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Processo nº 13/2025/A
(Suspensão de Eficácia)

Data do Acórdão: 23 de Janeiro de 2025

ASSUNTO:
- Pena disciplinar – demissão
- Agente de Polícia
- Imediata execução do acto
- Incidente de execução imediata
- Grave lesão do interesse público

SUMÁRIO:
- A actuação subjacente à pena disciplinar que foi aplicada ao Requerente não só constituiu uma violação dos deveres profissionais a que estava obrigado como também se traduziu num perigo para a segurança decorrente das ausências e incumprimento de regras numa área sensível e relevante;
- Há grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto – aplicação da pena de demissão – assim como na suspensão, seja pelo efeito de prevenção das penas disciplinares aqui agravado por estar em causa um agente policial, seja pelo efeito preventivo de protecção do interesse público evitando-se que esteja em exercício de funções desta natureza alguém que no seu desempenho abandona as suas funções deixando a segurança e protecção pública à deriva.


____________________
Rui Pereira Ribeiro







Processo nº 13/2025/A
(Suspensão de Eficácia)

Data: 23 de Janeiro de 2025
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

  A, com os demais sinais dos autos,
  vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 20.11.2024 que aplicou ao ora Requerente a pena de demissão.
  Para tanto alega o Requerente em síntese que é casado e tem 3 filhos nascidos em 2016, 2020 e 2023, pagando mensal HKD3.800,00 de prestação para reembolso do empréstimo contraído para aquisição da habitação e que as ausências do serviço que motivaram a aplicação da pena em questão se ficaram a dever querer estar em casa para cuidar dos filhos e da mulher para além de invocar as classificações de serviço e Louvores que teve no desempenho das suas funções, mostrando-se arrependido e tendo alterado a sua conduta profissional para melhor. Mais invoca que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, que a suspensão não determina grave lesão do interesse público e que os prejuízos que resultam da imediata execução do acto são desproporcionadamente superiores.
  
  Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta invocar grave prejuízo para o interesse público na não execução imediata da pena de demissão aplicada considerando a factualidade que esteve na base do processo disciplinar e que fundamentou a aplicação da pena em causa, tudo conforme consta de fls. 20 a 22, traduzidos a fls. 65v a 67.
  Posteriormente veio a Entidade Requerida contestar invocando que a suspensão de eficácia do acto de aplicação da pena causa grave lesão ao interesse público e que da imediata execução do mesmo não resulta para o Requerente prejuízo mais grave e desproporcionado.
  
  Notificado o Requerente que o órgão administrativo reconheceu que grave prejuízo para o interesse público na não execução imediata do acto, veio este em síntese reiterar o que já havia invocado em sede de requerimento inicial.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Segurança que lhe aplicou uma pena disciplinar de demissão.
  A Entidade Requerida apresentou a douta contestação que consta de fls. 26 a 32, e, além disso, na sequência da citação, juntou aos autos, a fls. 20 a 22 a declaração a que se refere o disposto no artigo 126.º, n.º 2 do CPAC tendo em vista obviar ao efeito suspensivo provisório resultante da citação.
  O Requerente apresentou requerimento, pedindo que se considere indevida a execução do acto em virtude de, segundo diz, serem improcedentes as razões que fundamentam aquela declaração.
  2.
  Começaremos por emitir pronúncia em relação ao incidente de execução indevida nos termos do disposto no artigo 127.º n.ºs 2 e 3 do CPAC.
  Como se sabe, assim que o órgão administrativo é citado ou notificado do pedido de suspensão de eficácia, fica impedido de prosseguir com a execução do acto. É o que resulta do n.º 1 do artigo 126.º do CPAC.
  No entanto, a Administração pode neutralizar esse efeito suspensivo provisório através de uma resolução fundamentada de reconhecimento de que a não imediata execução do acto implica grave prejuízo para o interesse público, tal como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 126.º do CPAC.
  A nosso ver, resolução que se encontra a fls. 20 a 22 dos presentes autos mostra-se devidamente fundamentada. Como aí se assinalou, «se se permitir o regresso do requerente ao local de trabalho durante o recurso contencioso, ainda que temporário, os demais trabalhadores sentirão que não está realçada a disciplina, causando impactos negativos severos à PJ na gestão interna, mormente na gestão disciplinar de pessoal», sendo que tais impactos negativos, representam, justamente, a nosso modesto ver, um grave prejuízo para o interesse público uma vez que colocam em causa a manutenção dos indispensáveis padrões de comportamento e disciplina no seio da corporação policial, os quais, como se sabe, são fundamentais para preservar a sua coesão e a sua eficiência na prossecução das atribuições que legalmente lhe estão cometidas.
  Daí que, parece-nos, deva improceder o incidente de execução indevida.
  3.
  Quanto ao pedido principal de suspensão de eficácia do acto diremos o seguinte.
  (i)
  Não é controvertido que o acto suspendendo, por isso que se trata de um acto disciplinarmente punitivo do Requerente, tem conteúdo positivo [artigo 120.º, alínea a) do CPAC] e, como tal, a sua eficácia pode ser suspensa.
  (ii)
  Em regra, o decretamento da providência de suspensão de eficácia implica, como decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 e 3 do CPAC, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
o a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
o a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
o do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  Todavia, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 121.º do CPAC, prescinde-se da verificação do requisito previsto na alínea a), do n.º 1, do mesmo artigo, atinente ao prejuízo irreparável, quando em causa esteja a suspensão da eficácia de acto com natureza de sanção disciplinar, tal como ocorre no caso presente.
  (iii)
  Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v. g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito. Por isso, mostra-se verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
  (iv)
  Isto dito, parece-nos, se bem vemos, que as duas únicas questões que se debatem no presente recurso são, pois, a de saber se a suspensão de eficácia, a ser decretada, determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto [artigo 121.º, n.º 1, alínea b) do CPAC] e, também, a de saber se, para o caso de esse requisito se não ter por verificado, será de conceder a suspensão de eficácia por se mostrar que os prejuízos decorrentes para o requerente da imediata execução do acto são desproporcionadamente superiores ao prejuízo que, da suspensão de eficácia, advém para o interesse público (artigo 121.º, n.º 4 do CPAC).
  Vejamos.
  (iv.1)
  Está em causa um acto administrativo que aplicou ao Requerente uma pena disciplinar de demissão em resultado daquilo que a Administração considerou serem múltiplas violações dos deveres de zelo, assiduidade e obediência.
  Acompanhando a formulação do Tribunal de Última Instância, «o interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, ‘como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins’» (cfr. Ac. do Tribunal de Última Instância de 7.3.2018, processo n.º 8/2018).
  Deste modo, estando em causa uma infracção disciplinar praticada por um agente da Polícia Judiciária, a aplicação da pena disciplinar tem em vista, como antes referimos e agora repetimos, entre o mais que agora não releva, garantir a manutenção de elevados padrões de comportamento e disciplina no seio da corporação policial, de modo a preservar a sua coesão, assim se garantindo o seu prestígio, a sua autoridade e a sua eficiência na prossecução das respectivas atribuições, numa área tão sensível e comunitariamente relevante como é a do combate à criminalidade. Sendo isto assim, como também já dissemos supra a propósito do incidente de execução indevida, parece-nos que adviria grave prejuízo para o interesse público acaso fosse determinada a suspensão da eficácia do acto, na medida em que tal suspensão projectaria um inevitável efeito nefasto e perturbador dentro da corporação e entre os seus membros, em especial no que tange ao seu sentido de disciplina cuja salvaguarda, como referimos, é absolutamente essencial.
  Estamos em crer, pois, para concluir quanto a este ponto, que não está verificado, no caso, o requisito de concessão da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, porquanto a suspensão de eficácia, a ser decretada, determinaria grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto (veja-se, neste mesmo sentido, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 9.9.2020, proc. 147/2020).
  (iv.2.)
  Além disso, também nos parece que, no caso, não cabe a aplicação da norma do n.º 4 daquele artigo 121.º. Aí se estabelece: «[a]inda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os demais requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente».
  O que ali está em causa são situações em que, não obstante o tribunal considerar não estar demonstrado que a suspensão não determina grave lesão para o interesse público, ainda assim concede tal providência. Para isso é necessário que se demonstre que o Requerente, a ver o acto imediatamente executado, irá sofrer prejuízos desproporcionadamente superiores àqueles que da suspensão resultarão para o interesse público. O que remete, pois, para uma concreta ponderação entre o prejuízo para o interesse público e o prejuízo para o interesse particular do requerente da suspensão.
  A este propósito, os nossos Tribunais têm vido a decidir, bem, que é ao Requerente da providência que cabe o ónus de concretizar e demonstrar a superioridade desproporcionada dos prejuízos que para si resulta da imediata execução do acto para que possa ser decretada a suspensão de eficácia por aplicação da citada norma (assim, por exemplo, o Acórdão do Tribunal de Última Instância de 7.3.2018, Processo n.º 8/2018 e o Acórdão de 30.7.2019, processo n.º 73/2019).
  A verdade, todavia, é que, a nosso modesto ver, o Requerente não procedeu àquela indispensável demonstração, uma vez que os danos que alega não podem ter-se, sequer sumariamente, por provados. É certo que, a perda de vencimento do Requerente vai ter um evidente impacto no respectivo «orçamento familiar». No entanto, só por si, isto não permite concluir que a execução do acto vá produzir na respectiva esfera jurídica danos desproporcionadamente superiores àqueles que a suspensão provocaria no interesse público prosseguido pelo acto (em sentido idêntico, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância tirado no processo n.º 817/2024-A).
  Daí que, em nosso entendimento, não seja de considerar verificado o pressuposto legalmente exigido para a concessão da providência ao abrigo do n.º 4 do artigo 121.º do CPAC.
  4.
  Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.».
  
II. QUESTÕES A DECIDIR
  
  Nesta sede processual cabe apreciar das seguintes questões:
  - Da execução indevida
  - Da verificação dos requisitos da suspensão de eficácia do acto considerando que acto objecto do pedido é uma sanção disciplinar.

III. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
IV. FUNDAMENTAÇÃO

1) Dos Factos

A) Por despacho do Secretário para a Segurança de 20.11.2024 ao Requerente foi aplicada a pena disciplinar de demissão com os seguintes fundamentos:
«Compulsados os elementos dos autos, foi provado, suficientemente, que em Agosto e Setembro de 2022, o arguido que era subordinado à Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo da Polícia Judiciária, praticou as seguintes condutas:
1. No ano de 2022, em 03 de Agosto (cerca de 1 hora), 04 de Agosto (cerca de 6 horas e 47 minutos), 08 de Agosto (cerca de 8 horas), 11 de Agosto (com mais de 3 horas), 12 de Agosto (cerca de 6 horas e 27 minutos), 14 de Agosto (o arguido confessou por iniciativa própria), 15 de Agosto (cerca de 3 horas), 16 de Agosto (cerca de 4 a 5 horas), 20 de Agosto (cerca de 6 horas e 7 minutos), 05 de Setembro (cerca de 6 horas e 27 minutos), 09 de Setembro (cerca de 8 horas), 12 de Setembro (cerca de 5 horas e 26 minutos), no total de 12 vezes, desertou-se do seu posto de trabalho, sem autorização, durante a sua prestação de serviço, ms regressou antes de acabar o serviço;
2. No ano de 2022, em 06 de Agosto (cerca de 1 hora e 23 minutos), 18 de Agosto (cerca de 43 minutos), 19 de Agosto (cerca de 46 minutos), 04 de Setembro (cerca de 3 horas e 28 minutos), no total de 4 vezes, saiu mais cedo do seu posto de trabalho, sem autorização;
3. No ano de 2022, em 06 de Agosto (cerca de 1 hora e 15 minutos), 18 de Agosto (cerca de 46 minutos), 22 de Agosto (cerca de 2 horas e 18 minutos), 26 de Agosto (cerca de 1 hora), 01 de Setembro (cerca de 7 horas e 58 minutos), 03 de Setembro (cerca de 7 horas), 07 de Setembro (cerca de 2 horas) e 11 de Setembro (cerca de 5 horas), no total de 8 vezes, atrasou-se mais de 15 minutos, sem autorização;
4. Durante o período compreendido entre 01 de Agosto e 14 de Setembro, do ano de 2022, não marcou a presença, no total de 33 vezes, as suas entrada e saída de serviço por impressões digitais, conforme o solicitado pela Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo;
5. De 5 de Agosto a 18 de Outubro de 2022, no total 18 vezes o arguido não cumpriu o regulamento interno da Polícia Judiciária, isto é, ausentou-se da RAEM sem ter apresentado a comunicação de ausência da RAEM escrita a seu superior hierárquico, nomeadamente, ausentou-se do local de trabalho sem autorização no dia 11 de Agosto de 2022 durante o período de prestação de serviço e deslocou-se a Zhuhai;
6. Em 4, 12, 15, 18 e 20 de Agosto, e 3, 5 e 11 de Setembro de 2022, no total 8 vezes o arguido apresentou à subunidade em que trabalhava os relatórios e formulários com conteúdo falso;
7. Em 3, 6 e 30 de Agosto, e 1, 4 e 12 de Setembro de 2022, no total 6 vezes o arguido violou a regra da Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo – proibir a transferência de chamadas do telemóvel de uso exclusivo no local de trabalho, isto é, ele próprio efectuou a transferência de chamadas do telemóvel de uso exclusivo no local de trabalho para seus colegas, ou deu instruções a seus colegas para efectuarem a transferência de chamadas do telemóvel de uso exclusivo no local de trabalho para os telemóveis de outras pessoas;
8. Em 3 de Agosto de 2022, depois do turno no local de trabalho, o arguido não apresentou o relatório relativo ao local de trabalho nem o relatório de transição de turno.
Os 16 factos praticados pelo arguido, mencionados nos pontos 1 e 2 anteriores, violaram os deveres de zelo e de assiduidade consagrados no art.º 279º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e g), 4 e 9, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Os 8 atrasos superiores a 15 minutos cometidos sem autorização pelo arguido, mencionados no ponto 3 anterior, violaram os deveres de zelo e de pontualidade consagrados no art.º 279º, n.ºs 1, 2, alíneas b) e h), 4 e 10, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Após organização das datas em que ocorreram as infracções disciplinares mencionadas nos pontos 1 a 3 em apreço, constatou-se que havia 22 dias na totalidade em que o arguido se encontrava em ausência ilegítima. Tendo realizado o respectivo procedimento, em 16 de Junho de 2023, o Director da Polícia Judiciária considerou os aludidos 22 dias como faltas injustificadas, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 90º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Relativamente ao referido no ponto 4 em apreço, 33 vezes o arguido não obedeceu à exigência implementada pela Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo – fazer os registos de entrada e saída do local de trabalho através da impressão digital –, das quais 27 vezes o arguido não fez os aludidos registos através da impressão digital por ter a finalidade de contornar a fiscalização de assiduidade efectuada pela Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo, portanto, apenas se consideram os 6 casos de desobediência à exigência implementada pela referida Divisão, ou seja, 6 infracções disciplinares relativas a não realização dos registos de entrada e saída do local de trabalho através da impressão digital, infracções essas violaram os deveres de zelo e de obediência consagrados no art.º 279º, n.ºs 2, alíneas b) e c), 4 e 5, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Relativamente ao referido no ponto 5 em apreço, 18 vezes o arguido não cumpriu o regulamento interno da Polícia Judiciária, isto é, ausentou-se da RAEM sem ter apresentado a comunicação de ausência da RAEM escrita a seu superior hierárquico. Tais factos violaram os deveres de zelo e de obediência consagrados no art.º 279º, n.ºs 2, alíneas b) e c), 4 e 5, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Relativamente ao referido no ponto 6 em apreço, no total 8 vezes o arguido ficcionou os locais em que se encontrava em patrulha nos relatórios de patrulhamento elaborados pelo mesmo, a fim de evitar que o seu superior hierárquico descobrisse que ele não tinha obedecido à exigência do trabalho para executar a patrulha. Tais factos violaram os deveres de zelo e de obediência consagrados no art.º 279º, n.ºs 2, alíneas b) e c), 4 e 5, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, no entanto, o arguido elaborou relatórios de patrulhamento falsos por ter a finalidade de contornar a fiscalização de assiduidade efectuada pela Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo, assim sendo, essas 8 infracções disciplinares relativas à elaboração de relatórios de patrulhamento falsos não seriam contadas isoladamente.
Relativamente ao referido no ponto 7 em apreço, 6 vezes foi efectuada a transferência de chamadas do telemóvel de uso exclusivo no local de trabalho pelo próprio arguido ou por seus colegas mediante o pedido deste. Tais factos violaram os deveres de zelo e de obediência consagrados no art.º 279º, n.ºs 2, alíneas b) e c), 4 e 5, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Relativamente ao referido no ponto 8 em apreço, em 3 de Agosto de 2022, depois do turno, o arguido não apresentou o relatório de patrulhamento nem o relatório de transição de turno, conduta essa violou os deveres de zelo e de obediência consagrados no art.º 279º, n.ºs 2, alíneas b) e c), 4 e 5, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
O arguido beneficia das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b), c) e f) do art.º 282º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e satisfaz, simultaneamente, as circunstâncias agravantes previstas nas alíneas h) e j) do n.º 1 do art.º 283º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, não possuindo quaisquer circunstâncias que atenuem, excluam ou dirimam a responsabilidade disciplinar.
Nos termos do disposto no art.º 4º da Lei n.º 5/2006 (Polícia Judiciária), compete, designadamente, à PJ vigiar e fiscalizar os casinos que sejam habitualmente alvo de delinquência ou que possam favorecê-la; e, nos termos da alínea 8) do n.º 1 do art.º 7º da mesma lei, presume-se delegada na PJ a competência exclusiva para realizar a investigação dos crimes praticados no interior dos casinos, salas e recintos de jogo, ou ao redor destes quando relacionados com o jogo. Criou-se exclusivamente a Secção de Patrulhamento contra Crimes relacionados com o Jogo subordinada à Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo da PJ, que destacou vários investigadores criminais para se fixarem e patrulharem em diversos casinos na RAEM, com vista a prevenir e resolver, rápida e eficazmente, os actos ilícitos e crimes ocorridos nos casinos, assegurando a boa ordem de segurança dos casinos. O arguido, sendo investigador criminal da Secção de Patrulhamento contra Crimes relacionados com o Jogo que se responsabilizava exclusivamente pela manutenção da segurança dos casinos, ignorou as suas atribuições legais e deveres como investigador criminal da PJ. Do início de Agosto a meados de Setembro de 2022, num curto período de um mês e meio, ele cometeu 32 infracções disciplinares em 22 dias de serviço, nomeadamente o atraso na chegada ao local de trabalho, a saída antecipada do local de trabalho, a ausência do local de trabalho no meio do período de prestação de serviço sem autorização do chefe, ou a falta da comparência ao local de trabalho durante o período de prestação de serviço. O pior é que, em 11 de Agosto, o arguido não só se ausentou do local de trabalho sem autorização durante o período de prestação de serviço, assim como se ausentou da RAEM por mais de 2 horas. Tais factos praticados pelo arguido prejudicaram gravemente a reacção e o planeamento da PJ no exercício das aludidas atribuições, conduzindo a PJ a julgar equivocamente que já tinha destacado agentes nos casinos ou áreas em causa. Pois, se houvesse incidente de segurança urgente, ficaria a segurança da vida e do património dos cidadãos em perigo e seria gravemente atentado o bom prestígio da PJ, por esta não ser capaz de resolver atempadamente o incidente.
Pelo exposto, ao arguido que faltou ao serviço, sem justificação, 22 dias interpolados num mesmo ano civil, é aplicável a pena de suspensão de 240 (sic) dias a 1 ano, ao abrigo da alínea f) do n.º 4 do art.º 314º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau; por cima, o arguido cometeu ainda 31 infracções disciplinares; a par disso, tendo em conta que várias vezes o arguido cometeu as seguintes infracções disciplinares: o atraso na chegada ao local de trabalho, a saída antecipada do local de trabalho, a ausência do local de trabalho sem autorização, a falta de comparência ao local de trabalho durante o período de prestação de serviço, e até a ausência da RAEM durante o período de prestação de serviço, o que conduziu a PJ a julgar equivocamente que já tinha destacado agentes nos casinos ou áreas em causa, prejudicando gravemente a PJ no exercício das suas atribuições legais, trazendo grande risco de segurança aos casinos ou áreas em causa, bem como atendendo ao disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do art.º 316º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o Secretário para a Segurança, usando as competências nele delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 182/2019 e nos termos dos artigos 300º, n.º 1, 315º, n.º 1, 316º, n.ºs 1, 2 e 4, e 322º, todos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, decide aplicar ao arguido a pena de demissão.», tudo conforme consta de fls. 10 a 14 e traduzido a fls. 62v. a 64v e que aqui se dá por reproduzido.
B) O Requerente está inscrito no registo predial como sendo conjuntamente com a sua esposa os titulares do direito à concessão por arrendamento e propriedade de construção de uma fracção autónoma relativamente à qual está também inscrita uma hipoteca a favor de um Banco, tudo conforme consta de fls. 15 e aqui se dá por reproduzido.
  Não se provaram quaisquer outros factos para além dos indicados por total ausência de apresentação de meios probatórios.
  
2) Do Direito
  
  DO INCIDENTE DA EXECUÇÃO INDEVIDA

  A Entidade Requerida foi citada para contestar por carta registada expedida em 27.12.2024, pelo que, se tem a mesma por citada em 30.12.2024.
  Em 02.01.2025 veio a Entidade Requerida invocar o interesse público na não imediata execução do acto considerando a factualidade que foi fundamento da infracção disciplinar.
  Verifica-se assim que o requerimento em causa foi tempestivamente apresentado – nº 2 do artº 126º do CPAC -.
  Sobre a matéria em causa, tendo subjacente questão de facto idêntica à destes autos, pronuncia-se o Acórdão do TUI de 19.07.2017 proferido no processo 37/2017:
  «Tal como tem entendido este Tribunal de Última Instância, a grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.1
  O interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, “como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins”2
  Concretamente, o interesse público prosseguido por acto que pune um agente policial com a pena de demissão é o de afastar definitivamente “... do serviço o agente cuja presença se revelou inconveniente aos seus interesses, dignidade e prestígio”3, por ter praticado infracção que, pela sua gravidade, inviabiliza a manutenção da relação funcional (artigo 238.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança).4».
  Resulta do despacho cuja suspensão se pede que a pena disciplinar aplicada ao ora Requerente se ficou a dever a ausências do serviço não justificadas, em elevado número, fazendo crer aos seus superiores hierárquicos que estava no seu posto de trabalho, não cumprir regras de registo de entrada e saída e de proibição de transferência de chamadas do telemóvel de uso exclusivo no trabalho para outros telemóveis, regras essas relacionadas com a Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo, ausência da RAEM sem cumprir a obrigação de comunicação ao superior hierárquico e durante o tempo de serviço e omissão de apresentação de relatórios a que estava obrigado.
  No caso subjacente a estes autos o que está em causa é a actuação de um Investigador Criminal Principal da Polícia Judiciária afecto à Divisão de Investigação de Crimes relacionados com o Jogo dessa mesma polícia.
  A actuação subjacente à pena disciplinar que foi aplicada ao Requerente não só constituiu uma violação dos deveres profissionais a que estava obrigado como também se traduziu num perigo para a segurança decorrente das ausências e incumprimento de regras numa área que tem tanto de sensível como de relevante para a economia e imagem da RAEM como é a do Jogo.
  Destarte, não podemos deixar de acompanhar a fundamentação apresentada de que haveria grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto – aplicação da pena de demissão – seja pelo efeito de prevenção das penas disciplinares aqui agravado por estar em causa um agente policial, seja pelo efeito preventivo de protecção do interesse público evitando-se que esteja em exercício de funções desta natureza alguém que no seu desempenho abandona as suas funções deixando a segurança e protecção pública à deriva.
  Destarte, pelos fundamentos expostos vai indeferido o incidente de execução indevida do acto.
  
  DA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO
  
  De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
  a) Tenham conteúdo positivo;
  b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
  No caso dos autos o acto cuja suspensão se pede é de aplicação de pena disciplinar e como tal manifestamente de conteúdo positivo.
  Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, requisitos estes de verificação cumulativa, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
  1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
  
  Vejamos então.
  No caso em apreço tratando-se de acto de natureza disciplinar está dispensada a demonstração do requisito de prejuízo de difícil reparação a que alude a al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, tudo de acordo com o nº 3 do mesmo preceito legal.
  A questão coloca-se no que concerne ao requisito da al. b) do nº 1 da citada norma, uma vez que, tal como já se decidiu em sede de incidente de execução indevida e pelos fundamentos ali expostos que aqui se dão por reproduzidos, a suspensão do acto determina grave lesão para o interesse público não só porque se poria em causa o efeito preventivo do acto punitivo quanto a condutas semelhantes como estaria em causa a segurança pública numa área tão sensível como a do Jogo.
  Assim sendo impõe-se concluir não estar verificado este requisito.
  Recorrendo ao disposto no nº 4 da citada norma invoca o Requerente que os prejuízos que para si resultam da execução do acto são desproporcionadamente superiores ao prejuízo que poderia advir para o interesse público da suspensão.
  Para tanto alega que é casado, tem 3 filhos menos a seu cargo, o Requerente e a esposa trabalham, pagam HKD3.800,00 pela prestação para amortização do crédito contraído para compra da habitação e alude a que o inspector em sede de processo disciplinar terá referido que o rendimento do Requerente e cônjuge seria de cerca de MOP80.000,00.
  Certo é que de nada fez prova, nem tão pouco de que tem 3 filhos, menos ainda do rendimento do Requerente e da esposa, do valor pago pela amortização do empréstimo e da ausência ou existência de outros rendimentos, a não ser de que o Requerente e a esposa são donos de uma fracção autónoma sobre a qual recai uma hipoteca.
  Ou seja, nada sabemos da situação económica e familiar do Requerente.
  Admitimos adivinhar que de acordo com a situação económica da RAEM e a protecção de emprego que os residentes gozam, presumindo as habilitações e competências que terá alguém que exercia as funções do Requerente não lhe será difícil, uma vez demitido, encontrar emprego que ainda que não alcance de imediato as suas expectivas remuneratórias lhe permita contribuir de forma satisfatória para as despesas familiares.
  Uma coisa é certa, com uma prestação do montante invocado e o rendimento presumível da esposa do Requerente (para prefazer os tais MOP80.000,00) o agregado familiar do Requerente terá garantida satisfação das suas necessidades básicas com conforto seguramente mediano.
  Assim sendo, não está de forma alguma demonstrado que os prejuízos que resultam da execução do acto para o Requerente são desproporcionadamente superiores ao que resultaria para o interesse público da eventual suspensão.
  Destarte, nada havendo que permita admitir haver indícios de ilegalidade do recurso, sendo certo que não se demonstrou que a suspensão não determina grave lesão do interesse público, bem pelo contrário, ficou demonstrada essa mesma lesão e não tendo também sido demonstrada a desproporcionalidade de prejuízos que o Requerente eventualmente pudesse sofrer, outra solução não se impõe que não seja o indeferimento do Requerido.
  
V. DECISÃO

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
  - Vai indeferido o incidente de execução indevida;
  - Vai indeferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 20.11.2024 que aplicou ao Requerente a pena de demissão.
  
  Custas a cargo do Requerente fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc’s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 23 de Janeiro de 2025
  
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
  
1 Ac. do TUI, Proc. n.ºs 12/2010 e 14/2010, ambos de 10 de Maio de 2010.
2 MARCELLO CAETANO, 《Manual de Direito Administrativo》, Coimbra, Almedina, Tomo II, 9.ª
3 MARCELLO CAETANO, 《Manual de Direito Administrativo》, Coimbra, Almedina, Tomo II, p. 821.
4 4 Ac. do TUI, Proc. n.º 4/2011, de 23 de Fevereiro de 2011.

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13/2025/A SUSPENSÃO 18