ao fim, a recorrente tem sempre considerado como creditado o 1.º recorrido. Portanto, mesmo aquando da assinatura posterior, exigiu que o 1.º recorrido assinasse onde estava “assinatura do creditado”, sem acrescentar o termo “garante”, a fim de poder, ao instaurar a acção executiva, exigir a liquidação simultaneamente ao 1.º recorrido, que já assinou, e ao 2.º recorrido. Seriam os dois que garantiriam o crédito perante a recorrente com os seus bens.
XXII. Além disso, no texto das garantias, há linhas horizontais traçadas para o montante do empréstimo garantido e o prazo de validade. O espaço deixado em branco significa a existência da declaração da vontade de especificar a dívida garantida. A garantia foi elaborada pela recorrente, o que significa, portanto, que a recorrente também achava necessário descrever mais detalhadamente a dívida garantida. Mas na realidade, no presente caso não se encontram descrições. Uma pessoa comum no lugar dos recorridos não saberia deduzir quais as dívidas garantidas em termos concretos, já para não falar do facto de que os recorridos assinaram notas de empréstimo para com a recorrente mais do que uma vez. Portanto, com base nas garantias, não se consegue confirmar que se trate das dívidas nos títulos executivos aqui em causa.
XXIII. Quinto, o caso previsto pelo art.º 388.º, n.º 1 do CC conduz à inadmissibilidade da prova testemunhal. No entanto, tal como opina o académico Dr.º Vaz Serra, há excepções na aplicação do artigo, sendo uma delas quando se trata de um princípio de prova por escrito, que torne verosímil o facto alegado. O mesmo parecer encontra-se também nos acórdãos do TSI n.º 38/2022 e n.º 661/2022.
XXIV. Nos títulos executivos está claramente marcado “M95 A”. No espaço dedicado à assinatura do creditado, estão as assinaturas do 1.º recorrido e do 2.º recorrido. Há três possibilidades de interpretação de tal teor. Primeiro, o empréstimo referido na nota entrou na conta n.º M95 e considerou-se como empréstimo pedido pelo 1.º recorrido; segundo, o 1.º recorrido foi o garante e o 2.º recorrido o creditado; terceiro, o 1.º recorrido foi o creditado e o 2.º recorrido, o garante.
XXV. A terceira hipótese é de probabilidade diminuta. Pois das notas de empréstimo não resulta de qualquer maneira a declaração da vontade do 2.º recorrido de estar disposto a ser o garante.
XXVI. Quanto à 2.ª hipótese, o que consta das garantias e das notas de empréstimo está longe de constituir a declaração da vontade do 1.º recorrido de constituir a garantia.
XXVII. A 1.ª hipótese, porém, pode ser provada com as provas documentais nos autos. Em primeiro lugar, em todos os títulos executivos no processo principal de execução lê-se na rubrica “cliente n.º” “M95 A”. Segue daqui que para a recorrente, o cliente das notas de empréstimo era o dono da conta n.º M95 A, ou seja, o 1.º recorrido, em vez do 2.º recorrido.
XXVIII. Segundo, os registos de empréstimo a fls. 11 a 14 dos autos e os registos de depósito e de levantamento a fls. 42 a 50 têm todos como sujeito de registo a conta n.º M95 do 1.º recorrido.
XXIX. Terceiro, dada a existência da “assinatura no acto de depósito”, se o verdadeiro creditado tivesse sido o 2.º recorrido, então, o 2.º recorrido deveria ter providenciado o montante equivalente aos empréstimos. Então por que resulta dos registos de depósito e levantamento a fls. 42 a 50 dos autos que o dinheiro no montante equivalente aos empréstimos aqui em causa foi depositado na conta n.º M95 do 1.º recorrido? Além disso, os “recibos de depósito de fichas pelo cliente” também especificam que se tinha recebido o dinheiro em numerário entregue pelo 1.º recorrido? Obviamente não corresponde ao senso comum.
XXX. Segundo demostram os registos de depósito e levantamento a fls. 42 a 50 dos autos, os depósitos seriam destinados ao “uso exclusivo de resgatar M”, ou seja, resgatar “MARKER” (verba de uso exclusivo para jogo), ou seja, para reembolsar o empréstimo para jogo concedido à conta n.º M95. Assim sendo, se os depósitos tivessem sido do 2.º recorrido, como teria sido possível que este permitisse que se usasse seu dinheiro para pagar dívidas na conta do 1.º recorrido, fosse quem fosse o signatário das notas de empréstimo? Obviamente, o dinheiro que o 2.º recorrido depositou não foi dele próprio. A explicação mais razoável seria que o dinheiro depositado na conta n.º M95 pertencia ao dono da conta n.º M95, ou seja, ao 1.º recorrido.
XXXI. Visto que o dinheiro depositado pertencia ao 1.º recorrido, se o verdadeiro creditado tivesse sido o 2.º recorrido, o 2.º recorrido teria respondido pelas dívidas emergentes. Mas que o 1.º recorrido colocasse à disposição do 2.º recorrido uns milhões do seu dinheiro para liquidar as dívidas do 2.º recorrido e que o depositasse na conta, a fim de a recorrente conceder empréstimos ao 2.º recorrido, seria completamente irrazoável. Uma explicação mais razoável seria a seguinte: o verdadeiro creditado foi o 1.º recorrido. As dívidas na conta n.º M95 eram do 1.º recorrido.
XXXII. Quarto, o caso referido no acórdão do TSI n.º 661/2022 é análogo ao presente. Só que lá foi D e cá, o 2.º recorrido. As datas e os montantes de empréstimo foram diferentes. Dos factos provados pode-se ver que foi na qualidade do representante do 1.º recorrido que D assinou as notas de empréstimo naquele processo. Assinou-os em nome do 1.º recorrido. Ainda que D, o embargante lá não seja parte no presente caso, em ambos os casos, estão em causa empréstimos entre o 1.º recorrido, os seus empregados e a recorrente. Portanto, a apreciação de factos naquele processo pode servir de prova corroborativa para a do presente caso.
XXXIII. Quinto, o documento de ratificação a fls. 426 a 427 faz prova plena, segundo o qual o 1.º recorrido ratificou que tinha sido o 2.º recorrido que assinou as notas de empréstimo em causa mas que as dívidas recaíam a suo próprio cargo.
XXXIV. O documento de ratificação acima referido não é o caso previsto pelo art.º 348.º, números 1 a 3 do CC. Não foi feito em juízo, antes sim num documento particular. Anexou-se ao processo só mais tarde mediante solicitação. Portanto, tal documento constitui confissão extrajudicial. Nos termos do art.º 351.º, n.º 2 do CC, a confissão extrajudicial tem força probatória plena.
XXXV. Portanto, o princípio da prova escrito acima referido consegue suster suficientemente que o creditado foi, em vez do 2.º recorrido, antes o 1.º recorrido. O que o 2.º recorrido fez foi apenas assinar os títulos executivos em nome do 1.º recorrido.
XXXVI. Em segundo lugar, na falta de exigência legal no crédito para jogo e a procuração aqui em causa, não é verdade que tenha sido um mandato sem representação.
XXXVII. Tal como referido atrás, a celebração dos créditos para jogo aqui em causa e a procuração para que um terceiro conceda créditos para jogo podem tomar a forma oral, escrita ou através de declaração directa de vontade. Então, não é preciso documento escrito para demonstrar que o 1.º recorrido conferiu procuração ao 2.º recorrido para pedir empréstimos à recorrente. É improcedente, portanto, a tese da recorrente, sobre mandato sem representação causado pela falta de procuração escrita.
XXXVIII. Em terceiro lugar, a obrigação no presente caso não é solidária. Tal como referido atrás, o verdadeiro devedor nos títulos executivos em causa é o 1.º recorrido, em vez do 2.º recorrido; portanto, cabe somente ao 1.º recorrido assumir a obrigação.
XXXIX. Portanto, na opinião dos recorridos, a sentença recorrida não violou qualquer preceito legal. É de julgar improcedente quanto pedido pela recorrente.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre assim apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Dos Factos
Na decisão recorrida foi dada por assente a seguinte factualidade:
1. Em 27/03/2002, pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 76/2002 e nos termos da Lei n.º 16/2001 e do Regulamento Administrativo n.º 26/2001, o Chefe do Executivo adjudicou à "[Empresa (1)]" uma das três concessões para a exploração de jogos de fortuna ou azar em casino postas a concurso (vd. os autos de execução a fls. 10 e verso). (facto provado A)
2. A embargada é uma sociedade fundada legalmente na RAEM em 14/03/2006, registo de empresário comercial pessoa colectiva n.º XXXXXSO, que explora a promoção de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (vd. os autos de execução a fls. 11 a 28). (facto provado B)
3. Em 03/09/2016, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” a fls. 45 dos autos de execução. (facto provado C)
4. Em 30/09/2016, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” a fls. 46 dos autos de execução. (facto provado D)
5. Em 02/10/2016, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” a fls. 47 dos autos de execução. (facto provado E)
6. Em 26/02/2021, a embargada instaurou processo de execução contra os dois embargantes, tendo como título executivo as três notas de empréstimo acima referidas a fls. 45 a 47 dos autos de execução. (facto provado F)
– Factos provados através da audiência: (para os fundamentos com que se deu por assentes os factos, vd. os autos a fls. 439 a 447)
7. Em 09/11/2010, a [Empresa (1)] celebrou com a embargada o contrato de promoção de jogos de fortuna ou azar a fls. 29 a 34 dos autos de execução, que permitia à segunda, na qualidade de promotor de jogo, explorar a operação de salas VIP (incluindo a “Sala VIP C”) e a promoção de jogos no seu casino. (resposta ao quesito 1.º)
8. No mesmo dia, mediante o contrato a fls. 35 a 36 dos autos de execução, a [Empresa (1)] deu permissão à embargada para explorar actividades de crédito para jogos de fortuna ou azar dentro do seu casino (incluindo a “Sala VIP C”). O contrato renovava-se automaticamente. (resposta ao quesito 2.º)
9. Durante o ano 2016, a embargada detinha o Licenciamento dos promotores de jogo da pessoa colectiva n.º EXXX emitido pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) e constante dos autos de execução a fls. 44 (resposta ao quesito 3.º)
10. Não mais tarde do que 24/03/2004, o 1.º embargante abriu a conta de jogos n.º M95 na sala VIP operada pela embargada e detinha-a, podendo pedir emprestadas fichas de uso exclusivo para jogos mediante a conta para jogar. (resposta ao quesito 4.º)
11. Pelo menos a partir de 2016, como a sua conta n.º M95 já tinha acumulado um certo montante de dívidas, o 1.º embargante não podia pedir emprestadas mais fichas de uso exclusivo para jogos mediante a conta com “notas de empréstimo” assinadas. (resposta ao quesito 5.º)
12. A pedido da embargada, o 1.º embargante devia depositar dinheiro ou fichas em numerário na sua conta n.º M95 ou noutras contas designadas por si mesmo, ou ainda creditar dinheiro em contas designadas pela embargada através de transferência bancária; e só tendo feito isso é que o 1.º embargante ou outros determinados indivíduos podiam levantar fichas de uso exclusivo para jogos de valor equivalente na sala VIP para jogar. O levantamento seria feito através da assinatura de “notas de empréstimo”. (resposta ao quesito 6.º)
13. Ao mesmo tempo, a embargada exigiu o seguinte: se perdiam todas as fichas de uso exclusivo para jogos, então o 1.º embargante não podia recuperar o dinheiro já depositado na conta, pois que seria destinado na sua totalidade para pagar a dívida mencionada na “nota de empréstimo” correspondente ou em outras “notas de empréstimo” celebradas por meio da conta do 1.º embargante; caso contrário, no caso de ganhar, podia recuperar o dinheiro depositado, não se colocando a questão de dívidas. Por outras palavras, as verbas depositadas eram, por natureza, cauções ou garantias. (resposta ao quesito 7.º)
14. Através do procedimento acima descrito, o 1.º embargante podia ganhar “comissões de fichas” concedidas pela embargada, calculadas com base nos montantes referidos nas “notas de empréstimo” (resposta ao quesito 8.º)
15. Procedendo da maneira acima referida, ficava-se com registos correspondentes na sala VIP da embargada. (resposta ao quesito 9.º)
16. Ficou provado o mesmo que o referido nas respostas aos factos por provar números 6 a 8, 23 e 26. (resposta ao quesito 10.º)
17. O 2.º embargante, empregado do 1.º embargante, assistia este no acolhimento dos clientes, acompanhando-os durante os jogos e ajudando-os a trocar fichas. (resposta ao quesito 11.º)
18. O 2.º embargante não tinha linha de crédito na sala VIP da embargada, nem autorização para pedir emprestadas fichas de uso exclusivo para jogos. (resposta ao quesito 12.º)
19. O mesmo que o referido na resposta ao facto por provar n.º 27. (resposta ao quesito 12.º)
20. Em 03/09/2016, 30/09/2016 e 02/10/2016, o 1.º embargante tinha clientes que desejavam jogar na sala VIP. Então, o 1.º embargante mandou ao 2.º embargante acolher e acompanhá-los e trocar fichas para eles, a fim de ganhar “comissões de ficha”. (resposta ao quesito 13.º)
21. Em 03/09/2016, o cliente do 1.º embargante queria jogar com HKD$1.000.000,00. O 1.º embargante, então, depositou HKD$1.000.000,00 na sua conta n.º M95 através do 2.º embargante. (resposta ao quesito 14.º)
22. Depois de o 1.º embargante ter depositado os HKD$1.000.000,00 na sua conta n.º M95 através do 2.º embargante, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” n.º 021555 a fls. 45 dos autos do processo principal de execução, para levantar fichas de uso exclusivo para jogos no valor de HKD$1.000.000,00 através da conta n.º M95. (resposta ao quesito 15.º)
23. Em 30/09/2016, o cliente do 1.º embargante queria jogar com HKD$1.000.000,00. O 1.º embargante, então, mandou ao 2.º embargante trocar-lhe fichas de uso exclusivo para jogos contra o dinheiro em numerário de HKD$1.000.000,00. (resposta ao quesito 16.º)
24. Conforme as instruções do 1.º embargante, o 2.º embargante depositou o dinheiro em numerário de HKD$1.000.000,00 na conta n.º M95 do 1.º embargante mediante o modo acima referido. Depois, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” n.º 192405 a fls. 46 dos autos de processo de execução, para levantar fichas de uso exclusivo para jogos no valor de HKD$1.000.000,00 através da conta n.º M95. (resposta ao quesito 17.º)
25. Em 02/10/2016, o cliente do 1.º embargante queria jogar com HKD$1.000.000,00. O 1.º embargante, então, mandou ao 2.º embargante trocar-lhe fichas de uso exclusivo para jogos contra o dinheiro em numerário de HKD$1.000.000,00. (resposta ao quesito 18.º)
26. Conforme as instruções do 1.º embargante, o 2.º embargante depositou o dinheiro em numerário de HKD$1.000.000,00 na conta n.º M95 do 1.º embargante mediante o modo acima referido. Depois, o 2.º embargante assinou a “nota de empréstimo” n.º 192438 a fls. 47 dos autos de processo de execução, para levantar fichas de uso exclusivo para jogos no valor de HKD$1.000.000,00 através da conta n.º M95. (resposta ao quesito 19.º)
27. As fichas das três vezes acima referidas foram todas dadas ao cliente para jogar ou apostar. Não foram dadas a nenhum dos embargantes para jogar ou apostar. (resposta ao quesito 20.º)
28. O 1.º embargante não estava presente quando assinaram as notas de empréstimo mencionadas nas respostas aos factos por provar números 15, 17 e 19. Não jogou ou apostou com aquelas fichas de uso exclusivo para jogos. (resposta ao quesito 21.º)
29. O 2.º embargante não tinha o hábito de jogar ou apostar. Não pediu emprestadas as fichas de uso exclusivo para jogos aqui em causa para jogar ou apostar. (resposta ao quesito 22.º)
30. Operando da maneira acima descrita, o 1.º embargante ganhava “comissões de fichas”. Os seus depósitos funcionaram como caução ou garantia. As fichas de uso exclusivo para jogos foram por fim dadas ao cliente para apostar. Não foi nenhum dos dois embargantes que apostou. (resposta ao quesito 23.º)
31. A conta n.º M95 do 1.º embargante já tinha acumulado um certo montante de dívidas. No entanto, desejava continuar a fazer “bate-ficha”. Então conforme quanto exigido pela embargada, procedeu da maneira descrita nas respostas aos factos por provar números 15, 17 e 19. (resposta ao quesito 24.º)
32. No fim de cada jogo ou aposta, o 1.º embargante podia escolher entre destinar o depósito para pagar as dívidas mencionadas nas 3 “notas de empréstimos” no caso em apreço e destiná-lo para pagar outras dívidas concedidas há ainda mais tempo na conta n.º M95, dívidas essas referidas em outras “notas de empréstimo”. (resposta ao quesito 25.º)
33. Mandado pelo 1.º embargante, o 2.º embargante foi à sala de jogos da embargada e assinou, em nome do 1.º embargante, as três “notas de empréstimo” constantes dos autos do processo principal de execução a fls. 45 a 47. (resposta ao quesito 26.º)
34. Salvo com permissão do pessoal de chefia da embargada, a embargada não emprestava fichas de uso exclusivo para jogos ao 2.º embargante. Emprestava-as somente à própria pessoa do proprietário da conta. (resposta ao quesito 27.º)
35. Os empregados da embargada deviam sempre obter em primeiro lugar o consentimento do 1.º embargante e só com a permissão do pessoal de chefia da embargada é que podiam deixar o 2.º embargante assinar as três “notas de empréstimo” aqui em causa e prestar-lhe as fichas de uso exclusivo para jogos de valor correspondente. (resposta ao quesito 28.º)
36. Ficou provado o mesmo que o referido na resposta ao facto por provar n.º 26. (resposta ao quesito 29.º)
37. De facto, o 2.º embargante depositou na conta n.º M95 do 1.º embargante HKD$1.000.000,00 em numerário ou em fichas de numerário às 13h37 de 03/09/2016. Para isso, a embargada emitiu-lhe o “recibo de depósito de fichas pelo cliente” (doravante “recibo de depósito de fichas”) n.º 030675 em três vias; a 1.ª via do recibo de depósito de fichas foi entregue ao 2.º embargante, enquanto conservou para si a 2.ª e a 3.ª via. (resposta ao quesito 30.º)
38. As dívidas contraídas pelo 1.º embargante na conta n.º M95 em 2015 e nos anos anteriores todavia ainda não liquidadas chegaram ao montante de HKD$ 46.020.000,00. Portanto, o 2.º embargante procedeu da maneira descrita nas respostas aos factos por provar números 15, 17 e 19. (resposta ao quesito 30.º – A)
39. Além disso, o 2.º embargante depositou na conta n.º M95 do 1.º embargante HKD$1.000.000,00 em numerário ou em fichas de numerário às 16h19 de 30/09/2016. Para isso, a embargada emitiu-lhe o “recibo de depósito de fichas pelo cliente” n.º 110492 em três vias; a 1.ª via do recibo de depósito de fichas foi entregue ao 2.º embargante, enquanto conservou para si a 2.ª e a 3.ª via. (resposta ao quesito 31.º)
40. Além disso, o 2.º embargante depositou na conta n.º M95 do 1.º embargante HKD$1.000.000,00 em numerário ou em fichas de numerário às 20h37 de 02/10/2016. Para isso, a embargada emitiu-lhe o “recibo de depósito de fichas pelo cliente” n.º 110557 em três vias; a 1.ª via do recibo de depósito de fichas foi entregue ao 2.º embargante, enquanto conservou para si a 2.ª e a 3.ª via. (resposta ao quesito 32.º)
41. Segundo a prática na sala de jogo operada pela embargada, quando o detentor do recibo de depósito de fichas queria recuperar as fichas depositadas, pediam-lhe (podia não ser a própria pessoa que tinha depositado as fichas) entregar de volta o original da 1.ª via do recibo de depósito de fichas para ser carimbado com o selo “CANCELLED”, que significava que já tinha sido cancelado o depósito de fichas e que o dinheiro já tinha sido restituído ao detentor do recibo de depósito de fichas. (resposta ao quesito 33.º)
42. O depósito de HKD$1.000.000,00 no recibo de depósito de fichas n.º 030675 já foi levantado pelo 2.º embargante às 22h10 de 11/09/2016. (resposta ao quesito 34.º)
43. O depósito de HKD$1.000.000,00 no recibo de depósito de fichas n.º 110492 e o depósito de HKD$1.000.000,00 no recibo de depósito de fichas n.º 110557 já foram ambos levantados pelo 2.º embargante em 23/10/2016. (resposta ao quesito 35.º)
44. Na conta n.º M95, o 2.º embargante não obteve consentimento do 1.º embargante para autorização de empréstimos (resposta ao quesito 36.º)
45. Em 11/12/2018, a embargada exigiu que o 1.º embargante assinasse nas “notas de empréstimo” constantes dos autos do processo principal de execução a fls. 45 a 47 para solicitar-lhe o pagamento (resposta ao quesito 36.º)

2. Do Direito
Sobre uma situação em tudo idêntica à destes autos em que apenas a pessoa do 2º Embargante diverge já nos pronunciámos em Acórdão de 12.10.2023 no processo que correu termos sob o nº 411/2023.
Em síntese nas suas conclusões de recurso sustenta a Recorrente que ambos os Executados actuaram em nome próprio contraindo os empréstimos junto da Embargada e garantindo o pagamento da dívida, pelo que, em face dos títulos executivos dados à execução ambos são responsáveis pelo pagamento.
Mais sustenta a Recorrente a responsabilidade solidária dos devedores porquanto as dívidas nascem do exercício da actividade empresarial, bem como, de aos juros acrescer a sobretaxa comercial de 2% por se tratar de acto de comércio.

Vejamos então.

Resumindo o que consta da factualidade apurada temos que a Embargada é uma empresa com licença de promotor de jogo e autorizada por uma das concessionárias a exercer também a actividade de crédito para jogo em casino.
Por sua vez o 1º Embargante era titular da conta M95 na sala VIP explorada pela Embargada, conta essa que lhe permitia até ao limite do crédito autorizado pedir emprestado fichas mortas para jogar recebendo a respectiva comissão de fichas em função do montante de fichas mortas que adquiria.
Porque o 1º Embargante já havia atingido o plafond do seu crédito, de maneira a poder continuar a receber comissão pelo valor das fichas mortas que adquiria através da sua conta, sempre que fosse feita uma aquisição de fichas a crédito havia de ser depositado igual montante para pagamento das dívidas anteriores.
O que releva neste momento para a decisão e para apreciar da responsabilidade do 2º Embargante está directamente relacionado com os títulos executivos que sustentam a execução e a relação entre os Executados/Embargantes.
O 2º Embargante era trabalhador do 1º Embargante tendo como função receber clientes deste, acompanhá-los a comprar fichas e no jogo – facto 17 -.
Como também resulta da factualidade apurada – facto 18 – o 2º Embargante não tinha conta na Sala VIP da Embargada, nem o 1º Embargante na conta M95 havia passado procuração autorizando o 2º Embargante a contrair empréstimos em seu nome – facto 44 -.
Como também se provou mediante instruções que recebeu do 1º Embargante, o 2º Embargante nos dias 3 e 30 de Setembro e 2 de Outubro, todos de 2016 recebeu clientes e acompanhou-os no jogo, tendo para o efeito assinado os títulos executivos para adquirir a crédito fichas mortas no valor global de HKD3.000.000,00 – factos 20 a 26 e 33 -.
Quando o 2º Embargante assinou os recibos de empréstimos que constituem os títulos executivos os funcionários da Embargada previamente obtiveram autorização do 1º Embargante para permitir que fossem levantadas as fichas mortas de valor equivalente – facto 34 e 35 -.
Ou seja, dúvidas não há de que o 2º Embargante é funcionário do 1º Embargante e actuou ao contrair estes empréstimos segundo as instruções e no interesse do 1º Embargante.
Contudo, o 1º Embargante na conta M95 não havia concedido poderes ao 2º Embargante para actuar em sua representação, ou seja, não havia passado procuração a este para poder contrair empréstimo em seu nome.
No caso “sub judice” o que acontece na relação entre Embargantes e o que se estabelece entre Embargantes e Embargada não é totalmente coincidente.
No domínio das relações entre os Embargantes efectivamente está provado que o 1º Embargante encarrega o 2º Embargante de fazer algo que este faz.
Até podemos aceitar que sejam comitente e comissário, mas chegados aqui há que procurar como resolver a questão das responsabilidades assumidas.
A relação comitente comissário é tratada a propósito da responsabilidade pelo risco relativamente aos danos causados pelo comissário nos termos do artº 493º do C.Civ., contudo não é essa a situação dos autos.
Esclarecendo-se que seja a actuação como empregado subalterno ou outra qualquer classificação, tal facto é irrelevante para a caracterização jurídica que se impõe fazer.
Aceitando-se que o 1º Embargante encarregou o 2º Embargante de fazer algo dada a factualidade apurada tal terá acontecido nos termos do mandato sem representação – cf. artº 1106º a 1110º do C.Civ. -.
Sem que tenha conferido poderes de representação, vulgo procuração, ao 2º Embargante, o 1º Embargante encarregou-o de contrair três empréstimos na aquisição de fichas mortas para os seus clientes (do 1º Embargante) poderem jogar, fazendo-a através da conta que tinha aberto na Embargada, recebendo (o 1º Embargante) em contrapartida a comissão pela aquisição das fichas.
Nos termos do artº 1108º do C.Civ. dúvidas não temos que no domínio das relações entre os Embargantes o 1º Embargante é obrigado a assumir as obrigações contraídas pelo mandatário sem representação aqui 2º Embargante ou a reembolsá-lo do que houver despendido nesse cumprimento.
Contudo, no domínio das relações com terceiros, isto é com a Embargada, de acordo com o disposto no artº 1106º do C.Civ., quem assumiu a dívida foi o 2º Embargante, pelo que, perante a Embargada é este (o 2º Embargante) que deve assumir a obrigação do acto que celebrou, a saber, a aquisição de fichas mortas a crédito.
Pese embora o 1º Embargante haja autorizado que os empréstimos fossem contraídos através da sua conta, só em 11.12.2018 (cf. títulos executivos) é que veio também a assinar as declarações de dívida e a garantir perante a Embargada o pagamento daquelas, mas o que daí resulta não é a exoneração do 2º Embargante da obrigação de pagamento, mas aumentar o número de pessoas que estão obrigados a fazê-lo.
Pergunta-se: se o 1º Embargante não tivesse posteriormente assinado os títulos executivos como devedor quem é que se tinha constituído como devedor até que aquela assinatura foi aposta? A única resposta possível é a de que quem reconheceu ser devedor e se comprometeu a pagar foi o 2º Embargante, e fê-lo como mandatário sem representação (face ao que se provou) o que não afasta a sua responsabilidade pelo cumprimento das obrigações que assumiu perante o credor aqui Embargada/Exequente.
Logo, aqui chegados, temos que em face dos títulos executivos e da factualidade apurada o que resulta é que o 2º Embargante perante a Embargada actuou em nome próprio (no âmbito do mandato sem representação) assumindo a obrigação decorrente da compra de fichas a crédito ainda que a relação de mandato fosse conhecida da Embargada (o que não se provou) pois não havia procuração que o autorizasse a actuar em representação do 1º Embargante.

Por fim no caso dos autos, a assinatura do 2º Embargante nos títulos executivos não foi impugnada pelo que, nos termos do artº 368º do C.Civ. se tem a mesma por verdadeira.
Face ao disposto no artº 370º do C.Civ. os títulos executivos fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, neste caso o 2º Embargante.
Estando o reconhecimento de dívida e o compromisso de pagamento assumido pelo 2º Embargante plenamente provado por documento, nos termos do nº 2 do artº 387º do C.Civ. não é admitida prova testemunhal para demonstrar o contrário ou que tenha por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento – artº 387º do C.Civ. -. Sendo certo que, não há qualquer princípio de prova escrita que permita concluir em sentido contrário, pois não basta que se indique o número da conta do 1º Embargante e o nome deste, sendo que para haver princípio de prova era no sentido da Embargada e Exequente saber que o 2º Embargante actuava em representação, em nome e por conta do 1º Embargante e que o 2º Embargante não assumia qualquer obrigação em nome próprio, o que de modo algum foi sequer indiciado nos autos.
Ou seja, para se concluir que o 2º Embargante não era responsável pelo pagamento da dívida, cabia aos Embargantes terem demonstrado que a relação de empréstimo entre 2º Embargante e Embargada não aconteceu – cf. C.Civ. artº 452º nº1 in fine quando se diz “fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário” -, o que significa, que cabia aos Embargantes, ou pelo menos ao 2º Embargante, o ónus da prova – por outra forma que não a prova testemunhal dado que o título executivo tem força probatória plena cf. artº 387º do C.Civ. – de que a relação de empréstimo não aconteceu, ou não é verdadeira, ou não existe, pelo menos no que concerne ao 2º Embargante.
Ora o que os Embargantes demonstraram foi a relação entre eles, que nesta decisão se subsumiu a um mandato sem representação, mas não se demonstrou que o empréstimo contraído junto da Embargada não aconteceu, nem tão pouco que o 2º Embargante não assumiu a dívida para com a Embargada, havendo documento com força probatória plena a demonstrá-lo.

Destarte, face ao disposto no artº 452º do C.Civ. tem-se por demonstrada a existência do crédito da Embargada sobre ambos os Embargantes, não podendo o que resulta do título ser afastado apenas com base na prova testemunhal.
Assim sendo, face a todo o exposto nunca a decisão poderia ter sido isentar o 2º Embargante, seja porque o título faz prova plena da assumpção de dívida e promessa de pagamento assumida por este a qual não pode ser afastada com base na prova testemunhal, seja porque, havendo uma relação de mandato sem representação entre os Embargantes e actuando o 2º Embargante em nome próprio assumiu as obrigações decorrentes dos actos que celebrou, sem prejuízo da responsabilidade do 1º Embargante para com o 2º Embargante mas que não é objecto destes autos.
No que concerne à responsabilidade solidária dos devedores aqui Embargantes o que resulta dos títulos executivos é que ambos assumiram a responsabilidade pelo pagamento integral da obrigação, sendo certo que, inicialmente até foi apenas o 2º Embargante a fazê-lo, pelo que, nada tendo sido ressalvado, e resultando a solidariedade da vontade das partes nos termos do artº 506º do C.Civ. impõe-se concluir no sentido de ambos os Embargantes/Executados serem solidariamente responsáveis pelo pagamento das dívidas.

Síntese conclusiva:
- Há mandato quando alguém encarrega outro de praticar actos jurídicos por sua conta, dizendo-se sem representação quando não forem conferidos poderes ao mandatário para o efeito (artº 1083º, 1104º e 1106º do C.Civ.);
- O mandatário sem poderes de representação age em nome próprio assumindo as obrigações dos actos que celebra ainda que o mandato seja do conhecimento dos terceiros com quem pratica os actos jurídicos no âmbito do mandato – artº 1106º do C.Civ. -;
- Sem prejuízo dos direitos e das obrigações decorrentes para o mandante da execução do mandato e do direito do mandatário de ser reembolsado do que tiver despendido na execução do mandato, não deixa de ser o mandatário o responsável pelo cumprimento das obrigações assumidas perante os terceiros com quem contratou (artº 1106º a 1108º do C.Civ.);
- Não sendo impugnada a assinatura aposta em documento particular no qual se reconhece uma dívida e se assume o respectivo pagamento, o mesmo faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor, não podendo o que dele consta ser infirmado através de prova testemunhal (artº 368º nº 1, 370º nº 1, 387º nº 1 e 2, 388º do C.Civ.).
- A prova testemunhal da relação e eventuais acordos quanto à responsabilidade pelo pagamento de determinada dívida entre dois co-devedores/executados não é bastante para afastar a responsabilidade que para os mesmos decorre de terem assinado o documento em que reconhecem a dívida e se comprometem a pagá-la.
- Beneficiando o exequente, ora embargado do disposto no nº 1 do artº 452º do C.Civ. caberia ao executado, ora embargante ter demonstrado que era inexistente ou não era devida qualquer obrigação relativamente aos documentos que servem de título executivo.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou procedentes os embargos deduzidos por B, julgando os embargos por este deduzidos improcedentes com o consequente prosseguimento da acção executiva contra este (B), mais se determinando a responsabilidade solidária dos Executados, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Recorridos.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 668 a 691 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, veio o (2°) embargante, B (乙), recorrer, apresentando as seguintes conclusões:

“1) O acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, e do qual se recorre, concedeu provimento ao recurso interposto pela Embargada, ora Recorrida, revogando, assim, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que havia julgado procedentes os embargos deduzidos pelo 2.º Embargante, julgando extinta a execução quanto ao 2.º Embargante e prosseguindo os seus termos quanto ao 1.º Embargante.
2) De acordo com o acórdão recorrido, a situação dos presentes autos configurava a figura do mandato sem representação, nos termos dos artigos n.º 1083.º, 1104.º, 1106.º, todos do Código Civil. Que, sem prejuízo dos direitos e obrigações que decorram da execução do mandato, que não deixa de ser o mandatário, ou seja, o 2.º Embargante, responsável pelo cumprimento das obrigações assumidas perante terceiros com quem contratou, nos termos dos artigos 1106.º e 1108.º, ambos do Código Civil.
3) Mais disse, que deveria o 2.º Embargante ter demonstrado a inexistência ou que não era devida qualquer obrigação relativamente aos documentos que servem de títulos executivos nos presentes autos.
4) Ora, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo.
5) O tribunal a quo, revogou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que muito bem andou ao entender que, ficou provado que devido à situação de crédito que o 1.º Embargante tinha com a Embargada, que era necessário primeiro depositar montante na conta detida pelo 1.º Embargante com o n.º M95, para que depois os funcionários da tesouraria pudessem entregar as fichas mortas naquele montante, para que este, ou qualquer outra pessoa designada pelo 1.º Embargante pudessem jogar.
6) Segundo o Tribunal de Primeira Instância e os factos dados por provados, o 2.º Embargante tinha como função levar clientes do 1.º Embargante para a sala VIP, que este nunca jogou, apenas assistiu com os clientes, a depositar os montantes que lhes eram entregues pelo 1.º embargante para depois serem usados para jogar pelos clientes daquele, ou seja que sempre actuou enquanto funcionário do 1.º Embargante.
7) A isto acresce que, nas três ocasiões que o 2.º Embargante assinou os marker forms, os funcionários da Embargada tiveram sempre que contactar o 1.º Embargante para que o 2.º Embargante pudesse levantar fichas no mesmo valor que havia sido depositado, e o 2.º Embargante nunca abriu uma conta junto da Embargada nem pediu autorização para contrair empréstimos em nome próprio.
8) Pelo que, foi o entendimento do Tribunal Judicial de Base que o sujeito da relação jurídica de mutuário, e consequentemente devedor pessoal, nunca poderia ser o 2.º Embargante, mas, outrossim, o 1.º Embargante.
9) O Tribunal de Segunda Instância, com base nos elementos supra melhor referidos, decidiu em sentido inverso, defendendo que a relação que estava em causa era a de mandato sem representação, e, aferindo desta forma, pela responsabilidade solidária do 2.º Embargante, a par do 1.º Embargante perante a Embargada.
10) Sucede, que o ora Recorrente não se conforma com o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, pois, salvo melhor entendimento, o tribunal a quo deveria ter atendido à relação subjacente aos títulos executivos, i.e., à relação de mútuo existente entre o 1.º Embargante e a Embargada.
11) O acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância teve um voto vencido, que se remeteu para a declaração que havia sido proferida no processo que correu termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 411/2023, tendo o referido processo já transitado em julgado
12) Assim, nestes dois processos que envolviam o 1.º Embargante e Embargada, e outro sujeito enquanto 2.º Embargante, nos mesmos moldes, foram proferidas duas declarações de voto vencido, cujo conteúdo transcrevemos, para referência: “Salvo o devido respeito da posição maioritária, fico vencido nos termos da sentença recorrida por entender que segundo a factualidade apurada, a qual não foi qualquer objecto de impugnação, o 2.º embargante conseguiu provar que ele, não obstante ter assinado o documento que serve como título executivo na execução, não era o verdadeiro devedor.
1. A nosso ver, o 2.º embargante não agiu como mandatário sem representação do 1.º embargante, antes como trabalhador do mesmo, pois ele agiu simplesmente segundo as instruções do 1.º embargante, levantando as fichas mortas na conta deste e as entregou aos clientes do último.
2. Ou seja, as fichas levantadas não eram para a própria pessoa do 2.º Embargante, mas sim para os clientes do 1.º embargante.”
13) Para além do caso supra melhor mencionado, existe um terceiro processo relativo ao Embargante e Embargada nos mesmo moldes do presente caso, em que tanto o Tribunal de Primeira Instância como o Tribunal de Segunda Instância absolveram a 2.º Embargante do pedido, por considerarem que o devedor na relação estabelecida com a Embargada era o 1.º Embargante, tendo sido requerida a junção aos autos de certidão em que consta a sentença proferida em sede de Primeira Instância do processo que correu termos sob o n.º CV3-21-0035-CEO-A, bem como o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, com o n.º 661/2022, ao abrigo do disposto no artigo 648.º do Código de Processo Civil, e n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil (cfr. doc. 1).
14) No processo que correu termos sob o n.º CV3-21-0035-CEO-A, salvo melhor entendimento, trata da mesma matéria que o presente caso, e tanto o Tribunal de Primeira Instância como o Tribunal de Segunda Instância, decidiram absolver a 2.ª Embargante, D, por considerarem que aquela não era a mutuária, e consequentemente devedora pessoal da quantia exequenda perante a Embargada, a mesma dos presentes autos.
15) No caso da certidão que se requereu juntar como documento n.º 1 do processo supra melhor referido, destacamos vários factos que entendemos ser relevantes, sendo eles: (i) a 2.º Embargante, tal como o ora Recorrente, auxiliava o 1.º Embargante a levar clientes destes à sala VIP da Embargada e a ajudar com a troca de fichas, conforme Quesito P) dos factos assentes, do processo n.º CV3-21-0035-CEO-A e Facto provado 17) dos presentes autos; (ii) quando os clientes do 1.º embargante queriam jogar, este destacava tanto a 2.º Embargante do caso a que se refere a certidão ora junta, como o ora Recorrente neste caso, para depositar montantes junto da conta aberta em nome do 1.º embargante na sala VIP da Embargada, conforme Quesito R) dos factos assentes, do processo n.º CV3-21-0035-CEO-A e Factos provados 21, 24 e 26) dos presentes autos; (iii) tanto D, como o ora Recorrente, em cada um dos processos judiciais que lhes dizem respeito, assinaram os marker forms, conforme Quesito S) dos factos assentes, do processo n.º CV3-21-0035-CEO-A e Facto provado 22) dos presentes autos; (iv) e em ambos os casos, o 1.º embargante apôs a sua assinatura nos títulos executivos, conforme Quesito D dos factos assentes, do processo n.º CV3-21-0035-CEO-A e Facto provado 45) dos presentes autos.
16) Também nos apoiamos na certidão, ora requerida junta aos presentes autos nos termos do artigo 648.º do Código de Processo Civil e artigo 7.º, n.º 3 do Código Civil, em que consta o documento dado à execução no processo do título executivo que correu termos sob o n.º CV3-21-0035-CEO (cfr. doc. 2).
17) Resulta da comparação do documento dado à execução no processo supra melhor referido, junto como documento n.º 8 do requerimento executivo (cfr. doc. 2), e dos documentos dados à execução dos presentes autos, i.e., documentos n.ºs 10 a 12, que o 1.º Embargante assinou os títulos executivos em altura posterior à qual os markers forms foram sido assinados pelos 2.ºs Embargantes em cada um dos casos.
18) Salientamos, também, a maneira similar como a assinatura do 1.º Embargante foi aposta nos documentos dados à execução em ambos casos, diferindo apenas no facto de que a assinatura da 2.ª Embargante no processo com o n.º CV3-21-0035-CEO ser mais pequena, deixando, mais espaço para que o 1.º Embargante assinasse no campo de devedor.
19) Contudo, é inequívoco que, em ambos os casos, o 1.º Embargante assinou em ambos os casos no campo de mutuário, não se aceitando, assim, a tese de que o 1.º Embargante haja assinado como garante da dívida exequenda por duas razões, a primeira é a de que inexiste um campo específico para prestação de garantia, e a segunda decorrente da primeira, é a de que fosse esse o caso, o 1.º Embargante teria que ter declarado de forma escrita que estava a prestar uma garantia perante a Embargada aquando da assinatura aposta nos documentos dados à execução.
20) Realçamos também, o 2.º Embargante nos presente autos era funcionário do 1.º Embargante, ao passo que D, caso em que nos estamos a apoiar, era uma jogadora mas que também assistia o 1.º Embargante a fazer os depósitos e a levantar fichas para os clientes do 1.º Embargante jogarem, ou seja a mesma situação dos autos, diferindo apenas na qualidade em que auxiliaram o 1.º Embargante.
21) A nosso ver, faria mais sentido condenar um jogador, como era o caso de D, do que um mero funcionário que se limitava a cumprir ordens do seu patrão, como era o caso do Recorrente nos presentes autos.
22) A isto acresce que, os factos 27, 28, 29, 30 dos factos julgados provados do presente caso, está patente que o 2.º embargante não tinha linha de crédito, não usava a conta do 1.º Embargante para efeitos pessoais, mas sim para os clientes do 1.º embargante que vieram jogar.
23) Pese embora, saibamos que o Tribunal de Última Instância só conhece de questões de direito, entendemos que para o caso dos presentes autos, a comparação feita nos moldes supra melhor descritos é devida para que se pondere em que medida dois casos que retratam a mesma situação factual e jurídica mereceram uma análise diferente, com necessárias consequências, neste caso, gravosas, para o 2.º Embargante, ora Recorrente.
24) Salvo melhor entendimento, o enfoque nos presentes autos está precisamente na relação de subordinação entre o 2.º Embargante e o 1.º Embargante e no modo como o primeiro apenas assistiu o 1.º Embargante, nunca tendo assumido qualquer dívida, não sendo, assim, o mutuário, e devedor pessoal da quantia exequenda.
25) O 2.º Embargante apenas surge neste caso, porque actua na qualidade de funcionário do 1.º Embargante e vai à sala VIP da Embargada depositar montantes, proceder ao levantamento de fichas no montante equivalente depositado, não sem antes o funcionário responsável na tesouraria da sala VIP da Embargada obter a autorização do 1.º Embargante para que o 2.º Embargante pudesse proceder ao levantamento de fichas mortas da conta n.º M95 detida pelo 1.º Embargante.
26) Salvo o devido respeito, tal situação, encontra-se abrangida pela previsão do disposto no n.º 1 artigo 789.º do Código Civil, em que o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
27) Para que haja a aplicação deste preceito, necessário é que se verifiquem os pressupostos, a saber. (i) a existência de uma obrigação previamente acordada entre devedor e credor; (ii) um vínculo entre o terceiro e o devedor; (iii) a satisfação da obrigação pelo terceiro; e (iv) a actuação do auxiliar.
28) O primeiro requisito prende-se com a obrigação contraída pelo credor e devedor, decorrente de um negócio jurídico, ou lei, que neste caso é o mútuo, que é contraído pelo 1.º Embargante junto da Embargada com a assistência do 2.º Embargante.
29) O segundo, está relacionado com a relação entre o devedor e o terceiro invocado para o cumprimento da obrigação, sendo aquele o responsável pelos actos, em que o auxiliar tem que actuar de acordo com a vontade do devedor, e não de forma espontânea, o que é o caso dos presentes autos porque o 2.º Embargante agiu sempre de acordo com as instruções e sob a direcção do 1.º Embargante.
30) O terceiro, relaciona-se com o cumprimento da obrigação pelo terceiro, que sob o comando e autoridade do devedor, desempenha os actos necessários e suficientes para o cumprimento previamente assumida perante o credor, e dá-se quando o 2.º Embargante entrega os montantes à Embargada e assina o marker form em conformidade.
31) O quarto, é a actuação do auxiliar, sendo o devedor responsável pela sua conduta dolosa ou culposa, dentro dos limites em que se obrigou perante o credor. Isto significa que o devedor deve promover todos os meios necessários e diligentes para satisfação da obrigação.
32) Na medida em que a questão da culpa é controversa e não consensual, seguimos a corrente que defende que o preceito em causa não exige uma culpa autónoma, sendo a culpa atribuída de forma directa ao devedor, tratando-se assim, de uma ficção jurídica.
33) Salvo melhor entendimento, o 2.º Embargante quando se desloca à sala VIP da Embargada, recebe instruções para o fazer do 1.º Embargante, a Embargada ciente de que o 1.º Embargante quer pedir emprestadas fichas vivas, obtém junto do 1.º Embargante a sua autorização para que o seu funcionário pudesse proceder ao levantamento das fichas. De realçar que todos os actos do funcionário, ora 2.º Embargante são sempre executados sob a direcção e autoridade do 1.º Embargante.
34) Para efeitos de levantamento das fichas, o 2.º Embargante assina o marker form, mas as fichas que levanta, são, uma vez mais, e conforme instruído pelo seu patrão, para serem entregues aos clientes daquele para jogar.
35) Pelo que, entendemos que se encontram preenchidos os pressupostos do n.º 1 do artigo 789.º do Código Civil, e que o 2.º Embargante deverá ser exonerado da obrigação de pagamento da quantia exequenda, devendo antes ser o 1.º Embargante o único sujeito a ser condenado em virtude de este ser o único mutuário, e devedor pessoal da quantia exequenda.
36) Razão pela qual, entendemos que deverá também o acórdão ser revogado por errada aplicação da lei, ao não aplicar o artigo 789.º do Código Civil, e nos termos e para os efeitos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, com as demais consequências legais aplicáveis.
37) À cautela e sem prescindir, caso o exposto no capítulo anterior não tenha provimento, cumpre dizer o seguinte.
38) A nosso ver, a solução jurídica para o presente caso, passará sempre pela relação de mútuo que se estabeleceu entre as partes, i.e., 1.º Embargante e Embargada, sendo que o 2.º Embargante só poderia ter sido condenado ao pagamento da quantia exequenda, caso fosse o mutuário, o que não aceitamos, pelas razões melhor expostas no capítulo anterior.
39) De modo a demonstrar tal, era mister que se tivesse apurado da relação jurídica de mútuo em relação ao 2.º Embargante, enquanto mutuário da quantia exequenda, o que não aconteceu.
40) Socorremo-nos, para o efeito, do acórdão do processo n.º 110/2019, em que o executado/ embargante aceitou ter subscrito o título executivo, mas alegou que a quantia não foi mutuada a ele, mas a um terceiro, o que também é o que se passou no presente caso.
41) No entendimento deste acórdão, a sentença recorrida mal andou ao não apreciar o artigo 452.º do Código Civil, e em face, do n.º 1 deste preceito legal, que o executado não havia solicitado um empréstimo ao exequente, o que fez, mas não foi levado em linha de conta.
42) Sucede que, esta matéria apesar de alegada pelo ora Recorrente, a artigo 13.º dos embargos não foi levada à base instrutória, o que também parece ser o caso dos presentes autos, na medida em que o 2.º Embargante, ora Recorrente refere não ter contraído qualquer empréstimo a artigo 13.º dos seus embargos à execução, contudo, tal não foi quesitado na base instrutória.
43) Ao não ter sido quesitado o artigo 13.º dos embargos à execução apresentados pelo 2.º Embargante, em que foi dito que este não contraiu qualquer empréstimo junto da Embargada, entendemos que o Tribunal a quo também não estava em condições de aferir da relação de mutuário, e assim, devedor do 2.º Embargante perante a Embargada.
44) Ora, a ser assim, o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância deverá ser anulado, por insuficiência da matéria de facto e aplicação errada da lei, por violação do disposto nos artigos 370.º, n.º 2, 387.º, 388.º do Código Civil ex vi artigo 639.º do Código de Processo Civil.
45) À cautela, e sem prescindir, caso se entenda que a matéria como quesitada era suficiente, visto constar dos autos que o 2.º Embargante não pediu emprestadas as fichas, também nunca poderia ter sido o 2.º Embargante condenado como devedor solidário da quantia exequenda, por não ser o mutuário da mesma.
46) Pelo que, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido encontra-se ferido por aplicação errada da lei, por não atender ao disposto nos artigos 1070.º e ss do Código Civil ex vi do artigo 639.º do Código de Processo Civil, pelo que o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância deverá sempre ser revogado.
47) À cautela e sem prescindir, caso o argumentário expendido no capítulo anterior não tenha provimento, passamos agora a apreciar a questão do mandato sem representação, da sua inexistência e consequente impossibilidade de responsabilizar o 2.º Embargante pelo pagamento da quantia exequenda por se ter operado um assunção de dívida por parte do 1.º Embargante.
48) Para tanto, recapitulamos elementos constantes dos autos e dados por provados que evidenciam que o 2.º Embargante não actuou como mandatário sem poderes, a saber: (i) Facto 18; (ii)Facto 21.; (iii) Facto 22; (iv) Facto 23.; (iv) Facto 24.; (v) Facto 25.; (vi) Facto 26.; (vii) Facto 27.; e (viii) Facto 35.;
49) Salvo o devido respeito, a nosso ver, a relação de mandato sem representação nunca poderá ser sustentada nem sustentável na medida em que foi feita prova bastante nos autos de que o 2.º Embargante agiu segundo instruções do 1.º Embargante, na qualidade de seu funcionário, e as fichas mortas levantadas junto da Embargada nunca foram para uso pessoal do 2.º Embargante, outrossim, os clientes do 1.º Embargante.
50) Pelo que, perfilhamos e acompanhamos na íntegra o raciocínio expendido pelo Tribunal de Primeira Instância para defender que o 2.º Embargante nunca poderia ter sido condenado ao pagamento solidário na quantia exequenda.
51) Salvo o devido respeito, o mandato sem representação nunca existiu, precisamente, por o 2.º Embargante não ser o mutuário, apenas agindo na qualidade de funcionário do 1.º Embargante.
52) Pese embora, na óptica do Recorrente, este nunca tenha sido o mutuário e devedor pessoal da quantia exequenda, afastando a tese do mandato de representação pelos argumentos aduzidos supra e no capítulo anterior, equacionando a questão do ponto de vista do mútuo, a situação que estamos perante não é mais do que uma assunção de dívida, pura e dura.
53) Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 590.º do Código Civil, pois por meio de acordo entre o novo devedor e o credor, ou seja, entre o 1.º Embargante e a Embargada, o 1.º Embargante assumiu a dívida.
54) Nesta figura jurídica, o credor continua a ser titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, operando-se apenas, por força do contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor ( al. a) do nº 1 do art. 590º do C. Civil) ou entre o novo devedor e o credor ( al. b) do nº 1 do citado art. 590º ),uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.
55) No caso sub judice, estamos perante a situação da alínea b) do n.º 1 do artigo 590.º do Código Civil, pois por meio de acordo entre a Embargada e o 1.º Embargante, operou-se uma transmissão singular de dívida, na medida em que o 1.º Embargante ao apor a sua assinatura nos documentos dados à execução, assumiu a dívida perante a Embargada, de uma forma inequívoca, e para que mais não restassem dúvidas relativamente a quem era o mutuário e devedor naquela relação, i.e., o 1.º Embargante.
56) Ou seja, a partir do momento em que o 1.º Embargante assinou os três títulos executivos, operou-se uma assunção de dívida, e não uma garantia de dívida, como defendido pelo tribunal a quo.
57) Pelo que, entendemos que mal andou o tribunal a quo ao subsumir a relação entre empregado e patrão, provada nos autos, no mandato sem representação para aferir da responsabilidade do 2.º Embargante pelo pagamento da quantia exequenda ao entender que foi este que assumiu a dívida, quando de facto, operou-se aqui uma assunção de dívida por parte do 1.º Embargante, como supra melhor referido.
58) Salvo o devido respeito, entendemos pois, que o acórdão recorrido padece do vício de errada aplicação da lei, mormente, por não aplicação do artigo 590.º do Código Civil conjugado com o artigo 639.º do Código de Processo Civil.
59) Pelo que, o acórdão recorrido deverá ser revogado, e que os embargos deduzidos pelo 2.º Embargante sejam julgados procedentes em face da sua exoneração enquanto devedor, por assunção da dívida por parte do 1.º Embargante, nos termos e para os efeitos da alínea b), do n.º 1 do artigo 590.º do Código Civil, com as demais consequências legais aplicáveis.
60) À cautela e sem prescindir, sempre se dirá que, mesmo que se conceda, que não se concede, que a relação entre os Embargantes era de mandato sem representação, que a exoneração do 2.º Embargante perante a Embargada operou-se no momento em que o 1.º Embargante assumiu a dívida perante a Embargada.
61) O tribunal a quo sustenta a sua posição quanto ao mandato sem representação alegando que a relação entre embargantes e embargada não é coincidente, que o 2.º Embargante fez aquilo que o 1.º Embargante o encarregou de fazer, e que, apesar de o 1.º Embargante ter autorizado que os empréstimos fossem contraídos através da sua conta, só em 11.12.2018 “é que veio assinar as declarações de dívida e garantir perante a embargada o pagamento delas”, concluindo que, “mas o que daí resulta não é a exoneração do 2.º embargante da obrigação de pagamento, mas aumentar o número de pessoas que estão obrigadas a fazê-lo”.
62) Entendendo, que perante os títulos executivos apresentados aos autos e da factualidade provada, que o 2.º Embargante actuou em nome próprio (no âmbito do mandato sem representação) assumindo a obrigação decorrente da compra de fichas a crédito ainda que a relação de mandato fosse conhecida da embargada (o que não se provou), pois não havia procuração que o autorizasse a actuar em representação do 1.º embargante.
63) Não concedemos o entendimento perfilhado no acórdão do tribunal a quo, e na medida em que, entendemos que aqui também se operou uma assunção de dívida nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 590.º ex vi artigo 1108.º, ambos do Código Civil.
64) Ou seja, no caso dos presentes autos, mesmo que estivéssemos perante um mandato sem representação, a consequência jurídica da assinatura dos títulos de dívida por parte do 1.º Embargante seria sempre a assunção de dívida, nos termos dos preceitos legais supra melhor mencionados.
65) Quando o 1.º Embargante apõe a sua assinatura nos títulos executivos, vide documentos n.º 10 a 12, juntos como títulos executivos, requerimento executivo, verificamos que o 1.º embargante, de facto, apôs a sua assinatura no campo do mutuário, ainda que só em parte do referido campo. E tal deve-se à forma como o 2.º Embargante assinou, não deixando grande espaço livre.
66) E, não se diga, conforme entendeu o tribunal a quo que a assinatura do Embargante foi uma forma de garantir o pagamento das quantias, foi, de facto, uma assunção de dívida, e tal depreende-se através do facto provado n.º 45, do qual resulta que a Embargada exigiu que o 1.º Embargante assinasse os títulos executivos.
67) Retiramos desta exigência duas conclusões, a primeira, é que a embargada bem sabia quem era o devedor nesta relação, e a segunda, decorrente da primeira é que a Embargada por estar ciente de que o 2.º Embargante não havia assumido qualquer dívida perante esta, ao exigir que o 1.º Embargante apusesse a sua assinatura nos marker forms, permitiu que houvesse lugar operasse uma transmissão singular de dívidas, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 590.º do Código Civil.
68) Transmissão essa, que não carece do consentimento do antigo devedor, apenas necessitando do conhecimento e anuência do credor, que, como já referido, operou-se no momento em que a Embargada que exigiu expressamente que o 1.º Embargante assinasse os títulos executivos.
69) Ora, ao aceitarmos o raciocínio expendido pelo Tribunal de Segunda Instância, teremos necessariamente que aproveitar o bom e o mau dos factos provados, e concluir que o 1.º Embargante assumiu a dívida, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 590.º do Código Civil.
70) Razão pela qual, entendemos que deverá também o acórdão ser revogado por errada aplicação da lei, dos artigos 1106.º e ss e não aplicação do artigo 590.º, ambos do Código Civil, e nos termos e para os efeitos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, com as demais consequências legais aplicáveis”; (cfr., fls. 712 a 730-v).

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Respondendo, pugna a embargada (exequente e ora recorrida), “GRUPO C MACAU LIMITADA”, (“澳門丙集團有限公司”), pela total confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 752 a 766).

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Adequadamente processados os autos, colhidos os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, (em conformidade com o estatuído no art. 52°, n.° 2 e 3 da Lei n.° 9/1999), e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, com o presente recurso pelo (2°) embargante, (executado), interposto, pretende o mesmo a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que alterou a decisão do Tribunal Judicial de Base onde se decidiu pela “extinção da execução” na parte que lhe dizia respeito, pedindo a confirmação do assim decidido.

Vejamos de que lado está a razão.

Em causa está saber a quem cabe responder e proceder ao pagamento da “quantia exequenda” pela exequente – “GRUPO C MACAU LIMITADA” – reclamada com a execução que moveu contra A, (1° executado e 1° embargante), e B, (2° executado e 2° embargante), ora recorrente.

Do que até aqui se deixou relatado, colhe-se que apreciando o anterior recurso – e discordando da aludida decisão do Tribunal Judicial de Base que julgou “extinta a execução relativamente ao 2° exequente”, (ora recorrente) – considerou o Tribunal de Segunda Instância que embora não houvessem dúvidas de que este, (2° embargante), era “funcionário do 1° embargante”, e que, ao contrair os empréstimos (cujos montantes constituíam a “quantia exequenda”) “actuou segundo as instruções e no interesse deste”, a verdade é que não lhe tinham sido concedidos poderes para “actuar em sua representação”, pois que não lhe tinha sido passada qualquer procuração para contrair os referidos empréstimos.

Daí, concluir o Tribunal de Segunda Instância que os “efeitos” da relação entre os embargantes, (executados), e os que resultam da sua relação com a exequente, não eram totalmente coincidentes, considerando que, perante esta, (a exequente), e ao abrigo do art. 1106° do C.C.M., devia-se considerar o 2° embargante como quem assumiu a dívida, devendo, assim, responder (também) pelo acto que praticou, (no caso, a aquisição de fichas mortas a crédito).

Nestes termos, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que a decisão do Tribunal Judicial de Base de isentar o 2° embargante da obrigação não merecia confirmação, e, revogando a decisão da “extinção da execução” na parte que lhe dizia respeito, foram os embargos pelo 2° embargante deduzidos julgados improcedentes, determinando-se (ainda) a responsabilidade solidária de ambos os executados, (embargantes).

Ora, analisada a aludida decisão agora recorrida, constata-se que, ponderando a “matéria de facto” apurada nos autos, fez o Tribunal de Segunda Instância uma aplicação do regime legal resultante do direito civil, concluindo que, na “ausência de poderes representativos”, o 2° embargante “actuou apenas por conta do 1° embargante”, e, como tal, vinculou-se, em “nome próprio perante a exequente”.

Quid iuris?

Da reflexão que sobre a questão tivemos oportunidade de efectuar, mostra-se de consignar o que segue.

Antes de mais, vale a pena referir que, questão “próxima”, (ou mesmo, “muito idêntica” à que agora nos ocupa), tem vindo a ser suscitada em processos similares, (mas não exactamente iguais), dando lugar a “soluções” jurisprudenciais diferentes, como (v.g.) se pode ver do confronto entre os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância proferidos nos Procs. n°s 661/2022, 395/2023 e 569/2023 – nos quais se entendeu que “não obstante o 2º embargante/executado ter aposto a sua assinatura nos respectivos documentos que servem de base à execução, mas provado não está ser ele sujeito da relação jurídica subjacente (de mútuo), não é considerado devedor solidário e consequentemente não pode ser executado nos presentes autos.” – e os Acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal nos Procs. n°s 411/2023 e 76/2024, que seguiram a orientação do Acórdão aqui recorrido, não sendo ainda de olvidar que também este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de sobre a mesma matéria emitir pronúncia, nomeadamente, nos Procs. n°s 61/2024 e 86/2024, (onde se atendeu aos distintos elementos de facto provados para justificar as diferentes soluções adoptadas).

Nesta conformidade, e certo sendo que é em face da factualidade – in casu – dada como provada que se terá de partir para a solução de direito, vejamos.

Pois bem, não temos dúvidas de que a orientação perfilhada no Acórdão agora recorrido é, (certamente), uma das leituras possíveis, principalmente, se, e como aí se entendeu, a solução passasse – tão só e unicamente – por uma aplicação do que preceituado está em sede de “direito civil”, (pouco havendo que se pudesse acrescentar à exímia e judiciosa fundamentação aí exposta).

Porém, (e em nosso modesto entender), afigura-se-nos que a “matéria de facto” – in casu – dada como “provada”, leva-nos a crer que estamos também perante um “regime (próprio) de direito comercial”, designado por “actio institutoria”, (ou “preposição”), que se afasta dos apertados condicionalismos da “actuação no interesse e em nome de outrem”, nos termos exclusivamente previstos no direito civil.

Com efeito, e ainda que não o afirme de forma expressa, importa atentar que o ora recorrente – o 2° embargante – não deixa de considerar este “regime da preposição” quando nas suas alegações recorre à ratio do art. 789° do C.C.M., sobre o qual, perante idêntica norma, se faz a seguinte afirmação: “Uma das manifestações actuais do regime da preposição é o art. 800.º do Código Civil, sobre a responsabilidade civil por actos de representantes legais e auxiliares. Este regime nada mais é do que uma actualização do regime da preposição e da autorização comercial, mas limitado à imputação da responsabilidade civil por incumprimento da obrigação, em lugar de imputação da obrigação em si mesma”, (cfr., v.g., Pedro Leitão Pais de Vasconcelos in, “A Preposição – Representação Comercial”, 2ª ed., pág. 229), não sendo também de olvidar que, se bem entendemos, o “cálculo dos juros devidos” à exequente implicou igualmente a aplicação da “sobretaxa” de 2% prevista no n.° 2 do art. 569° do Código Comercial, (preceito inserido no “Livro III” respeitante à “actividade externa da empresa”, e no seu Título I, sobre as “obrigações comerciais em especial”), o que, em nossa opinião, demonstra, (sem margem para dúvidas), que não estamos perante uma questão de natureza – pura, ou meramente – “civil”, (aliás, como já considerava José Ferreira Borges, “Errado vai o Jurisconsulto exclusivamente civil, se em qualquer Paiz do Mundo quizer por esse direito julgar os pleitos do commercio”, in “Das Fontes, Especialidades, e Excellencia da Administração Commercial segundo o Código Commercial Portuguez”, Typographia Commercial Portuense, Porto, 1835, pág. 16).

E, in casu, se realmente estivéssemos perante uma “actuação em nome próprio do 2° embargante perante a exequente”, nenhum sentido fazia a “matéria de facto dada como provada” que nos dá, (nomeadamente), conta de que:

“Salvo com permissão do pessoal de chefia da embargada, a embargada não emprestava fichas de uso exclusivo para jogos ao 2.º embargante. Emprestava-as somente à própria pessoa do proprietário da conta”, (cfr., resposta ao “quesito 27°”); e que,
“Os empregados da embargada deviam sempre obter em primeiro lugar o consentimento do 1.º embargante e só com a permissão do pessoal de chefia da embargada é que podiam deixar o 2.º embargante assinar as três “notas de empréstimo” aqui em causa e prestar-lhe as fichas de uso exclusivo para jogos de valor correspondente”, (cfr., resposta ao “quesito 28°”), causando, assim, (bastante) “estranheza” uma consideração no sentido de que os “mútuos” foram efectivamente celebrados “entre o 2° embargante e a exequente”.

Vale aqui a pena a seguinte reflexão.

Como se deixou relatado, o objecto central do presente recurso versa sobre o tema da “representação” na prática de actos (e negócios) jurídicos, e, mais concretamente, sobre a sua “natureza”, “extensão” e “efeitos”.

Ora, como sabido é, em decorrência de uma cada vez mais rápida evolução socio-económica, as relações intersubjectivas são cada vez mais organizadas, passando a ser regidas por um cada vez maior conjunto de normas (próprias) que, por sua vez, acabam por contribuir para o surgimento de um grande número de interesses que por vezes se confrontam.

Diante desta realidade (multifacetária) de situações, cabe aos aplicadores do direito identifica-las em face das circunstâncias e particularidades de cada caso, dando-lhes as soluções que se mostrem como as juridicamente (mais) adequadas.

Nesta conformidade, e ponderando na factualidade nos presentes autos dada como assente, importa, desde já, considerar o que segue.

Nos termos do art. 251° do C.C.M.:

“O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último”.

Por sua vez, (sob a epígrafe “mandatário com poderes de representação”), preceitua o art. 1104° do mesmo Código que:

“1. Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 251.º e seguintes.
2. O mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada”.

E, em sede do “mandato sem representação”, estatui o art. 1106° que:

“O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes”.

Constata-se, assim, que “no mandato sem representação”, o mandatário, apesar de intervir por conta e no interesse do mandante, não aparece revestido da qualidade de seu “representante”, agindo, pelo contrário, “em seu nome próprio”, (e não em nome do mandante), pelo que é ele, mandatário, que adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra.

É também costume fazer uso da definição de “mandato sem representação” a que chega Pessoa Jorge referindo que o mandato sem representação é o contrato “pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse acto; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um acto jurídico que ao segundo respeita”; (in “Mandato sem representação”).

Diversamente, no “mandato com representação”, o mandante confere poderes de representação ao mandatário, pelo que este tem o dever de agir, não só por conta, mas também “em nome do mandante”, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada; (cfr., art. 1104°, n.° 2 do C.C.M.).

Não modifica a “natureza” ao “mandato sem representação” a circunstância do terceiro com quem contrata o mandatário ter conhecimento da pessoa por conta de quem este age, embora seja lícito ao mandatário sem representação ocultar junto do mesmo, (se for do seu interesse), a sua posição em relação ao mandante.

Comentando o art. 1180° do C.C. – equivalente ao art. 1106° do nosso C.C.M. – dizem também Pires de Lima e Antunes Varela que:

“Em vez, assim, de os actos produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante (cfr art 258º), produzem-nos na esfera do mandatário”.

E citando Pessoa Jorge na obra acima mencionada, prosseguem: “O alcance da actuação em nome próprio é o de fazer projectar sobre a esfera jurídica do agente, além dos efeitos característicos da situação de parte, os de natureza pessoal: é ele quem tem legitimidade para exigir e receber o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, é contra ele que a outra parte se deve dirigir, não só para reclamar os seus créditos, como para fazer valer quaisquer acções pessoais derivadas do contrato, nomeadamente a respeitante à sua validade ou eficácia”, notando ainda que, “A situação do mandante é, pois, em princípio, estranha às pessoas que contratam com o mandatário, e estas pessoas, por seu turno, também não é com o mandante, mas com o mandatário, que estabelecem relações negociais. Estas não passam de terceiros em relação ao mandato. (…) A gestão do mandato move-se exclusivamente na esfera jurídica do mandatário e de terceiros e não do mandante”; (in “C.C. Anotado”, 2ª ed., Vol. II, pág. 663 e segs.).

Porém, no âmbito deste tipo de “situações” e “relações” que as mesmas dão origem, vários são os “problemas” que vem a ser resolvidos pela figura da “preposição” – expressão com origem latina, “preponare”, que significa “por à frente”, (e, em língua inglesa, “in charge”, ou “appointed”) – e que, habitualmente, se refere a actuação daqueles que são “nomeados para dirigir um estabelecimento comercial ou industrial”, e cujos actos concretizam “actividades comerciais”; (sendo, normalmente, adiantados os seguintes exemples e comentários:
“Uma pessoa dirige-se a um estabelecimento de restauração para tomar um café e comer um pastel de nata. Alguém que estava ao balcão e que atendeu o cliente entregou o café e o pastel de nata, recebeu o preço e passou o recibo, tudo sem invocar o nome de qualquer pessoa. Em especial, sem invocar que o estabelecimento de restauração era pertença do seu Pai, com quem vivia em economia comum.
Uma pessoa dirige-se a um grande armazém onde compra um computador numa banca situada nesse grande armazém e que estava decorada com toda a imagem de marca de uma conhecida empresa de produtos informáticos. A pessoa que tratou da venda, nunca invocou o nome de qualquer pessoa, embora usasse a farda do grande armazém. O pagamento foi efectuado a outra pessoa, na caixa do grande armazém de comércio, tendo a factura sido passada em nome de uma sociedade cuja firma é semelhante ao nome do grande armazém. A banca, no entanto, era pertença da conhecida empresa de produtos informáticos, que havia locado o espaço nesse grande armazém de comércio, sendo que a pessoa estava na banca era um funcionário dessa conhecida empresa de produtos informáticos, apesar de usar a farda do grande armazém. Ao longo de todo o negócio, nas conversas tidas, ninguém afirmou agir em nome de qualquer pessoa.
Uma pessoa precisa de se deslocar para casa. Para tanto, pega no seu smartphone e usa uma app para chamar um carro que o transporte ao seu destino. Essa pessoa limitou-se a preencher o formulário online dessa app, tendo o pagamento sido efectuado através do cartão de crédito directamente a favor da app. No entanto, a empresa dona da app, não é a empresa que recebeu o preço, e não é a dona do carro, nem é empregadora do condutor do mesmo. Também não informou que agia em representação do condutor do carro que transportou o cliente, ou do proprietário do carro, ou do explorador do carro.
Uma pessoa entra num restaurante de uma cadeia internacional que opera sob uma determinada marca e está decorado com todo o branding inerente a essa marca. Toma a sua refeição e paga o preço. Foi atendida por pessoas vestindo uma farda com a imagem correspondente a essa marca, que lhe desejaram as boas vindas ao estabelecimento, identificando-o através da marca. Mas nunca invocaram agir em nome da sociedade comercial que explorava esse estabelecimento comercial em regime de franchise, nem disseram que eram franquiados, nem disseram quem era o franqueador, nem qual o nível de integração empresarial dessa franquia.
Assim é o Comércio.
Em todos estes casos, os negócios foram realizados pela pessoa referida sem qualquer preocupação com a identidade jurídico-formal da outra parte. Do ponto de vista dessa pessoa, o negócio foi feito com o restaurante, ou com a marca de produtos informáticos ou com a app, sendo-lhe indiferente quem se apresentava técnico-juridicamente do outro lado. Por outro lado, nunca foi informada a identidade da contraparte, nem qual o título que ligava a contraparte a quem o atendeu. As pessoas que a atenderam nem sequer disseram em nome de quem estavam a agir.
O único facto que a pessoa se apercebeu foi que essas pessoas estavam à frente desta actividade, deste comércio, agindo por conta do “restaurante”, da “marca de produtos informáticos” ou da “app””; cfr., v.g., Pedro Leitão Pais de Vasconcelos in, ob. cit., pág. 9 e 10).

Com efeito, e como nem sempre o empresário pode estar (fisicamente) presente na condução e administração do seu negócio, ele constitui uma terceira pessoa como seu “substituto”, (legalmente denominado de “preposto”), que vai “agir em nome da sua empresa”, “representando o preponente na realização de negócios como se fosse o próprio empresário”, sendo ainda de notar e salientar que, para se reconhecer e dar como verificado o “vínculo de preposição”, necessária não é a existência de um “contrato de trabalho”, (escrito ou típico), bastante e suficiente sendo a (mera) “relação de dependência existente”, com base na qual, alguém preste serviço sob o comando de outrem.

Na verdade, (e como atrás se deixou adiantado), em linguagem comercial, “preponente” é a pessoa que pôs, (ou colocou), alguém em seu lugar, em certo negócio ou comércio, para que o dirija, faça, realize ou administre em seu nome, e sendo o “patrão”, (ou “empregador”), é, assim, o “responsável” pelos actos praticados pelos seus prepostos no desempenho das suas funções.

Por seu lado, por “preposto”, entende-se como a pessoa que está “investida no poder de representação”, “praticando actos sob a direcção e autoridade do preponente”; (cfr., v.g., Plácido e Silva in, “Vocabulário Jurídico”, 26ª ed., Rio de Janeiro, 2006, pág. 1083, e L. Gomes de Aquino in, “Colaboradores da Empresa”, Revista Âmbito Jurídico, Ano XIII, n.° 76, 2010).

Na situação sub judice, cabe notar que (claramente) apurado está que:
- “O 2.º embargante, empregado do 1.º embargante, assistia este no acolhimento dos clientes, acompanhando-os durante os jogos e ajudando-os a trocar fichas”, (resposta ao “quesito 11°”);
- “O 2.º embargante não tinha linha de crédito na sala VIP da embargada, nem autorização para pedir emprestadas fichas de uso exclusivo para jogos”, (resposta ao “quesito 12°”);
- “Em 03/09/2016, 30/09/2016 e 02/10/2016, o 1.º embargante tinha clientes que desejavam jogar na sala VIP. Então, o 1.º embargante mandou ao 2.º embargante acolher e acompanhá-los e trocar fichas para eles, a fim de ganhar “comissões de ficha””, (resposta ao “quesito 13°”);
- “Mandado pelo 1.º embargante, o 2.º embargante foi à sala de jogos da embargada e assinou, em nome do 1.º embargante, as três “notas de empréstimo” constantes dos autos do processo principal de execução a fls. 45 a 47”, (resposta ao “quesito 26°”), resultando ainda da matéria de facto dada como provada que:
- “Salvo com permissão do pessoal de chefia da embargada, a embargada não emprestava fichas de uso exclusivo para jogos ao 2.º embargante. Emprestava-as somente à própria pessoa do proprietário da conta”, (resposta ao “quesito 27°”); e que,
- “Os empregados da embargada deviam sempre obter em primeiro lugar o consentimento do 1.º embargante e só com a permissão do pessoal de chefia da embargada é que podiam deixar o 2.º embargante assinar as três “notas de empréstimo” aqui em causa e prestar-lhe as fichas de uso exclusivo para jogos de valor correspondente”; (resposta ao “quesito 28°”).

Ora, estes elementos da “matéria de facto dada como provada”, demonstram, com bastante clareza, que “todos os envolvidos” – exequente e executados, nestes autos, embargada e embargantes – sabiam, perfeitamente, que o “2° embargante”, ora recorrente, actuava enquanto “preposto” do 1° embargante, não agindo em “nome próprio”, mas sim “em nome do 1° embargante”, (sendo, aliás, exactamente isso mesmo que se afirma na resposta ao “quesito 26°”).

E, com efeito, só assim é que se compreende, aliás, que o 2° embargante pudesse efectuar movimentos numa conta – n.° M95 – que era titulada pelo 1° embargante, e que fosse necessário aos empregados da exequente, obter, em primeiro lugar, o seu consentimento, (do 1° embargante), além de ser, igualmente necessária, uma permissão do pessoal de chefia da exequente, (para a assinatura das três “notas de empréstimo” pelo 2° embargante, cfr., respostas aos “quesitos 27° e 28°”).

Nesta conformidade, e não obstante o 2° embargante (apenas) ter aposto a sua assinatura sem expressa menção da “qualidade” em que intervinha, afigura-se-nos no caso inaplicável a sua “responsabilização pessoal”, (mediante a aplicação do art. 70°, n.° 1 do Código Comercial, onde se estatui que “O gerente responde pessoalmente pelos actos que pratica em representação do proponente, se omitir à contraparte a qualidade em que intervém no acto”).

Não se pode perder de vista que o regime previsto no Código Comercial tem (especialmente) “o fim de evitar que através da não invocação do nome do preponente este se conseguisse furtar aos negócios que não lhe fossem úteis, aproveitando-se da aparência que resultava da posição socialmente típica do preposto”, (cfr., v.g., Pedro Leitão Pais de Vasconcelos in, ob. cit., pág. 169), o que não é bem a “situação” dos presentes autos, em que a própria exequente tinha cabal conhecimento de que o 2° embargante “actuava sob instruções e em nome do 1° embargante”, (pois só isso poderia explicar também que tivesse vindo posteriormente, em 11.12.2018, a exigir “que o 1.º embargante assinasse nas “notas de empréstimo” constantes dos autos do processo principal de execução a fls. 45 a 47 para solicitar-lhe o pagamento”, (cfr., resposta ao “quesito 36°”, o que careceria de qualquer sentido se a exequente julgasse que o preposto actuava em nome próprio e não do preponente).

De resto, e mesmo que se entendesse que o regime previsto no Código Comercial para os gerentes de comércio e auxiliares não se adequa completamente à “situação” aqui em causa, e não seria, como tal, aplicável, importa pois não olvidar também que, em boa verdade e rigor, o 2° embargante era tão só e apenas um “empregado do 1° embargante”, (cfr., neste sentido, a Decisão Sumária deste T.U.I. de 30.07.2024, Proc. n.° 86/2024).

Em alternativa, poder-se-ia também ver aqui a figura que Menezes Cordeiro propõe “sob a denominação de “procuração institucional” que existe “sempre que uma pessoa, de boa fé, contrate com uma organização em cujo nome actue um «agente» em termos tais que, de acordo com os dados sócio-culturais vigentes e visto a sua inserção orgânica, seja tranquila a existência de poderes de representação”, propondo assim o alargamento do âmbito de aplicação do art. 644° do Código Comercial ao abrigo da boa fé, que “nada tem de excepcional”; (in “Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral – Exercício Jurídico”, 3ª ed., pág.146 e 147).

Na verdade, e como expressivamente afirma esse autor, “Ninguém vai, num supermercado, invocar perante o empregado da caixa o artigo 266.º, exigindo-lhe a justificação dos seus poderes e isso para evitar a hipótese de uma “representação” sem poderes e não seguida de ratificação (268.º/1). A confiança é imediata, total e geral. Compete ao empregador/empresário manter a disciplina na empresa, assegurando-se da legitimidade dos seus colaboradores. Quando não: sibi imputet”; (in ob. cit., pág. 146).

Em suma, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, não se nos mostra de ter como adequado que a exequente, sabendo perfeitamente das circunstâncias em que actuava o 2° embargante, (recorde-se aqui a resposta ao “quesito 26°” da base instrutória), pretenda, mesmo assim, prevalecer-se da “assinatura” por este aposta nas “notas de empréstimo” para, assim, conseguir uma “maior garantia patrimonial dos valores em dívida”, (olvidando-se, totalmente, a “relação jurídica subjacente” e a actuação daquele em “nome” e “por conta do 1° embargante”).

Como cremos que sem esforço se alcança, o Acórdão recorrido partiu de uma aplicação do regime civil da “representação voluntária” para afastar qualquer “actuação em nome alheio do 2° embargante”, (por falta de atribuição expressa dos necessários poderes representativos).

No entanto, afigura-se-nos mais adequado considerar que estamos aqui perante uma “representação institória” que “não exige contemplatio domini, sendo esta uma das principais diferenças face ao regime da representação voluntária civil”, sendo pois de recordar que “A representação institória foi criada para evitar argumentações formais destinadas a evitar a sua aplicação, sendo que um dos argumentos formais mais eficientes consiste precisamente na falta de contemplatio domini”, (cfr., v.g., Pedro Leitão Pais de Vasconcelos in, ob. cit., pág. 220), não se nos suscitando quaisquer dúvidas quanto à “imputação do 1° embargante” e quanto aos “termos e limites da actuação do 2° embargante”.

E, assim, em conformidade com o exposto, impõe-se concluir que o 2° embargante, no exercício da sua actividade profissional e sob instruções do 1° embargante, actuou em “nome deste último”, não tendo celebrado qualquer negócio jurídico “em nome próprio”, não tendo assim assumido – nem se tendo vinculado ao pagamento de – qualquer dívida.

Dest’arte, necessária é a decisão que segue.

Decisão

3. Em face de tudo o que se deixou exposto, em conferência, acordam julgar procedente o presente recurso, revogando-se o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância para ficar a valer o decidido pelo Tribunal Judicial de Base.

Custas, em ambas as Instâncias, pela exequente recorrida.

Registe e notifique.

Oportunamente, e nada vindo aos autos, remetam-se os mesmos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 08 de Novembro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

Proc. 19/2024 Pág. 24

Proc. 19/2024 Pág. 25