打印全文
Processo n.º 292/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 16 de Janeiro de 2025

ASSUNTOS:

- Promessa de compra e venda, sinal e incumprimento da promessa

SUMÁRIO:

I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda” (als. c) e ooo). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - Em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real. As partes não estipularam que em caso de incumprimento do Autor a Ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores. Face ao expendido, deve concluir-se que foi acordado sinal no caso em apreço.
VII - O Autor alegou que, caso tivesse adquirido a fracção autónoma prometida vender, teria actualmente um valor patrimonial não inferior a MOP. 13.058.381,30, correspondente ao seu valor de mercado, embora tivesse ainda que pagar à Ré a parte do preço ainda não paga (HKD2.870.000,00). Pede, por isso, a condenação da Ré a pagar a diferença, nela se incluído o valor do sinal prestado. Trata-se da indemnização do que habitualmente se designa por interesse contratual positivo, ou seja, a situação que o contraente teria se o contrato tivesse sido cumprido.
VIII – Em face da ausência de factos essenciais, cujo ónus cabe ao Autor, não pode considerar-se aqui demonstrado o dano excedente alegado pelo mesmo e reportado à diferença entre o valor actual da fracção prometida vender e o preço da prometida venda. Não pode o tribunal conhecer de outro eventual dano não alegado pelo Autor para aferir se esse dano excede consideravelmente o valor do sinal e se, por isso, é indemnizável, nomeadamente não pode o tribunal ponderar eventual dano decorrente da privação durante vários anos do uso do imóvel prometido vender. Com efeito, esse dano não foi processado em discussão contraditória e não foi colocado à apreciação do tribunal, pelo que seriam excedidos os poderes de cognição do tribunal (arts. 563º, nº 3 do CPC).
VIII - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
IX - No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento. No que tange ao dano efectivo, a Ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, o Autor vai adquirir uma fracção autónoma equivalente à que contrataram com a ré e que terá um valor de mercado superior ao preço acordado.
X - A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. No entanto, tem de ponderar-se que foi por razões imputáveis à Ré que o autor não teve hipótese de adquirir atempadamente a fracção autónoma prometida e que, se tivesse podido fruir dela desde a data em que lhe deveria ser entregue nos termos acordados, há cerca de sete anos, teria a hipótese de ter obtido e continuar a obter até à data, ainda desconhecida, em que receberá a “fracção sucedânea” um valor que não será muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual do autor e a que teria se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CCM). Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo Autor, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.

O Relator,

________________
    Fong Man Chong













Processo nº 292/2024
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 16 de Janeiro de 2025

Recorrente : Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada ((A)洋行有限公司)

Recorrida : (B)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada ((A)洋行有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 30/10/2023, veio, em 13/11/2023, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2263 a 2343, tendo formulado as seguintes conclusões:
     Da insuficiência da matéria de facto seleccionada (artigos 58.º, 78.º, 111.º, 113.º, 129.º, 239.º, 243.º, 2.º parág. e 250.º da Contestação)
     1. A decisão recorrida padece do vício de deficiência da matéria de facto integrada na Base Instrutória, impedindo a formação da base factual necessária e suficiente para uma boa e justa decisão no caso;
     2. A matéria dos artigos 58.°, 78.°, 111.°, 113.°, 129.°, 239.º, 243.°, § 2 e 250.º foi alegada pela Recorrente, não tendo a mesma sido seleccionada, apesar de a Recorrente requerer o seu aditamento à Base Instrutória;
     3. A matéria dos artigos 58.° e 78.° é relevante, porque, apesar de Tribunal recorrido ter considerado que "relevam apenas para a exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (...) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com o autor", a verdade é que acabou por considerar que a Recorrente teve culpa, porque, com base no anterior "relacionamento lento e exigente" com a RAEM, deveria ter previsto os obstáculos criados pela RAEM, relativos à exigência do cumprimento de apresentação de aprovação de relatórios de impacto ambiental, impossibilitantes do cumprimento do contrato, e assim evitado celebrar o contrato com o Autor, conclusão que o Tribunal não tiraria se tivesse considerado que a exigência de apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental era uma exigência inédita em Macau, tendo sido a primeira vez que foi pedida, sem precedentes noutros projectos da mesma natureza;
     4. Se o Tribunal recorrido tivesse oportunidade de ponderar tal factualidade, não poderia deixar de concluir que, no momento da celebração do contrato, a Recorrente nunca poderia contar com os obstáculos que a Administração criou no cumprimento de tal exigência, obrigando a Recorrente a despender, apenas no cumprimento da mesma, necessário à emissão da licença de obra, cerca de 2 anos e 8 meses;
     5. A matéria dos artigos 111.°, 113.°, 129.°, 239.°, 243.°, § 2 e 250.° é relevante, porque da mesma decorre que o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento foi deferido até 25/12/2015, assumindo expressamente a Administração a possibilidade de permitir uma nova concessão sobre o mesmo terreno para a conclusão das obras, e interessa à resolução da causa, dado que, através da sua verificação, a mesma seria susceptível de ser decidida através de um dos sentidos que o próprio Tribunal equacionou, a não imputabilidade da impossibilidade à Recorrente, mas que acabou por afastar;
     Da ilegalidade do despacho proferido sobre a reclamação da Recorrente contra a selecção da matéria de facto, de fls. 1273 a 1275.
     6. Não beneficiando tais factos de prova plena, os mesmos deveriam ter sido seleccionados e levados à Base Instrutória, dado os mesmos serem consideradados factos controvertidos, nos termos da norma do artigo 430.°/1-b do CPC;
     7. Constatando-se que à matéria de facto seleccionada falta matéria relevante, segundo as várias soluções plausíveis, o despacho que seleccionou a matéria de facto e, através dele, a Sentença recorrida, ficaram inquinados do vício de deficiência da matéria de facto seleccionada, previsto nas normas dos artigos 629.°/4 e 650.° do CPC;
     8. O despacho que respondeu à reclamação contra a selecção da matéria de facto, de fls. 1273 e 1275, ao indeferir o pedido da Recorrente de ampliação de tal matéria, com fundamento no seu carácter conclusivo e irrelevante, é ilegal, por violar a norma do artigo 430.°/1 do CPC, uma vez que os factos referidos se revelavam essenciais para a sustentação de uma decisão de direito justa e criteriosa, razão por que se impunha tal despacho, na parte em que não admite a factualidade supramencionada, nos termos previstos na norma do artigo 430.°/2 do CPC;
     Do erro de julgamento da matéria dos quesitos 33.°, 40.°, 51.° e 52.° da Base Instrutória
     9. O tribunal recorrido respondeu "não provado" ao quesitado nos pontos 33.° e 34.° da Base Instrutória, no entanto, considerando a posição assumida pelo Recorrido na sua Réplica, o Tribunal recorrido, na Sentença recorrido, veio alterar a decisão dada, dando agora como provada a matéria do artigo 34.°, mas não a do artigo 33.°, sucede, no entanto, que as razões que levaram a decidir positivamente a matéria do quesito 34.° impõem, por identidade de razão, que a mesma resposta seja dada ao quesito 33.°, razão por que a decisão negativa relativa a este quesito padece do erro de julgamento que o Tribunal constatou relativamente à anterior resposta a este quesito;
     10. As respostas dadas aos quesitos 40.° e 51.° padecem igualmente do mesmo vício de erro de julgamento, porquanto a prova produzida deveria levar a uma resposta diferente aos referidos quesitos;
     11. Nas repostas dadas, o Tribunal recorrido deu apenas como "provado" que, em síntese, a Recorrente estava convicta de que a Administração lhe prorrogaria o prazo de aproveitamento ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que uma ou outra lhe permitiria concluir o empreendimento, mas deu como "não provado" que tal convicção da Recorrente assentasse no comportamento da RAEM relativo à aprovação do projecto de arquitectura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como na emissão da licença em Jan/2014 e as suas subsequentes prorrogações;
     12. Tal matéria foi alegada pela Recorrente, nomeadamente, nos artigos 134.°, 137.°, 138.°, 139.°, 140.°, 143.°, 148.º e 261.º da Contestação, sendo a mesma relevante para a boa e justa decisão da causa, assim é que mesma foi aditada à Base Instrutória em sede de audiência de julgamento;
     13. As respostas restritivas dadas são incompreensíveis do ponto de vista da lógica e da racionalidade das coisas; na verdade, considerando que a existência de uma convicção é um facto interior, respeitante à vida psíquica de uma pessoa, o qual apenas se poderá deduzir de factos externos objectivos, se o Tribunal deu como provado tal facto interior, não se compreende que não tenha dado também como provado a causa desse convencimento, pois que, numa pessoa normal, a formação de uma convicção está sempre vinculada a uma concreta motivação, sendo que a prova da convicção não pode deixar de estar ligada à prova da respectiva motivação, sendo que sucede normalmente ser o conhecimento da convicção resultar do conhecimento das causas da mesma;
     14. Dos factos assentes (factos 59) e 60), als. GGG) e HHH)) resulta que órgãos de natureza técnico e consultiva da Administração, em resposta ao requerimento da Recorrente, em que é pedida a prorrogação do prazo por 72 meses, com base nos atrasos que a Administração lhe fez perder, por causa, nomeadamente, da aprovação do projecto de obra e do cumprimento da exigência de estudos de impacto ambiental, propõe ao órgão competente para a decisão final que tal pedido seja indeferido (cfr. facto 99), resp. ques. 47), ou que, de toda a forma, “a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária" (facto 59) e 60), al. GGG) e HHH));
     15. Do facto assente 60), al. HHH) resulta que na proposta efectuada, a Administração assume expressamente a possibilidade de nova concessão do terreno à Recorrente, sendo que foi sobre tal proposta que recaiu a decisão do Chefe do Executivo de "Concordo";
     16. Se no seu requerimento, a Recorrente indica expressamente as razões que a levam a considerar ter direito a pedir a referida prorrogação, com vista à conclusão do empreendimento (e que tem que ver com a conduta da Administração), se os referidos órgãos propõem expressamente o indeferimento de tal pedido para que se não criem, “evidentemente”, expectativas na Recorrente de que pudesse continuar a aproveitar o terreno, e se tal pedido de prorrogação, contra tal parecer, foi deferido até ao termo do prazo do contrato de concessão, prevendo-se, expressamente, inclusive a possibilidade de uma nova concessão do mesmo terreno à Recorrente, não se vê como é que esta factualidade assente não possa constituir elemento sólido no sentido da formação da convicção do Tribunal no sentido de uma resposta positiva a tais pontos da matéria quesitada;
     17. O Tribunal recorrido não chegou a ponderar tal matéria assente, caso contrário, a resposta não poderia deixar de ser diferente;
     18. As testemunhas que depuseram sobre tais pontos da matéria de facto foram esclarecedoras no que respeita à sua realidade, concretamente, (C), como se pode ver da gravação do seu depoimento, nos momentos (T2, n.º 3) 32:22,38:15 e (T2, n.º 5), 00:00:03, 00:02:03 e (D), através do seu depoimento escrito, à matéria dos quesitos 37.°, 40.° e 47.° (fls. 1657 a 1660v);
     19. O fundamento explicitado na Sentença recorrida ("forma algo impetuosa como foi prestada, não foi reveladora de equidistância dos interesses das partes"), para não dar relevância à prova testemunhal, no que respeita à matéria dos ques. 40.° e 51.°, revela-se totalmente obscuro, dado não esclarecer verdadeiramente as razões para essa irrelevância, sendo que da gravação da audiência e da transcrição efectuada não se vislumbra o que é que terá acontecido para que os depoimentos das testemunhas, nesta parte, tenham sido considerados como prestados de forma impetuosa, e caberia ao Tribunal colectivo esclarecê-lo, o que não fez;
     20. Das duas testemunhas que prestaram depoimento sobre tal matéria, uma prestou-o sob a forma escrita (fls. 1657 a 1660) (tendo apenas em audiência confirmado expressamente esse depoimento e prestado alguns esclarecimentos complementares), não se vendo como é que um depoimento prestado por escrito (em língua chinesa) possa assumir uma forma impetuosa de prestar de depoimento;
     21. A fundamentação explicitada não esclarece, porque é que, tendo as referidas testemunhas prestado depoimento sobre a generalidade ou toda a matéria, apenas "nesta parte", o seu depoimento foi prestado de "forma algo impetuosa"; na verdade, tendo sido considerado credível no que respeita a toda a outra matéria, não se compreende porque é que, só nesta parte, a forma de prestação do seu depoimento "não foi reveladora de equidistância dos interesses das partes";
     22. Não se compreende também um outro fundamento invocado pelo Tribunal recorrido para a irrelevância de tal prova, segundo o qual, a referida prova foi, nesta parte, "essencialmente conclusiva";
     23. Tratando-se de provar um facto interno (convicção da Recorrente e os motivos da mesma), insusceptível de ser observado directamente por quem quer que seja e, por isso, insusceptível de ser relatado e narrado, enquanto realidade externa observável, não se vê de que outra forma as testemunhas poderiam depor senão recorrendo a deduções ou ilações de factos externos objectivos;
     24. Razão por que são inválidos os fundamentos explicitados para não dar relevância ao depoimento das testemunhas, no que respeita aos quesitos aqui em causa;
     25. No que respeita à resposta dada ao quesito 52.°, o Tribunal colectivo não explicitou as razões que levaram a formar a sua convicção no sentido de uma resposta negativa ao mesmo, razão por que a decisão sobre a matéria de facto padece do vício de falta de fundamentação;
     26. Dos autos consta prova documental da qual resulta da existência de novas concessões de terrenos a favor, nomeadamente, da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional "Jardins Lisboa";
     27. As testemunhas (C) (ao momento T2, n.º 5, 00:02:03) e (D) (no seu depoimento escrito, em resposta ao quesito 40.°) depuseram sobre tal matéria, afirmando que tais sociedades beneficiaram de novas concessões dos mesmos terrenos, depois de ter decorridos os prazos das concessões anteriores;
     28. Tais quesitos deveriam ser respondidos, nomeadamente, nos seguintes termos:
     33.º
     Provado.
     40.º
     Provado que a aprovação do projecto de arquitectura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como a emissão da licença em Jan/2014 e as suas subsequentes prorrogações convenceram a Ré de que conseguiria construir o "empreendimento imobiliário X".
     51.º
     Provado que a ré estava convicta que o prazo estipulado para aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento e que, quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a ré estava convicta de que a Administração, tendo por base as suas condutas anteriores, relativas aos factos mencionados na resposta ao quesito 40.º, lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento.
     52.º
     Provado.
     Do erro de julgamento, por erro de interpretação e aplicação dos preceitos aplicados
     26. No caso dos autos verificou-se uma situação inviabilizante do cumprimento do contrato celebrado com o Recorrido, concretamente, a perda do direito da Recorrente de construir o empreendimento onde se situaria a fracção autónoma, objecto daquele contrato, em virtude da declaração de caducidade do contrato de concessão, com fundamento no não aproveitamento do terreno, objecto do contrato de concessão, no prazo de aproveitamento;
     27. A prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância, o comportamento do obrigado a essa prestação se toma inviável por facto alheio a ele devedor, e que por ele não é controlável, por exemplo, força maior ou caso fortuito, actos dos poderes públicos (factum principis), conduta do devedor, conduta do credor ou conduta de terceiro;
     28. No caso dos autos, a impossibilidade deverá considerar-se: jurídica ou legal, ope legis ou ope iuris, (e não física, material, natural, real ou de facto), porque a Recorrente deixou de ter qualquer direito sobre o terreno onde iria construir o empreendimento de que fazia parte a fracção autónoma objecto do contrato celebrado com o Autor; superveniente (e não originária ou ab initio), dado traduzir-se numa perturbação do progresso contratual que atinge directamente o objecto da prestação em si mesmo que permitiria satisfazer o interesse do credor; objectiva (e não subjectiva), na medida em que a Recorrente ficou impedida de cumprir por razões que não dizem respeito à sua pessoa; absoluta, dado que a situação de impedimento se traduz num obstáculo inultrapassável; total e definitiva, uma vez que recai sobre toda a prestação, não sendo possível o seu cumprimento;
     29. A Sentença recorrida erra ao concluir que a situação inviabilizante do cumprimento da obrigação dos presentes autos se ficou a dever à conduta da ora Recorrente, quando, ao invés, se deveria considerar resultante da conduta de terceiro;
     30. Na imputação da causa da impossibilidade da prestação, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal recorrido, a lei não exige que se tenha de fazer uma averiguação exauriente da susceptibilidade da imputação da causa de impossibilidade ao devedor para, só depois, saber se trata de situação de inviabilidade resultante de um outro qualquer facto, como pretende o douto Tribunal recorrido;
     31. Os factos provados demonstram inequivocamente que a situação impeditiva da construção por parte da ora Recorrente do empreendimento e da fracção autónoma, objecto do contrato dos autos, se ficou a dever directamente à conduta dos órgãos administrativos da RAEM que impuseram à Recorrente alterações ao projecto de arquitectura não previstas no contrato de concessão e o cumprimento de uma infinidade de exigências novas em matéria de impacto ambiental, também não previstas no contrato de concessão nem na legislação em vigor, para além do incumprimento reiterado dos prazos para decisão e notificação;
     32. Ainda que, em rigor, não seja de imputar a "facto do príncipe" (fait du prince ou factum principis), tal não impede que possa ser de imputar, no essencial, à actuação da RAEM, contraente público, no contrato de concessão, que no exercício dos seus poderes de autoridade, na execução do referido contrato, impôs exigências não previstas no clausulado contratual, que concretamente impediram que a Recorrente pudesse realizar e concluir as obras relativas ao aproveitamento do terreno concessionado no prazo respectivo e, com isso, construir a fracção autónoma objecto do contrato dos autos e entregá-la ao ora Recorrido no prazo convencionado;
     33. No âmbito do contrato administrativo, o contraente público, a RAEM-Administração, detém o poder, considerado como mais o característico e notável, de impor alterações unilaterais ao contrato que celebrou, quando, do seu ponto de vista, o interesse público o reclama, mas desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro, tal como se prevê no artigo 167.º-a) do CPA, poder que é expressão da função administrativa e exercido por acto administrativo unilateral;
     34. Foi o comportamento dos órgãos da Administração, contraente público no contrato administrativo de concessão do terreno celebrado com a Recorrente, onde seria construído o empreendimento e a fracção autónoma objecto do contrato celebrado com o Autor, traduzido, principalmente, na exigência de cumprimento de novos requisitos em matéria de impacto ambiental, associado ao não cumprimento de prazos definidos para a decisão dos pedidos formulados pela Recorrente, que constitui a situação de impedimento do cumprimento do contrato celebrado com o Autor;
     35. A Sentença recorrida erra ao não considerar, como deveria, que a impossibilidade jurídica, que reconhece existir, ocorreu por razões imputáveis a terceiro, a RAEM, tal como decorre, inquestionavelmente, da mol imensa de factos provados que apontam no mesmo sentido;
     36. Em lado nenhum da Sentença recorrida, se identifica, concretamente, no período que vai da celebração do contrato dos autos (em 28/4/2011) até ao termo do prazo de aproveitamento (25/12/2015), qualquer facto, qualquer conduta da Recorrente que pudesse consubstanciar a causa da não realização e conclusão das obras de aproveitamento no respectivo prazo, antes, pelo contrário, se reconhecendo todo o esforço desenvolvido pela Recorrente no cumprir o contrato dos autos, afirmando, expressamente, que não foi a falta de esforço da Ré para construir que constitui a causa da impossibilidade da prestação;
     37. O Tribunal recorrido não imputou à Recorrente a "causa da impossibilidade da prestação", mas antes a "causa da causa da impossibilidade" ou, nos termos da Sentença recorrida, a "causa que causou a causa da impossibilidade";
     38. O Tribunal recorrido faz uma utilização imprópria e incorrecta da teoria da actio libera in causa, e, concomitantemente, uma errada interpretação e aplicação da norma do artigo 481.°/1 do CC;
     39. Tal teoriza vem justificar a responsabilidade de alguém que, embora considerado inimputável, deve responder pelo fato, procurando evitar que grande parte dos estados de incapacidade, propositadamente procurados, fuja às malhas da responsabilidade;
     40. De acordo com tal teoria, nos casos em que o agente se encontre, em situação transitória, incapacitado de entender ou querer, mas por que tal situação decorre de acto antecedente em que o agente foi livre na mente e na vontade, transfere-se para este momento a constatação da culpa e da imputabilidade do agente;
     41. No caso dos autos, a impossibilidade jurídica da prestação não deriva, como se viu, da actuação da Recorrente, mas, antes, da actuação de órgãos administrativos do contraente público no contrato de concessão, como nunca se poderia afirmar que a Ré, no momento da verificação dessa impossibilidade, estivesse incapaz de entender e querer, tal como nunca se poderia afirmar, contrariamente ao que se pressupõe na decisão recorrida, que a Recorrente, com a celebração do contrato com o Autor, tenha criado um estado transitório de inimputabilidade civil, como exige a norma do artigo 481.°/1 do CC;
     42. O Tribunal recorrido, ao concluir que o juízo de culpa dirigido à ora Recorrente "deve antecipar-se "in causa", referindo-se ao momento "da causa da acção livre" (o momento da celebração do contrato), dado que a Recorrente não deveria ter celebrado tal contrato e, com isso, teria evitado a impossibilidade do cumprimento que veio a verificar-se, faz uma utilização imprópria e indevida da teoria actio libera in causa e, consequentemente, uma aplicação errada da norma do artigo acabado de referir;
     43. O Tribunal recorrido erra na aplicação do critério ou padrão utilizado para ajuizar da culpa da Recorrente no caso dos autos;
     44. O incumprimento, para ser imputável ao devedor, pressupõe a culpa, ou seja, só se compreende a responsabilização, desde que seja possível concluir que, nas circunstâncias concretas do caso, o devedor podia e devia ter cumprido ou cumprido sem defeitos;
     45. O critério que permite aferir do grau de diligência exigível ao devedor é aquele que toma como standard a conduta do designado bonus pater familia, em face das circunstâncias do caso concreto, tal como se encontra previsto no artigo 480.°/2 do CC;
     46. O que significa que, na apreciação da culpa, o legislador não se adoptou um modelo concreto, como também não adoptou um modelo totalmente abstracto, mas, antes, um critério dotado de flexibilidade e susceptível de se amoldar às circunstâncias do caso, do que decorre que o grau de diligência exigível, poderá ser maior ou menor, dependendo das circunstâncias concretas de cada caso;
     47. O Tribunal recorrido erra quando considera que, no caso dos autos, o risco de incumprimento da prestação era previsível ou antecipável para um comerciante medianamente prudente;
     48. Tendo-se provado (facto 3), 9), 58), 59) e 94), als. C), I), FFF) e GGG) e resp. ques. 39.°) que a Recorrente, a partir da celebração do contrato com o Autor, dispunha de cerca de 4 anos e 8 meses para concluir todo o empreendimento e que para concluir este e entregar a fracção a Autor, bastariam 3 a 4 anos, tal significa que, no momento em que foi assinado o contrato com o Autor, a Recorrente dispunha de tempo mais do que suficiente para cumprir escrupulosamente tal contrato, concretamente, sobejando, 1 ano e 8 meses ou 8 meses, o que dependida do menor ou maior número de meios alocados à construção;
     49. Aquando da celebração contrato com o Autor, o tempo disponível do contrato de concessão era mais do que suficiente para a construção do empreendimento e entregar a fracção autónoma ao Autor;
     50. Face à lei em vigor, a prorrogação do prazo de aproveitamento até ao limite do prazo da concessão era sempre possível, ainda que contra o pagamento de multa, tal como se estabelecia no artigo 105.°/3 da Lei de Terras então em vigor;
     51. No momento da celebração do contrato, apenas faltava a emissão da licença de obra e não a "licença administrativa" de construção, sendo que a falta da licença de obra, no momento da celebração do contrato com o Autor, não prejudica as conclusões anteriores;
     52. Da factualidade provada resulta que o projecto de obra foi aprovado incondicionalmente, tendo apenas ficado a emissão da licença de obra sujeita à condição de apresentação de relatório de impacto ambiental e da sua aprovação;
     53. A aprovação do projecto e a licença de obra são actos bem distintos;
     54. A aprovação do projecto de obra é o acto que constitui verdadeiramente a licença administrativa, ou seja, o acto administrativo permissivo que confere ao particular o poder de construir algo, desempenhando todas as funções típicas do acto administrativo: funções concretizadora e estabilizadora, tituladora, procedimental e processual;
     55. A licença de obra constitui um acto complementar e instrumental (não é acto administrativo) e integrativo de eficácia da decisão que aprovou o projecto de obra, constituindo o título que patenteia ou evidencia o direito de construir, constituído na esfera jurídica do particular, através do acto de aprovação do projecto de obra, e cuja emissão apenas depende da observância das exigências de natureza formal, concretamente definidas na lei, defendo ser emitido no prazo de 15 dias a contar do pedido da sua emissão;
     56. O acto de emissão de licença não se integra no acto que confere o direito de construção, não se confundindo o que é próprio da fase constitutivo do procedimento de licenciamento com o que é específico da fase integrativa de eficácia desse procedimento, sendo o acto de aprovação do projecto o acto por excelência da fase constitutiva, que autoriza o particular a construir nos termos em que forem decididos e que resulta da aprovação dos projectos de arquitectura ou do projecto de obra;
     57. É na apreciação dos projectos que a Administração verifica a conformidade dos mesmos com os planos de urbanização e respectivos regulamentos e outros instrumentos de disciplina urbanística, podendo ainda verificar o cumprimento de normas técnicas que lhes sejam aplicáveis (artigo 38.° do RGCU) e não é na fase da emissão da licença de obra que a Administração faz essa ponderação, destinando-se a emissão da licença de obra a outras finalidades, concretamente, as que se encontram previstas nas normas dos artigos 42.° e ss. do RGCU;
     58. Tendo sido aprovado o projecto, faltando apenas a emissão da licença de obra, tal significa que a Administração verificou já a conformidade do projecto de obra aqui em causa com a disciplina urbanística aplicável, faltando apenas o cumprimento de exigências formais necessárias à emissão dessa licença e, ainda, no caso dos autos, o cumprimento da nova exigência relativa aos estudos de impacto ambiental;
     59. Se tal projecto de obra não estivesse em conformidade com disciplina urbanística aplicável, a Administração não o poderia ter aprovado, como aprovou, sendo a Recorrente notificada de um acto administrativo constitutivo de direitos, apenas dependente, para a produção da sua eficácia, da emissão da licença de obra;
     60. A licença de obra visa, fundamentalmente, garantir a assunção de compromissos e garantias, o cumprimento de exigências técnicas e o pagamento de taxas, a qual deverá ser emitida pelo serviço competente no prazo de 15 dias, após a apresentação do pedido de emissão da licença;
     61. Em face do estatuído na lei e das circunstâncias do caso, concretamente, em face da decisão tomada de aprovação do projecto de obra, faltando apenas a emissão da licença de obra, qualquer promotor imobiliário diligente de Macau esperaria que a exigência formulada de apresentação de estudo de impacto ambiental, como condição da emissão da licença de obra, fosse de fácil e célere cumprimento, com vista à emissão da licença, para cuja emissão a lei estabelece, como se mencionou, o prazo de 15 dias, a contar da apresentação do pedido da sua emissão;
     62. A falta da licença de obra, no momento da celebração do contrato com o Autor, contrariamente à conclusão do douto Tribunal recorrido, nunca poderia constituir razão válida para que a Recorrente pudesse antecipar a possibilidade do risco da não conclusão das obras no prazo de aproveitamento do contrato de concessão;
     63. Tal facto não impediria o empreendedor imobiliário diligente de Macau de celebrar, nas circunstâncias do caso, o contrato que a Recorrente celebrou com o Autor;
     64. Tal facto também não exigia que a Recorrente tivesse que informar o Autor das vicissitudes existentes, o que só faria sentido se tal risco pudesse ser antecipável, mas, como se viu, nas circunstâncias do caso, tal risco não era susceptível de ser antecipável ou previsto por nenhum empreendedor imobiliário de Macau normalmente diligente;
     65. Resulta da matéria provada, que a Recorrente teve de aguardar pela licença de obra, emitida em 2/1/2014, cerca de 2 anos e 8 meses, depois da celebração do contrato com o Autor, porque a DSPA e a DSSOPT lhe impuseram o cumprimento de exigências novas que iam sendo formuladas, sucessivamente, à medida que a Recorrente ia apresentado o relatório respondendo a exigência formulada anteriormente;
     66. Determinante desse longo período foi o facto de a Administração ir formulando exigências novas em função das questões que lhe ia suscitando a apreciação de cada relatório, o que obrigava a Recorrente à apresentação de novo relatório, e assim indefinidamente, até ao 6.° Relatório, ampliando, de forma sucessiva e ininterrupta, o objecto da avaliação de impacto ambiental inicialmente definido, como foi ainda o sistemático incumprimento dos prazos de decisão e de notificação a que a DSSOPT estava obrigada;
     67. O relatório de impacto ambiental apenas foi aprovado, em 15/10/2013, não tendo sofrido qualquer alteração de relevo o projecto de arquitectura apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 3/6/2010, tal como resulta dos factos provados (cfr. factos 55) e 89), alínea CCC) e resp. ques. 35.°), no que obrigou a Recorrente a despender mais de 3 anos e 4 meses, depois da apresentação do referido projecto;
     68. Considerando o momento em que foi exigido a aprovação de relatório de circulação e ar e impacto ambiental (7/1/2011), ou o momento da celebração do contrato com o Autor (28/4/2011), quando faltavam cerca de 5 anos ou 4 anos e 8 meses para terminar o prazo da concessão e mais de metade do prazo de aproveitamento (8 anos no total) do terreno, num momento em que o projecto de arquitectura havia sido aprovado sem condições, faltando apenas a emissão da licença de obra, que não é um acto administrativo, mas um acto instrumental integrativo da eficácia da aprovação do projecto de obra, resultava, para qualquer promotor imobiliário de Macau, medianamente prudente, totalmente anormal e imprevisível que os referidos serviços da Administração da RAEM viessem exigir à Recorrente o cumprimento de exigências novas que iam sendo formuladas à medida que iam apreciando os relatórios apresentados para responder às referidas novas exigências, incumprindo sistematicamente os prazos definidos para decisão e notificação, forçando-a a despender no cumprimento desse requisito mais de 2 anos e 9 meses, principalmente, quando, como se provou em audiência de julgamento, nunca tinha sido ordenado, em Macau, o cumprimento de tal procedimento relativo à avaliação de impacto ambiental, não estando regulamentada tal matéria, nem existindo directrizes ou parâmetros para o cumprimento de tal exigência, sendo que a DSPA apenas foi instituída em 2009, pouco tempo antes de tal exigência ter sido formulada à Recorrente;
     69. Nenhum promotor imobiliário de Macau, normalmente diligente, poderia contar com tal, por se tratar de procedimento totalmente inédito em Macau, para além se tratar de condicionante urbanística não prevista no contrato de concessão, em qualquer instrumento urbanísticos ou em que qualquer norma legal ou regulamentar (cfr. 47), 51) e 101), al. UU), YY) e resp. ques. 49.°), razão por que erra o Tribuna recorrido quando afirma que que" era consistente a probabilidade" de isso acontecer;
     70. O padrão da lei a utilizar é o de um "bom pai de família" e não o de um "super bom pai de família" ou alguém dotado de poderes sobrenaturais ou de adivinhação, estando apenas em causa o padrão do homem médio, ou, no caso dos autos, do empreendedor imobiliário médio, e esse padrão não exige especiais qualidades;
     71. Os entraves decorrentes da exigência dos estudos de impacto ambiental é algo que ocorre ou se manifesta apenas depois da celebração do contrato com o Autor e não antes, como parece decorrer da Sentença recorrida;
     72. O Tribunal recorrido incorre numa involuntária, mas flagrante contradição, quando, por um lado, considera que, com base no "anterior relacionamento lento e exigente" com a RAEM, a Recorrente deveria concluir que esse relacionamento continuasse a ser lento e exigente e quando, por outro lado, afirma que relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com o autor";
     73. Se para a exclusão da culpa da Recorrente, relevam apenas, como expressamente se afirma, os entraves criados pela actuação da RAEM que ocorreram depois da celebração do contrato com o Autor, então, também, para sustentar a culpa da Recorrente não deveriam valer os entraves criados pela actuação da RAEM verificados antes da celebração do contrato com o Autor;
     74. Incongruentemente, o Tribunal acaba por dar relevo ao "anterior relacionamento lento e exigente com a RAEM" para, erigindo-o em padrão de relacionamento com a RAEM, afirmar que a Recorrente o deveria ter em conta na perspectivação do seu relacionamento futuro com tal entidade e, consequentemente, para, com base nele, prever que entraves que aquela entidade criaria;
     75. Se o "anterior relacionamento lento e exigente com a RAEM" não pode valer para a exclusão da culpa da Recorrente, também o mesmo não deve valor para fundamentar a imputação da culpa à Recorrente;
     76. O Tribunal recorrido não dá (mas devia dar) relevância ao facto de a celebração do contrato com o Autor ter ocorrido apenas depois de a Administração ter aprovado o projecto de obra, isto é, depois de a Recorrente ter sido notificada de um acto administrativo constitutivo de direitos, ou seja, de um acto administrativo permissivo que conferia o direito de construir nos termos decididos;
     77. A aprovação do projecto de obra é o momento crucial, pois que até esse momento tem lugar uma fase naturalmente mais demorada, onde se verifica a apresentação das várias fases do projecto de arquitectura, de projectos de arquitectura de alteração, onde a Administração faz a apreciação dos projectos, verificando a sua conformidade "com os planos de urbanização e respectivos regulamentos e outros instrumentos de disciplina urbanística, podendo ainda verificar o cumprimento de normas técnicas que lhes sejam aplicáveis"; depois desse momento, surge a fase da emissão da licença de obra, necessariamente mais curta, destinada à garantia de exigências de natureza técnica e, no caso dos autos, apesar de estar em total desconformidade com a lei, também o cumprimento da exigência do estudo de impacto ambiental;
     78. Qualquer empreendedor imobiliário de Macau, normalmente diligente, sabe bem que tais fases são fases completamente distintas e que, quando a Administração aprova um projecto de obra, ainda que condicionalmente, como sucedeu no caso dos autos, a Administração não vai estar anos, como sucedeu nos presentes autos, com o cumprimento de exigências que condicionam a emissão da licença de obra;
     79. Se foi necessário despender 1 ano e 2 meses, na apreciação e aprovação do projecto de obra, fase naturalmente mais demorada, nunca ninguém poderia imaginar que a Administração obrigasse a Recorrente a despender 2 anos e 10 meses, na provação de um requisito imposto como condição para emissão da licença de obra, numa fase necessariamente mais curta do que a primeira;
     80. Contrariamente ao que se supõe na Sentença recorrida, o relacionamento anterior entre a Recorrente e a RAEM não foi "lento e exigente" no que respeita à aprovação do projecto de arquitectura, principalmente, em comparação com o que sucedeu depois da assinatura do contrato dos autos com o Autor;
     81. O Tribunal recorrido erra ao considerar que a Recorrente, com base no que designa de "anterior relacionamento lento e exigente" com a RAEM, deveria prever que, depois da celebração do contrato com o Autor, a atitude da RAEM se manteria a mesma, isto é, um relacionamento "lento e exigente" com a RAEM;
     82. Se a Recorrente tivesse que despender, depois da celebração do contrato com o Autor com a aprovação dos estudos de impacto ambiental, o tempo que despendeu com a aprovação do projecto de obra (1 ano e 2 meses), seguramente que a Recorrente, considerando o tempo disponível, ainda tinha tempo suficiente para concluir todo o empreendimento dentro do prazo de aproveitamento e entregar a fracção autónoma ao Autor;
     83. Em face do modo como a Administração impôs e exigiu da Recorrente o cumprimento da condição de apresentação dos estudos de impacto ambiental, que se revelou tão ilógico e irracional, nenhuma mente, medianamente inteligente e prudente, poderia imaginar que tal viesse a ocorrer, sendo que nunca o relacionamento anterior com a RAEM poderia, no momento da assinatura do contrato com o Autor, constituir indício de que a Administração pudesse vir a adoptar a conduta que adoptou;
     84. Pelo que se tem de concluir que os entraves, resultantes da forma como a Administração impôs o cumprimento do requisito relativo aos estudos de impacto ambiental, constituíam, no momento da celebração do contrato com o Autor, uma situação totalmente imprevisível ou, pelo menos, de tal maneira improvável, que um promotor imobiliário diligente não consideraria a existência de qualquer risco;
     85. Para além de que se trata de facto estranho à intervenção da Recorrente, na medida em que não era susceptível de ser por si controlado, dado tratar-se de situação decorrente de actos de órgãos administrativos, no exercício de poderes de autoridade, no âmbito de um contrato administrativo, contra a qual a Recorrente não pode reagir com efectividade, impondo à Administração o cumprimento das cláusulas contratuais de forma suficientemente coerciva, sendo que, do ponto de vista subjectivo, celebrado o contrato com o Autor, se demonstra que a Recorrente, tudo fez no sentido de poder cumprir escrupulosamente aquele contrato;
     86. Situação que, no momento da assinatura do contrato com o Autor, se caracterizava pela sua total anormalidade e imprevisibilidade (análoga a caso fortuito ou circunstâncias excepcionais) e inevitabilidade, uma vez que os efeitos de tal situação não poderiam ter sido prevenidos ou, pelo menos, atenuados;
     87. Nem toda e qualquer situação de inviabilidade contratual pode ser considerada como risco inerente à actividade de um empresário comercial, no caso, da ora Recorrente, compreendendo-se, por exemplo, que a crise económica e financeira, a retracção do mercado imobiliário, as alterações das taxas de juros, o aumento dos salários, etc. possam ser considerados riscos com que o empresário do sector da construção e imobiliário não pode deixar de contar, mas já não a situação dos autos, concretamente, os entraves decorrentes das exigências feitas a propósito do cumprimento do requisito de apresentação e aprovação de estudos de impacto ambiental, requisito inédito em Macau, nunca tendo sido imposto em empreendimentos como o dos autos, submetido a uma tramitação ilógica e irracional, com inobservância sistemática do prazo definido para a tomada de decisões;
     88. É totalmente excessivo e desproporcionado afirmar, no caso dos autos, que a "ré trouxe o autor para a sua esfera de riscos" ou o "insere na sua esfera de risco e de organização o credor, sem que este tenha qualquer poder de controlar ou interferir nesse risco e nessa organização exclusivas do círculo de actividade comercial do devedor", quando se comprova que o Recorrido acorreu a celebrar o negócio, atraído pelos vantagens resultante de um preço mais baixo, por se tratar de um compra em projecto, bem sabendo que as obras do empreendimento ainda se não tinham iniciado e que o prazo de 1200 dias úteis de sol para a entrega da fracção só se contaria "a partir da conclusão das obras de cobertura do 1.° piso" (facto 5), al. E)), o que nunca, pelas razões conhecidas, chegou a ocorrer;
     89. Razão por que, contrariamente ao que resulta da douta sentença recorrida, se deve concluir que os entraves postos pela Administração, depois da celebração do contrato com o Autor, traduzidos em exigências que não podiam ser feitas e em atrasos reiterados, apresentavam-se, no momento da celebração deste contrato, como totalmente imprevisíveis e improváveis que viessem a ocorrer, pelo que não era exigível que a Recorrente, nas circunstâncias do caso, tivesse actuado em termos diferentes daqueles em que actuou, não se podendo afirmar que tenha agido de forma leviana, negligente ou temerária, com violação dos deveres objectos de cuidado, como erradamente se afirma na douta Sentença recorrida;
     90. O Tribunal recorrido, ao imputar à Recorrente a "causa que causou a causa de impossibilidade", fez uma errada interpretação e aplicação das normas dos artigos......
     Erro de julgamento no que respeita à qualificação do contrato
     91. A qualificação de um contrato passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos artigos 228.° e segs. do CC, sendo que a interpretação das declarações negociais constitui matéria de direito;
     92. Segundo a teoria da impressão do declaratário, consagrada no artigo 228.°, relevam todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objectivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração;
     93. Em geral, estas circunstâncias ou elementos interpretativos são: a) a letra do negócio; b) os textos circundantes; c) os antecedentes e a prática negocial; d) o contexto; e) o objectivo em jogo e f) os elementos jurídicos extra-negociais:
     94. Contrariamente ao concluído pelo Tribunal recorrido, a letra do contrato é decisiva no sentido de que o contrato dos autos não é um contrato-promessa, o que se afirma tendo por base, nomeadamente, o título do contrato e as cláusulas 5.ª e 9.ª a 22.ª do contrato junto aos autos;
     95. A tradução "contrato-promessa" é uma tradução imprecisa de "Mai Lou Fa", em língua chinesa, 買樓花, cujo significado seria mais correctamente traduzido por "contrato de compra e venda em projecto", razão por que no clausulado, em lado nenhum aparece o termo "sinal", mas, antes, em "preço" ou "venda";
     96. Traduzindo-se correctamente a cláusula 5.ª, deverá falar-se em "depósito" e não em "sinal", sendo que são dois vocábulos que se referem a realidades diferentes, mas que, no cantonense, se pronunciam da forma idêntica mas que se redigem de forma diversa: “sinal” escreve-se “定金” e “depósito”, “訂金”;
     97. Em face de tal declaração negocial aqui em causa, a única interpretação possível é a de que a vontade das partes foi no sentido de não convencionarem sinal; na verdade, ao optarem e acordarem numa redacção que exclui propositadamente a utilização do termo “訂金” (= “sinal”), com o sentido de penalização, e adoptarem o vocábulo “訂金” (= “depósito"), sem sentido penalizador, as mesmas estão a manifestar a sua vontade no sentido de afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa;
     98. Os poderes da Recorrente resultantes de tal cláusula circunscrevem-se ao edifício e à respectiva estética e não a obras nas próprias fracções, uma vez concluída a sua construção, sendo livres os adquirentes de as decorar e apetrechar conforme melhor lhes aprouver, desde que tal não interfira com a estética do edifício, sendo que se pretendeu, com tal solução, evitar a interferência dos adquirentes na estrutura e estética do empreendimento em geral, o qual era composto por cerca de 5.000 fracções autónomas a construir, sob pena de ficar em causa a almejada harmonia estética e de se incorrer em violação às regras urbanísticas aplicáveis;
     99. Da circunstância de os compradores não se poderem opor a tal, não se pode retirar a conclusão, contrariamente ao que faz o douto Tribunal, de que não são donos de um bem imóvel a construir, que não são donos de um bem futuro;
     100. Igualmente, da cláusula 9.° não se pode retirar a conclusão que o Tribunal retira de que o Autor, com o contrato celebrado, ainda não é proprietário da fracção em causa;
     101. Tal previsão tem um fim bem específico e compreensível na economia do contrato celebrado: garantir que a Recorrente tivesse a possibilidade efectiva de conhecer o novo titular da obrigação de pagamento das prestações acordadas com o cedente, até à entrega e ocupação da fracção transmitida e, por outro lado, fiscalizar a legalidade da transmissão, nomeadamente, evitando transmissões fraudulentas da mesmas fracção, o que, de forma nenhuma, cauciona a interpretação que o douto Tribunal dá à referida cláusula;
     102. O valor cobrado a esse título segue a prática reiterada, em Macau, desde longa data, sendo considerado uma despesa administrativa pela necessidade de tal intervenção;
     103. A circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, tal não serve para se qualificar o contrato como contrato-promessa;
     104. A celebração de escritura pública é, nos termos do artigo 866.° do CC, uma formalidade absolutamente essencial, razão por que o contrato celebrado teria sempre que ser formalizado através da celebração da referida escritura pública, sob pena de invalidade do negócio;
     105. As cláusulas 10.° a 12.° apontam claramente para o sentido de que o contrato em discussão é bem mais um contrato de compra e venda de um bem futuro do que um mero contrato-promessa, com efeito, as previsões aí estipuladas são típicas de um contrato de compra e venda de bem futuro e não de um contrato-promessa;
     106. Pelo que se deve considerar que o contrato dos presentes autos é um contrato “Mai Lou Fa", isto é, um contrato de compra e venda em projecto (na tradução para a língua portuguesa) e não, como concluiu o douto Tribunal recorrido, um mero contrato-promessa, isto é, nos termos da lei, uma "convenção pela qual alguém se obriga a celebrar determinado contrato" (artigo 404.°/1 do CC);
     107. Também os elementos circundantes do contrato dos autos reforçam a mesma conclusão, de que estamos perante uma compra e venda (de bem futuro) e não de um contrato-promessa: tal como do contrato consta sempre o termo "preço" (價金) e não sinal, também do recibo de pagamento do valor pago consta o termo "preço", e em todos recibos relativos aos outros contratos, quando não figura tal termo, utilizam-se as expressões "parte do preço", "remanescente do preço" ou (como na cláusula 5.ª dos contratos) o termo" depósito", mas nunca, em parte alguma, se escreveu "sinal";
     108. Outro elemento interpretativo a apontar no mesmo sentido é a circunstância de cada contrato conter a planta da fracção adquirida em anexo, tal como no caso dos autos, o que está em consonância com o título do contrato "Mai Lou Fa", ou seja, contrato de compra e venda em projecto;
     109. Também o contexto e a prática negociais apontam para o mesmo resultado interpretativo: contrato de compra e venda de bem futuro;
     110. Antes da Lei nº 7/2013, aprovada em resposta a um vazio legal, contratos, como o dos autos, eram tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção;
     111. Sendo que o objectivo desse diploma foi o de vir disciplinar essa prática, tal decorre de parecer do processo legislativo: "Sendo uma modalidade de comercialização imobiliária com origem em Hong Kong, é inquestionável que a compra e venda de fracções autónomas em construção se apresente como solução economicamente razoável e necessária, que permite à entidade promotora dos empreendimentos assegurar em tempo útil os necessários financiamentos. Contribui também para que o comprador possa adquirir antecipadamente a fracção autónoma desejada (...)";
     112. O contrato celebrado com o Autor corresponde ao tipo contratual consagrado por essa prática anterior que a lei refere, para a aquisição de fracções autónomas a construir, conforme se refere no mencionado parecer;
     113. Razão por que, o mais plausível e consentâneo com as normas dos artigos 228.° e 230.º do CC, é que o contrato dos autos se deva qualificar como contrato de compra e venda ou como contrato de reserva, na opinião de Menezes Cordeiro, em parecer junto aos autos;
     114. De acordo com tal parecer, um objecto futuro fica reservado a favor de uma das partes, a qual, por ele, paga uma certa quantia; se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se, sendo que a "comissão de reserva" corresponde ao "depósito" (“訂金”), previsto pelo contrato, enquanto parte do preço da fracção autónoma a ser construída;
     115. Na venda de bens futuros, o vendedor fica obrigado ao necessário para que o comprador adquira os bens vendidos;
     116. Um dos exemplos mais ilustrativos, dados pela doutrina, é justamente o da compra e venda de fracções autónomas de um prédio por construir;
     117. Razão por que se afigura à Recorrente que o douto Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na qualificação do contrato como contrato-promessa, bem como na conclusão de que não foi ilidida a presunção do artigo 435.° do CC.
     Erro de julgamento no que respeita no que respeita à condenação da Recorrente na indemnização pelo valor do sinal
     118. Padece de erro de julgamento a douta Sentença recorrida que condena a Recorrente no pagamento ao Recorrido da indemnização pelo valor do sinal do sinalo do sinal;
     119. No caso dos autos, o Recorrido faz coincidir totalmente o dano excedente invocado com a perda do aumento do valor da fracção autónoma objecto do contrato dos autos, danos que não coincidem necessariamente;
     120. Considerou, e bem, o Tribunal recorrido que o Recorrido, quando receber a fracção de substituição, não terá o dano excedente alegado, fracção sucedânea que vai receber ao abrigo do despacho do Chefe do Executivo n.º 89/2019, que expressamente confere tal direito apenas aos promitentes compradores e respectivos cessionários de fracções habitacionais no X;
     121. Por ter celebrado o contrato que celebrou com a (A), pagando a título de preço, pela nova fracção, o valor que pagaria pela fracção a construir pela ora Recorrente, o Recorrido tem direito a obter uma fracção em tudo análoga àquela (local de construção, área, valor), com a diferença de que a não vai receber da (A), ao abrigo do contrato com esta celebrado, mas, sim, da RAEM, ao abrigo de uma medida política-administrativa criada para compensar os co-contraentes da (A) pela impossibilidade de cumprimento dos respectivos contratos, verificados que sejam determinados requisitos;
     122. Tal significa que, por essa espécie de sucedâneo da prestação, a mais de não existir qualquer valorização patrimonial que o Autor diz ter perdido, o Recorrido acaba por ver, integralmente, satisfeito o interesse que o levou a celebrar o contrato com a (A), que era a obtenção da uma fracção autónoma com as características mencionadas no referido contrato, pois que, recebendo uma fracção em tudo análoga a essa, o seu interesse se deverá considerar integralmente realizado;
     123. O efeito que se verificou na esfera jurídica do Recorrente não foi o efeito típico de uma situação de impossibilidade de cumprimento, mas antes o do retardamento no cumprimento da obrigação (para causa não imputável à Recorrente), apenas não aceitando a Recorrente o símile da mora do devedor, invocado pelo douto Tribunal recorrido, porque não considera que a mesma lhe seja imputável;
     124. O que significa que o Recorrido não tem o dano excedente, tal como não tem o dano predeterminado pelo sinal;
     125. O pagamento de indemnização ao Recorrido seja pelo dano excedente, seja pelo sinal em dobro, numa situação que guarda completa homologia com a situação de retardamento da prestação e não de impossibilidade da prestação, configuraria uma situação de locupletamento injustificado do ora Recorrido, que nem a ordem jurídica tutela nem os tribunais devem sancionar;
     126. Para situação que parece análoga, já os Tribunais superiores de Macau tiveram oportunidade de se pronunciar, afirmando (Ac. do TUI, de 30/3/2017, no proc. 5/2017) que "o dano excedente constitui aqui o valor de mercado da fracção, que é o valor que o promitente-comprador terá de despender para adquirir uma fracção semelhante à que havia prometido comprar. Mas não tem direito ao sinal, nem ao seu dobro, já que recebendo o valor actual da fracção isso permite-lhe pagar a totalidade do preço de uma fracção semelhante. Recorde-se que o valor do sinal era o preço do pagamento da fracção que prometeu comprar" e ainda, como se reproduz no Ac. do TUI, de 29/11/2019 (proc. 58/2017): "Sobre que valor [são devidos juros de mora legais]? / Não o dobro do sinal, mas o deste em singelo, já que o acórdão recorrido decidiu que, tendo a autora direito ao dano excedente, que é o valor entre o preço contratual da fracção e o seu valor em data a apurar, a autora só teria direito ao sinal em singelo".
     127. Rezão que se julga padecer a Sentença recorrido vício mencionado;
     128. A Sentença recorrida violou, nomeadamente, as normas dos artigos 219.°,228.°, 230.º 435.°, 436.° 480.°/1/2, 481.°, 556.°, 557.°, 567.°, 779.°/1, 784.°/1, 787.°,788.º, 790.º e 801.º do CC; 430.°/1 do CPC e ainda, nomeadamente, as cláusulas 5.ª, 9.ª, 10.º a 12.ª do contrato celebrado com o Recorrido.
     TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de V. Exas., se requer se dignem V. Exas. conceder provimento ao presente recurso e, em consequência:
     - Anular a decisão recorrida, com fundamento na deficiência da matéria seleccionada e integrada no questionário, determinando a sua ampliação e remetendo-se, caso se justificar necessário, o processo para novo julgamento, nos termos da norma do artigo 629.º/4 do CPC.
     - Revogar a sentença recorrida, proferindo nova decisão aos quesitos mencionados, nos termos das normas do artigo 629/1/2/3 do CPC.
     - Em qualquer caso, proferir nova decisão negando provimento à acção e, em consequência, absolvendo a Ré do pedido.
     Assim se fazendo, serenamente, Justiça.
*
    (B), Recorrida, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2425 a 2453, tendo alegado o seguinte:
     I. Ponto Prévio
     1. De modo a evitar repetições desnecessárias, a Recorrida dá por reproduzida toda a factualidade assente e dada como provada pelo douto Tribunal a quo, devidamente transcrita em sede da Sentença Recorrida, constante especificamente de fls. 2136 a 2145 dos autos, passando apenas a oferecer a sua resposta à matéria aduzida pela Recorrente em sede das suas alegações de recurso.
     II. Da Alegada Insuficiência da Matéria de Facto Seleccionada pelo Tribunal a quo e da Suposta Ilegalidade do Despacho constante de fls.1273 a 1275
     2. Vem a Recorrente imputar à Sentença Recorrida um vício de deficiência da matéria de facto integrada na Base Instrutória, alegando, em consequência, que tal suposta deficiência impediu o douto Tribunal a quo de formar a base factual necessária e suficiente que lhe permitisse uma decisão de direito do caso vertente de forma adequada e justa.
     3. Em suma, alega a Recorrente que o Tribunal a quo, na selecção da matéria de facto, desconsiderou factos relevantes à boa decisão da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito (em concreto, aqueles constantes dos artigos 58.º, 78.º, 111.º, 113.º, 129.º, 239.º, 243.º. 2.º parágrafo, e 250.º da Contestação, nos termos da reclamação apresentada pela Recorrente contra a selecção da matéria de facto, constante de fls. 1255 e seguintes).
     4. Salvo melhor e fundamentada opinião, nenhuma razão assiste à Recorrente.
     Senão vejamos,
     5. Dispõe o n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”):
     "Artigo 430.º
     (Selecção da matéria de lacto)
     1. Se o processo tiver de prosseguir e a acção tiver sido contestada, o juiz, no próprio despacho a que se refere o artigo anterior ou, não havendo a ele lugar, no prazo fixado para o proferir, selecciona a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, indicando:
     a) Os factos que considera assentes;
     b) Os factos que, por serem controvertidos, integram a base instrutória".
     6. Entende a doutrina que a relevância da factualidade carreada pelas partes processuais deverá ser depurada com base na necessidade da mesma para a decisão da causa segundo as diversas soluções a oferecer à questão de direito que se coloca ao julgador. Essa enformará e conformará a factualidade que deve ser seleccionada pelo Tribunal1.
     7. Assim, apenas os factos verdadeiramente relevantes para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito que se colocarem no caso concreto, deverão ser levadas à selecção da matéria de facto.
     8. Para além disso, é entendimento deste Tribunal ad quem que a selecção da matéria de facto não deve conter factos que, ainda que fossem provados, nada poderiam afectar ou modificar a Sentença Recorrida, quer por si, quer em conjugação com os outros já provados (vide Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 498/2009).
     9. Contende a Recorrente que a selecção da matéria de facto operada pelo douto Tribunal a quo se afigura deficiente. Atentemos então em cada um dos factos elencados para aferir da assertividade da sua alegação a este respeito.
     10. No artigo 58.º da sua Contestação, a Recorrente veio alegar que a exigência de aprovação de relatório de circulação de ar e relatório de impacto ambiental era algo inédito em Macau, tendo sido a primeira vez que foi exigido.
     11. Em face da concreta questão que se colocou perante as instâncias jurisdicionais da RAEM, de nada releva saber se os citados relatórios haviam ou não sido pedidos, quer à Ré, quer a terceiros, antes de a mesma ter sido notificada do teor do Ofício da DSSOPT n.º 318/DURDEP/2011, datado de 7 de Janeiro de 2011 e comunicado à Recorrente na mesma data - vide Factos Assentes oo) e pp), assim como artigo 54.º da sua Contestação -, uma vez que a Recorrente, quando celebrou o contrato-promessa de compra e venda com a Recorrida, já havia sido informada da exigência de tal informação.
     12. Ou seja, trilhando a Recorrente o caminho da suposta excepção de não cumprimento do contrato em apreço nos presentes autos, teria a mesma de demonstrar que a actuação ou conduta da Administração configura uma causa de força maior, circunstanciado num evento eivado da trilogia imprevisibilidade-inevitabilidade-irresistibilidade2, algo que falece pela base (logo na aferição do primeiro desses mesmos critérios) porquanto a Recorrente, quando contratou com a Recorrida, já bem sabia que tais exigências existiam, não reagiu contra as mesmas e não informou a Recorrida do risco que tal comportava para o cumprimento do contrato.
     13. Aliás, quando muito, o facto de a Recorrente nunca ter sido exposta a tal realidade até à data em que foi notificada do teor do Ofício n.º 318/DURDEP/2011, apenas poderia funcionar contra si, porquanto é profundamente reveladora da displicência e temeridade da mesma, aquando da contratação com terceiros. Assumir obrigações perante terceiros, ao abrigo de um contrato-promessa de compra e venda cujo objecto se cristalizava na celebração, no futuro, de um contrato definitivo de compra e venda de um imóvel que ainda não se encontrava construído, e cuja emissão de licença de construção se encontrava directamente dependente da aprovação de relatório de circulação de ar e relatório de impacto ambiental (supostamente inédito), sem que tal tivesse sido devidamente veiculado a tais terceiros, revela uma actuação insofismavelmente desconforme com os ditames legais, de boa-fé na contratação, determinado a colocação de terceiros numa esfera de risco elevado, à qual eram alheios.
     14. Já no artigo 78.º da Contestação, a Recorrente insiste na-mesma ideia, se bem que desta feita direccionada às alegadas novas exigências formuladas no âmbito do parecer da DSPA proferido em resposta ao 3.º Relatório de Impacto Ambiental apresentado pela Recorrente, mais alegando que as mesmas não encontravam respaldo em nenhum instrumento legislativo à data em vigor.
     15. Ora, a questão das "novas exigências" feitas pela DSPA ao longo da apreciação dos diversos relatórios de impacto ambiental apresentados pela Recorrente está longe de configurar matéria que não tenha sido trazida à selecção da matéria de facto.
     16. Em concreto, as "novas exigências" feitas pela DSPA, em reacção ao 3.º Relatório de Impacto Ambiental apresentado pela Recorrente, parecem encontrar-se devidamente vertidas no Facto Assente xx), constante de fls. 2140v.
     17. Saber se tais exigências se encontravam ou não previstas em qualquer norma legal ou regulamentar aplicável é, conforme considerou o Tribunal a quo em sede de despacho sobre as reclamações contra a selecção da matéria de facto, um juízo conclusivo - acrescentamos nós, longe de se poder considerar como um facto essencial à boa decisão da causa, como erroneamente considera a Recorrente.
     18. Já no que concerne à matéria de facto contida nos artigos 111.º, 113.º, 129.º, 239.º, 243.º. 2.º parágrafo e 250.º da Contestação, entendeu a Recorrente que a mesma se afigura igualmente relevante, "porque é a própria Administração a reconhece existência de expectativas da Recorrente em que pudesse continuar a executar a obra de construção para além do prazo da concessão, para além de assumir expressamente a possibilidade de permitir uma nova concessão sobre o mesmo terreno para a conclusão das obras" (sic).
     19. A Recorrente não cuida de explicitar - certamente porque não conseguiu - como e em que medida, de forma concreta e circunstanciada, a factualidade supra elencada deveria ser considerada como relevante para a boa decisão da causa, bastando-se com o juízo puramente conclusivo supra transcrito, deixando o ónus de aquilatar a bondade de tal juízo nas mãos do Tribunal ad quem.
     20. Em primeiro lugar, basta atentar no teor de cada um dos citados artigos para verificar que os mesmos encerram, na sua larga maioria, juízos de cariz eminentemente conclusivo, mais não configurando do que a visão da Recorrente sobre os factos que efectivamente relevam para a discussão da presente causa.
     21. Além do mais, o Tribunal a quo, aquando da selecção sobre a matéria de facto, extraiu e seleccionou os (efectivos) factos sobre os quais a Recorrente teceu os referidos juízos conclusivos, conforme se pode retirar do teor dos Quesitos n.º 40, 41 e 42, exercício esse que esteve na base do indeferimento da reclamação apresentada pela Recorrente contra a selecção da matéria de facto, no que a esse particular ponto concerne - ao qual se deve ainda acrescentar o Quesito n.º 51, o qual foi aditado já em sede de audiência de discussão e julgamento.
     22. Vem ainda a Recorrente alegar que o despacho proferido pelo Tribunal a quo, constante de fls. 1273 a 1275, é ilegal, por violar a norma ínsita no n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, em virtude de ter indeferido a reclamação apresentada pela Recorrente contra a selecção da matéria de facto, ínsita a fls. 1255 e seguintes.
     23. No entanto, em face do concreto teor da citada reclamação apresentada pela Recorrente, e aplicando-se nesta concreta sede, mutatis mutandis, as alegações supra tecidas, nenhuma razão poderá assistir à Recorrente.
     24. A este respeito, será de sublinhar o entendimento expresso por este Tribunal ad quem em sede do Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 943/2016, do qual se passam a transcrever os trechos tidos por mais pertinentes e aplicáveis ao caso sub judice:
     “(...) o juiz deve seleccionar - apenas e tão só - "a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis de direito”, afigurando-se-nos ser este o caso dos autos. Dito de outro modo, somos de opinião que a matéria seleccionada e levada à base instrutória respeitou, integralmente, os objectivos pela A. (e RR.) pretendidos com a presente acção (...)".
     25. Uma vez que a Recorrente não cuidou de demonstrar a relevância para a boa decisão da causa do aditamento dos factos supra elencados, a sua pretensão encontra-se ferida de morte.
     26. Por tudo quanto foi exposto, jamais poderá ser assacado o vício de deficiência da matéria de facto seleccionada à Sentença Recorrida (e/ou a montante, ao despacho que procedeu à selecção da matéria de facto, nem tão-pouco àquele que decidiu da reclamação da Recorrente contra a dita selecção), devendo o recurso interposto pela Recorrente improceder neste ponto, mantendo-se integralmente a Sentença Recorrida, assim como a matéria de facto seleccionada.
     III. Do Alegado Erro de Julgamento na Apreciação da Matéria de Facto: a "Resposta aos Quesitos n.º 33, 40, 51 e 52
     27. Vem ainda a Recorrente colocar em crise a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à resposta oferecida pelo mesmo aos Quesitos n.º 33, 40, 51 e 523, porquanto, no seu entender, tais quesitos deveriam ter merecido outra resposta por parte daquele douto Tribunal4.
     28. Antes de nos debruçarmos acerca da concreta argumentação expendida pela Recorrente acerca de cada um desses Quesitos, importa estabelecer quais as circunstâncias e condições para que o Tribunal ad quem possa alterar o julgamento de facto levado a cabo pelo Tribunal a quo - por outras palavras, importa aquilatar da real possibilidade do exercício de reapreciação de prova sugerido pela Recorrente.
     29. Ora, como tem entendido a melhor doutrina e constitui jurisprudência pacífica deste douto Tribunal de Segunda Instância, a modificação da matéria de facto pelo Tribunal ad quem, nos termos do disposto nos artigos 599.º e 629.º do CPC, apenas pode ocorrer nos casos em que se verifique manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, ou seja, quando aquelas provas imponham de forma clara uma decisão diversa -, e não quando apenas permitam uma decisão diferente.
     30. Significa isto que a alteração da decisão de facto pressupõe que, na decisão recorrida, o julgador tenha cometido erro evidente e clamoroso na apreciação das provas, não bastando uma possibilidade meramente especulativa e argumentativa de que tenha ocorrido um erro de julgamento.
     31. Dispõe a alínea a), do n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo pode ser alterada pelo Tribunal ad quem se, entre outros, "do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida".
     32. No entanto, cumpre clarificar que o estabelecimento de um duplo grau de jurisdição em matéria de facto não afasta a plena operatividade do princípio da livre apreciação da prova, conforme previsto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, o qual estatui que "[o] tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto".
     33. A convicção do colectivo de Juízes que compuseram o Tribunal a quo alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo àquele Tribunal conferir a cada uma o valor probatório que melhor entender, nada impedindo que se atribua maior relevância ou valor a determinadas provas em detrimento de outras, salvo as excepções previstas na lei.
     34. Em boa verdade, não estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, possuindo o julgador uma ampla liberdade na sua valoração, e cabendo-lhe decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum, ainda para mais considerando que foi o Tribunal a quo quem teve contacto directo com a prova, nomeadamente a prova testemunhal, em concretização dos princípios da imediação e da oralidade.
     35. Não pode, assim, o duplo grau de jurisdição subverter o princípio de livre apreciação da prova exclusivamente reservado à primeira instância, cuja convicção se constrói sobre os dados objectivos que emergem dos documentos e das demais provas produzidas, assim como sobre uma análise conjugada das declarações e depoimentos – e não apenas com este ou aquele isolado e desintegrado do conjunto como pretende fazer vingar a Recorrente.
     36. Neste contexto, a modificação da decisão de facto pelo Tribunal ad quem, mesmo no caso de gravação da audiência, deve limitar-se e circunscrever-se aos casos de flagrante e notória desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, pois apenas e tão-só aí estar-se-á perante um erro de julgamento.
     37. É justamente este o entendimento que, sobre esta matéria, este douto Tribunal ad quem vem sufragando:
     “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do Íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um acto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de Liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. (...)
     [S]e o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls. 258), atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC."5 (destaque nosso)
     38. Também se decidiu noutro Acórdão deste Tribunal que:
     "A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal "ad quem", salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.6 (destaque nosso).
     39. Na mesma senda, salientam-se ainda os Acórdãos seguintes deste Venerando Tribunal:
     “A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal "ad quem", salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu."7 (destaque nosso)
     "Uma coisa é não agradar o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo deformação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório."8 (destaque nosso)
     "Sempre que uma versão de facto seja sustentada pelo depoimento de algumas testemunhas, mas contrariada pelo depoimento de outras, cabe ao tribunal valorá-las segundo a sua íntima convicção.
     [N]ão estando em causa prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.”9 (destaque nosso)
     "Os julgadores de recurso, não sentados na sala de audiência para obter a percepção imediata das provas aí produzidas, naturalmente não podem estar em melhores condições do que os juízes de primeira instância que lidaram directamente com as provas produzidas na sua frente.
     Assim, o chamamento dos julgadores de recurso para a reapreciação e a revaloração das provas, já produzidas e/ou examinadas na 1.ª instância, com vista à eventual alteração da matéria de facto fixada na 1.ª instância só se justifica e se legitima quando a decisão de primeira instância padecer de erros manifestamente detectáveis.
     Portanto, para que possa abalar com êxito a convicção formada pelo Tribunal a quo com vista à revogação da decisão de facto e à sua ulterior modificação pelo Tribunal ad quem, é preciso que o recorrente identifique erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, e não a simples divergência entre ele e o Tribunal no que diz respeito à valoração de provas ou à fixação da matéria fáctica.
     Integram em tais erros manifestos, inter alia, a violação de regras quanto à valoração de provas e à força probatória de provas, v.g. o não respeito à força vinculativa duma prova legal, e a contrariedade da convicção íntima do Tribunal a regras de experiência de vida e à lógica das coisas."10 (destaque nosso)
     "[P]or não se vislumbrar qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação daquela matéria, sendo verdade que o requerente ora recorrente pretende apenas sindicar a íntima convicção do Tribunal recorrido formada a partir da apreciação e valoração global das provas produzidas nos autos, improcede o recurso nesta parte."11(destaque nosso)
     40. Em suma, a modificabilidade da matéria de facto por este Tribunal de Segunda Instância apenas poderá ser erigida sobre uma ausência de razoabilidade da Sentença Recorrida em face de todas as provas produzidas (e não apenas das invocadas pela Recorrente) ou, de outro modo dito, sobre um erro grosseiro e notório na apreciação destas.
     41. Caberia, pois, averiguar se o Tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder concluir por uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal a quo sobre matéria de facto12.
     42. Sucede que, no caso concreto, o Tribunal a quo, ao fazer a sua valoração da prova produzida, apresentou a respectiva motivação de facto, explicitando não apenas os vários meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que ela se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, relativamente aos factos controvertidos.
     43. Como de imediato ressalta do teor das alegações de recurso, e melhor se ilustrará adiante na presente resposta, a Recorrente não logrou apontar, e muito menos demonstrar, que o julgamento factual do Tribunal a quo enfermasse de qualquer dos vícios que, de acordo com a jurisprudência uniforme deste Tribunal de Segunda Instância, o autoriza a sindicar aquele julgamento.
     44. Pelo contrário, a Recorrente limitou-se a oferecer a sua própria valoração da prova produzida, e a formar e propor uma convicção alternativa, diversa da formada pelo Tribunal a quo, sem que tenha sido apontado e demonstrado qualquer erro manifesto na apreciação da prova.
     45. Atente-se nos concretos pontos levantados pela Recorrente no que a este tópico concerne.
     46. Quanto à Resposta ao Quesito n.º 33, afirma a Recorrente que “a mesma deve ser alterada, com os mesmos fundamentos que na douta Sentença recorrida se modificou a resposta dada ao Quesito 34.º") mais aduzindo que "considerando a posição assumida pelo Recorrido na sua Réplica, o douto Tribunal recorrido, na Sentença recorrida, veio oficiosamente alterar essa decisão, dando agora como provada a matéria do artigo 34.º", concluindo que "alterado que foi a resposta a este quesito se deverá alterar, por identidade de razão, a resposta dada ao quesito 33.º".
     47. Em primeiro lugar, não se compreende o iter argumentativo utilizado peja Recorrente, uma vez que a resposta oferecida pelo Tribunal a quo se manteve inalterada desde o Acórdão sobre a matéria de facto, conforme facilmente se poderá retirar da leitura de página 8 do mesmo e subsequente comparação com o elenco dos factos provados ínsito na Sentença Recorrida, concretamente a fls. 2144.
     48. Nenhuma alteração figura patente, pelo que falece pela base a argumentação expendida a este ponto pela Recorrente.
     49. No entanto, sempre se dirá que, ainda que tal fosse verdade (o que não se concede), os Quesitos 33.º e 34.º tratam de realidades factuais distintas, pelo que a resposta dada a um não influí nem determina a resposta a oferecer ao outro.
     50. Por fim, dir-se-á que a Recorrente não conseguiu demonstrar que a existência de um erro manifesto e notório na resposta ao Quesito 33.º, tendo-se limitado a apresentar a sua opinião quanto à resposta a oferecer ao mesmo.
     51. A Recorrente vem ainda impugnar a resposta oferecida pelo Tribunal a quo quanto aos Quesitos n.º 40 e 51, porquanto considera, em síntese, que para além da específica factualidade que o Tribunal a quo deu como provada, deveria igualmente ter considerado como provada a causa para o surgimento da convicção no espírito da Recorrente.
     52. Alegando para tal que "afigura-se à Recorrente que a prova produzida em audiência de julgamento era suficiente para dar como provada tal matéria, tendo o Tribunal colectivo incorrido em erro de julgamento no que respeita à decisão da mesma".
     53. De modo a facilitar o enquadramento da questão, citem-se os dois quesitos em causa, assim como a resposta oferecida quanto aos mesmos pelo douto Tribunal a quo:
     Quesito n.º 40 - A aprovação do projecto de arquitecrura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como a emissão da licença em Janeiro de 2014 e as suas subsequentes prorrogações, as quais produziram, obviamente, investimentos de confiança para a Ré e para os cidadãos compradores?
     Resposta ao Quesito n.º 40 - Provado apenas que a Ré se convenceu que conseguiria construir o "empreendimento imobiliário X".
     Quesito n.º 51 - No início, a Ré tinha conhecimento de que o prazo estipulado era suficiente para concluir o empreendimento e a Administração, com as condutas que tomou, criou na Ré expectativas firmes de que lhe prorrogaria o prazo, ou viabilizaria nova concessão do mesmo terreno, compensando-a pelo tempo perdido de não aproveitamento, por força da sua conduta?
     Resposta ao Quesito n.º 51 - Provado que a Ré estava convicta que o prazo estipulado para aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento.
     E Provado ainda que, quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a Ré estava convicta que a Administração lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento.
     54. Ora, em primeiro lugar, e conforme oportunamente estabelecido, para ser possível sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, não bastaria à Recorrente concluir - como fez - pela suficiência, no seu entender, da prova produzida nesse sentido. Tal é manifestamente parco para tal propósito.
     55. O ónus que impendia sobre a Recorrente era exactamente o de apontar ou identificar, no citado Acórdão, o erro manifesto na valoração de provas e na fixação da matéria de facto, não se podendo bastar com a simples divergência entre a opinião da Recorrente e a valoração feita pelo Tribunal a quo no que diz respeito às provas disponíveis.
     Acrescente-se ainda que,
     56. Argumenta a Recorrente que "a resposta restritiva dada é incompreensível do ponto de vista da lógica e da racionalidade das coisas", uma vez que "se o douto Tribunal deu como provado tal facto interior, não se compreende que não tenha dado também como provado a causa desse convencimento, pois que, numa pessoa normal, a formação de uma convicção está sempre vinculada a uma concreta motivação".
     57. Ora, salvo melhor e fundamentada opinião, o raciocínio da Recorrente não se afigura como válido e atendível.
     58. Na realidade, o facto de se ter dado como demonstrado o denominado "facto interior", não implica que se considere provado o rol de causas alegadamente subjacentes ao mesmo, até porque tais causas - como sucede no caso em concreto - poderão não ser facilmente descortináveis.
     59. Conforme denota - e bem! - o Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto, não foi produzida prova suficiente que permitisse a "conclusão minimamente segura que foi devido àqueles três factos (aprovação do projecto, aprovação dos relatórios e prorrogação do prazo) que a ré se convenceu que outras renovações e extensões não lhe seria recusadas".
     60. O douto Tribunal a quo vai mesmo mais longe, ressaltando o óbvio:
     "até pelo contrário, pois que tais aprovações e extensões foram feitas com advertências que não seria emitida licença de obras; para não prometer vender as fracções a construir e para renunciar à responsabilização da RAEM (als. PP., DDD., FFF., GGG. e HHH. dos factos provados)".
     61. Para além disso, sob a égide dos princípios da imediação e oralidade, o Tribunal a quo apreciou livremente os depoimentos produzidos pelas testemunhas (C), e (D), tendo aquele tribunal colectivo considerado tal prova testemunhal como "nesta parte, essencialmente conclusiva e, pela forma algo impetuosa como foi prestada, não foi reveladora de equidistância dos interesses das partes"13.
     62. Que o depoimento das citadas testemunhas, acerca dos factos ínsitos nos Quesitos n.º 40 e 51, se afigura conclusivo, tal resulta do depoimento das mesmas e da matéria em análise.
     63. Aliás, conforme a própria Recorrente confirma, "é natural que as testemunhas, na resposta a tal matéria, tivessem que responder, recorrendo a deduções ou ilações de factos externos objectivos".
     64. Ou seja, aquilo que as testemunhas disseram perante o Tribunal a quo não podia jamais ser considerado como a causa real e efectiva da convicção da Recorrente, mas sim a sua subjectiva impressão ou valoração pessoal feita pelas testemunhas acerca dessa referida causa.
     65. Assim sendo, nenhum reparo merece a douta decisão do Tribunal a quo.
     66. Já no que respeita à forma algo impetuosa como foram prestados os depoimentos das testemunhas ora em apreço, a qual o Tribunal a quo considerou como não sendo reveladora da equidistância (acrescentamos nós, desejável) dos interesses das partes, tal é a legítima percepção de quem de direito, em respeito dos princípios da imediação, oralidade e livre apreciação das provas, não tendo a Recorrente logrado demonstrar que tal raciocínio se encontra inquinado, apenas contrário à sua própria percepção ou opinião acerca dos mesmos depoimentos.
     67. já no que respeita à resposta ao Quesito n.º 52, alega a Recorrente que o Tribunal a quo foi omisso quanto às razões da sua convicção, defendendo que o mesmo deveria ter sido dado como provado por aquele Tribunal, em face dos documentos apresentados na sessão da audiência de discussão e julgamento decorrida no dia 5 de Maio de 2023 (remetendo para a acta da mesma constante de fls.1745 a 1747 dos autos), bem como no depoimento das testemunhas (C), e (D), estas afirmando que outros casos houve em que outras sociedades beneficiaram de nova concessão de terrenos, transcorridos os prazos das concessões anteriores.
     68. Desde logo, sempre se dirá, em defesa da posição do Tribunal a quo, que o mesmo não foi omisso na sua fundamentação, antes tendo explicitado, no último parágrafo do Acórdão sobre a matéria de facto que "relativamente aos demais factos não provados assentou a convicção do tribunal na ausência ou insuficiência da prova produzida, avaliada nos termos que se têm vindo a referir".
     69. Como o Quesito n.º 52 mereceu a resposta de "não provado", bem se percebe qual foi a lógica subjacente a tal resposta por parte do Tribunal a quo.
     70. Para além disso, atendendo ao concreto teor do Quesito n.º 5214, afigura-se claro e transparente que a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de demonstrar a existência de um erro manifesto e notório na resposta ao referido quesito, limitando-se a apresentar a sua opinião quanto à resposta a oferecer ao mesmo.
     71. No Ponto 63 das suas alegações de recurso, a Recorrente afirmou que "( ... ) juntou aos autos, na sessão de julgamento em que o mesmo foi aditado à douta Base Instrutória, em 5 de Maio de 2013 [cfr. acta de fls. 1745 a 1747), um conjunto de documentos, concretamente fotocópias de publicações de despacho no Boletim Oficial de Macau, comprovativos de novas concessões de terrenos a favor, nomeadamente, da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional “Jardins Lisboa”” - sic, notando-se o mero lapso na data da sessão de audiência de discussão e julgamento nomeada, devendo ser, obviamente, a sessão decorrida no dia 5 de Maio de 2023.
     72. Compulsados os autos e analisada a acta da sessão de julgamento de 5 de Maio de 2023, a Recorrida não logrou localizar os documentos supra descritos.
     73. De facto, e tanto quanto se pode aquilatar da leitura dos documentos constantes de fls. 1729 a 1744, os documentos juntos pela Recorrente no dia 5 de Maio de 2023 não respeitavam a "fotocópias de publicações de despacho no Boletim Oficial de Macau, comprovativos de novas concessões de terrenos a favor, nomeadamente, da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional “Jardins Lisboa””, nem tão-pouco se destinavam a fazer prova do Quesito n.º 52.
     74. Os documentos juntos pela Recorrente, nessa mesma data, destinavam-se a fazer prova dos Quesitos n.º 5, 7, 9, 10, 15 e 18 (vide acta de audiência de julgamento constante de fls. 1745 a 1747, maxime fls. 1745v.), cujo objecto factual em nada se confunde com aquele constante do Quesito n.º 52.
     75. Logo, tais concretos meios probatórios não poderão ser atendíveis, uma vez que em nada ajudam na resposta ao Quesito n.º 52.
     76. Resta-nos assim os depoimentos da testemunha (C), e da testemunha (D), cujas concretas passagens foram especificadas (ainda que por remissão) pela Recorrente.
     77. A leitura das mesmas permite caracterizá-las como manifestamente insuficientes para permitir considerar o Quesito n.º 52 como provado, conforme pretensão infundada da Recorrente, especialmente tendo em conta a complexidade factual concatenada nesse mesmo quesito.
     78. Para lograr tal intento, a Recorrente teria de demonstrar a existência de prova notória e avassaladora, prova que impunha a concretização de que:
     - casos existiram de inimputabilidade do concessionário (terceiro, não a Recorrente);
     - nessas situações a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, “nova Concessão”;
     - que essa "nova Concessão" apenas teria lugar após negociações sobre os respectivos termos e condições, assim como que
     - tal foi o caso dos terrenos da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional "Jardins Lisboa".
     79. Salvo melhor e fundamentada opinião, a Recorrente não foi capaz de cumprir o ónus que sobre si impendia de identificar os elementos probatórios que impunham decisão diferente daquela tomada pelo Tribunal a quo, não tendo demonstrado:
     - casos em que o concessionário fosse tido como inimputável na execução do aproveitamento da concessão dos terrenos em apreço;
     - qual seria a concreta política15 da RAEM nesse tipo de situações;
     - quais os requisitos para que tal acontecesse, caso tal se viesse a verificar;
     - qual o concreto tratamento dado ao caso dos terrenos da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional “Jardins Lisboa", assim como
     - se entre esse caso e o dos autos se poderia fazer um juízo de equiparação.
     80. Tudo sopesado, ressalvando o respeito por melhor opinião, mácula não poderá ser assa cada à decisão sobre a matéria de facto quanto ao Quesito n.º 52, nem a Recorrente pode almejar reverter o teor da mesma, com base exclusivamente em dois curtos trechos de depoimentos de duas testemunhas, com ligação notória e confessada à mesma, quanto a factos dos quais não tem especial razão de ciência, baseando-se em suposto e alegado conhecimento público ou conhecimento pessoa.
     81. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
     82.
     IV. Da Natureza do Contrato Celebrado entre as Partes
     83. A Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto uma fracção autónoma dum edifício a construir. A natureza do contrato não deveria, sequer, ser discutida, não fosse a insistência da Recorrente na peregrina tese de estarmos perante um contrato 買樓花 ("Mai Lou Fa”) ou um verdadeiro contrato de compra e venda, a que só faltaria “a sua formalização por escritura pública após construídas as fracções" (vide parágrafo 233 das alegações de recurso).
     84. A venda das fracções autónomas do projecto X não tem qualquer particularidade de relevo, face à comercialização de quaisquer outras fracções autónomas em fase de projecto, no que é uma prática antiga. A promotora do empreendimento - a Recorrente - coloca no mercado as fracções autónomas enquanto bem futuro, financiando-se assim para prosseguir com a construção. Os pagamentos são faseados, à medida que a construção evolui, e a transmissão da propriedade apenas se faz com a escritura pública de compra e venda, uma vez terminada a construção.
     85. A qualificação dos contratos depende, sobretudo, das prestações típicas a que as partes contratantes se obrigam. No caso do contrato-promessa, as partes obrigam-se a celebrar um outro contrato (definitivo), como resulta claro do artigo 404.º do CC. Importa, pois, analisar o teor do contrato celebrado pelas partes para verificar se a prestação típica é, ou não, a celebração de um outro contrato. Uma análise do contrato não deixa margem para dúvidas. Particularmente claro é o disposto nas cláusulas 9.ª e 15.ª do contrato celebrado entre as partes, onde acordam na celebração da escritura pública de compra e venda.
     86. É certo que a terminologia utilizada pelas partes não vincula o Tribunal, mas o certo é que o contrato faz várias referências a contrato-promessa, a promitente comprador, a promitente vendedor e outras que são usuais em contratos-promessa. Logo o título do contrato evidencia o que era a intenção das partes, ao darem-lhe o nome de 樓宇買賣預約合約. Depois, na cláusula 1.ª ficou acordado que a parte A promete vender à parte B. Seria fastidioso enunciar todas as cláusulas relevantes mas, por exemplo, a perda dos valores pagos, caso a parte B falhasse algum pagamento (cláusula 5.ª), a necessidade de a Parte B obter consentimento da Parte A para o caso de pretender revender a fracção autónoma antes da celebração da escritura pública de compra e venda, pagando ainda uma comissão de 1% (cláusula 9.ª), a sujeição da Parte B a obras de decoração interior e exterior levadas a cabo pela parte A (cláusula 22.ª).
     87. Todas estas são cláusulas que demonstram que o objecto do contrato é a celebração de uma escritura pública de compra e venda e que, até esse momento, a parte B apenas detém direitos de natureza obrigacional. Nem de outra forma poderia ser, pois que a fracção autónoma não existe ainda.
     88. A Recorrente indica, por referência à obra de Menezes Cordeiro, os principais indicadores de que o intérprete se deverá socorrer para qualificar o contrato: a) a letra do negócio; b) os textos circundantes; c) os antecedentes e a prática negocial; d) o contexto; e) o objectivo em jogo e f) os elementos jurídicos extra-negociais. Ora, estes indicadores apontam inequivocamente para o contrato-promessa, conforme se passa a expor.
     89. A letra do contrato foi já analisada - e vem devidamente escalpelizada na Sentença Recorrida, em análise com a qual a Recorrida concorda sem reparo. Desde o título que as partes deram ao contrato ("contrato-promessa") à forma como nomeiam as partes ("promitente compradora" e "promitente vendedora"), incluindo a referência, na clausula 1.ª, a que a parte A promete vender à parte B. Aprestações que as partes fixam no contrato são igualmente reveladoras da sua intenção: comprometem-se a celebrar uma escritura-pública de compra e venda de uma fracção autónoma, sendo esse o objecto do negócio, conforme consta da cláusula 15.ª.
     90. A Recorrente ignora tudo isto e agarra-se à utilização da palavra depósito em vez de sinal, para daí concluir que não estamos perante um contrato-promessa, o que, francamente, constitui fraco argumento. No âmbito do contrato-promessa, as partes podem identificar os pagamentos feitos pelo promitente comprador como sendo depósito, sinal ou preço, indiferenciadamente. No final, presume-se que todos esses pagamentos têm o carácter de sinal e, consequentemente, seguem o regime estabelecido no artigo 435.º do CC. Por outro lado, qual a relação de depósito com um contrato de compra e venda de coisa futura? Nesse caso não deveria estar em causa preço? O argumento é destituído de qualquer valor.
     91. A prática negocial aponta claramente para a utilização do contrato-promessa de compra e venda. Basta recorrer ao Parecer n.º 2/IV/2013, da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, que a Recorrente cita no parágrafo 262 das suas alegações, para assim concluir, quando trata do regime de compra e venda de edifícios em construção anterior à Lei n.º 7/2013: "Na prática, é comum que as partes utilizem o contrato-promessa de compra e venda, documento conhecido pela generalidade da população como "contrato provisório (de compra e venda)"."
     92. A Recorrente agora avança ainda com a qualificação alternativa do contrato como sendo um contrato de reserva, conforme é sugerido em parecer da autoria de Menezes Cordeiro, mas sem grande convicção. O contrato de reserva é um pré-contrato sujeito à liberdade contratual. Sobre o tema, pode ler-se no acórdão proferido em 04/07/2023 pelo Tribunal da Relação de Lisboa (processo 25178/20.3T8LSB.L1-7)16 o seguinte:
     "tem-se entendido que o “Contrato de Reserva” já assumiu alguma tipicidade social, na vida económica corrente, pela frequência com que vem sendo convencionado, estando subordinado essencialmente às regras da liberdade contratual (Art. 405.º n.º 1 do C.C.).
     Higina Castelo (in “Reserva de Imóvel: com vista à futura celebração de contrato relativo a bem imóvel”, disponível in “blook.pt”) reconhece que esta figura possa ser recortada dentro dos chamados “acordos intermédios”, que para uns são meros instrumentos jurídicos, destituídos de natureza contratual, servindo de simples auxiliares de negociação de um dado acordo mercantil (cfr. Engrácia Antunes in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 97); para outros são uma forma de “contratação mitigada”, o que não significa que seja uma contratação fraca, mas antes uma contratação de tipo diferente, em que os deveres são de simples procedimento, de esforço e negociação, mas existem e devem ser cumpridos (cfr. Menezes Cordeiro in “Manual de Direito Comercial”, pág. 497); para outros ainda a sua juridicidade depende de interpretação casuística (cfr. Ana Prata in “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, pág. 125 a 136).
     No fundo não são ainda um contrato-promessa, com esse tipo de vinculação típica, nem estão sujeitos ao seu regime, mas são preliminares doutros contratos, estabelecidos ainda numa fase em que é possível o arrependimento, mas não deixam de ser verdadeiros contratos, nomeadamente quando neles seja estipulado o direito ao arrependimento mediante o pagamento de indemnização (cfr. Higina Castelo, in Ob. Loc. Cit. pág.s 14 a 16).
     Para Higina Castelo o contrato de reserva será um contrato bilateral ou sinalagmático, na medida em que cada uma das partes se obriga a realizar a sua prestação porque a parte contrária se obriga a efetuar a dela e para que esta se concretize, sendo cada prestação contrapartida e justificação da outra. Em concreto, o interessado na aquisição compromete-se a adquirir ou celebrar um contrato promessa de aquisição (sem prejuízo de poder alternativamente pagar pela sua desistência injustificada com quantia que adianta), porque a parte contrária se compromete a alienar ou celebrar contrato promessa de alienação (sem prejuízo de poder pagar pela sua desistência ad nutum, perdendo a quantia adiantada e, geralmente, outro tanto); e para que isso aconteça, o interessado na alienação compromete-se a alienar ou celebrar o contrato-promessa, porque a parte contrária se compromete a adquirir ou celebrar o contrato-promessa. O que implica que as partes se comportem de determinada forma, diligenciando o necessário naquele sentido, obtendo de documentação necessárias, como licenças, financiamentos bancários, procedendo a notificações de preferentes ou abstendo-se de negociar a coisa com terceiros (cfr. Higina Castelo in Ob. Loc. Cit. pág. 19).
     É normal que, quando as partes celebrem um contrato de reserva de imóvel, a vontade relativa ao contrato final ainda não se encontre suficientemente consolidada, pretendendo as partes manter a liberdade de contratar. No entanto, compreende-se ainda assim dentro da liberdade contratual o estabelecimento entre as partes das consequências jurídicas do direito ao arrependimento nessa fase pré-contratual relativamente ao contrato de alienação, ou ao contrato-promessa de alienação, como se fosse um “contrato-promessa precário”, no qual o arrependimento é permitido, sem possibilidade de execução específica, tendo como preço da desistência o valor da reserva, que funciona na prática como “sinal penitencial”.
     Noutra perspetiva, é como se tivesse sido estabelecida uma cláusula penal-indemnizatória, lícita nos termos do Art.º 810.º n.º 1 do C.C., em que a compensação devida pela obrigação de manter o imóvel fora do mercado durante determinado período de tempo, com os consequentes prejuízos daí decorrentes para o vendedor, deveria ser indemnizada pelo pagamento do valor da reserva que é fixado, por comum acordo, como adequado à reparação desses potenciais danos e é tido como suficiente para garantir a tutela da confiança relativa à expressão do interesse do comprador perante o vendedor na concretização do negócio visado."
     93. Desde logo, resultam sérias diferenças entre o contrato de reserva de imóvel e o contrato que as partes celebraram: (i) o contrato de reserva tem, em regra, como contrato que se lhe segue, o contrato-promessa de compra e venda, ao passo que ao contrato-promessa de compra e venda segue-se a escritura pública de compra e venda; (ii) o valor da reserva é em regra muito inferior ao do contrato-promessa; (iii) o prazo da reserva é um prazo curto porque é uma antecâmara da promessa de compra e venda.
     94. No caso dos autos, ao contrato celebrado pelas partes segue-se a escritura pública de compra e venda, o valor pago pela Recorrente é elevado (até poderia ter sido valor correspondente ao preço total) e o prazo foi fixado em 1200 de trabalho. Nada disto é, remotamente, semelhante ao regime do contrato de reserva.
     V. Do Incumprimento Contratual Definitivo
     95. O Contrato não foi cumprido pela Recorrente e a prestação típica a que a Recorrente se obrigou - a celebração da escritura pública de compra e venda sobre a fracção autónoma G25, 25.º andar G, Bloco X, Lote P s/n da Areia Preta - tornou-se impossível. Este é um facto que a Recorrente não quis inicialmente aceitar, mas que hoje é indesmentível. A concessão do terreno onde a Recorrente planeava construir o empreendimento X caducou (alíneas ff), gg), hh), ii) e jj)). Hoje, é do conhecimento público que aquele lote de terreno foi concedido à Macau Renovação Urbana, S.A., conforme Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 5/2021, de 1 de Março de 2021, facto que está na origem daqueloutro inscrito na alínea qqqq), pois que só assim pôde a Recorrida candidatar-se a uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019.
     96. A Recorrente assume já expressamente a impossibilidade de cumprimento, designadamente no parágrafo 69 das suas alegações, ao afirmar a existência de uma situação inviabilizante do cumprimento. Esse facto é destacado também na Sentença Recorrida, quando ali se afirma que as partes estão já de acordo que a prestação contratual a cargo da ré se tomou impossível depois da celebração do respectivo contrato.
     97. As partes acordam igualmente em que a impossibilidade de cumprimento é superveniente, objectiva, absoluta, total e definitiva, tal como foi decidido na Sentença Recorrida, pelo que é matéria que não será aqui abordada - vide págs. 25 e 26 da Sentença Recorrida e parágrafos 78 a 82 das alegações de recurso.
     98. A principal divergência entre as partes assenta na causa da impossibilidade de cumprimento. A Sentença Recorrida também o identifica correctamente, ao exarar que a essência da principal divergência entre as partes é a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal.
     99. A Recorrente esforça-se por tentar demonstrar - sem qualquer sucesso e, diga-se, desde já, com recurso a argumentos falaciosos, incorrendo em graves contradições e alegando contra os factos - que a impossibilidade de cumprimento resulta de conduta de terceiro, no caso, a RAEM. Recorde-se que, por ter por objecto coisa futura - uma fracção autónoma ainda não construída - a Recorrente havia-se obrigado a exercer as diligências necessárias para que a Recorrida adquirisse a fracção autónoma, conforme resulta do artigo 870.º do CC. Tratando-se de contrato-promessa de compra e venda, compete à Recorrente tomar as diligências necessárias para que seja possível celebrar o contrato prometido celebrado com a Recorrida, nas condições com esta acordadas. Cabe à Recorrente o ónus de provar que encetou tais diligências e que o fez com a necessária diligência, como um bom pai de família.
     100. A Recorrente obrigou-se, pois, a completar a construção, dentro do prazo da concessão, do complexo X, e a obter a respectiva licença de utilização nesse mesmo prazo, por forma a poder celebrar a escritura pública de compra e venda com a Recorrida no prazo de 1200 dias úteis. Para tanto, tinha necessariamente de, como passo prévio, obter a licença de construção, para o que necessitava de, com diligência, dar cumprimento atempado a todos os requisitos que a DSSOPT havia fixado, incluindo a elaboração dos estudos de impacto ambiental que a DSPA solicitasse.
     101. Havendo contrato, presume-se que o incumprimento é culposo, por força do disposto no artigo 788.º do CC, o que equivale a dizer que se presume ser a causa da impossibilidade de cumprimento imputável ao devedor. Faz, assim todo o sentido a fundamentação que se encontra na Sentença Recorrida, nos termos da qual só depois de concluir que (a impossibilidade da prestação) não é imputável ao devedor é que poderá relevar saber se é imputável a outrem, designadamente ao credor, a terceiro ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior).
     102. A Recorrente procura argumentar no sentido de que a culpa do incumprimento não lhe pode ser imputada, mas sim à RAEM, assim procurando ilidir a presunção de culpa. Trata-se de uma linha de argumentação que é destituída de qualquer mérito, conforme facilmente se demonstra.
     103. A Recorrente pretende provar nestes autos aquilo que não conseguiu provar quando demandou a RAEM na acção com o processo n.º 317/18-RA (acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual), que foi julgada improcedente. De igual modo, a Recorrente desistiu do pedido de intervenção acessória provocada da RAEM nestes mesmos autos. Isto é, a Recorrente optou por tentar imputar à RAEM responsabilidade no incumprimento do Contrato, mas não quer que a RAEM sequer se pronuncie sobre essa imputação. É, naturalmente, mais fácil fazê-lo tendo apenas a Recorrida como interlocutora, que não participou ou sequer acompanhou os meandros da negociação do contrato de concessão e sua execução.
     104. Passemos, então, à análise da argumentação expendida pela Recorrente, com a qual pretende imputar a causa da impossibilidade de cumprimento à RAEM e, assim, reverter a Sentença Recorrida.
     105. Afirma a Recorrente que a situação impeditiva do cumprimento do contrato se ficou a dever à conduta dos órgãos administrativos da RAEM que impuseram à Recorrente alterações ao projecto de arquitectura não previstas no contrato de concessão e o cumprimento de uma infinidade de exigências novas em matéria de impacto ambiental, também não previstas no contrato de concessão nem na legislação em vigor, para além do incumprimento reiterado dos prazos para decisão dos pedidos formulados pela Ré. Identificam-se, aqui, três blocos de factos nos quais assenta a tese da Recorrente: (i) imposição de alterações ao projecto de arquitectura não previstas no contrato de concessão, (ii) imposição do cumprimento de uma infinidade de exigências novas em matéria de impacto ambiental, também não previstas no contrato de concessão nem na legislação em vigor e (iii) incumprimento reiterado dos prazos para decisão dos pedidos formulados pela Ré.
     106. O primeiro bloco diz respeito a factos que ocorreram, no âmbito da relação da Recorrente com a RAEM, antes de 30 de Dezembro de 2010, isto é, antes de a Recorrente celebrar o contrato com a Recorrida. Ora, conforme a Sentença Recorrida bem apontou, relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com o autor, pois que antes disso não havia qualquer prestação devida pela ré que a RAEM pudesse impossibilitar de cumprir (vide pág. 39 da Sentença Recorrida). E assim é, na verdade, porque a Recorrente não pode nunca dizer que o cumprimento do contrato celebrado com a Recorrida foi afectado por factos com uma conduta com a qual não contava, que imputa a terceiro. Pelo contrário, aquando da celebração do contrato com a Recorrida, a Recorrente estava já perfeitamente ciente desses factos, que à data eram já factos históricos. A invocação deste primeiro bloco de factos apenas relevaria para dirimir uma qualquer disputa entre a Recorrente e a RAEM e não para avaliar a culpa da Recorrente no incumprimento do contrato celebrado com a Recorrida.
     107. A Recorrente parece estar ciente deste facto e aderir à posição assumida na Sentença Recorrida, quando, no parágrafo 96 das suas alegações, afirma que foi principalmente, a exigência de cumprimento de novos requisitos em matéria de impacto ambiental, associado ao não cumprimento de prazos definidos para a decisão dos pedidos formulados pela Recorrente que conduziu à situação de incumprimento do contrato. Mais adiante, no parágrafo 99, afirma que a não conclusão atempada das obras de aproveitamento do terreno se ficou a dever aos entraves resultantes da conduta da RAEM, principalmente, do exercício do ius variandi na execução do contrato de concessão celebrado com a Ré, após o momento da celebração do contrato dos autos (sublinhado e negrito no original). Isto é, a Recorrente aponta a causa do incumprimento à conduta da RAEM ocorrida depois da celebração do contrato com a Recorrida. Podemos, com isto, ignorar toda aquela mol de factos que a Recorrente invocou, ocorridos antes de 28 de Abril de 2011.
     108. Restam, pois, as exigências fixadas pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental ("DSPA") relativamente aos estudos de impacto ambiental, que condicionaram a aprovação do projecto de arquitectura, que a Recorrente apoda de ilegais e sem assento no contrato de concessão. Note-se que a primeira exigência de apresentação de um estudo de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento foi feita pela DSSOPT antes da celebração do contrato com a Recorrida, razão pela qual não pode também ser invocado aqui como facto impeditivo do cumprimento do contrato. Mas a Recorrente não tem razão na sua argumentação, como facilmente se comprova.
     109. A DSPA foi criada pela Lei n.º 6/2009, vindo depois a ser regida pelo Regulamento Administrativo n.º 14/2009, entrado em vigor a 29 de Junho de 2009. De entre as suas atribuições destaca-se, para efeitos destes autos, emitir parecer no âmbito do processo de avaliação de impacto ambiental dos projectos e acções cujo licenciamento ou autorização compitam a outras entidades e elaborar ou avaliar estudos de impacto ambiental (artigo 3.º, alíneas 11) e 13)). Por sua vez, o artigo 3.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto (Regulamento Geral da Construção Urbana) faculta à DSSOPT a possibilidade de confirmar que, nos termos da lei, as obras a executar carecem de parecer de outras entidades públicas, cabendo então à DSSOPT comunicar tal facto ao interessado com a maior brevidade possível. Essas outras "entidades públicas" incluem, a partir da entrada em vigor do Regulamento Administrativo n.º 14/2009, a DSPA.
     110. A lei n.º 2/91/M, de 11 de Março (Lei de Bases do Ambiente) estabelece, por sua vez, que os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, a saúde e a qualidade de vida da população, que sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da Administração ou de instituições públicas ou privadas, devem ser acompanhados de estudo de impacte ambiental (artigo 28.º, n.º 1) e que a aprovação do estudo de impacte ambiental é condição essencial para o licenciamento final das obras e trabalhos pelos serviços competentes (artigo 28.º, n.º 3).
     111. Sucede que, até à criação da DSPA, a Administração não estava dotada dos meios necessários a fazer implementar estas políticas, conforme foi reconhecido pelo Governo da RAEM, ao apresentar a proposta de lei que deu origem à Lei n.º 6/2009. No parecer n.º 2/III/2009, da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, pode ler-se: A proposta legislativa em análise defende que o actual quadro regulatório, composto essencialmente por um Conselho do Ambiente que se encontra "dotado de estrutura simples e atribuições reduzidas, não pode fazer face ao presente e futuro desenvolvimento da comunidade de Macau, bem como responder às solicitações dos cidadãos e às pretensões e necessidades da protecção ambiental, exigidas em termos de cooperação regional e internacional". Por isso, a versão original da proposta de lei entendia ser de se proceder à extinção do Conselho do Ambiente, passando as suas atribuições "para os Serviços com atribuições na área da protecção ambiental, a criar por regulamento administrativo". Estes novos "Serviços" veriam a sua capacidade de intervenção revigorada, procurando-se reforçar a "protecção dos direitos ambientais e a aplicação da lei”, bem como assegurar o gradual desenvolvimento e a plena implementação das políticas ambientais do Governo de Macau. (págs. 2 e 3).
     112. A exigência de estudos de impacto ambiental não tem, pois, nada de ilegal e possui, até, plena justificação, face à dimensão (18 torres habitacionais) que o projecto contemplava.
     113. Se a exigência de estudos de impacto ambiental encontra pleno esteio na letra da lei desde, pelo menos, 1991, não se entende a argumentação da Recorrente, ao insistir na ilegalidade de tais exigências, porém, sem lhe emprestar grandes desenvolvimentos, como se de um sound bite se tratasse. Como se não compreende também a insistência no ius variandi da Administração, como se esta tivesse unilateralmente alterado o contrato de concessão, impondo exigências nele não contempladas. A Administração exigiu o cumprimento da lei, nada mais, e a acusação de ilegalidade que a Recorrente profere não é séria. A RAEM não criou qualquer entrave ilegal à actuação da Recorrente, limitou-se a cumprir a lei nos termos que entendeu melhor prosseguirem o interesse público e a Recorrente não consegue avançar qualquer argumento sério que aponte em sentido contrário, Por outro lado, a Recorrente nunca impugnou qualquer acto da Administração, nunca reclamou, nunca recorreu nem uma única exposição fez à Administração, onde manifestasse o seu desagrado ou preocupação com a forma como o processo estava a ser conduzido. Só depois de a caducidade da concessão ter sido declarada é que a Recorrente reagiu, o que retira qualquer laivo de credibilidade às suas queixas sobre ilegalidades cometidas pela Administração.
     114. Importa, agora, saltar para uma outra questão, que a Recorrente trata com detalhe. Uma questão em relação à qual a Recorrente consegue, ao mesmo tempo, entrar em contradição consigo própria e alegar contra os factos, o que só por si representa um feito de relevo. Trata-se da aprovação do projecto de arquitectura.
     115. A este respeito, a Recorrente esforça-se por tentar demonstrar que o projecto de arquitectura foi aprovado incondicionalmente em 30 de Dezembro de 2010, socorrendo-se para tanto dos factos constantes das alíneas nn), oo) e pp). Esta afirmação, que a Recorrente repete nos parágrafos 142, 150, 151, 172 e nas conclusões 52.ª e 68.ª, não corresponde à verdade.
     116. Em primeiro lugar, a Recorrente pretende esquecer, convenientemente, o facto contido na alínea z), isto é, que após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Ré, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013. A aprovação definitiva do projecto ocorreu, pois, em 29 de Dezembro de 2013, não em 30 de Dezembro de 2010, conforme ficou provado nestes autos. Ignorar isto é alegar contra os factos, procurando subvertê-los, o que é censurável.
     117. Poderia até a Recorrente argumentar com uma qualquer contradição entre o facto z) e o facto nn). A contradição, a existir, seria apenas aparente, uma vez que o facto nn) não esclarece se a aprovação foi condicionada ou não, e o facto pp) aponta claramente para a existência da condição.
     118. Porém, a Recorrente não se limita a alegar contra os factos. Incorre igualmente em grave contradição com o que foi dizendo noutras instâncias e com o que afirma no parágrafo 196 das suas alegações, onde assume que a aprovação do projecto foi condicionada. Quanto a outras instâncias, veja-se, por exemplo, o que a Recorrente alegou no processo 179/2016, desse mesmo TSI (onde a Recorrente impugnou o acto do Chefe do Executivo, datado de 26.01.2016, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote "P"): O projecto foi aprovado condicionadamente em 07/01/2011 (extraído da conclusão 25 da respectiva petição de recurso contencioso de anulação). Na mesma peça, mais adiante: Em 15/10/2013 a Recorrente foi notificada da aprovação do projecto de arquitectura (extraído da conclusão 31).17
     119. Que a aprovação do projecto de arquitectura só ocorreu, em definitivo, em 29 de Agosto de 2013 resulta da matéria dada como provada em diversas decisões judiciais proferidas em procedimentos judiciais intentados pela Recorrente. Desde logo, naquele acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 179/2016: Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da recorrente, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013 (facto 19). Também na sentença proferida no processo n.º 317/18-RA, do Tribunal Administrativo (acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual intentada pela Recorrente contra a RAEM), ficou provado que: Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Autora, foi o projecto finalmente aprovado, o que foi comunicado à Autora através do oficio n.º 11031/DURDEP/2013, em 15 de Outubro de 2013 (facto 14)18. O mesmíssimo se diga do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 55/2016 (procedimento de suspensão de eficácia do acto do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote "P"): Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da requerente, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013 (facto 17)19.
     120. A identidade que se detecta na redacção deste facto, nas diversas instâncias, sugere que nelas tenha sido invocado pela própria Recorrente.
     121. Basta atentar, também, no teor do Parecer n.º 59/2014 da Comissão de Terras, que se encontra reproduzido na sentença proferida no processo 317/18-RA, supra referido: A concessionária apresentou respectivamente em 15 de Janeiro de 2014 e 30 de Janeiro de 2014 um requerimento e documentos complementares nos quais solicitou a prorrogação do prazo de aproveitamento do lote «P» por 72 meses, exprimindo que após autorização da alteração da finalidade do lote «P» (por Despacho do SOPT n.º 19/2006, a finalidade inicial de industrial tinha sido alterada para habitacional), tinha acompanhado activamente o desenvolvimento do empreendimento, no entanto, devido à grande dimensão e à complexidade técnica do mesmo, o projecto de arquitectura apresentado em 22 de Outubro de 2009 acabou por ser aprovado condicionalmente em 30 de Dezembro de 2010 após feitas várias alterações. (parágrafo 13).
     122. Ou seja, está provado nestes autos, como em todos os outros processos judiciais onde a questão foi discutida por iniciativa da Recorrente, que a aprovação definitiva do projecto de arquitectura apenas ocorreu em 29 de Agosto de 2013, facto que foi sempre assumido pela Recorrente nessas outras instâncias. Não pode a Recorrente agora pretender reescrever a história, forçando um entendimento diverso, nos termos do qual a aprovação de 30 de Dezembro de 2010 teria sido incondicionada.
     123. Mesmo que a argumentação da Recorrente colhesse, o que não se aceita, ela não passa de um jogo de palavras, que em nada altera a sua responsabilidade pelo incumprimento do contrato, conforme se verá. A verdade é que, de uma maneira ou da outra, a Recorrente não podia obter, na sequência da aprovação de 30 de Dezembro de 2010, a emissão da licença de construção, nem sequer para as fundações, o que de igual modo a colocava, à data em que contratou com a Recorrida, na contingência de ter de dar cumprimento ao determinado pela DSSOPT para poder dar início à obra.
     124. A Recorrente celebrou com a Recorrida um contrato-promessa de compra e venda em 28 de Abril de 2011, antes mesmo de a DSPA ter emitido o seu primeiro parecer, o que veio a acontecer em 21 de Junho de 2011. Ou seja, a Recorrente contratou a promessa de venda de uma fracção autónoma à Recorrida sem ter licença de construção e sem ter, sequer, o projecto incondicionalmente aprovado.
     125. Tudo isto porque a Recorrente insistia em não querer respeitar a recomendação feita pela DSSOPT de assegurar um afastamento mínimo entre as torres. Competia, pois, à Recorrente demonstrar, entre outras coisas, que o projectado empreendimento não teria consequências nefastas em matéria de circulação de ar. As exigências feitas pela DSSOPT e DSPA nesta matéria foram mais que razoáveis, pois que a finalidade deste exercício não era provar que o distanciamento entre torres que foi sugerido pela DSSOPT era necessário, mas sim que o projecto, sem respeitar essa sugestão, era viável em termos ambientais. E isso foi conseguido.
     126. A Recorrente procura desvalorizar a etapa respeitante à produção e aprovação dos relatórios de impacto ambiental, como se de mera formalidade se tratasse - vide, designadamente, os parágrafos 146 154 das alegações de recurso, que apontam para que a emissão da licença de construção, dependente do cumprimento daquelas exigências respeitantes à apresentação dos relatórios de impacto ambiental, era uma mera formalidade. Se assim era, se a provação do projecto de arquitectura era incondicional, há que questionar a razão pela qual a Recorrente não solicitou logo a emissão da licença, conforme determina o n.º 1 do artigo 42.º do RGCU?
     127. Das alegações de recurso resulta que a Recorrente tem um muito sui generis entendimento do que seja a conduta esperada de um bom pai de família. Apesar de afirmar que a exigência de estudos de impacto ambiental fora inédita - vide parágrafos 173 e 178 das alegações de recurso - e com isso reconhecer que nenhuma experiência tinha na matéria, nem podia colher de casos semelhantes ocorridos com outros promotores, a Recorrente declara que nunca lhe ocorreu poder daí advir uma situação de impossibilidade de incumprimento. Não se entende a lógica (ou a falta dela).
     128. Caso os estudos de impacto ambiental fossem comuns e a Recorrente tivesse deles experiência prévia, que apontasse para que a situação pudesse estar resolvida a curto prazo, já poderia fazer algum sentido a convicção da Recorrente de que conseguiria ultrapassar essa etapa com facilidade. Mas não era esse o caso, a Recorrente não possuía referências ou termos de comparação que lhe pudessem criar a expectativa de que poderia cumprir com as condições impostas pela DSSOPT e assim obter a almejada licença de construção.
     129. De qualquer forma, recorde-se uma vez mais que o estudo de impacto ambiental não foi uma surpresa que tivesse apanhado a Recorrente desprevenida depois de ter contratado com a Recorrida. Pelo contrário, essa exigência já tinha sido fixada antes de contratar a venda de uma fracção autónoma à Recorrida.
     130. Nestas circunstâncias, o que recomenda a prudência? Actuar com extrema cautela, pois que pisamos terreno desconhecido, proceder com a máxima diligência, uma vez que não se sabe qual vai ser o desfecho deste exercício. Exactamente o contrário do que a Recorrente fez, ao começar de imediato a celebrar contratos-promessa de compra e venda e a receber pagamentos dos promitentes compradores, envolvendo-os assim também a eles nessa viagem sem destino seguro. Tudo aquilo que um bom pai de família não faria.
     131. A aconselhar extrema prudência estava ainda o facto, correctamente identificado na Sentença Recorrida (relacionamento lento e exigente), de a Recorrente se queixar de constantes atrasos por parte da Administração, mesmo antes da aprovação condicionada do projecto de arquitectura. Esses atrasos, ou o que assim fosse entendido por parte da Recorrente, deveriam ter-lhe recomendado acrescidas cautelas na forma como lidava com a situação, pois que tais atrasos poderiam repetir-se e eram aparentemente a norma na sua relação com a Administração.
     132. Qualquer promotor imobiliário minimamente versado no ofício sabe que os processos de aprovação de projectos e de licenciamento não são tramitados nos curtos prazos que a lei indicativamente fixa, sobretudo quando se trata de um empreendimento imobiliário com 18 torres.
     133. Agora, a Recorrente dá o dito por não dito, numa desesperada tentativa de evitar que da sua actuação se retirem as consequências legais, por ter actuado com negligência (grave). No parágrafo 194 das alegações de recurso, afirma a Recorrente que contrariamente ao que se supõe na douta Sentença recorrida, o relacionamento anterior entre a Recorrente e a RAEM não foi "lento e exigente" no que respeita à aprovação do projecto de arquitectura, principalmente, tendo em conta o que sucedeu depois da assinatura do contrato dos autos com o Autor. Esta afirmação é espantosa, quando confrontada com a posição assumida pela mesma Recorrente na contestação - vide artigos 34 a 53, que nada mais significam do que queixas contra os atrasos e exigências da Administração (o tal relacionamento lento e exigente). No artigo 53 da contestação a Recorrente conclui que assim, entre 2008 e 2010 já se haviam perdido dois anos do prazo de aproveitamento em virtude da ideia da DSSOPT de introduzir inovadoramente em Macau a condição urbanística de afastamento mínimo entre as torres. Veja-se, também a súmula feita no artigo 115 da contestação: Entre 06/05/2008 e 07/01/2011, a conduta da DSSOPT fez à Ré perder 32 meses, quando podia desde o início ter apresentado a pretendida condição urbanística de 1/6 de afastamento entre as torres.
     134. Factos são factos e a Recorrente, mais uma vez, apresenta uma versão da história que choca frontalmente com o que havia sido a sua conduta neste processo. A DSSOPT fez a Recorrente perder 32 meses e isso não significa um relacionamento lento? A razão de ser da invocação daqueles factos por parte da Recorrente era, precisamente, imputar à RAEM atrasos na apreciação do projecto que tinham contribuído de forma decisiva para a impossibilidade de aproveitamento do terreno dentro do prazo da concessão! Além de que, a haver lentidão, foi de ambas as partes. Os factos provados revelam à saciedade que a Recorrente não imprimiu à sua conduta, mesmo antes da aprovação condicionada do projecto de arquitectura, a celeridade que se impunha. Adiante.
     135. A cronologia respeitante aos estudos de impacto ambiental revela que a Recorrente também aqui não actuou com a necessária celeridade, pois que levou quatro meses para entregar um primeiro relatório de impacto ambiental, mais de seis meses para entregar um segundo relatório, mais de três meses para o terceiro relatório, dois meses e meio para o quarto relatório, mês e meio para o quinto relatório e dez dias para o sexto relatório. Isto é, a Recorrente levou mais de ano e meio para dar resposta aos pedidos de relatórios formulados pela DSPA, a qual emitiu parecer em prazos bem mais curtos. Para quem estava a lutar contra o tempo para conseguir concluir a obra dentro do prazo da concessão - e sabe-se bem que atrasos em obra devidos a imprevistos são frequentes - a Recorrente demonstra que não actuou com a necessária prudência, ao não imprimir urgência nas respostas. Não é a conduta que se espera de um bom pai de família ou de um gestor prudente e cauteloso e a Recorrente não desenvolveu as diligências necessárias para que seja possível celebrar o contrato prometido celebrado com a Recorrida. Atente-se que a Recorrente já não dispunha, à data da contratação com a Recorrida, de 96 meses para concluir o aproveitamento dentro do prazo, mas sim de meros 34 meses. Contra o pagamento de uma multa, poderia contar com 58 meses até à caducidade da concessão. Tendo ficado provado que a Recorrente conseguiria concluir o aproveitamento em 36 a 48 meses - vide facto oooo) -, demonstrado fica que a Recorrente não tinha margens para erros. Seguro era que não conseguiria aproveitar a concessão no prazo de aproveitamento e qualquer deslize poderia conduzir à ultrapassagem do prazo da concessão - e ultrapassagens de prazo em obras de construção são tudo menos raras. Tudo isto impunha à Recorrente que actuasse com uma diligência bem superior à média, no cumprimento das exigências da DSPA e na apresentação dos estudos de impacto ambiental. Exactamente o contrário do que a conduta da Recorrente revela.
     136. Afirma a Recorrente que, em 26 de Julho de 2013, reuniu com a DSSOPT e com a DSPA, a seu pedido, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação do Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental - vide parágrafo 162 e factos hhhh) e iiii). Se esta foi a única iniciativa da Recorrente para procurar acelerar o processo, foi muito pouco e demasiado tarde. A iniciativa da Recorrente teve lugar depois da apresentação do 5.º relatório e, nessa data, faltavam menos de dois anos e meio para o termo do prazo da concessão, sendo já impossível concluir o aproveitamento.
     137. O que se esperaria de um gestor prudente e cauteloso, ou de um bom pai de família, seria agendar a reunião logo de início, por forma a melhor entender os requisitos e exigências da DSSOPT, relativamente a um procedimento que, conforme a Recorrente afirma, era inédito e para o qual não possuía qualquer experiência.
     138. Pois bem, o argumento esgrimido pela Recorrente, de que nenhum empreendedor imobiliário de Macau, normalmente diligente, poderia contar com as exigências da DSPA relativamente aos relatórios de impacto ambiental apenas faria sentido se a Recorrente tivesse sido confrontada com a exigência desses relatórios depois de celebrado o contrato com a Recorrida. Sendo certo que a DSPA foi acrescentando questões a abordar naqueles relatórios, o procedimento já tinha sido iniciado antes da celebração do contrato e a Recorrente não estava devidamente preparada para lhe dar resposta, porque nenhuma experiência tinha na matéria.
     139. Ao celebrar o contrato com a Recorrida nestas condições, ciente de que o prazo de aproveitamento iria expirar daí a menos de 3 anos e que a concessão caducava em 25 de Dezembro de 2015, a Recorrente optou por fazer recair sobre a Recorrida o risco de não conseguir concluir o aproveitamento no prazo respectivo ou, mesmo, no prazo da concessão.
     140. A Recorrente optou voluntariamente por celebrar contratos-promessa de compra e venda sem se assegurar previamente de que estavam reunidas as condições para os poder cumprir, numa conduta que, no mínimo apenas se poderá qualificar de gravemente negligente. Correu o risco de não conseguir cumprir e fez a Recorrida partilhar desse risco.
     141. Resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que a Recorrente estava convencida de que iria conseguir construir o empreendimento X (facto pppp)), que estava convicta que o prazo estipulado para o aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento e que, quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a Recorrente estava convencida de que a Administração lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento (facto xxxx)).
     142. Não se sabe quantas outras convicções teria a Recorrente, mas fica-se com a ideia de que tinha convicções fortes. O problema é que essas convicções, por si só, de nada valem quando desacompanhadas de factos que lhes dêem alguma consistência e lhes emprestem suficiente fundamentação. É o mesmo que dizer que o condutor do veículo, apanhado a circular a 200km/h em circuito urbano, estava convencido de seguia a 60km/h, para o isentar de responsabilidades.
     143. Ora, analisada toda a matéria de facto, não se detecta elemento algum que pudesse dar consistência a esta auto-convicção da Recorrente; antes pelo contrário. O Parecer da Comissão de Terras de 26 de Junho de 2014 é claro ao interpretar os dispositivos legais aplicáveis: a Recorrente não vai conseguir concluir o aproveitamento dentro do prazo da concessão; o aproveitamento do terreno não pode ir além do prazo da concessão; a concessão provisória não pode ser convertida em definitiva sem o aproveitamento estar concluído dentro do prazo da concessão; terminado o prazo da concessão sem o aproveitamento estar concluído, terá de ser declarada a caducidade da concessão; nova concessão terá de ser feita por concurso público (facto ggg)).
     144. Este parecer da Comissão de Terras sumaria, pois, aquilo que de mais importante sobre esta matéria a Lei de Terras dispõe e determina: (i) terminado o prazo da concessão sem o aproveitamento estar concluído, terá de ser declarada a caducidade da concessão; (ii) nova concessão terá de ser feita por concurso público. A Recorrente não podia ignorar esta realidade e se criou uma convicção assente noutro qualquer conjunto de normas ou em expectativas assentes em quaisquer outras circunstâncias, deveria fazê-lo por sua conta e risco, sem envolver terceiros e sem os arrastar para o abismo. Trata-se de expectativas ou convicções sem qualquer fundamento legal. Qual é a norma da Lei de Terras que permite a prorrogação de concessões provisórias? Sobre isso, a Recorrente nada disse. E qual é a norma da Lei de Terras que, em casos como o dos autos, permite a dispensa de concurso público? De novo, o silêncio.
     145. Em suma, a Recorrente sabia - ou devia saber, atendendo à sua posição de grande promotora imobiliária - que tinha de completar o empreendimento X no máximo até 25 de Dezembro de 2015 e que tinha de tomar todas as diligências necessárias para o conseguir. Mas não o fez. Conforme resulta claro da convicção que criou, contava com uma prorrogação do contrato de concessão ou com uma nova concessão e só isso justifica a recusa de acolher a recomendação da DSSOPT sobre o afastamento das torres e a forma morosa e ineficiente como lidou com a necessidade de apresentar relatórios de impacto ambiental.
     146. Nada nos autos permite inverter a presunção de culpa da Recorrente. Antes pelo contrário, reforça a convicção de que agiu com culpa. E culpa grave, indesculpável.
     147. A Sentença Recorrida faz uso do disposto no n.º 1 do artigo 481.º do CC, na perspectiva da actio libera in causa negligente. A Recorrida entende que a fundamentação da Sentença Recorrida - que, de passagem se diga, se reveste de robusta valia técnica - seria igualmente válida sem recurso àquele preceito legal e por simples remissão para o conceito de negligência, aqui concretizada na omissão da conduta necessária a que a Recorrente adoptasse as diligências necessárias para que fosse possível celebrar o contrato prometido celebrado com a Recorrida.
     148. A Sentença Recorrida aponta, certeiramente, que nem a pretende que lhe não seja imputada a culpa no incumprimento porque a RAEM criou entraves ilegais que impediram a Recorrente de construir atempadamente (só relevando aqui entraves ocorridos depois do contrato celebrado com a Recorrida), e criou expectativas na Recorrente de que lhe permitiria construir mesmo para lá do fim do prazo da concessão, que se vieram a frustrar (aqui apenas relevando expectativas criadas antes da celebração do contrato com a Recorrida). Conclui a Sentença Recorrida que, para os entraves serem relevantes, não interessa se foram ilegais ou ilícitos, bastando saber se eram imprevisíveis ou improváveis no momento da criação do dever de prestar, para quem actuasse com a diligência média com que actuaria o bonus pater familias. E a verdade é que não eram nem imprevisíveis, nem improváveis, o que retira substância ao argumento da Recorrente.
     149. Quanto às expectativas, conforme bem aponta a Sentença Recorrida, não se sabe em que assentaram. As expectativas em causa eram que a Administração prorrogaria o prazo da concessão, ou viabilizaria nova concessão do mesmo terreno. Porém, não se sabe qual a causa que esteve na génese dessa expectativa nem quando tais expectativas foram criadas. Qualquer expectativa criada apenas poderia assentar nos elementos que os autos revelam e, na verdade, os autos não revelam comunicação alguma trocada com a Administração que pudesse, por si, criar expectativa alguma. O que existe é a actuação da Administração que vem descrita nos autos, na qual não se consegue desvendar qualquer fonte de expectativa séria.
     150. Relativamente às expectativas que a Recorrente afirma ter relativamente à prorrogação do prazo da concessão ou a uma nova concessão do mesmo terreno, importa realçar que, mesmo que tivessem fundamento na conduta da Administração antes da celebração do contrato com a Recorrida, ainda assim elas não evitariam o incumprimento do contrato.
     151. Com efeito, o prazo para a entrega da fracção autónoma à Recorrida era de 1200 dias úteis (excluindo-se os Domingos, feriados e dias de chuva) a contar de 28 de Abril de 2011, o que corresponde, nas palavras da própria Recorrente, a pouco mais de 4 anos (parágrafo 135 das alegações de recurso), o que significa que esse prazo de 1200 dias deveria caducar por volta de finais de 2015. Tendo a licença de construção das fundações sido emitida em 2 de Janeiro de 2014 e devendo a obra levar entre 3 a 4 anos a ser concluída, é seguro que nunca a fracção estaria em condições de ser entregue no termo do prazo de 1200, o que conferia à Recorrente o direito de ver o contrato resolvido, com as inerentes consequências indemnizatórias. Isto é, não seria a prorrogação do prazo da concessão ou uma nova concessão que iriam evitar o incumprimento definitivo do contrato por parte da Recorrente.
     VI. Do Dano
     152. Estamos, como já vimos, perante um contrato-promessa, pelo que se presume que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pela Recorrida à Recorrente, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço, conforme dispõe o artigo 435.º do CC. A Recorrente quis contrariar esta presunção, alegando que as partes. não tinham querido atribuir às quantias pagas pela Recorrida a natureza de sinal, mas não o logrou provar (quesito 45.º). Seria, de resto, uma situação chocante, atendendo a que o contrato fixa, para o caso de incumprimento da obrigação de pagamento de qualquer uma das prestações do preço por parte da Recorrida, o regime do sinal, com a consequente perda de tudo o que foi prestado (cláusula 5.ª do contrato), bem como de quaisquer direitos à fracção.
     153. Mas o contrato não diz, em lado nenhum, que os pagamentos não seguem o regime do sinal e isso deveria ser razão suficiente para arredar mais esta peregrina tese da Recorrente.
     154. Por força do regime do sinal, tendo a Recorrida pago à Recorrente a quantia de HKD1.230.000,00, tem o direito a exigir o dobro do que prestou, ou seja, HKD2.460.000,00, conforme foi fixado na Sentença Recorrida. A Recorrida não recorreu do decaimento relativamente ao dano excedente, pelo que se trata de matéria que não é mais chamada à discussão.
     155. O lote P acabou por ser, em 2021, concessionado à Macau Renovação Urbana, S.A. A Recorrida, por sua vez, na qualidade de promitente-compradora (esta qualidade era requisito para a candidatura, não enquanto parte num contrato de reserva ou numa venda de bem futuro ...) de fracção autónoma destinada a fins habitacionais em construção do anterior projecto de construção no lote «P», nos Novos Aterros da Areia Preta, na península de Macau (anterior X), candidatou-se à compra de uma habitação para troca junto da Macau Renovação Urbana, SA., ao abrigo do Despacho do Chefe do Executivo n.º 89/2019.20
     156. O preço de venda da habitação para troca resulta da multiplicação do preço unitário por metro quadrado, calculado com base no preço e na área útil da fracção autónoma em construção que a Recorrida tinha prometido comprar, pela área útil daquela habitação para troca.
     157. A Recorrida habilitou-se, assim, a uma fracção de 78.49m2, pela qual deverá oportunamente pagar HKD4.100.000,00 ou MOP4.223.000,00.
     158. Alega a Recorrente que a Recorrida nenhum prejuízo sofreu com o incumprimento do contrato, porquanto virá a obter, em condições análogas, aquela fracção autónoma da Macau Renovação Urbana. Esta afirmação não é verdadeira.
     159. Não é verdadeira, desde logo, porque os promitentes-compradores que se candidataram a uma fracção autónoma de substituição foram já notificados para fazerem um primeiro pagamento ainda este ano de 2024 e a Recorrente ainda não restituiu à Recorrida o valor por ela pago a título de sinal, nem sequer em singelo. Sem receber o valor que pagou, a Recorrida poderá não conseguir fazer face à obrigação de pagamento à Macau Renovação Urbana, com o que corre sério risco de perder o direito à fracção autónoma. E, nessa situação, bem que poderá de novo estar em causa o dano excedente, que a Sentença Recorrida entendeu não se verificar por força da dita fracção de substituição.
     160. Em segundo lugar, tudo o que é análogo entre as duas fracções é a tipologia, preço e área. Tudo o resto é diferente, desde os acabamentos aos serviços proporcionados aos condóminos (clube, etc.) até à orientação da fracção autónoma. O valor de mercado que se esperava para as fracções do X seria substancialmente superior ao valor de mercado da fracção que a Recorrida poderá vir a receber.
     161. Em terceiro lugar, a Recorrida devia ter recebido a sua fracção autónoma em finais de 2015. Estamos em 2024 e ainda não há qualquer certeza sobre quando a fracção autónoma de substituição lhe poderá ser entregue, caso possa efectivamente pagar o respectivo preço. Recorde-se que o prazo de aproveitamento do terreno concedido à Macau Renovação Urbana, S.A. é de 60 meses, que poderão ser ainda prorrogados, a contar de 10 de Março de 2021, ou seja, apenas termina em 10 de Março de 2026. Este é um dano indemnizável que, por não ter sido autonomamente peticionado, não pode ser cumulado com a indemnização correspondente ao sinal, a título de dano excedente e na parte exceda o valor do sinal, mas que, de qualquer maneira, terá de ser levado em consideração quando se pretenda reduzir a indemnização por ser manifestamente excessiva, com base no regime do n.º 1 do artigo 801.º do CC, aplicável por força do n.º 5 do artigo 436.º do CC. Deverá, pois, esse dano ser dado como indemnizado pelo pagamento do sinal em dobro, indemnização essa que, pelas razões aduzidas, nada tem de excessiva.
     162. Para concluir as suas alegações, a Recorrente cita passagens de dois acórdãos do TUI, totalmente descontextualizadas. O que o TUI afirma é que o contraente inocente não pode ser indemnizado, em simultâneo, pelo dobro do sinal e pelo dano excedente. O dano excedente consome o dobro do sinal. No limite, o valor do dobro do sinal deverá ser abatido ao dano excedente, reduzindo-se este na proporção do sinal. Ora, nem é isto que a Recorrente peticionou, nem foi esta a decisão do Tribunal a quo, que se limitou a condenar no pagamento do sinal em dobro com juros a contar da citação. A referência a estes acórdãos do TUI serve, apenas, para fazer aparentar um forte esteio da posição da Recorrente na jurisprudência do nosso tribunal supremo quando, na realidade, tais arestos são totalmente estranhos aos temas que se discutem nesta lide.
*
    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a. Uma nota prévia.
     A ré alegou que apresentou um 5º relatório de estudo de impacto ambiental e o autor aceitou no art. 38º da réplica. O tribunal colectivo considerou que a apresentação do referido 5º relatório não estava provada. Tem de se considerar apresentado tal 5º relatório (arts. 549º, nº 4 e 562º, nº 3 do CPC).
     Crê-se, no entanto, que não altera a decisão e, por isso, nada se altera neste momento na matéria de facto que segue.
     b. Estão provados os seguintes factos:
     a) A Ré é uma sociedade constituída em Macau, que tem por objecto a exploração do comércio de importação e exportação, no exercício da actividade de agente comercial e de transportes, na indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, no fabrico de bordados, e ainda na actividade de fomento predial e na construção e reparação de edifícios.
     b) No exercício da sua actividade comercial, a Ré, na qualidade de concessionária por arrendamento do Lote P, s/n, sito em Macau, na zona da Areia Preta, promoveu a construção de um empreendimento residencial constituído por 18 torres, a que daria o nome de “X”.
     c) No dia 28 de Abril de 2011, o Autor celebrou com a Ré um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》, pelo qual prometeu comprar, e a Ré prometeu vender, a futura fracção autónoma G25, 25.º andar G, do Bloco X, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... (Documento 2, que se dá por integralmente reproduzido).
     d) O preço acordado foi de HKD4,100,000.00, a pagar em dois momentos:
     a) HKD1,230,000.00 pagos na data da celebração do contrato;
     b) HKD2,870,000,00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário.
     e) A Ré comprometeu-se, na cláusula 10.ª do contrato celebrado, a entregar a fracção autónoma no prazo de 1200 dias úteis de sol aos compradores, o que exclui os Domingos, feriados e dias de chuva, contados a partir da conclusão das obras de cobertura do 1.º piso; caso o prazo não fosse cumprido, a Ré pagaria ao Autor juros de mora, calculados à taxa de juros das contas-poupança praticada pelos bancos, sobre o montante já recebido a título de princípio de pagamento.
     f) O Autor pagou à Ré, em 28 de Abril de 2011, por conta do contrato celebrado, a quantia total de HKD1,230,000.00.
     g) No dia 3 de Maio de 2011, o Autor procedeu ao pagamento do imposto do selo devido pela aquisição da fracção G25, no valor global de MOP22.171,00.
     h) Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho nº 107/SATOP/91, publicado no BO, nº 26, de 1/07/1991, foi concedido à Ré o terreno, a resgatar ao mar, com a área de 60,782m2, constituído por 3 lotes com a designação de Lote “O”, para fins habitacionais, Lote “S” para fins habitacionais e Lote “Pa” para fins industriais.
     i) De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos da concessão fixados naquele despacho, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
     j) De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 2, mais se previu que “O prazo do arrendamento fixado no número anterior poderá, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049”.
     k) Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb” destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único com a área global de 67.536m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
     l) Através desta revisão o prazo global de aproveitamento do terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
     m) As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e o respectivo terreno passou a estar descrito sob o n.º ... do Livro …, com a designação de Lote “P”.
     n) O “complexo industrial” foi construído no lote “P” e entrou em funcionamento, tendo as entidades competentes emitido as respectivas licenças.
     o) O lote O foi aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 3 pisos sobre o qual assentam 6 torres com 29 pisos cada, afecto às finalidades de habitação, comércio, estacionamento e jardim.
     p) Com vista a aferir da viabilidade da alteração da finalidade e aproveitamento, a Ré apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T-6451).
     q) Por Despacho n.º 19/2006, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 9, II Série, de 1 de Março de 2006, foi “parcialmente revista, nos termos e condições do contrato em anexo, a concessão, por arrendamento, do terreno com a área global de 91.273m2, constituído por 3 lotes designado por “O”, “P” e “S”, situado nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP)” - a seguir abreviadamente “revisão de 2006”.
     r) Esclareceu-se, no ponto n.º 4 dos termos e condições do contrato integrantes do Anexo ao despacho que: “…a concessionária pretende alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação, alegando prejuízos financeiros com a fábrica de têxtil aí instalada, devido à abolição das quotas de exportação dos produtos têxteis, o que levou à perda gradual de competitividade desta indústria de Macau, agravada, no caso concreto, pela suspensão do funcionamento da fábrica no período nocturno, para não prejudicar a tranquilidade dos residentes das imediações, e invocando ainda razões que se prendem com o futuro desenvolvimento daquela zona da cidade e a crescente procura de habitação”.
     s) Nos termos do n.º 5 dos termos e condições do contrato que constam do Anexo ao Despacho n.º 19/2006, constituía condição para a revisão do contrato o facto de, no âmbito da análise anteriormente efectuada ao estudo prévio, se ter verificado que o mesmo era passível de aprovação.
     t) Pelo referido Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 9, II Série, de 1 de Março de 2006, tendo em conta o Estudo Prévio de 2005 e as PAOs de 2004 e 2005, foi acordada a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 5 pisos, sobre o qual assentam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção (cfr. a redacção conferida à cláusula 3.ª, n.º 2.3, do contrato de concessão de arrendamento pelo n.º 3 do artigo 1.º dos termos e condições do contrato constantes do Anexo ao Despacho n.º 19/2006): - Habitação: 599.730m2 - Comércio: 100.000m2 - Estacionamento: 116.400m2 - Área livre: 50.600m2.
     u) Por força desta revisão, o terreno do contrato de concessão passou a ser de 105.437m2, constituído pelos lotes O, P, S e V, este com a área de 13.699 m2.
     v) Não obstante o aproveitamento ter sofrido uma alteração total, a cláusula 2.ª do contrato de concessão de terras manteve-se inalterada, seja quanto ao respectivo n.º 1 (prazo de 25 anos), seja quanto ao respectivo n.º 2 (sucessivamente renovável, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, até 19 de Dezembro de 2049).
     w) O complexo industrial anteriormente existente foi demolido e substituído pelo reaproveitamento com o novo complexo habitacional, com comércio e estacionamento.
     x) O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titulasse a referida revisão (cfr. artigo 2.º do Anexo ao Despacho n.º 19/2006).
     y) A alteração de finalidade e aproveitamento ocorreu a 1 de Março de 2006, pelo que, na realidade, a Ré teria cerca de 9 anos e 9 meses para concluir a obra de construção nas referidas 18 torres.
     z) Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Ré, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013.
     aa) Em 24/10/2013 a Ré requereu junto da DSSOPT a emissão de licença para as obras de fundações, que foi emitida em 2/01/2014.
     bb) Em 15/01/2014 e 30/01/2014, a Ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, fundamentando esse requerimento com o facto de, por razões que não lhe são imputáveis, não ter podido até então proceder ao aproveitamento contratado.
     cc) Em 04/06/2014, a Ré voltou a requerer a prorrogação do prazo de aproveitamento.
     dd) Em 27/11/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo o pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/12/2015.
     ee) Em 30/11/2015, o Chefe do Executivo concordou com os pareceres que lhe foram colocados à consideração, cujo sentido era de indeferir o pedido de prorrogação com fundamento em que, impedindo a Lei n.º 10/2013 a renovação de concessões provisórias, não podia ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
     ff) Em 26/01/2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”.
     gg) A Ré interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26/01/2016, do Chefe do Executivo para o Tribunal de Segunda Instância.
     hh) Por acórdão de 19/10/2017, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
     ii) Deste acórdão interpôs a Ré recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, ao qual, por acórdão de 23/05/2018, proferido no referido Processo n.º 7/2018, foi negado provimento.
     jj) O acórdão do Tribunal de Última Instância já transitou em julgado.
     kk) Nos termos da cláusula 5ª, nº 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para se pronunciar sobre os requerimentos da R., no âmbito da marcha do respectivo processo.
     ll) Tal Estudo Prévio foi aprovado pela DSSOPT em 21/1/2005, por Ofício com o nº 747/DURDEP/2005.
     mm) A DSSOPT emitiu três Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s): uma em 23/12/2004, outra em 23/2/2005 e a terceira em 11/5/2007.
     nn) Em 30/12/2010, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor introduzidas em 03/06/2010, sem o sugerido afastamento mínimo de 1/6.
     oo) A DSSOPT notificou à Ré por ofício de 07/01/2011 a aprovação.
     pp) A DSSOPT, apesar de ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados o relatório de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento (vide ponto 19 e parte final do Ofício de 07/01/2011 da DSSOPT).
     qq) A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental – DSPA, emitiu o parecer, de 21/06/2011.
     rr) Tal parecer, foi notificado à Ré, em 04/10/2011 pela DSSOPT (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011).
     ss) Em tal parecer a DSPA, com a anuência da DSSOPT, introduziu várias novas exigências, ampliando significativamente o âmbito dos estudos inicialmente exigidos pela DSSOPT, designadamente:
     - A observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios, as quais, porém, eram imprecisas e vagas, sem indicação concreta dos métodos de avaliação (qualitativa ou quantitativa, por exemplo);
     - A obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento (questão que devia ter sido levantada antes da revisão contratual);
     - O impacto ambiental ao logo da fase de construção;
     - Impacto sonoro;
     - Qualidade do ar;
     - Qualidade das águas;
     - Resíduos sólidos;
     - Contaminação do solo;
     - Impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento);
     - Acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado;
     - Análise da colisão das aves contra os edifícios.
     tt) Exigiu ainda uma avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais).
     uu) Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, igualmente não previstas em qualquer norma legal ou regulamentar em vigor (cfr. ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012).
     vv) A DSPA entregou à DSSOPT, em 16/10/2012, o seu Parecer sobre o 3.º Relatório.
     ww) Tal parecer foi notificado à Ré em 28/12/2012.
     xx) Nesse parecer, a DSPA voltou a formular novas exigências, designadamente a avaliação do impacto das poeiras resultantes dos trabalhos de construção (partículas em suspensão), maior distância entre as torres do lote P e a ETAR, sem no entanto especificar qual a distância aconselhável que devia ser observada.
     yy) O Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT ("DPU") exigiu, que no estudo sobre a circulação de ar, incluísse uma “Simulação Informática”, exigência não mencionada no ofício de 07/01/2011.
     zz) Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu 4.º Parecer para a DSSOPT, sobre o 4.º Relatório apresentado pela Ré.
     aaa) A DSPA voltou a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação quantitativa, em complemento da avaliação em método qualitativo já efectuada e entregue, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR.
     bbb) Exigiu ainda uma avaliação do impacto em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a Ilha Artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento.
     ccc) Em 15/10/2013, a DSSOPT notificou a Ré informando que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental.
     ddd) A DSSOPT, em 02/01/2014, emitiu tal licença e com validade apenas até 28/2/2014.
     eee) Foi a prorrogação autorizada, em 29/7/2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014.
     fff) Tal prorrogação foi concedida somente até 25/12/2015.
     ggg) Em 26/06/2014, a Comissão de terras emitiu a seguinte pronúncia:
     “Proc. n.º 18/2014 - Respeitante ao pedido feito pela Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada, de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno concedido, por arrendamento, com a área global de 105 437m2, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), constituído por 4 lotes, designados por «O», «P», «S» e «V», titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, revisto pelos Despachos n.ºs 123/SATOP/93, 123/SATOP/99 e pelos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) n.ºs 19/2006 e 30/2011.
     Proposta de aplicação de uma multa de $180.000,00 patacas, pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do lote «P», e de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote até à data do fim do prazo de arrendamento de terreno, isto é, até 25 de Dezembro de 2015.
     Emissão de parecer sobre o processo.
     Relativamente à carta apresentada pela concessionária em 4 de Junho de 2014, esta Comissão realizou uma nova reunião e após o estudo e análise do processo, considerou que caso se emitisse parecer favorável à prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, mesmo sabendo da impossibilidade da concessionária concluir o aproveitamento do terreno dentro do prazo de arrendamento, criar-se-ia evidentemente na mesma a expectativa de que talvez ainda pudesse continuar a aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento. Por outro lado, a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva porquanto o aproveitamento do terreno não poderá ficar concluído antes do termo do prazo de arrendamento, impondo-se nessa altura declarar a caducidade da concessão. Para além disso, a Administração não pode comprometer-se a conceder novamente o terreno originário, uma vez que nos termos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a nova concessão deve ser efectuada através de concurso público. Para além disso, estima-se que mesmo que o prazo de aproveitamento seja prorrogado, a concessionária só possa concluir parte das obras de fundação, podendo no entanto isto criar indirectamente condições favoráveis à concessionária para que esta se aproveite do facto como fundamento para lograr ficar com a concessão do terreno.
     Nestas circunstâncias, propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária.”
     hhh) Em 10/07/2014, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, emitiu o seguinte parecer:
     “Proc. n.º 18/2014 - a Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada, pediu prorrogar o prazo de aproveitamento dum terreno concedido por arrendamento, situado na península de Macau, nos NATAP, constituído pelos lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, com área total de 105.437m2 , cujo contrato de concessão é titulado por despacho n.º 160/SATOP/90, modificado por despacho n.º 123/SATOP/93, despacho n.º 123/SATOP/99, despachos n.º 19/2006 e n.º 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Como não se observou o prazo de aproveitamento do lote “P”, propõe-se considerar a situação real do lote “P”, nomeadamente o teor da carta da concessionária, para tomar a decisão final.
     Ficou prescrito o prazo de aproveitamento do terreno referido em 28 de Fevereiro deste ano, ficará prescrito o prazo de arrendamento em 25 de Dezembro do próximo ano (2015).
     A Sociedade concessionária declara que aceita a eventual multa de prorrogação, realça e compromete-se que “vai assumir todas as consequências depois da construção.
     Analisado o parecer da Comissão de Terras e ponderando os 17º a 21º pontos desse parecer e a carta da concessionária constante do 24º ponto, nomeadamente o teor do ponto 24.4, concordo, em princípio, com os pontos 14.2 e 14.3 da informação n.º 090/DSODEP/2014 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, isto é, prorrogar o prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e aplicar a multa no montante de MOP$180,000.00, pressupondo que a Sociedade concessionária aceite previamente por escrito as seguintes condições, para garantir interesses públicos:
     1. Se não for completado o aproveitamento antes da prescrição de arrendamento, mesmo estando preenchidos os requisitos previstos no art.º 5.º da Lei n.º 7/2013 (Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto a eventual obtenção legal de nova concessão desse terreno;
     2. Se não mais lhe for concedido o terreno, a Sociedade concessionária não pode pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.”
     iii) Em 15/07/2014, sobre este parecer, o Chefe do Executivo despachou: “Concordo”.
     jjj) Em 04/08/2014, a ré comunicou ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que aceitava os referidos dois compromissos.
     kkk) Na mesma zona onde se localiza o Lote P e onde se localizaria a fracção G25, se tivesse vindo a ser construída, em edifícios com características semelhantes, o metro quadrado foi transaccionado na primeira metade do ano se 2023 ao preço médio de MOP141.958,00. (Q 5.º)
     lll) A área da fracção G25 prometida vender pela Ré era de 78.4900m2. (Q 6.º)
     mmm) Na primeira quinzena de Setembro de 2018, o metro quadrado no edifício La Marina foi transaccionado, em média, por MOP166.370,00, sendo o valor de MOP165.959,00 verificado na segunda quinzena de Agosto de 2018. (Q 7.º)
     nnn) O edifício La Marina é um empreendimento também promovido pela Ré, sito na Rua Central da Areia Preta, construído em lote próximo do Lote P, com um nível de qualidade e acabamentos semelhante ao que estava projectado para o “X”. (Q 8.º)
     ooo) Caso a Ré tivesse cumprido a promessa de venda da fracção G25, o Autor teria pago por ela HKD4,100,000.00 e o seu valor actual seria de aproximadamente MOP11.142.283,00. (Q 9.º)
     ppp) Em 10/09/2004, a Ré apresentou um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T-4803), complementado em 15/12/2004, sem imposição de afastamento mínimo entre as torres do empreendimento, que serviu de base para o cálculo do prémio devido pela revisão do contrato de concessão. (Q 10.º)
     qqq) Em 29/4/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta “Master Layout Plan”, relativo à proposta de localização das torres (T-3040). (Q 11.º)
     rrr) Em 6/5/2008, a Ré apresentou o projecto inicial de arquitectura (T-3163), mas decorridos 60 dias, a DSSOPT nada decidiu. (Q 12.º)
     sss) Decorrido o prazo de 60 dias, a DSSOPT nada comunicou à Ré acerca da sua apreciação aos projectos apresentados. (Q 13.º)
     ttt) A Ré solicitou, em 14/08/2009, a emissão de uma PAO actualizada. (Q 14.º)
     uuu) Passados os 60 dias de prazo e de novo sem qualquer resposta da DSSOPT, a Ré não aguardou pela nova Planta de Alinhamento Oficial e submeteu o referido projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191/2009). (Q 15.º)
     vvv) Após o pedido de emissão de nova PAO formulado em 14/08/2009, a DSSOPT emitiu uma nova PAO, tendo-o feito apenas em 23/02/2010. (Q 16.º)
     www) Em 09/04/2010, a DSSOPT “sugeriu” à Ré a alteração do projecto de 22/10/2009, com introdução de novo “layout” das torres, para obedecer à distância mínima de afastamento de 1/6 da altura da torre mais alta, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010. (Q 17.º)
     xxx) A nova PAO e o referido ofício diferiram das anteriores PAO (2004, 2005 e 2007), sugerindo a DSSOPT, a contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 18.º)
     yyy) O cumprimento desta sugestão alteraria de modo significativo o modelo construtivo preconizado pela Ré no Estudo Prévio de 2004, sem o afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta, e estava implícito nos seus planos de investimento com a revisão do contrato de concessão em 2006. (Q 19.º)
     zzz) O cumprimento da referida sugestão implicava a relocalização (“layout) das torres e, se se pretendesse manter as vistas das torres sobre o mar e uma concepção harmoniosa de vistas internas entre as torres, havia sério risco de implicar uma diminuição de áreas de construção e redução do número de torres. (Q 20.º)
     aaaa) Em resposta, em 03/06/2010, a Ré incorporou neste projecto de 22/10/2009 as exigências obrigatórias da DSSOPT e não acolheu o número 6 do ofício de 09/04/2010 que constituía mera sugestão da DSSOPT no sentido de contemplar o referido afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta (T-5291). (Q 21.º)
     bbbb) O projecto de arquitectura, contemplava, outrossim, as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/12/2005 e 11/05/2007, emitidas em harmonia com o estudo prévio e o contrato de concessão na versão revista em 2006. (Q 22.º)
     cccc) Em 11/05/2011, a Ré apresentou os exigidos relatórios (1.º relatório) (T-5205/2011) – relativamente às questões mencionadas pela DSSOPT no seu ofício de 07/01/2011: “fluxo do ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes”, conforme pedido no referido ponto 19 do Ofício de 07/01/2011; por iniciativa própria, incluiu a Ré, ainda, o estudo sobre o tráfego rodoviário. (Q 24.º)
     dddd) O 2.º Relatório foi apresentado pela Ré, em 19/04/2012 (T-4242/2012). (Q 25.º)
     eeee) Em 31/08/2012, a Ré apresentou o 3.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental. (Q 26.º)
     ffff) Em 15/03/2013, a Ré apresentou o 4.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental (T-3953/2013). (Q 27.º)
     gggg) A Ré recorreu a serviços especializados de consultadoria sedeados na Austrália, para a realização da “Simulação Informática” de circulação do fluxo de ar. (Q 28.º)
     hhhh) Tendo em vista evitar maiores demoras, a Ré pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação do Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental. (Q 31.º)
     iiii) Essa reunião teve lugar em 26/07/2013. (Q 32.º)
     jjjj) Em 07/08/2013, a Ré apresentou o 6.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, contemplando a versão final do impacto sobre os odores da ETAR. (Q 34.º)
     kkkk) O projecto da Ré apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 35.º)
     llll) A Ré, após a emissão da licença referida em AA. dos factos assentes, deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (Q 36.º)
     mmmm) A ré repetiu de novo em 02/07/2014 o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Q 37.º)
     nnnn) A Ré utilizou este período, entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015, para construir e concluir todo o trabalho de fundações. (Q 38.º)
     oooo) À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “X” e entregar ao A. a fracção autónoma aqui em causa. (Q 39.º)
     pppp) A ré convenceu-se que conseguiria construir o “empreendimento imobiliário X”. (Q 40.º)
     qqqq) O A. candidatou-se a adquirir uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. E tal candidatura foi aprovada. (Q 43.º)
     rrrr) Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção que constitui o objecto do contrato aqui em causa (artigos 7 e 9 do Despacho CE 89/19). (Q 44.º)
     ssss) Em 24/10/2013, a ré requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013). (Q 46.º)
     tttt) Em 15/01/2014, a ré apresentou pedido urgente de prorrogação do prazo de aproveitamento de 72 meses, que repetiu em 30/04/2014 e voltou a repeti-lo em 04/06/2014, solicitando o deferimento imediato da prorrogação do prazo de aproveitamento para que a ré pudesse requerer a emissão da licença de obra e, simultaneamente, requerer a aprovação da continuação da obra de construção após o termo do prazo de concessão, para que houvesse tempo suficiente para concluir o empreendimento aprovado para o lote “P”. (Q 47.º)
     uuuu) O estudo de impacto Ambiental e o relatório sobre a circulação do ar não mereceriam parecer favorável nem aprovação sem a ré dar cumprimento a tais exigências e, consequentemente, nenhuma licença seria emitida. (Q 48.º)
     vvvv) Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, igualmente não previstas em qualquer norma legal ou regulamentar em vigor (cfr. Ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012, cujo teor foi objecto de discussão entre a ora ré, a DSSPOT e a DSPA, em 25/07/2012, altura em que o dito parecer foi entregue à Ré, tais como: (Q 49.º)
     * o projecto localiza-se nas proximidades da ETAR e do centro de tratamento de resíduos sólidos, pelo que tanto a disposição das fracções como das zonas públicas se devem ajustar por forma a garantir que é respeitada uma distância suficiente a evitar impacto negativo sobre os residentes, decorrente da mesma proximidade; sugere-se que as medidas de mitigação do ruído de trânsito sejam avaliadas de acordo com o método quantitativo, não bastando o método qualitativo;
     * o projecto localiza-se perto de uma zona de passagem de voo e alimentação de aves, pelo que se sugere estudar o respectivo impacto ambiental;
     * estudo detalhado no âmbito do plano de construção para avaliar o impacto ambiental e nos edifícios vizinhos e devem ser produzidos regulamentos considerando medidas de emergência (preparação do plano de gestão ambiental do local).
     wwww) A DSPA exigiu uma avaliação quantitativa dos odores da ETAR. (Q 50.º)
     xxxx) A ré estava convicta que o prazo estipulado para aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento e quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a ré estava convicta que a Administração lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento. (Q 51.º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    1ª Parte: impugnação da matéria de facto:
    A Recorrente veio a atacar a decisão sobre a matéria de facto, por entender que alguns factos alegados por ela deviam ser objecto de instrução, por outro lado, alguns factos deviam ser considerados provados.
    Factos que devem ser selecionados para a base de instrução:
    “Da insuficiência da matéria de facto seleccionada (artigos 58.º, 78.º, 111.º, 113.º, 129.º, 239.º, 243.º, 2.º parág. e 250.º da Contestação)”, ou seja:
     58. Para além de esta ser uma exigência não prevista no contrato, tratava-se de algo inédito em Macau, tendo sido a primeira vez que foi exigido.
     (...)
     78. Novamente, exigências não previstas em nenhuma norma legal ou regulamentar aplicável, e sem precedentes noutros projectos da mesma natureza.
     (...)
     111. Não obstante, ao passo que a Ré requereu uma prorrogação por 72 meses, na proporção do tempo que a Administração a tinha injustificadamente feito perder, tal prorrogação foi concedida somente até 25/12/2015, no pressuposto de haver mais tempo para completar a obra de construção mediante nova concessão, nos termos legais.
     (...)
     113. E fê-lo, porque, conforme mais à frente se verá, a conduta da Administração gerou legítimas expectativas, e a firme convicção de que haveria um procedimento administrativo para, nos termos legais, abrir caminho à Ré para uma nova concessão sobre o mesmo terreno, a fim de concluir o aproveitamento e, deste modo, cumprir os cerca de 3 000 contratos assinados com milhares de compradores do empreendimento "X".
     (...)
     129. ... autorizando a prorrogação do prazo de aproveitamento até 25/12/2015 e, depois, haveria um procedimento com vista a abrir caminho para a Ré poder continuar a construir, ao abrigo de uma “nova concessão” a atribuir nos termos legais (vd. artigos 35º e 36º da p.i.).
     (...)
     239. Ou seja, a Ré foi obrigada a aceitar o pagamento da multa para em contrapartida obter a prorrogação até 25/12/2015, que só não seria insuficiente se, de seguida, lhe fosse aberto o caminho para obter de novo a concessão, nos termos legais:
     (...)
     243. O Secretário também relevou a carta da Ré de 04/06/2014, constante do ponto no. 24° do Parecer da Comissão de Terras, ou seja, concretamente, a proposta de atribuição de prazo suficiente para concluir o empreendimento, dividida em duas fases:
     - A primeira, com a atribuição, ao abrigo do contrato de concessão em vigor, da prorrogação do prazo até 25/12/2015, a fim de poder re-iniciar a obra de construção das fundações;
     - A segunda, com a participação da Ré no procedimento legal visando a obtenção da nova concessão do terreno, a fim de poder honrar os seus compromissos com os milhares de compradores com os quais assinou validamente contratos de compra e venda de bens futuros incidentes sobre as frações do empreendimento "X";
     (...)
     250. Impôs a Concedente, de modo verdadeiramente abusivo, o prévio pagamento de multa a par de outras prévias condições, estas, porém, abrindo-lhe o caminho para obter a nova concessão, nos termos legais, mediante concurso ou ajuste directo, em momento posterior, mas certamente em prazo razoável a fim de poder dar continuidade à obra de construção, sem interrupção.
    Ora, que oferecemos a dizer perante o alegado?
    Em 1º lugar, nem toda a matéria constante dos artigos citados tem pertinência para resolver o litígio em causa, para além de alguns artigos conterem matéria conclusiva!
    Em 2º lugar, o artigo 430º do CPC manda que devem ser selecionados os factos pertinentes segundo as várias soluções plausíveis de questões de direito, compreende-se que o que a Ré pretende alcançar com o alegado, imputando a culpa do incumprimento contratual (dela) para a RAEM porque foi esta que não deixou que a Ré cumprisse o contrato de concessão de terreno até final.
    A propósito desta questão, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar (cfr. ac. do Proc. 220/2024, de 30 de Maio), em que se consigna e alinha o seguinte entendimento, ao decidir a mesma matéria:
    “ (…)
     根據《民事訴訟法典》第429條第1款b項規定,只要訴訟程序之狀況容許無需更多證據已可全部或部分審理所提出之一個或數個請求,又或任何永久抗辯,法庭即可立即審理案件之實體問題。
     本案中,被告在答辯狀中提出永久抗辯,使用大量篇幅陳述與被告和澳門特別行政區之間的批給土地關係有關的事實,認為涉案合同之履行不能應歸責於澳門特別行政區的一系列行為,而不應歸責於被告本身。
     根據《民法典》第788條第1條規定,在合同範疇,就債務之不履行,須由債務人證明非因其過錯造成;換言之,屬於過錯推定的情況。據此,結合《民法典》第337條第1款的規定,應由債務人承擔非因其過錯造成債務不履行之舉證責任。
     因此,本案中,應由被告陳述和證明非因其過錯造成涉案合同的不履行。
     然而,除應有的尊重外,法庭認為,即使被告所陳述的事實全部獲得證實(在答辯狀抗辯中A、B及C部分的事實,在此視為完全轉錄),被告的理由亦明顯不能成立;或者說,被告所提出者明顯不是對有關法律問題可予接受之解決方法。
     根據《民法典》第400條第2款規定,僅在法律特別規定之情況及條件下,合同方對第三人產生效力。
     在此可以參見葡萄牙最高法院2012年5月29日在第3987/07.9TBAVR.C1.S1號合議庭裁判中的司法見解:
     “I – É tradicional e prevalente, na doutrina portuguesa, a teoria que nega a eficácia externa das obrigações, assente na concepção clássica da relatividade dos direitos de crédito, que apenas podem ser violados pelas partes, em contraposição com os direitos reais que são oponíveis erga omnes.
     II – Só nos casos em que ocorra abuso do direito de terceiro se deve admitir a eficácia externa das obrigações.
     III – Assim, só em casos particularmente escandalosos – quando o terceiro tenha tido intenção ou pelo menos consciência de lesar os credores da pessoa directamente ofendida ou da pessoa com quem contrata – é que poderá ser justificado quebrar a rigidez da doutrina tradicional e admitir a eficácia externa das obrigações.”
     首先,從卷宗第45至49頁表見涉案合同不具物權效力,在原告取得涉案合同地位的情況下,原告亦未取得相關單位的所有權,因而不能主張擁有任何形式的物權,原告所擁有的只不過是因涉案合同而產生的單純債權。這樣,基於債權的相對性,它只會在合同的雙方當事人之間(即原告和被告之間)產生效力,不會延伸到合同以外的第三人(包括澳門特別行政區)。原告的債權亦只會被作為債務人的被告侵犯,不會像具有對外效力的物權一樣,可能被任何人侵犯。
     只有當出現法律明文規定的特殊情況,又或者當第三人知道債權人和債務人之間的特殊關係,但仍作出特別具譴責性的行為,尤其是當出現其濫用權利的情況時,第三人才可能因為侵犯合同當事人的債權而須對其承擔責任。
     綜觀被告陳述的內容,都不屬於上述條文及司法見解提及的極少數的第三人因侵犯合同債權而須承擔責任的情況。
     原告和被告之間的合同屬於一個法律關係,而被告獲澳門特別行政區批給土地又是另一個法律關係。面對原告聲稱遭到侵犯的債權,澳門特別行政區正是處於第三人的法律地位。有關土地批給合同屬於行政合同,合同外的第三人只有在合同當事人基於違法的合同條款損害其權益時,才能提起合同有效性之訴,又或者當合同中訂有保障其利益的條款時,才能提起執行合同之訴。然而,從澳門特別行政區與被告訂立的土地批給合同中,並不能衍生出原告的任何權利,原告或被告都沒有提出存在任何澳門特別行政區須對原告承擔責任的合同條款。這樣,根據債權之相對性理論,立即可以排除澳門特別行政區對原告的責任。
     除此之外,澳門特別行政區也不存在對原告的過錯。即使被告陳述的有關事實全部獲得證實,也只可能是澳門特別行政區在執行土地批給合同的過程中對被告的過錯,不代表澳門特別行政區的行為對原告存有過錯,也不能因此推斷或證明被告在涉案合同的法律關係中就不存在過錯。不應將兩個法律關係中的過錯問題混為一談。
     最後,更不存在濫用權利的情況。即使澳門特別行政區知道原告與被告之間的合同以及其行為有可能侵害到原告的債權,但根據被告所陳述的事實,不足以顯示澳門特別行政區明顯違背善意原則的要求,或具備傷害原告的意圖;也不存在對善良風俗的違反,因為澳門特別行政區只不過是行使其在土地批給合同中作為批給人的權利以及法律賦予的職能,況且宣告土地失效的行為屬於被法律限定的行為,其合法性不容置疑;也不存在澳門特別行政區的行為明顯超越權利之社會或經濟目的所產生之限制的情況,因為看不到澳門特別行政區在行使其權利的過程中偏離了其職能。
     綜合以上理由,就涉案合同,澳門特別行政區不對原告承擔任何責任。
     倘若被告提出上述所謂抗辯的目的僅為證明非因其過錯造成涉案合同的不履行,那麼,如上所述,土地批給合同中的過錯和涉案合同的過錯屬於兩個不同的問題,不應將兩者混為一談。即使被告陳述的有關事實全部獲得證實,也只可能是澳門特別行政區在執行土地批給合同的過程中對被告的過錯,不能因此推斷或證明被告在涉案合同的法律關係中就不存在過錯。
     綜上所述,裁定被告提出的涉案合同之履行不能應歸責於澳門特別行政區(而不應歸責於被告本身)之抗辯理由(即答辯狀抗辯中A、B及C部分)不成立。
…”。
Por outro lado, foram tecidas igualmente as seguintes considerações sobre a matéria em discussão:
“ (…)
    此外,亦認為相關批示存有適用法律的錯誤。
    現就有關問題作出審理。
    關於決定無效方面,這部分的上訴理由是明顯不成立的,理由在於相關決定是從法律層面上否定了澳門特別行政區在本案中的責任,當中被告陳述的所謂“永久抗辯事實”不論是否證實,均不影響相關決定的方向。
    申言之,對該等“永久抗辯事實”作出篩選並進行審判屬無用的訴訟行為。
    《民事訴訟法典》第87條明確規定,在訴訟程序中不應作出無用之訴訟行為。
    就同一司法見解,可參閱本院在卷宗編號1142/2019、1150/2019及1195/2019內作出之裁判。
    基於此,被訴批示並沒有違反《民事訴訟法典》第562條第2及3款之規定,亦不存在《民事訴訟法典》第571條第1款d)項所規定之判決/批示無效瑕疵。
    就法律適用方面,我們完全認同有關決定,故根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述決定及其依據,駁回這部分的上訴。
    事實上,本院在涉及“海一居”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
    如被訴批示所言,只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。”
    Valem, mutantis mutadis, estas considerações para o caso dos autos, já que se discutem a mesma matéria e a Ré veio a invocar os mesmos fundamentos para tentar defender a sua posição, mas sem razão nesta parte.
    Pelo que, improcede esta parte do recurso.
*
    Depois, a Recorrente veio a defender, em relação aos seguintes factos ponderados pelo Tribunal recorrido, a seguinte versão:
     28. Tais quesitos deveriam ser respondidos, nomeadamente, nos seguintes termos:
     33.º
     Provado.
     40.º
     Provado que a aprovação do projecto de arquitectura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como a emissão da licença em Jan/2014 e as suas subsequentes prorrogações convenceram a Ré de que conseguiria construir o "empreendimento imobiliário X".
     51.º
     Provado que a ré estava convicta que o prazo estipulado para aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento e que, quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a ré estava convicta de que a Administração, tendo por base as suas condutas anteriores, relativas aos factos mencionados na resposta ao quesito 40.º, lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento.
     52.º
     Provado.
     Do erro de julgamento, por erro de interpretação e aplicação dos preceitos aplicados
     26. No caso dos autos verificou-se uma situação inviabilizante do cumprimento do contrato celebrado com o Recorrido, concretamente, a perda do direito da Recorrente de construir o empreendimento onde se situaria a fracção autónoma, objecto daquele contrato, em virtude da declaração de caducidade do contrato de concessão, com fundamento no não aproveitamento do terreno, objecto do contrato de concessão, no prazo de aproveitamento;
    (…)”.
    Não é difícil perceber-se o raciocínio da Ré ao invocar estes argumentos, o objectivo é o mesmo: afastar a sua culpa no incumprimento do contrato-promessa celebrado com a Autora! Porém, tendo em conta os factos dados pelos assentes pelo Tribunal recorrido, esta tentativa não pode suceder já que o que se discute é a relação contratual celebrada entre a Autora e a Ré/Recorrente por força do princípio da eficácia relativa dos contratos em relação apenas às partes.
    Sobre esta matéria, não é pela primeira vez que este TSI vem a pronunciar-se, já no processo nº 220/2024, cujo acórdão foi proferido em 30/05/2024, este TSI abordou esta questão nos seguintes termos:
“在尊重不同見解下,我們認為該等事實即使獲得證實,也不會對本案的法律適用有任何改變,故第一被告對有關事實裁判提出之爭執是毫無意義的。
事實上,即使證實第一被告於2013年06月28日提交了第5次環評報告及已與相關部門(土地工務局及環境保護局)於2013年07月26日開會,並在會上對第一被告作出了新的要求,對本案的審判結果而言,不產生任何影響。
基於此,不需對這部分的上訴作出審理。”
    Mutatis mudantis, esta argumentação vale igualmente para o caso em apreço, já que tais matérias são dispensáveis para decidir as questões levantadas pelas partes. Em bom rigor das coisas, os factos considerados assentes pelo Tribunal recorrido, são suficientes para resolver as questões levantadas nestes autos, o que diverge das partes é o enquadramento jurídico de certas matérias, cuja análise relegamos para a sede própria, nomeadamente a sede que se analisam as questões de mérito.
    Improcede assim esta parte do recurso.
*
    Prosseguindo,
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
     I – RELATÓRIO.
     (B), titular do BIRM n.º ..., com outros elementos de identificação nos autos, intentou a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra a Ré, Sociedade de Importação e Exportação (A) Limitada ((A)洋行有限公司), registada na CRCBM sob o n.º ….
     
     Alegando que, como promitente-comprador e com entrega de sinal, celebrou com a ré, como promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano que a ré se propunha construir num terreno concessionado pela RAEM; e alegando ainda que já cessou a concessão sem que a ré tivesse construído, incumprindo e já não podendo cumprir a promessa por razões que lhe são imputáveis, uma vez que, não diligenciou no sentido de concluir a construção dentro do prazo da concessão,
     Pediu o autor que:
     1) - Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
     2) - Seja a ré condenada a pagar-lhe a título de indemnização:
     a) - A quantia de HKD.2.460.000,00, correspondente ao dobro do sinal que recebeu;
     b) A quantia de MOP7.558.481,30, ou outra superior que venha a revelar-se correspondente ao dano que, devido ao incumprimento da ré, o autor sofreu além do valor do sinal prestado, usualmente designado por “dano excedente”;
     c) Juros moratórios contados à taxa legal sobre as referidas quantias desde a citação da ré até integral pagamento.
     
     Contestou a Ré, aceitando a existência do contrato invocado pelo autor mas discordando que o mesmo se trate de um contrato-promessa e rejeitando que já não possa ser cumprido, alegando que intentou uma acção judicial contra a RAEM na qual pretende conseguir um novo contrato de concessão por arrendamento do mesmo terreno onde pretendia construir o empreendimento imobiliário de que fazia parte a fracção autónoma acordada, a qual, em caso de procedência da referida acção judicial, poderá ser entregue ao autor21.
     Ainda em contestação, disse a ré que, caso improceda a referida acção que intentou contra a RAEM e caso não possa efectivamente construir o seu empreendimento imobiliário nem possa cumprir a sua obrigação para com o autor, essa impossibilidade não lhe deve ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos de impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
     Para o caso de se concluir que ocorre impossibilidade da prestação e que esta é imputável à ré, veio a ré, também na contestação, defender que o autor não tem direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado e do dano excedente, porquanto não foi acordado o referido sinal nem a existência do mesmo se presume porquanto o contrato celebrado é um contrato de compra e venda de coisa futura que não pode ser qualificado de contrato-promessa.
     Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade, uma vez que o autor, devido ao facto de não receber da ré a fracção acordada e só por isso, poderá obter outra idêntica pelo mesmo preço no âmbito de uma medida especial criada pelo Governo da RAEM.
     Por fim, requereu a ré contestante a intervenção acessória da RAEM invocando como fundamento que, caso seja condenada a indemnizar o autor, terá direito de regresso contra a interveniente para esta lhe reembolsar o montante da condenação.
     
     Na réplica que apresentou, o autor impugnou a tese da ré por desconhecimento os factos alegados pela ré para fundamentar a sua conclusão de ser imputável à RAEM a impossibilidade do cumprimento do contrato promessa, referindo ainda que se presume a culpa da ré pelo seu incumprimento contratual.
     Ainda em sede de réplica, rejeitou que a quantia recebida pela ré não deva ser qualificada como sinal e rejeitou também que justifique a redução da indemnização por equidade o facto de ter sido deferido o seu requerimento no âmbito do “projecto governamental” para futura aquisição de uma fracção autónoma equivalente à que havia sido prometida vender pela ré.
     
     Foi admitida a intervenção acessória da RAEM, a qual contestou. Porém, a ré veio comunicar aos autos que desistiu da acção de indemnização que movera contra a RAEM e, por isso, foi proferido despacho a fls. 1186 a declarar extinta a instância relativamente à RAEM por inutilidade superveniente da lide.
     
     Foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto relevante para a decisão a fls. 1210 a 1221-B.
     
     Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelo autor e pela ré. De tais alegações sobressai que o autor considera que a relação contratual em litígio consubstancia um contrato-promessa e retira do respectivo regime jurídico a solução de Direito do presente pleito e sobressai ainda que a ré já não rejeita que a sua prestação se tornou impossível mas considera que a referida relação contratual se trata de um contrato atípico com elementos de proximidade com contratos típicos como o contrato-promessa e o contrato de compra e venda de bens futuros e só para efeitos de análise admite que possa ser qualificada de contrato-promessa.
     *
     II – SANEAMENTO.
     A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
     *
     III – QUESTÕES A DECIDIR.
     Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
     - Que a principal pretensão do autor é ser indemnizado em consequência dos danos que sofreu por a ré não ter cumprido a prestação a que se vinculou por contrato;
     - O facto de autor e ré estarem de acordo que entre ambas existe uma relação contratual;
     - O facto de neste momento processual estarem também de acordo que a prestação contratual a cargo da ré se tornou impossível depois da celebração do respectivo contrato;
     - O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
     As principais questões a decidir gravitam à volta de:
     1- Imputação à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação contratual devida pela ré ao autor.
     1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente quanto à extinção da obrigação de prestar e quanto a eventual criação de uma outra obrigação de restituir.
     1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada à própria ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
     1.2.1 - Direito do autor de resolver o contrato;
     1.2.2 - Obrigação da ré indemnizar o autor.
     1.2.2.1 - Caso se conclua que a ré tem obrigação de indemnizar o autor, caberá apurar o montante da indemnização e, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
     1.2.2.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser ampliada devido à ocorrência de dano excedente ao valor do sinal ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
     1.2.2.2 - Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
     
     Em máxima síntese, o que cumpre decidir para solucionar a controvérsia destes autos é se a prestação contratual da ré se tornou impossível depois de celebrado o respectivo contrato e, em caso afirmativo, quais as consequências jurídicas de tal impossibilidade e quem deve suportá-las.
     *
     IV – FUNDAMENTAÇÃO.
  A) – Motivação de facto.
     (...)
     
     B) – Motivação de Direito.
     1. - Da impossibilidade superveniente da prestação.
     Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida pela ré: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquela fracção. Por outro lado, a ré veio aos autos informar que já terminou por desistência a referida acção judicial que movera contra a RAEM na qual pretendia recuperar a possibilidade jurídica de construir a fracção a entregar ao autor. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva22. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa23. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável24. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
     
     Conclui-se assim que a prestação que a ré acordou com o autor se tornou impossível após a celebração do contrato.
     
     Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
     
     2. – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
     a. Em geral.
     Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
     Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
     Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor autor, mas a terceiro, a RAEM.
     Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
     Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
     Vejamos.
     
     b. Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
     Vimos já que a prestação da ré se tornou impossível depois de estabelecida por via contratual.
     As partes divergem agora sobre a imputabilidade da causa da impossibilidade da prestação da ré.
     O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
     Em rigor, esta situação de impossibilidade imputável da prestação não é conceitualmente incumprimento25, mas é considerada como incumprimento definitivo26.
     Tendo em conta a forma como a nossa lei sistematiza a impossibilidade da prestação (por causa imputável ao devedor e por causa que não lhe é imputável, mas com presunção de imputabilidade), o que releva em primeiro lugar é saber se a causa da impossibilidade é ou não é imputável ao devedor. Só depois de concluir que não é imputável ao devedor é que poderá relevar saber se é imputável a outrem, designadamente ao credor, a terceiro ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior).
     
     i. A causa da impossibilidade.
     Já vimos que a prestação da ré é impossível, seja esta prestação a celebração de um contrato definitivo de compra e venda de um imóvel, seja essa prestação a construção do referido imóvel e a sua entrega ao autor.
     Já vimos que a causa imediata da impossibilidade da prestação não é uma impossibilidade física de construir e entregar, mas jurídica, pois que a ré, tendo condições materiais para construir e entregar, não tem possibilidade jurídica por não ter direito sobre o terreno onde iria construir que lhe permita edificar o empreendimento que pretendia e que lhe permitiria cumprir a sua obrigação para com o autor.
     Porém, a ré já teve em tempos o direito que lhe permitia construir, o direito do concessionário por arrendamento, direito que caducou. Assim, a causa intermédia da impossibilidade da prestação é a caducidade da concessão que causou a impossibilidade jurídica.
     Ocorre que a concessão caducou porque a ré não concluiu a construção do seu empreendimento imobiliário em determinado prazo, o prazo de aproveitamento do terreno concessionado. Assim, a causa remota da impossibilidade da prestação é o atraso na execução das obras que levou à caducidade da concessão.
     A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré é, pois, o facto de as obras de aproveitamento do terreno concessionado não terem sido concluídas no prazo de aproveitamento.
     
     Interessa, pois, saber a quem é imputável esse atraso que causou a impossibilidade jurídica da prestação ao causar a caducidade da concessão que permitiria cumprir. A ré entende que o atraso não lhe é imputável porquanto fez todos os esforços para conseguir construir em prazo e evitar a caducidade da concessão. E entende que o referido atraso é imputável à RAEM que “não a deixou” construir dentro do prazo de aproveitamento da concessão.
     
ii. A imputação da causa da impossibilidade.
     A imputação é uma operação jurídica destinada a atribuir a uma esfera jurídica os efeitos jurídicos de um facto. Normalmente, os efeitos negativos de um facto, a criação de um dever jurídico ou de uma obrigação ou a extinção de um direito ou de uma faculdade jurídica.
     Os factos jurídicos têm efeitos jurídicos de alteração no mundo dos direitos e deveres jurídicos. É necessário saber em que esfera jurídica se vão produzir esses efeitos. Este é, em modo simplista, o problema da imputação.
     No caso em apreço está em causa a atribuição à esfera jurídica da ré da obrigação de indemnizar o autor enquanto efeito de um facto que tornou impossível uma prestação contratual de que o autor era credor. O facto é, como se disse, a não construção da fracção contratualmente destinada ao autor no prazo também contratualmente estabelecido para aproveitamento do terreno onde aquela fracção estava projectada. Um facto negativo: não construção em prazo de caducidade do direito de construir. O efeito daquele facto que cabe atribuir a uma esfera jurídica é, o nascimento nessa esfera jurídica da obrigação de indemnizar.
     A imputação é um juízo jurídico, um juízo normativo ou um juízo feito por referência a um critério normativo de imputação, um juízo feito por referência a uma razão normativa para justificar a atribuição a alguém dos efeitos jurídicos de um facto.
     Todo o juízo jurídico é uma comparação. Uma comparação entre uma situação concreta e uma situação ideal, normativa ou padrão. Uma comparação entre um facto e uma norma, entre um ser e um dever-ser. Uma comparação para aferir em que medida o facto se afastou da norma, em que medida o ser se afastou do dever-ser jurídico.
     A comparação só é possível havendo um factor de comparação ou padrão de comparação. Por exemplo, para dizer que uma montanha é mais alta que outra usa-se como padrão o metro e conta-se a partir do nível médio da água do mar.
     Segundo o nosso Direito é a culpa do titular de uma esfera jurídica o critério normativo de imputação a essa esfera jurídica dos efeitos que tem um facto causador da impossibilidade da prestação, designadamente os efeitos geradores do dever de indemnizar27. Com efeito, a epígrafe do referido art. 790º é “impossibilidade culposa” e o seu primeiro número determina que aquele a quem for imputada a causa da impossibilidade da prestação seja tratado (imputado) como se faltasse culposamente ao cumprimento da sua obrigação.
     Há, portanto, que averiguar se se podem imputar à ré os efeitos jurídicos do facto de a construção não ter ocorrido no referido prazo de aproveitamento. E o critério para materializar o juízo de imputação é a culpa. Há, pois, que averiguar se a ré tem culpa por ter ocorrido aquele facto impossibilitante da sua prestação (a não construção atempada).
     
     Se a imputação é um juízo formado por referência à culpa, a culpa é também ela própria um juízo. É um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter praticado (por acção ou omissão) um acto ilícito em vez de ter praticado um acto lícito alternativo28. Tal juízo de censura, dirigido a um agente por ter praticado o acto ilícito em vez do acto lícito devido e possível, pondera a capacidade e a liberdade do agente para a prática do acto lícito a fim de aferir em que grau de censurabilidade o agente actuou ilicitamente em rebelião mais ou menos voluntária, livre e consciente contra a ordem jurídica. Pondera, pois, a capacidade do agente de entender e querer para formar uma vontade esclarecida, isenta de erro, e pondera a liberdade do mesmo agente para actuar segundo aquela vontade de forma isenta de medo).
     O juízo de culpa liga psicologicamente o agente ao seu facto ilícito para averiguar se esse agente poderia ter evitado e se podia ter querido evitar aquele acto ilícito por capacidade e liberdade para evitá-lo, optando por um comportamento lícito alternativo, designadamente não estando em erro desculpável ou em medo invencível29.
     O acto ilícito em causa no caso sub judice é um ilícito contratual equiparado ao incumprimento contratual. É a impossibilidade da prestação. É a não construção em prazo. Há, pois, que averiguar se a ré quis e se tinha possibilidade e capacidade de evitar a ocorrência da impossibilidade da prestação evitando a causa dessa impossibilidade construindo a fracção autónoma acordada com o autor dentro do prazo de aproveitamento da concessão e evitando a caducidade desta.
     Porém, para saber se à ré era possível construir para evitar a caducidade e a consequente impossibilidade jurídica de cumprir é necessário apurar qual o grau de esforço e diligência que lhe era exigível.
     O juízo de censura em que se materializa o juízo de culpa, também ele, assim como o juízo de imputação, é feito por referência a um padrão ou critério normativo de decisão ou critério comparativo entre o ser e o dever ser.
     Ora, como estamos em matéria de responsabilidade civil, o critério ou padrão para aferir a culpa ou censura pela prática do acto ilícito e pela omissão do acto lícito alternativo, embora pressupondo a capacidade natural do agente concreto para entender e querer (art. 481º do CC), é um pouco mais objectivo, não se reportando apenas subjectivamente ao agente concreto e às suas capacidades concretas, mas reportando-se ao comportamento que, no caso a ajuizar, teria tido um bom pai de família (arts. 790º, nº 1, 788, nº 2 e 480º, nº 2 do CC)30.
     Assim, a imputação dos efeitos da impossibilidade da prestação à esfera jurídica do devedor depende de se concluir que a impossibilidade da prestação adveio porque o devedor, tendo capacidade para entender e querer, não actuou como teria actuado no seu lugar um bom pai de família e que, se tivesse assim actuado, não teria sobrevindo a impossibilidade da sua prestação porque esta impossibilidade teria sido evitada pelo grau de diligência com que teria actuado um bom pai de família31.
     Disse-se atrás que todo o juízo jurídico é uma comparação. Assim como a medição de um objecto com uma régua é a comparação desse objecto com a régua, a avaliação jurídica de um facto é a comparação desse facto com uma norma jurídica. Deste modo, a culpa que permite imputar ao devedor os efeitos jurídicos da impossibilidade da prestação é, pois, um juízo de comparação da conduta do devedor capaz de entender e querer com a conduta que, no seu lugar, teria um bom pai de família. O devedor capaz de culpa será culpado se relaxou em relação à diligência que teria um bom pai de família.
     
     O momento a que se reporta o juízo de culpa é aquele em que o agente praticou o acto ilícito32. Cabendo aferir se no momento em que o agente actuou de modo ilícito poderia ter querido e podia ter actuado de modo lícito se, estando capaz de entender e querer, actuasse como actuaria um bom pai de família.
     No caso dos autos a actuação da ré a submeter ao crivo da actuação do bom pai de família é duradoura e não de execução imediata. Com efeito, a prestação contratual devida pela ré requeria entre três a quatro anos para que pudesse ser executada/prestada (alínea oooo) dos factos provados). Esse período de actuação da ré a considerar em termos de juízo de culpa começa com a celebração do contrato com o autor (28/04/2011) e acaba no termo efectivo do prazo de aproveitamento determinante da caducidade da concessão (25 de Dezembro de 2015, depois de prorrogado de 28/02/2014). Com efeito, a impossibilidade da prestação ocorreu porque a ré não construiu após ter contraído perante o autor o dever de prestar (construir e entregar) e até ao momento em que deixou definitivamente de poder construir e de poder cumprir a sua prestação por ter terminado a concessão do terreno da construção.
     Cabe, pois, aferir se no referido período temporal a ré actuou com a diligência com que actuaria um bom pai de família, uma vez que não está questionada a capacidade da ré para formar uma vontade livre e esclarecida.
     
     A culpa da ré determinada pelo grau de diligência de um bom pai de família perspectivada nos termos de “actio libera in causa” negligente.
     Dispõe o art. 481º, nº 1 do CC que “não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório”.
     Esta disposição legal revela que o juízo de culpa em matérias de responsabilidade civil pode ser fundado em comportamento do agente praticado em momento anterior à prática do acto ilícito causador dos danos a indemnizar, desde que o agente não seja suscetível de censura no momento da prática desse acto mas seja susceptível dessa mesma censura no momento anterior em que foi originada a causa que impede o juízo de censura no momento da prática do acto danoso. Ou seja, pelo critério do “bonus pater famílias” o agente não está “livre” e censurável no momento da prática do acto ilícito, mas colocou-se nessa situação intencionalmente ou por imprudência, estando “livre” e censurável no momento em que ocorre a “causa” da circunstância que lhe exclui a culpa.
     O caso que deu origem a este avanço da ciência do Direito provém do Direito criminal e terá sido o caso de um funcionário dos caminhos de ferro que se embriagou e estava inconsciente no momento em que tinha de “mudar as linhas” para que dois comboios seguissem orientações diferentes e, nada tendo feito, ocorreu uma colisão entre dois comboios num momento em que o funcionário estava incapaz de culpa por estar incapaz de entender e querer o comportamento lícito alternativo ao comportamento ilícito que praticara em estado de inconsciência.
     A acção de não mudar as linhas dos comboios não era censurável ao funcionário por não ser em si própria uma acção livre. Porém a sua causa foi livre, pois que o funcionário se embriagou de forma intencional para não ser censurado ou de forma apenas imprudente ou negligente. A acção não livre era, afinal, livre na sua causa e, por isso, ainda susceptível de ser dirigido ao seu autor um juízo de censura em termos de culpa por não ter optado pela acção lícita alternativa. O funcionário não era “livre” no momento da colisão dos comboios, mas era “livre” de não se embebedar quando, com possibilidade de prever que a colisão iria ocorrer, se embebedou - a “actio libera in causa”.
     O funcionário devia ser censurado “in causa” ou na origem da causa da desculpação da sua acção de não “mudar as linhas” como era seu dever33.
     
     Vejamos em que medida a “ideia” da actio libera in causa pode auxiliar na decisão do presente caso, ou seja, na decisão de dirigir ou não dirigir à ré um juízo de censura em termos de culpa por a sua prestação se ter tornado impossível em vez de ter sido prestada antes de, por esgotamento do prazo de aproveitamento da concessão, ocorrer a impossibilidade de construir.
     Trata-se da culpa pela causa da impossibilidade, presumindo-se em relação ao devedor e cabendo a este provar que a impossibilidade sobreveio apesar de ter feito o esforço exigível para que não sobreviesse, um esforço cuja medida de exigibilidade é determinada pelo esforço que faria um bom pai de família colocado na situação do devedor no momento da causa da acção livre (actio libera in causa), o momento da celebração do contrato com o credor, e não no momento em que a prestação se tornou impossível (causa da impossibilidade – caducidade da concessão e três a quatro anos imediatamente anteriores).
     
     A ré diz que não conseguiu construir em tempo a fracção autónoma que devia entregar ao autor porque a RAEM não lhe permitiu ao colocar-lhe entraves ilegais que impediram a construção atempada.
     Por outro lado, a ré diz ainda que a RAEM lhe criou expectativas que lhe permitiria construir mesmo para lá do fim do prazo de aproveitamento da concessão, quer não fazendo terminar a concessão, quer atribuindo-lhe uma nova concessão.
     A actuação de terceiro que a ré invoca para não lhe ser imputada a título de culpa (censura) a superveniência da impossibilidade da prestação tem de ser avaliada a dois níveis. A criação de entraves ilegais respeita à possibilidade de actuação da ré e a criação de expectativas que se vieram a frustrar respeita à liberdade de decisão, designadamente à vontade não esclarecida porque formada em erro relativo às expectativas.
     
     Digam-se desde já três coisas sobre a relevância exculpante da alegada actuação da RAEM materializada em factos objectivamente impossibilitantes (entraves) e em factos subjectivamente desculpantes (expectativas):
     Relativamente à criação de entraves:
     - Não estamos em sede do chamado “facto do príncipe”34 em que um terceiro estranho à relação contratual impede a prestação por força do seu poder de autoridade pública que o devedor não pode ultrapassar. De acordo com a alegação da ré, no caso em apreço a RAEM actuou apenas como parte num contrato de concessão por arrendamento e, por vezes, não o cumpriu e criou entraves. É certo que a ré não teria ao seu dispor meio fácil, ágil e atempado de compelir a RAEM a cumprir a cooperação contratual que alegadamente não cumpriu. Porém, para efeitos de análise, mesmo apesar das reconhecidas dificuldades da ré, ainda não se justifica qualificar a actuação da RAEM como “facto do príncipe”, o qual, por ser inultrapassável ou só ultrapassável por meios inexigíveis, torna a impossibilidade superveniente da prestação não imputável ao devedor;
     - Relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com o autor, pois que antes disso não havia qualquer prestação devida pela ré que a RAEM pudesse impossibilitar de cumprir. Não releva, pois, a sugestão/exigência da RAEM para a ré fazer alterações ao projecto de arquitectura, designadamente aumentando o afastamento entre torres, uma vez que tudo ocorreu antes da celebração do contrato entre autor e ré. De facto, não existindo ainda dever de prestar, não poderia o mesmo dever ficar impossibilitado de ser cumprido.
     
     Relativamente às expectativas:
     - Relevam apenas para exclusão da culpa da ré as expectativas alegadamente criadas pela RAEM antes de a ré ter celebrado o contrato com o autor, pois que depois disso não foi assumida qualquer prestação pela ré que pudesse ser fundada em expectativas de poder cumprir. Não releva, pois, a prorrogação do prazo de aproveitamento e a emissão de licença de obras, uma vez que não contribuíram com expectativas para a decisão da ré de contrair o dever de prestar (construir e entregar) que já havia contraído. De facto, já existindo dever de prestar, não poderia o mesmo ter sido contraído com base em expectativas criadas posteriormente. Refira-se, no entanto, que não se provaram as causas de tais expectativas (resposta aos quesitos 51º e 52º).
     
     Vejamos então se deve ser dirigido à ré um juízo de culpa semelhante ao que é dirigido ao agente nos casos de “actio libera in causa”.
     
     Se a imputação da impossibilidade se faz pelo juízo de culpa e se esta pode ser aferida “in causa” ou na origem da impossibilidade e não no tempo em que ocorre a impossibilidade, tratar-se-á de impossibilidade da prestação por causa imputável “in causa” ao devedor. Trata-se afinal de imputação da “causa que causou a causa” da impossibilidade.
     
     A prestação tornou-se impossível. Mas no momento em que a prestação foi acordada seria já previsível a um bom pai de família medianamente previdente e prudente que era consistente a probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? E se fosse previsível, como procederia um bom pai de família? Contrataria, arriscando que a impossibilidade não ocorreria? Contrataria esclarecendo a outra parte contratual da escassez de tempo e das demais vicissitudes administrativas que rodeavam o projecto de arquitectura? Ou não contrataria? Se contratasse pura e simplesmente, a ré não deve ser censurada em termos de culpa. Se o bom pai de família não contratasse ou só contratasse depois de esclarecer a contraparte e de obter a adesão desta, então a ré deve ser censurada “in causa” por a prestação se ter tornado impossível mais tarde como já era ponderável e devia ser ponderado no momento em que o dever de prestar foi criado35.
     
     A ré invoca um acto de terceiro como causador da impossibilidade da prestação. Porém, para a ré ficar imune ao juízo de culpa “in causa” é necessário que o acto de terceiro, além de inevitável como o “facto do príncipe” e o caso de força maior, se apresentasse como imprevisível (como o caso fortuito) ou improvável a uma pessoa que, no momento da criação do dever de prestar, actuasse com a diligência média com que actuaria o “bonus pater familias”. Não releva, pois, para a questão da culpa da ré aqui em apreço, saber se a actuação da RAEM é ela própria ilícita ou contrária à lei nem se é culposa ou censurável, relevando apenas saber se é inevitável e imprevisível.
     
     Um parêntesis sobre o risco contratual.
     Por regra, o devedor quando se obriga a prestar assume para si o risco da prestação e, por isso, tem de vencer as normais dificuldades de cumprir.
     A ré ainda alegou nos arts. 159º a 168º da sua contestação que o autor também assumiu o risco da impossibilidade da prestação ao celebrar um contrato que tinha como objecto coisa futura. Mas tal alegação foi feita apenas em termos de tese abstracta e conclusiva e não em termos de um concreto acordo ou cláusula contratual sobre o risco da impossibilidade superveniente da prestação.
     De todo o modo, não é de pura distribuição do risco contratual que neste momento se trata. É de censura por eventual leviandade na assunção/criação do risco. Mas dificilmente se aceitará que a ré que prometeu construir em tempo peça que o autor seja censurado pelo tribunal por ter confiado que a própria ré construiria em tempo.
     Não se trata de fazer correr objectivamente por conta do devedor, do credor ou de ambos o risco de a prestação de tornar impossível. Ainda se trata de um juízo de censura ao devedor por ter ocorrido uma impossibilidade da prestação se era previsível e não foi inserida pelas partes no âmbito do risco contratual de forma a atribui-lo, reparti-lo ou a atribuir natureza aleatória ao contrato. Trata-se de um juízo subjectivo.
     
     Voltemos à culpa aferida ao modo da “actio libera in causa” negligente.
     Há que valorar a conduta da ré em termos de censura por observância ou inobservância voluntária e livre dos deveres de cuidado que se impunham a um bom pai de família medianamente previdente e diligente na situação em que a ré contratou com o autor e no momento em que contratou.
     Tal operação tem de ser feita sem nunca perder de vista que se presume a culpa da ré por ter ocorrido impossibilidade superveniente da prestação a seu cargo e que tal presunção impõe à ré o ónus de prova (e de alegação) de factos com eficácia desculpante (arts. 790º, nº 1 e 788º, nº 1 do CC). Designadamente, impõe-lhe o ónus de alegação e prova de assegurar que o autor contratou esclarecido do risco da superveniência da impossibilidade da prestação da ré, não bastando à ré dizer que o autor poderia ter conhecimento através de consulta ao Registo Predial.
     
     O “bom pai de família” comerciante/empresário.
     O grau de diligência devido que determinará se o grau de diligência observado pela ré é ou não susceptível de censura é aquele que observaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou.
     A ré é uma sociedade comercial, um agente económico que, num ambiente jurídico-comercial de incentivo à livre iniciativa com vista ao progresso económico e social se propõe desenvolver uma actividade económica lucrativa que pressupõe correr riscos comerciais os quais serão, afinal, a justificação jusfilosófica do lucro (ou uma das justificações possíveis).
     No caso dos autos, a ré quando contratou com o autor desenvolveu a sua actividade comercial propondo-se construir e vender ao autor um imóvel. Na ordem jurídica da RAEM não é, em abstracto, censurável pelo padrão do bom pai de família comerciante que a ré tenha arriscado construir e, mediante um preço, se tenha obrigado a construir e a entregar ao autor.
     Porém, a ré trouxe o autor para a sua esfera de risco ou para a sua esfera de organização comercial onde se inseria a RAEM na qualidade de concessionária e de entidade administrativa competente em matéria urbanística e ambiental.
     Não parece haver dúvidas que o dever de cuidado que observaria um bom pai de família aumenta quando não arrisca sozinho mas insere na sua esfera de risco e de organização o credor sem que este tenha qualquer poder de controlar ou interferir nesse risco e nessa organização exclusivas do círculo de actividade comercial do devedor. Especialmente se o risco é elevado e a organização é de funcionamento complexo. Retenha-se que a ré se “queixa” que já antes de ter celebrado o contrato com o autor a RAEM lhe vinha dificultando indevidamente a conclusão do empreendimento ao exigir alterações ao projecto de arquitectura e estudos de impacto ambiental, não se sabendo por que razão seria de esperar que a alegada atitude da RAEM mudasse depois da celebração do contrato entre o autor e ré36.
     A censura do devedor pela impossibilidade da prestação fundada na aceitação imprudente do risco de obtenção/construção de coisa futura aumenta se o devedor “arrasta” o credor para esse risco em condições que o bonus pater familias não arrastaria.
     E aumenta ainda mais se o devedor não adverte o credor dos riscos organizacionais ou outros em que o insere, cabendo ao devedor demonstrar que advertiu se quiser ilidir a presunção de culpa que sobre si impende. Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC37.
     
     Mas vejamos mais de perto nos factos provados quais as circunstâncias em que a ré arriscou.
     O contrato foi celebrado com o autor em 28/4/2011 e a ré necessitava de um período de três a quatro anos para construir e entregar a fracção autónoma acordada. Na referida data era expectável que o prazo de aproveitamento terminaria em 28/02/2014 se não viesse mais tarde, como veio, a ser prorrogado. Não disporia, pois, a ré de três anos para construir desde a celebração do contrato até ao termo do prazo de aproveitamento não prorrogado ainda. Na data do contrato a ré não tinha ainda licença administrativa para iniciar as obras e estava advertida que só lhe seria emitida depois de apresentar relatórios de circulação de ar e de estudo de impacto ambiental que fossem aprovados. Na mesma data da celebração do contrato com o autor, a ré não tinha ainda apresentado o relatório de impacto ambiental para ser aprovado, só o tendo apresentado em 11 de Maio seguinte. Não se provaram factos onde se possa concluir que a ré tinha razões para confiar que o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno.
     Perante esta factualidade, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial contrataria com o autor sem o avisar das vicissitudes referidas? Relembre-se antes de responder que é à ré que cabe alegar e provar que esclareceu o autor (ou que isso era desnecessário por este já estar escalarecido), antes de o inserir na sua esfera de organização e de risco empresarial e que cabe alegar e provar que tinha razões para confiar na extensão do prazo de aproveitamento ou da concessão.
     Afigura-se que, em face do elevado risco advindo da escassez de prazo para construir e da “lenta e exigente” relação com os serviços competentes da RAEM, um bom pai de família empresário, empreendedor, prudente e atento aos interesses legítimos dos demais agentes económicos não celebraria o contrato que a ré celebrou com o autor sem o conhecimento efectivo e a aceitação por parte deste do risco de impossibilidade da prestação que veio a concretizar-se.
     A contratação que a ré fez com o autor nestas circunstâncias de escassez de tempo e num contexto de anterior “relacionamento lento e exigente” com a RAEM configura em si mesmo uma violação do dever objectivo de cuidado por parte da ré que se projectou “in causa” naquilo que mais tarde viria a ser a causa efectiva da impossibilidade da prestação38. Portanto, mesmo que a ré tenha sido diligente com vista a conseguir construir, não foi cuidadosa como seria no seu lugar um bom pai de família, mas foi temerária, ao inserir o autor na sua esfera de elevado risco, do risco de não conseguir construir atempadamente, risco que era claramente visível a um bom pai de família.
     A censura a dirigir à ré não deriva do facto de ter empreendido e corrido risco empresarial, mas deriva, pois, do facto de ter colocado o autor no risco da própria ré quando esse risco já era antecipável a um bom pai de família medianamente previdente e quando este pai de família, caso pretendesse arriscar, arriscaria sozinho sem ampliar a sua esfera de risco a terceiros sem os esclarecer ou então esclareceria esse mesmo risco, o que se presume que a ré não fez.
     A censura que a ordem jurídica dirige à actuação da ré por ter ocorrido a impossibilidade da prestação é uma censura “in causa”.
     A ré contratou sem observar os cuidados que, no seu lugar, observaria o bom pai de família para evitar que ocorresse de surpresa para a outra parte contratante a impossibilidade da prestação que a própria ré criava por via contratual, pelo que não actuou com o cuidado objectivamente devido, sendo negligente a sua actuação, uma das formas de culpa cível em matéria de responsabilidade civil.
     À ré pode ser dirigido um juízo de censura em termos de culpa pela expansão temerária e unilateral da sua esfera de risco. Não é de risco que se trata, mas de culpa pela expansão do risco.
     Em termos puramente de risco que a ré não comunicou ao autor, se a ré tivesse conseguido construir receberia os lucros que houvesse sem ter de os repartir com o autor e, como não conseguiu construir, recebe os prejuízos que haja, também sem ter de os repartir com o autor.
     A ré diz que tudo fez para conseguir construir e que, por isso, não merece censura por não ter conseguido construir atempadamente e assim evitar a caducidade da concessão que provocou, afinal, a sua impossibilidade jurídica de construir. Porém, não é na falta de esforço para construir que, in casu, deve fundar-se o juízo de culpa quanto à impossibilidade da prestação. O juízo de culpa deve antecipar-se “in causa” e aí, conclui-se que a ré, sem esclarecer claramente o autor, nem deveria ter criado o dever de prestar e, assim, teria evitado a impossibilidade de o cumprir que veio a verificar-se, como era antecipável a quem actuasse com mediana prudência e cuidado para não causar danos a terceiros decorrentes da impossibilidade de cumprir a obrigação de construir e entregar fracções autónomas de prédio urbano.
     
     Em conclusão, a impossibilidade da prestação que a ré devia ao autor é imputável à ré a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão do autor ao seu risco empresarial.
     
     c. Da resolução contratual.
     No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
     Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
     
     d. Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
i. Da existência de obrigação de indemnizar.
     Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
     Tendo-se provado que o autor pagou à ré para receber dela um imóvel e nada dela tendo recebido, é forçoso concluir que sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
     Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
     
ii. Do montante da indemnização
     Também nesta questão é grande a divergência entre as partes.
     O autor pretende ser indemnizada pelo seu dano efectivo em montante superior ao sinal prestado e equivalente ao aumento do valor da fracção autómoma que pretendia adquirir e da qual ficou privado, aumento que se verificou após a celebração do contrato-promessa.
     Por seu lado, a ré entende que o autor não ficou privado da fracção autónoma porquanto o Governo da RAEM lhe concedeu a oportunidade de adquirir uma fracção igual por preço igual e entende ainda que o valor que o autor pagou, ainda que seja considerado sinal, é superior aos danos sofridos, pelo que, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado (HKD1.230.000,00).
     
     O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
     
     No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, delimita o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
     É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
     
     a) Da existência de sinal
     Da qualificação do contrato.
     Como antes se referiu, o autor entende que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende que deve ser qualificado como contrato atípico.
     A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
     A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes39. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual40. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
     Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular41. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
     A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual42.
     Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
     Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
     
     Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
     A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
     Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda” (als. c) e ooo). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, a al. c) remete, para o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9º).
     Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
     Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9º a 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea c) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
     Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a transacção, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
     A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
     Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que tem direito a receber por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
     Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia ao autor em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que o autor vendesse, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro/lucrativo mecanismo contratual estabelecido no caso de o autor já se sentir proprietário, apesar de ter suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
     Se a ré vendeu bem futuro, como defende, o autor também poderia fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitava o autor de “autorização” se era tão proprietário futuro como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real do autor face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, o autor e a ré consideraram que o autor apenas tinha direito de crédito e poderia ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podia vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, as partes deixam entender que consideraram que a posição do autor que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real. Isto é, que o autor tinha um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que o autor não tinha ainda um direito real sobre coisa futura. Deixam entender que o autor não pode transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas pode transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré e não um direito sobre a coisa futura).
     
     É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitente-comprador.
     Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
     
     Da convenção de sinal.
     O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico43. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
     Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
     Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes44.
     Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
     Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
     Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que ambos celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 45º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. Com efeito, a ré logrou apenas provar que o contrato que celebrou refere a palavra preço, não constituindo tal facto “prova do contrário” do facto presumido. Isto é, não é prova de que as partes não quiseram atribuir carácter de sinal.
     Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice consta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
     Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
     Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
     Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
     Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
     Ora, se em caso de incumprimento do autor a ré é indemnizada em “dois milhões”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o autor ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
     As partes não estipularam que em caso de incumprimento do autor a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
     Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
     
     Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
     
     Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
     
     Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
     
     O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal, a sua ampliação pelo valor do dano efectivo que excede o valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
     “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
     Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda. Como se disse, as partes já não disputam esta questão e é evidente na factualidade provada que a prestação prometida pela ré deve considerar-se impossível actualmente.
     Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
     Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
     Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC).
     Mas terá ainda a ré de pagar ao autor um montante igual ao do sinal que recebeu?
     O autor pretende que a ré pague quantia superior e a ré pretende pagar quantia inferior ao valor do sinal.
     Vejamos.
     Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
     E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
     
     Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
     - Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal45;
     - Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo46.
     
     O ónus da prova.
     O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
     No presente caso, cabe ao autor alegar e provar que teve efectivamente um dano superior ao valor do sinal e cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
     
     Vejamos o que se provou respeitante ao dano efectivo do autor credor e à redução da culpa da ré devedora, com relevo em sede de equidade.
     
     O Dano efectivo alegado pelo autor como “dano excedente” – o aumento do valor da coisa prometida vender.
     O autor alegou que, caso tivesse adquirido a fracção autónoma prometida vender, teria actualmente um valor patrimonial não inferior a MOP. 13.058.381,30, correspondente ao seu valor de mercado, embora tivesse ainda que pagar à ré a parte do preço ainda não paga (HKD2.870.000,00). Pede, por isso, a condenação da ré a pagar a diferença, nela se incluído o valor do sinal prestado.
     Trata-se da indemnização do que habitualmente se designa por interesse contratual positivo, ou seja, a situação que o contraente teria se o contrato tivesse sido cumprido.
     A ré retorquiu que o autor não sofreu o referido dano porquanto, devido ao incumprimento contratual da própria ré, o autor beneficia de uma medida criada pelo Governo que lhe permite adquirir uma fracção autónoma igual à prometida e por preço igual a valorização do imóvel, pelo que fica restabelecido daquele interesse contratual positivo e, assim, não tem o referido dano.
     Como consta das als. ooo), qqqq) e rrrr), provou-se que:
     - Caso a Ré tivesse cumprido a promessa de venda da fracção G25, o Autor teria pago por ela HKD4,100,000.00 e o seu valor actual seria de aproximadamente MOP11.142.283,00;
     - O autor candidatou-se a adquirir uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio e tal candidatura foi aprovada;
     - Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção que constitui o objecto do contrato aqui em causa (artigos 7 e 9 do Despacho CE 89/19).
     Pois bem, o autor, quando contratou, tinha uma expectativa de adquirir um imóvel e agora tem uma expectativa (que aqui tem de ser considerada muito segura) de adquirir um imóvel semelhante. Eventualmente tem mais que uma expectativa, tem até um direito de vir a receber uma fracção autónoma de um prédio urbano idêntica à prometida pela ré e pagando o que a ré receberia do promitente comprador originário (Lei nº 8/2019 conjugada com o Despacho do Chefe do Executivo nº 89/201947). Neste momento, não se sabe nos factos dos autos quando o autor receberá a “fracção sucedânea”. Porém, se receber, poderá a situação actual dos autos afigurar-se mais à mora do devedor do que ao incumprimento definitivo. Com efeito, o autor terá uma fracção autónoma semelhante à que teria se a ré cumprisse a sua promessa, mas vários anos mais tarde do que a ré prometera vender em 2011. Quando receber a “fracção sucedânea”, o autor já não terá o “dano excedente” que aqui reclama, pois já não estará privado do aumento do valor da coisa prometida vender.
     Não pode, pois, considerar-se aqui demonstrado o dano excedente alegado pelo autor e reportado à diferença entre o valor actual da fracção prometida vender e o preço da prometida venda.
     Não pode o tribunal conhecer de outro eventual dano não alegado pelo autor para aferir se esse dano excede consideravelmente o valor do sinal e se, por isso, é indemnizável. Nomeadamente não pode o tribunal ponderar eventual dano decorrente da privação durante vários anos do uso do imóvel prometido vender. Com efeito, esse dano não foi processado em discussão contraditória e não foi colocado à apreciação do tribunal, pelo que seriam excedidos os poderes de cognição do tribunal (arts. 563º, nº 3 do CPC).
     
      Não pode, pois, proceder esta pretensão do autor.
     
     Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
     “A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
     Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações48, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento49.
     O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
     Vejamos então.
     De certo modo, em matéria de princípio dispositivo a equidade opera com limites menos rigidos que a aplicação dos critérios de decisão normativos, designadamente nos casos dos limites do pedido e da alegação. Pode, pois, ser ponderado em sede de equidade o interesse contratual positivo habitual, mesmo que não tenha sido alegado em factos nem consubstanciado no pedido, como ocorre no caso dos autos em que o autor não pede indemnização pela privação do uso durante o período que mediou entre o momento em que o imóvel lhe deveria ter sido entregue segundo o contrato que celebrou com a ré e o momento em que lhe será entregue o imóvel que temos vindo a designar por “sucedâneo”. Com efeito, se relativamente à questão do dano excedente, o tribunal está limitado nos seus poderes de cognição pela alegação e pedido das partes, relativamente à questão da redução equitativa, não tem as mesmas limitações. Pode, pois, nesta sede, sem que haja contradição com a irrelevância anteriormente referida, ser ponderada a privação do uso para que releve em sede de juízo de equidade.
     A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
     Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que o autor sofreu (sem os referidos limites determinados pelo princípio do pedido e da alegação). O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
     Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
     No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
     No que tange ao dano efectivo, a ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, o autor vai adquirir uma fracção autónoma equivalente à que contrataram com a ré e que terá um valor de mercado superior ao preço acordado.
     A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
     No entanto, tem de ponderar-se que foi por razões imputáveis à ré que o autor não teve hipótese de adquirir atempadamente a fracção autónoma prometida e que, se tivesse podido fruir dela desde a data em que lhe deveria ser entregue nos termos acordados, há cerca de 7 anos, teria a hipótese de ter obtido e continuar a obter até à data, ainda desconhecida, em que receberá a “fracção sucedânea” um valor que não será muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual do autor e a que teria se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CC).
     Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo autor, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
     
     3. - Da mora na obrigação de indemnizar.
     O autor pretende a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da citação até integral pagamento.
     
     A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como é a da ré, com a interpelação (art. 794º, nºs 1 e 4 do CC).
     A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
     A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
     
     V – DECISÃO.
     Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de HKD2.460.000,00 (dois milhões, quatrocentos e sessenta mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.
     Custas a cargo de autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
     Registe e notifique.
*
    Quid Juris?
    Relativamente às questões levantadas no recurso, tal como se refere anteriormente, o TSI já teve oportunidade de se pronunciar, nomeadamente nos processos nº 220/2024, em que fica consignado o seguinte entendimento:
    “從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
    事實上,本院在涉及“海一居”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
    只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
    4. 就賠償金額方面:
    第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
    此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
    我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
    就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
    a) 法律規定容許者;
    b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
    c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
    《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
    為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
    在本個案中,原告們向原預約買受人(H)支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
    倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
    原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
    由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。
    *
四. 決定
    綜上所述,裁決第一被告的上訴不成立,維持原審法院的決定。
    *
    訴訟費用由第一被告支付。
    作出適當通知。”
    Ora, bem vistas as coisas, é de verificar-se que, praticamente, todas as questões levantadas pelo Recorrente já foram objeto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, e nesta sede, não encontramos vícios que demonstrem a incorrecta aplicação de Direito, muito menos os alegados vícios invalidantes da decisão atacada.
    Nesta sede, limitamo-nos a frisar os seguintes aspectos:
    1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
    a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
    b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
    c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
    2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
    3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pode cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indescupavel”, o que deve relevar para cumprir as sanções contratuais!
    4) – Ora no caso em exame, como o primitente-comprador é sempre o mesmo, não tendo ele cedido a posição a terceiro, e o seu pedido é tão singelo: restituição do sinal em dobro, e não se encontram motivos que demonstrem que tal restituição representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
    Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente.
*
    Síntese conclusiva:
    I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
    II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
    III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda” (als. c) e ooo). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
    IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
    V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
    VI - Em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real. As partes não estipularam que em caso de incumprimento do Autor a Ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores. Face ao expendido, deve concluir-se que foi acordado sinal no caso em apreço.
    VII - O Autor alegou que, caso tivesse adquirido a fracção autónoma prometida vender, teria actualmente um valor patrimonial não inferior a MOP. 13.058.381,30, correspondente ao seu valor de mercado, embora tivesse ainda que pagar à Ré a parte do preço ainda não paga (HKD2.870.000,00). Pede, por isso, a condenação da Ré a pagar a diferença, nela se incluído o valor do sinal prestado. Trata-se da indemnização do que habitualmente se designa por interesse contratual positivo, ou seja, a situação que o contraente teria se o contrato tivesse sido cumprido.
    VIII – Em face da ausência de factos essenciais, cujo ónus cabe ao Autor, não pode considerar-se aqui demonstrado o dano excedente alegado pelo mesmo e reportado à diferença entre o valor actual da fracção prometida vender e o preço da prometida venda. Não pode o tribunal conhecer de outro eventual dano não alegado pelo Autor para aferir se esse dano excede consideravelmente o valor do sinal e se, por isso, é indemnizável, nomeadamente não pode o tribunal ponderar eventual dano decorrente da privação durante vários anos do uso do imóvel prometido vender. Com efeito, esse dano não foi processado em discussão contraditória e não foi colocado à apreciação do tribunal, pelo que seriam excedidos os poderes de cognição do tribunal (arts. 563º, nº 3 do CPC).
    VIII - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
    IX - No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento. No que tange ao dano efectivo, a Ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, o Autor vai adquirir uma fracção autónoma equivalente à que contrataram com a ré e que terá um valor de mercado superior ao preço acordado.
    X - A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. No entanto, tem de ponderar-se que foi por razões imputáveis à Ré que o autor não teve hipótese de adquirir atempadamente a fracção autónoma prometida e que, se tivesse podido fruir dela desde a data em que lhe deveria ser entregue nos termos acordados, há cerca de sete anos, teria a hipótese de ter obtido e continuar a obter até à data, ainda desconhecida, em que receberá a “fracção sucedânea” um valor que não será muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual do autor e a que teria se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CCM). Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo Autor, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
*
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
    Custas pela Recorrente.
*
    Registe e Notifique.
*
RAEM, 16 de Janeiro de 2025.
Fong Man Chong (Relator)
Tong Hio Fong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro (Segundo Juiz-Adjunto)

     
1 Especificamente dirigidas à realidade de Macau, vejam-se as considerações tecidas a este ponto por VIRIATO LIMA, em Manual de Direito Processual Civil - Acção Declarativa Comum, páginas 441 e 442.
2 Cfr. JOSÉ CARLOS BRANDÃO, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2011, página 167.
3 Existindo ainda uma referência - julga-se por lapso, atendendo ao deserto de argumentação acerca do mesmo - ao Quesito n.º 45, no Ponto 21 das alegações de recurso.
4 Relembre-se que o Tribunal a quo considerou como:
- Não provado que foi nessa reunião que os dados oficiais sobre odores da ETAR foram entregues à Ré (Resposta ao Quesito n.º 33);
- Provado que a Ré se convenceu que conseguiria construir o "empreendimento imobiliário X" (Resposta ao Quesito n.º 40);
- Provado que a Ré estava convicta de que o prazo estipulado para aproveitamento do terreno concessionado era suficiente para concluir o empreendimento, bem como que quando a parte do referido prazo de aproveitamento que ainda não tinha decorrido já não era suficiente para concluir o empreendimento, a Ré estava convicta de que a Administração lhe prorrogaria tal prazo ou lhe viabilizaria nova concessão do mesmo terreno e que a prorrogação ou a nova concessão lhe permitiria concluir o empreendimento (Resposta ao Quesito n.º 51), bem como
- Não provado que, em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, "nova Concessão", após negociações sobre os respectivos termos e condições, como foi o caso dos terrenos da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional "Jardins Lisboa" (Resposta ao Quesito n.º 52).
5 Acórdão do TSI de 20 de Setembro de 2012, Proc. n.º 551/2012, disponível em www.court.gov.mo.
6 Acórdão do TSI de 17 de Janeiro de 2019, Proc. n.º 60/2018, disponível em www.court.gov.mo.
7 Acórdão do TSI de 28 de Maio de 2015, Proc. n.º 332/2015, disponível em www.court.gov.mo.
8 Acórdão do TSI de 18 de Julho de 2019, Proc. n.º 251/2019, disponível em www.court.gov.mo.
9 Acórdão do TSI de 22 de Novembro de 2018, no Proc. n.º 1134/2017, disponível em www.court.gov.mo.
10 Acórdão do TSI de 9 de Julho de 2020, Proc. n.º 291/2020, disponível em www.court.gov.mo.
11 Acórdão do TSI de 1 de Junho de 2020, Proc. n.º 427/2020, disponível em www.court.gov.mo.
12 Vide, a título meramente exemplificativo, Acórdão do TSI de 28 de Abril de 2022, Proc. n.º 53/2022, ou Acórdão do TSI de 26 de Maio de 2022, Proc. n.º 311/2021.
13 De notar que a Recorrente, notificada da decisão sobre a matéria de facto, não apresentou qualquer reclamação, na senda do disposto no n.º 5 do artigo 556.º do CPC, o que não deixa de ser revelador.
14 Passa-se a citar o mesmo: "Em casos de inimputabilidade do concessionaria, a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, "nova Concessão”, após negociações sobre os respectivos termos e condições, como foi o caso dos terrenos da "Sociedade do Parque Industrial da Concórdia" e do complexo habitacional “Jardins Lisboa”?".
15 Ser "política" de uma determinada administração implicaria estabelecer que esse seria, usualmente, o modo de governar ou dirigir a actuação nesse campo por parte da RAEM, algo que a Recorrente não conseguiu demonstrar ou sequer clarificar.
16 Disponível em www.dgsi.pt
17 Acórdão de 19 de Outubro de 2017, disponível em www.court.gov.mo.
18 Sentença de 30 de Março de 2020, disponível em www.court.gov.mo.
19 Acórdão de 23 de Maio de 2018, disponível em www.court.gov.mo.
20 Que começa por dizer: O promitente-comprador de fracção autónoma destinada a fins habitacionais em construção do anterior projecto de construção no lote «P», nos Novos Aterros da Areia Preta, na península de Macau (anterior «X»), doravante designada por fracção autónoma em construção, e as pessoas cessionárias da posição no respectivo contrato-promessa de compra e venda, que satisfaçam as condições previstas na Lei n.º 8/2019 (Regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para troca no âmbito da renovação urbana), podem candidatar-se à compra de habitação para troca junto da Macau Renovação Urbana, S.A., de 17 de Junho de 2019 a 16 de Agosto de 2019, conforme o horário de expediente e a forma publicados pela mesma, e perdem a habilitação para comprar habitação para troca aqueles que, tendo decorrido o prazo, não tenham apresentado a candidatura
21 Nas suas alegações sobre solução jurídica da causa já a ré não questiona a impossibilidade do cumprimento da sua prestação contratual. Talvez por já ter desistido do pedido na acção que intentara contra a RAEM.
22 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
23 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
24 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
25 Neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, 1988, p. 170.
26 Prof. Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 580.
27 Desde há muito que tem havido tentativas doutrinais de restringir o princípio da culpa em matéria de imputação ao devedor da impossibilidade da prestação. Baptista Machado (Risco Contratual e Mora do Credor, Obra Dispersa, Vol. I) apela a uma distribuição do risco contratual em caso de malogro do plano negocial por superveniência da impossibilidade da prestação. Menezes Cordeiro, sensível à evolução alemã em matéria de impossibilidade da prestação, invoca em termos esquemáticos uma graduação especial e reforçada do dever de diligência do devedor com vista à obtenção do objecto da prestação (Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 329 a 333). Sob a epígrafe “Novas tensões em torno do princípio da culpa?”, Catarina Monteiro Pires (Impossibilidade da prestação, pgs. 622 a 638), embora não o afirmando, chega a equacionar para o Direito alemão actual e para o Direito português o que designa por “despedida do princípio da culpa” e o que designa também por coexistência com outros critérios de imputação ao devedor da impossibilidade da sua prestação.
28 Só faz sentido falar de culpa perante actos ilícitos – Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, p. 317.
29 “Como definir então se uma conduta é culposa? Pela diferença entre o comportamento exigível… e o comportamento adoptado no caso concreto” - Alberto de Sá e Mello. “Critérios de apreciação da culpa na responsabilidade civil: breve anotação ao Regime do Código” in Revista da Ordem dos Advogados, sem n.º, ano 49, setembro 1989, Lisboa, p. 535, também acessível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba2b9529f-1b59-4cec-94ff-b02dab234224%7D.pdf.
30 Lapidarmente, escreve Pessoa Jorge (Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 337: “O que o legislador quis foi excluir, como critério de definição do comportamento devido, a diligência psicológica habitual do agente”.
31 “... a impossibilidade pode ser imputável ao devedor se o evento que a determina é, em regra, susceptível de ser prevenido, controlado ou superado, respeitando-se os deveres de cuidado exigíveis ao bom pai de família. Quando uma pessoa normalmente diligente, colocada na situação concreta do devedor, não podia ter previsto nem evitado o evento que impossibilita a prestação, não haverá lugar para o juízo de culpa, nem responsabilidade. Se a impossibilidade derivar de um acto de terceiro pelo qual o devedor não deva responder) ou de caso fortuito, a mesma não lhe será iputável” (Catarina Monteiro Pires, Impossibilidade da Prestação, 2017, pgs. 612).
32 O disposto no art. 481º do CC aponta para que esse momento seja aquele em que o acto ilícito (danoso) ocorreu. No mesmo sentido, Alberto de Sá e Mello, op. cit. p. 527.
33 “A imputabilidade não se verifica, então, no momento da prática do facto, mas no momento da colocação das suas causas” – Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, Vol. II, pgs. 34 a 37 (Edição AAFDL 1962).
34 Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, p. 135.
35 A propósito da impossibilidade superveniente da prestação por facto de terceiro estranho ao cumprimento, escreve Pessoa Jorge (op. cit., pg. 136): “... só há impossibilidade exoneratória se o comportamento do terceiro reunir as caracterísicas do caso fortuito ou de força maior: assim, se o devedor podia e devia ter previsto e evitado a sua actuação, não lhe é lícito invocar o impedimento por ele criado”.
O mesmo autor escreve também que não releva o facto de o comportamento de terceiro que impossibilita a prestação ser ele próprio ilícito e culposo ou ser lícito e não censurável.
36 Não está em causa considerar a ré responsável perante o autor pelos actos da RAEM, quer nos termos do art. 789º, nº 1, quer por qualquer culpa in eligendo, pois que a RAEM não tem a qualidade pressuposta no referido normativo, nem foi escolhida pela ré.
37 Também o credor está obrigado a proceder de boa fé no exercício do seu direito de crédito (art. 752º, nº 2 do CC), designadamente não lhe sendo lícito em certas circunstâncias recusar sem razão prestação semelhante à prestação devida que o devedor ofereça. No caso dos autos a ré alegou (art. 206º da contestação) que propôs ao autor entregar-lhe outra fracção autónoma de entre as que tinha e que o autor escolhesse. Na dificuldade/impossibilidade de cumprir que a ré experimentou, ao autor poderia não ser lícito recusar se a fracção oferecida satisfizesse o interesse contratual, o que se desconhece, designadamente quanto a área, localização e preço da fracção devida e da oferecida.
38 “A auto-condução a um estado de” impossibilidade previsível de cumprir “corresponderia já a uma violação do dever … de cuidado, temporalmente dissociada da verificação do resultado” (impossibilidade efectiva de cumprir) – adaptação do texto de Teresa Quintela de Brito, Crime Praticado em Estado de Inimputabilidade Auto-provocada…, 1991, p. 155.
39 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
40 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
41 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
42 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
43 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
44 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
45 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
46 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
 Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
47 “1. O promitente-comprador de fracção autónoma destinada a fins habitacionais em construção do anterior projecto de construção no lote «P», nos Novos Aterros da Areia Preta, na península de Macau (anterior «X»), doravante designada por fracção autónoma em construção, e as pessoas cessionárias da posição no respectivo contrato-promessa de compra e venda, que satisfaçam as condições previstas na Lei n.º 8/2019 (Regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para troca no âmbito da renovação urbana), podem candidatar-se à compra de habitação para troca junto da Macau Renovação Urbana, S.A., de 17 de Junho de 2019 a 16 de Agosto de 2019, conforme o horário de expediente e a forma publicados pela mesma, e perdem a habilitação para comprar habitação para troca aqueles que, tendo decorrido o prazo, não tenham apresentado a candidatura.
  ...
  7. A área útil da habitação para troca tem por referência a área útil da fracção autónoma em construção da qual o candidato seja promitente-comprador, sendo a diferença máxima entre essas duas áreas de 5% em relação à área útil da anterior fracção autónoma em construção.
  ...
  9. O preço de venda de habitação para troca a comprar pelos candidatos resulta da multiplicação do preço unitário por metro quadrado, calculado com base no preço e na área útil da fracção autónoma em construção que os mesmos tenham prometido comprar, pela área útil daquela habitação para troca”.
48  Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
49 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------





2024-292- sinal-dobro 43