Processo n.º:791/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:23 de Janeiro de 2025
Assunto:Descanso semanal; dia de descanso compensatório.
SUMÁRIO
– O trabalho prestado ao sétimo dia após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o trabalhador ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
– Na falta de nenhuma factualidade a demonstrar a existência de qualquer acordo entre as partes ou que a natureza da actividade empresarial do empregador é que impusesse, necessariamente, o gozo de descanso semanal no oitavo dia, é de qualificar o descanso do trabalhador nesse oitavo dia como dia de descanso compensatório a que o nº 2 do art. 43º da Lei n.º 7/2008 se refere, assistindo ao trabalhador o direito de ser compensado nos termos da alínea 1) do n.º 2 do art. 43º do mesmo diploma legal.
O Relator
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Seng Ioi Man
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Processo n.º:791/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão:23 de Janeiro de 2025
Recorrente:(A)
Recorrida:(B) Resorts S.A.
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I. RELATÓRIO
(A), Autor, agora Recorrente, melhor identificado nos autos, intentou acção de processo comum do trabalho contra a Ré (B) Resorts S.A., pedindo que fosse esta condenada a pagar-lhe os montantes descriminados devidamente na petição inicial.
Após a tramitação processual e julgamento, por sentença de 5 de Julho de 2024, foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia total de MOP$76.542,34, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença.
Não se conformando com a mesma, na parte relativa ao trabalho prestado
em dia de descanso semanal, veio o Autor dela recorrer, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à condenação da Recorrente na atribuição de uma compensação devida ao Autor pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
2. Pelas razões que adiante melhor se expõem, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, deste modo , mostra-se em violação ao disposto nos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008, razão pela qual se impõe que a mesma seja substituída por outra que decida em conformidade com a melhor interpretação a conferir aos referidos preceitos;
3. Resultou provado que:
- De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7.o)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8º)
- De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente Macau – a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (9º)
- De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (10º)
4. Ora, não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença entre os dois;
5. E a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir um erro de julgamento traduzido, entre, outro, no facto de se acreditar que a douta Decisão não tem factos para se poder chegar a tal resultado, nem os mesmos constavam da Base Instrutória;
6. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
7. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (B) ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$64,077.69, a título de falta de marcação e gozo de descanso semanal – e não só de apenas MOP$7,821.34, conforme parece resultar da douta Sentença.
8. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
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Contra-alegou a Ré nos termos constantes a fls. 227 a 233, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III. FACTOS
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. De 01/11/2013 a 20/07/2022, o Autor encontrou-se ao serviço da Ré, a exercer funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (A)
2. Durante a relação de trabalho, o Autor respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
3. A Ré fixou o local e o horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
4. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor prestou a sua actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
5. De 01/11/2013 a 31/10/2021, o Autor gozou de dias de férias anuais e de dias de dispensa ao trabalho no dias seguintes: (E)
Período
Dias de férias e/ou de ausência
03/06/2014 a 18/06/2014
16
23/05/2015 a 13/06/2015
22
22/03/2016 a 03/04/2016
13
09/02/2017 a 26/02/2017
18
07/10/2017 a 09/10/2017
3
21/10/2017 a 04/11/2017
15
01/05/2018 a 17/05/2018
17
17/01/2019 a 31/01/2019
15
26/03/2019 a 10/04/2019
16
28/06/2019 a 04/07/2019
7
18/10/2019 a 26/10/2019
9
2020
9
2021
9
6. Por razões associadas às exigências do funcionamento da respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (F)
7. De 01/11/2013 a 31/10/2021, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias a título de salário de base mensal e subsídio de alojamento: (1º)
De
A
Salário de base mensal
Subsídio de Alojamento
01-11-2013
31-12-2013
$6,000.00
$500.00
01-01-2014
31-12-2014
$6,300.00
$500.00
01-01-2015
31-08-2017
$6,615.00
$500.00
01-09-2017
31-10-2018
$7,000.00
$500.00
01-11-2018
31-03-2019
$10,000.00
$500.00
01-04-2019
31-10-2021
$10,600.00
$500.000
8. Desde o início da relação de trabalho até 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente uniformizado, com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (2º)
9. Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing (leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno) e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro do Casino. (3º)
10. Durante o período da relação de trabalho, o Autor compareceu ao serviço da Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de todos os dias/turnos que prestou para a Ré, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus superiores hierárquicos, sem prejuízo dos dias em que o Autor não prestou trabalho. (4º)
11. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30 minutos que antecedia o início de cada turno. (5º)
12. De 01/11/2013 a 31/10/2021, a Ré nunca conferiu ao Autor o gozo de descanso adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho prestado. (6º)
13. De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança para a Ré regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho consecutivos. (7º)
14. A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em regra, no oitavo dia. (8º)
15. De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não fixou ao Autor um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada semana (leia-se, em cada período de sete dias). (9º)
16. De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (10º)
17. De 01/11/2013 a 31/12/2017, 02 a 04, 06, 11/2019, 02, 06, 07, 12/2020 e 01, 02/2021 – descontados os períodos em que o Autor esteve ausente de Macau – a Ré não concedeu ao Autor todos os dias
de descanso compensatório na sequência do trabalho prestado. (11º)
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IV. FUNDAMENTAÇÃO
Pela sentença recorrida foi a Recorrida condenada a pagar ao Recorrente a quantia total de MOP$76.542,34, em que se integram compensações devidas a títulos diversos. Insurgiu-se o Recorrente apenas contra a sentença na parte em que condenou a Recorrida a pagar como compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, no valor de MOP15.642,68, por no seu ponto de vista, a quantia devida, em vez da apurada na sentença recorrida, deveria ser fixada em MOP64.077,69.
A questão em apreço não é nova, tendo a mesma sido debruçada e decidida, em casos semelhantes, e de forma uniforme, neste TSI.
A título exemplificativo, no Ac. de 11/01/2024 deste TSI, do proc. n.º 820/2023, afirmou-se o seguinte:
“Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”, mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr. Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino, outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório, dos elementos do pessoal de segurança da (Y), como é que não é viável mobilizá-los por forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas em cada período de sete dias!
Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac. do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia, antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº 43º da Lei nº 7/2008.”
No caso vertente, na falta de nenhuma factualidade a demonstrar a existência de qualquer acordo entre as partes ou que a natureza da actividade empresarial da Ré é que impusesse, necessariamente, o gozo de descanso semanal no oitavo dia, em desvio à regra geral consagrada na Lei nº 7/2008, é de julgar procedente o recurso condenando-se a Recorrida a pagar ao Recorrente os seguintes, tal como este veio pedir:
- De 01/11/2013 a 31/12/2013: MOP1.888,10 = [ 6.500,00 / 30 * (61 dias / 7)]
- De 01/01/2014 a 31/12/2014: MOP11.300,95 = [ 6.800,00 / 30 * (349
dias / 7)]
- De 01/01/2015 a 31/08/2017: MOP31.204,36 = [ 7.115,00 / 30 * (921 dias / 7)]
- De 01/09/2017 a 31/12/2017: MOP3.714,29 = [ 7.500,00 / 30 * (104 dias / 7)]
- De 01/02/2019 a 31/03/2019: MOP2.650,00 = [ 10.500,00 / 30 * (53 dias / 7)]
- De 04/2019 a 02/2021: MOP13.320,00 = [ 11.100,00 / 30 * (252 dias / 7)]
Ou seja, no valor global de MOP64.077,69.
Tudo visto, resta decidir.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrida (Ré) a pagar ao Recorrente (Autor) a título de compensação pelo não gozo dos dias de descanso semanal, passando a Recorrida a ser condenada a pagar, a esse respeito, a quantia de MOP64.077,69, com juros de mora à taxa legal a partir da data do presente acórdão.
Custas do recurso pela Ré.
Notifique e D.N..
RAEM, aos 23 de Janeiro de 2025
Seng Ioi Man (Relator)
Fong Man Chong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong (Segundo Juiz-Adjunto)
0
Proc. n.º 791/2024 (Recurso Civil e Laboral) 2 / 2